Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
538/22.9T8PDL.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
VALIDADE DAS PROCURAÇÕES
DIREITO DOS SÓCIOS À INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Tendo ficado provado que as assinaturas das procurações foram feitas sem a presença de qualquer advogado ou solicitador e impondo o art.º 158.º n.º 4 do C. Notariado e o art.º 4 da Portaria 657-B/2006 que os reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, sejam registados em sistema informático próprio realizado no momento da prática do ato, não podem considerar-se válidas as procurações emitidas para efeitos de representação dos cooperantes na assembleia eleitoral da R. Cooperativa, cujos estatutos impõem que para ser admitido o voto por representação, o mandato deve constar de documento escrito dirigido ao presidente da mesa da assembleia, datado e assinado pelo mandante, cuja assinatura deverá estar reconhecido nos termos legais.
2. O direito à informação dos sócios impõe que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas, mas não é um direito absoluto, podendo ser negado desde que verificados os fundamentos previstos na lei, distinguindo o legislador nos art.º 288.º, 289.º e 290.º do CSC o direito mínimo à informação, à informação preparatória das assembleias gerais a prestar previamente à sua realização e à informação nas assembleias gerais.
3. A informação solicitada pelo A., dois dias antes da data agendada para a realização da assembleia geral eleitoral, sobre o número de procurações que haviam sido entregues pelos cooperantes com o fim de serem representados na mesma, não pode ser qualificado como um elemento mínimo de informação que a R. estava obrigada a disponibilizar previamente à realização da assembleia, à luz do disposto nos art.º 289.º e 58.º n.º 1 al. c) e n.º 4 do CSC, não sendo também informação determinante ou relevante para o esclarecimento do A. com vista à tomada de qualquer posição.
4. Para efeitos de anulação de uma deliberação social é importante qualificar o vício de que a mesma enferma: se de um vício procedimental ou formal que afeta o processo ou modo de formação da deliberação, ou antes de um vício de conteúdo ou material da deliberação que se verifica quando a violação da lei resulta daquilo que foi deliberado.
5. Estando em causa a existência de votos que são nulos, por terem sido emitidos com base em procurações inválidas para o efeito, afetando dessa forma a participação e votação dos cooperantes que as subscreveram sem observância dos requisitos legalmente exigidos, estamos perante um vício de procedimento, importando avaliar a sua repercussão na deliberação tomada que elegeu os órgãos sociais da R.
6. A deliberação da assembleia geral eleitoral que procedeu à eleição dos órgãos sociais da R. só deve ser anulada se os votos viciados foram relevantes, ou seja, se foram determinantes para a obtenção da maioria que elegeu tais órgãos sociais, aplicando-se a teoria da prova de resistência.
7. É possível perceber que imputando o sentido de voto das procurações ilegais ou mesmo de todos os votos por procuração à lista A e determinando o seu desconto no resultado final da votação, sempre seria a lista A a obter vencimento por maioria necessária dos cooperantes para eleger os órgãos que elegeu, resistindo a deliberação tomada àqueles vícios, não havendo por isso fundamento para anular a deliberação impugnada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Vem JM, intentar a presente ação comum contra Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL., formulando os seguintes pedidos a final:
“(…) deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada, e em consequência, determinar-se:
1. a anulação das deliberações da R. tomadas na assembleia geral eleitoral e na assembleia geral ordinária de aprovação do relatório, balanço e contas e parecer do conselho fiscal, realizadas a 31 de janeiro de 2022, porquanto e em resumo:
a) a lista A não poderia ter sido aceite pelo presidente da mesa, por violar o artigo 15.º dos Estatutos;
b) a votação por representação foi realizada contra o disposto no Estatuto e na lei, tendo sido emitidos verdadeiros mandatos “em branco” e com assinaturas não reconhecidas “nos termos legais” e violando os art.º 153.º do Código do Notariado;
c) foi violado o direito à informação do A./cooperante consubstanciada primeiro na recusa da indicação do número de procurações entregues na data e hora limites para a aceitação do voto por representação e segundo na recusa ao acesso aos documentos postos a votação na segunda assembleia geral e previamente a esta;
2. o cancelamento do registo comercial dos órgãos sociais eleitos por deliberação da assembleia geral, cuja anulação se requer;
3. a anulação de todas e quaisquer outras deliberações tomadas pelos referidos órgãos sociais desde 31 de janeiro do corrente ano;
4. a condenação da R. em custas e condigna procuradoria.”
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido que: a lista A não podia ter sido aceite pelo presidente da mesa, por violar o artigo 15º dos Estatutos; a votação por representação foi realizada contra o disposto no Estatuto e na lei, tendo sido emitidos verdadeiros mandatos “em branco” e com assinaturas não reconhecidas “nos termos legais” e violando os art.º 153º do Código do Notariado; foi violado o direito à informação do A./cooperante consubstanciada primeiro na recusa da indicação do número de procurações entregues na data e hora limites para a aceitação do voto por representação e segundo na recusa ao acesso aos documentos postos a votação na segunda assembleia geral e previamente a esta. O A. enquanto cooperante da R., aponta vícios ao procedimento da eleição dos órgãos sociais na aceitação das listas concorrentes, por ter havido tratamento desigual entre elas; no sufrágio, em virtude de pressões sobre os eleitores; irregularidades no que toca aos instrumentos de mandato outorgado por alguns cooperantes, mais alegando que não lhe foi facultada a informação sobre o número de procurações de associados recebidas e não lhe foram facultados os documentos atinentes ao relatório, balanço e contas apresentado pelo conselho de administração relativo ao exercício social de 2020 que foi alvo de discussão e votação na assembleia de 31.1.2022.
A R. foi devidamente citada e veio contestar, impugnando os factos alegados pelo A. e concluindo pela improcedência da ação.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi determinado o registo da ação, tendo sido proferido despacho saneador que julgou verificados os pressupostos processuais e afirmou a validade da lide. Foi fixado o valor da ação, enunciado o objeto do litígio e apontados os temas de prova.
Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença que decidiu a final nos seguintes termos:
“a. Declarar nulas as deliberações da R. Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL. tomadas na assembleia geral eleitoral realizada a 31 de janeiro de 2022;
b. Em razão da nulidade referida em a., determinar o cancelamento do registo comercial dos órgãos sociais eleitos por deliberação da assembleia geral da R. Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL., de 31.1.2022; e
c. Ainda em razão da nulidade apontada em a. decretar a anulação de todas as deliberações tomadas pelos órgãos sociais da R. Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL. desde 31 de janeiro de 2022.
No mais vai absolvida a R. Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL.”.
É com esta decisão que a R. não se conforma e dela vêm interpor recurso, requerendo que lhe seja fixado o efeito suspensivo, concluindo pela revogação da sentença proferida, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. A alínea e) do artigo 647.º, n.º 3, al. e) atribui efeito suspensivo às “decisões previstas nas alíneas e) e f) do n.º 2 do artigo 644.º”, ou seja, à “decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo”.
B. O Tribunal a quo ordenou, em sede dispositiva, que fosse cancelado o registo comercial dos órgãos sociais eleitos, pelo que, em conformidade, deverá ser
atribuído efeito suspensivo ao presente recurso por força do artigo 647.º, n.º 3, al. e).
Sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá, a propósito do efeito a atribuir ao recurso, o seguinte:
C. Fora do elenco dos casos em que a lei não atribua efeito suspensivo ao recurso, é ainda assim possível que tal efeito venha a ser atribuído mediante a demonstração, pelo Recorrente, da existência de um prejuízo considerável que possa resultar do efeito meramente devolutivo, segundo o artigo 647.º, n.º 4 do CPC.
D. Nos presentes autos existe tal prejuízo considerável caso não seja concedido o efeito suspensivo pela situação de total desgoverno – passado, presente e futuro – em que ficará a Cooperativa pela ausência do seu órgão de gestão fundamental. Com efeito,
E. Após a eleição da Assembleia Geral realizada a 31 de Janeiro de 2022, os
membros integrantes da lista A passaram a exercer, até à presente data, as funções
inerentes aos cargos sociais para que foram eleitos.
F. A Recorrente é uma entidade cooperativa de grande amplitude, com uma atividade de enorme relevo no setor a que se dedica nos Açores, com um considerável volume de negócios e número de cooperadores e cuja atividade económica depende em larga medida dos serviços e do papel que a cooperativa em questão assume na sua circunscrição territorial.
G. A administração da Recorrente implica a prática quotidiana de vários tipos de contratos, acordos e atos jurídicos praticados pelos seus órgãos sociais.
H. De forma concreta, retenha-se que a faturação anual da Cooperativa é de €66.031.445,60, a Cooperativa tem atualmente em gastos de pessoal (média de 40 colaboradores) uma média anual de €830.622,77, com um resultado líquido da cooperativa em 2021 + -1.010.908,87, com créditos a receber a 31.12.2021 – €7.183.527, sendo o passivo bancário a vencer em 2023, indicado nas contas de 2021, no montante de €5.101.862 – e, como está bom de ver, sem um órgão que assuma e coordene a gestão de todos estes compromissos diários, os mesmos podem naturalmente ficar colocados em causa com tudo o que isso pressupõe em termos de incumprimento para a Cooperativa e com aqueles que com esta se relacionam, tudo conforme relatório de contas da Recorrente.
I. Decorreu quase um ano inteiro desde que os atuais órgãos sociais assumiram a tarefa de assegurar a gestão corrente e o planeamento da atividade da cooperativa, no sentido de contribuir para o desenvolvimento do negócio da mesma de um modo sustentado, continuado e coerente com a visão estratégica concertada para o período do mandato em causa.
J. A Recorrente dedica-se à aquisição de produtos aos seus membros com o intuito de proceder à sua venda em mercado, mais assegurando também todo o iter intermédio entre a aquisição e a venda – a transformação dos produtos, o seu armazenamento e conservação e, naturalmente, a contratação e organização de todos os bens e serviços inerentes, assegurando ainda a prestação de um largo espectro de outros serviços.
K. O exercício das funções inerentes aos órgãos sociais da Recorrente, durante o período de um ano, implica a prática de um número elevadíssimo de atos jurídicos de suma importância para o bom desenrolar da sua atividade acima descrita, designadamente contratos de fornecimento de produtos da cooperativa com entidades terceiras, aquisição de produtos a membros da Cooperativa, protocolos e acordos de colaboração e prestação de serviços com entidades terceiras e acordos de representação com entidades terceiras referentes à venda de máquinas e outros materiais agrícolas em que a Cooperativa atua como intermediária para o mercado dos Açores.
L. A atribuição de efeito meramente devolutivo à presente apelação teria um efeito absolutamente incomportável para a atividade da Recorrente, pois implicaria que todos e quaisquer negócios celebrados no período entre Janeiro de 2022 até à presente data fossem imediatamente considerados nulos.
M. A continuidade da atividade da Recorrente seria gravemente posta em causa pela repentina circunstância de, afinal, tais órgãos serem imediatamente destituídos das suas funções.
N. A Recorrente seria colocada numa situação de plena “ingovernabilidade” no imediato, na medida em que deixaria de ter em funções os órgãos atuais e, por outro lado, ficaria numa situação de incerteza acerca de quais seriam os órgãos a considerar em efetivas funções.
O. A consistência e estabilidade da atividade da Recorrente não seria compaginável com a imediata produção de efeitos da decisão recorrida, a qual lhe traria prejuízos consideráveis.
P. A Recorrente oferece-se a prestar a referida caução mediante a subscrição de uma garantia bancária à ordem dos presentes autos, até ao valor de €50.000,01.
Q. A sentença proferida pelo Tribunal a quo pronunciou-se sobre uma ação intentada com o intuito de ver anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da ora Recorrente na data de 31 de Janeiro de 2022.
R. No que concerne ao Ponto 15. da matéria factual, o Tribunal a quo não dispunha de elementos factuais suficientes a sustentar tal decisão.
S. As 127 procurações em questão foram assinadas por 127 pessoas diferentes da cooperativa, pelo que, para efeitos deste processo, só cada uma dessas mesmas pessoas é que poderia, individualmente, ter atestado se efetivamente assinou a respetiva procuração na presença de advogado ou solicitador.
T. O Tribunal a quo não tomou os depoimentos de cada um dos signatários de tais procurações, pelo que carece de qualquer fundamento probatório para vir alegar a nulidade de cada um dos instrumentos em causa com base na pretensa falta de efetivo reconhecimento presencial, sendo certo que não existe um outro depoimento apto a atestar tais factos.
U. O Tribunal a quo limitou-se a tomar em linha de conta os depoimentos de um conjunto de pessoas que não tinham conhecimento concreto e específico sobre o procedimento de recolha de todas e cada uma das 127 assinaturas em questão.
V. O Tribunal bastou-se, erradamente, com os depoimentos de meros terceiros cujo conhecimento concreto, no que respeito a tão amplo processo de recolha de assinaturas, não é mais do que uma mera suposição ou conjetura sobre tais assinaturas.
W. Os termos de reconhecimento das assinaturas em questão, dos quais consta a menção da presença do signatário, correspondem a documentos autênticos que, nos termos do artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil, fazem prova plena acerca dos
factos que se referem como tendo sido praticados pelo respetivo autor.
X. Quanto ao Ponto 22. da matéria factual, são inteiramente aplicáveis as considerações expendidas nos parágrafos anteriores e, além disso, que há que distinguir entre o próprio ato de reconhecimento da assinatura, por um lado, e a emissão do certificado de registo de tal reconhecimento, ato este que poderá ser feito em momento posterior ao reconhecimento propriamente dito, como terá sucedido no caso de algumas das procurações em apreço.
Y. Pela mesma ordem de considerações acima expendidas, impõe-se, igualmente, que os factos constantes dos Pontos 39. e 40. da matéria sejam, inversamente, julgados como provados.
Z. Os Pontos 44. a 46. da matéria de facto não poderiam ter outro destino senão o de serem julgados, igualmente, como provados, atendendo aos números de votos apurados em Assembleia Geral e, por outro lado, ao exercício matemático inerente à inevitável conclusão de quais seriam, ao invés, os referidos resultados caso não tivessem sido contabilizados os votos que o Tribunal a quo considerou inválidos por força das alegadas irregularidades dos documentos de representação.
AA. Do supra exposto, restará concluir, em suma, que os Pontos 15. e 22. Da matéria de facto assente deverão, ao invés, ser julgados como não-provados e, inversamente, os pontos 39., 40. e 44. a 46. deverão ser julgados como provados.
BB. O Tribunal a quo, em sede de sentença, faz referências genéricas esporádicas a pretensas desconformidades alegadamente verificadas nos instrumentos de representação que são objeto dos presentes autos.
CC. Porém, o Tribunal não retira de alegadas irregularidades qualquer tipo de
consequência legal para efeitos da respetiva validade.
DD. A sentença a quo sustenta a pretensa nulidade de cada uma das 127 procurações utilizadas para a emissão de igual número de votos exclusivamente com base na violação do disposto no artigo 153.º, n.º 4 do Código do Notariado.
EE. Por outras palavras, entendeu o Tribunal a quo, com base nos elementos carreados para os autos, que é possível concluir-se que nenhuma das referidas 127 procurações terá sido feita com respeito pela obrigatoriedade legal de que as assinaturas subjacentes fossem realizadas na presença da pessoa habilitada para o efeito.
FF. Face ao que supra se alegou em sede matéria factual, mostra-se absolutamente evidente que o Tribunal a quo não dispunha de elementos minimamente sólidos nem suficientes para dar por provado que todas as procurações, individualmente consideradas, padeciam da aludida nulidade resultante da suposta ausência de reconhecimento efetivamente presencial das respetivas assinaturas.
GG. A circunstância de o reconhecimento ter sido feito presencialmente resulta dos próprios termos de registo de reconhecimento, os quais, não contendo qualquer tipo de desconformidade, fazem prova plena, por força do artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil, de que tal reconhecimento foi efetivamente realizado por forma presencial, sem prejuízo da diversa eventualidade de tais termos poderem ter sido feitos a posteriori.
HH. A alegada falta de presença da entidade habilitada para o reconhecimento não é um elemento que possa ser considerado provado pelo Tribunal por mera análise documental, nem tampouco corresponde a uma circunstância que possa resultar da liberdade de qualificação jurídica do Tribunal em matéria de direito.
II. A afirmação de que os instrumentos de representação tenham sido realizados sem reconhecimento presencial corresponde a um elemento factual cuja comprovação dependia da produção de prova testemunhal carreada por pessoas com efetivo conhecimento dos concretos moldes de cada um dos reconhecimentos.
JJ. Na total ausência de tais depoimentos, seja por parte de cada um dos signatários, seja por parte da pessoa responsável pela elaboração dos reconhecimentos, o Tribunal jamais podia ter dado como provada a ausência de reconhecimento presencial com base em meros depoimentos indiretos, genéricos e alusivos apenas à perceção global e pessoal que cada testemunha tinha do modo geral como decorreu o processo de recolha de assinaturas.
KK. Assim, inexiste fundamento jurídico para se considerarem nulas as procurações em causa e, consequentemente, não se poderia ter decidido pela subsequente nulidade das deliberações tomadas em Assembleia Geral.
LL. A sentença a quo decidiu pela nulidade da deliberação eleitoral sustentando, igualmente, que a Recorrente se terá recusado a prestar ao Autor, em data anterior à Assembleia Geral, a informação referente ao número de procurações recebidas para efeitos de representação dos seus membros com direito de voto.
MM. O Tribunal a quo limita-se a remeter para a norma genérica contida no artigo 21.º, n.º 1, al. c), norma essa que não concretiza, de modo algum, a extensão concreta do direito à informação que se considera violado.
NN. A falta de prestação de tal informação ao Autor derivou do facto de que, no momento de tal pedido de informação, não se sabia ainda, ao certo, qual teria sido o número de procurações submetidas para efeitos de voto por representação.
OO. Porém, a eventual consequência legal a atribuir à alegada violação do direito de informação do Autor carece de ser resolvida com o apelo às normas concretamente aplicáveis a tal matéria.
PP. O artigo 58.º, n.º 1, al. c) prescreve a anulabilidade das deliberações que “Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação”.
QQ. Porém, para efeitos da supra referida anulabilidade, não releva a falta de prestação de toda e qualquer informação.
RR. O n.º 4 do artigo 58.º do CSC dispõe expressamente sobre quais sejam as informações tidas como elementos mínimos para efeitos de anulabilidade:
SS. A falta de prestação de informação solicitada apenas acarreta a eventual nulidade de uma deliberação social nos casos previstos no artigo 58.º, n.º 4 do CSC.
TT. O Autor não alega, para efeitos do seu pedido de anulação da deliberação
eleitoral, que lhe tenha sido preterido qualquer informação que integre o elenco dos “elementos mínimos” para efeitos das supra referidas normas.
UU. O Autor limita-se a invocar que, em momento anterior à Assembleia Geral, não foi informado sobre o número de procurações entregues para voto por representação, informação essa que, evidentemente, não integra a qualquer título o conjunto de informações de prestação obrigatória prévia à Assembleia e, como tal, não pode ter por efeito a nulidade da deliberação eleitoral em causa.
VV. Na própria Assembleia Geral eleitoral, jamais foi negado ao Autor ou aos
restantes membros presentes na mesma o direito de proceder à análise dos instrumentos de procuração.
WW. Pelo contrário, ficou demonstrado nos autos que os membros da Mesa da Assembleia Geral facultaram a todos os membros da cooperativa o acesso a tais
instrumentos e, ademais, submeteram a ampla discussão, em Assembleia, a aceitação ou recusa das procurações que haviam sido entregues.
XX. Conclui-se, em suma, que não procede a invocação da pretensa anulabilidade derivada de falta de informação, uma vez que, conforme supra exposto, não foi vedado ao Autor qualquer informação legalmente considerada como obrigatória para efeitos do disposto no artigo 58.º, n.º 2, al. c) do CSC.
YY. A decisão do Tribunal a quo em julgar nula a deliberação eleitoral teve por base o entendimento de que os 127 instrumentos de representação seriam nulos, por violação do disposto no artigo 153.º, n.º 4 do Código do Notariado.
ZZ. Já se demonstrou supra que tal pretensão de invalidade não pode ser julgada procedente.
AAA. Por mera cautela de patrocínio, cumpre, em acréscimo, demonstrar cabalmente que mesmo que se pudesse considerar que algum destes fundamentos configurasse uma efetiva causa de anulabilidade, a mesma não seria apta a produzir os efeitos pretendidos pelo Autor, atenta a sua insusceptibilidade de afetar, materialmente, o desfecho final da deliberação eleitoral.
BBB. Nenhuma das pretensas invalidades apontadas pelo Tribunal a quo se podem subsumir às nulidades previstas no artigo 56.º, n.º 1 do CSC.
CCC. Caso alguma invalidade existisse, a mesma teria de ser subsumida, no limite, ao elenco do artigo 58.º, n.º 1 do CSC.
DDD. A causa de pretensa invalidade da deliberação em análise, com base na suposta nulidade dos instrumentos de representação, assumiria, em abstrato, uma natureza meramente formal ou procedimental, porquanto não diz respeito à própria materialidade da deliberação eleitoral, que é, em si mesma, uma deliberação plenamente válida no plano da sua substância.
EEE. Igualmente se pode excluir, liminarmente, a subsunção da suposta nulidade das procurações à alínea c) da norma em crise, porquanto as supostas irregularidades das procurações tampouco configuram a violação do dever de informação.
FFF. Em teoria, a invalidade invocada Autor, a verificar-se, subsumir-se-ia ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, por configurar, no (incorreto) entendimento do Tribunal a quo, uma violação de uma norma legal perante a qual o artigo 56.º do CSC não comina a expressa nulidade.
GGG. Porém, este raciocínio não se afigura bastante para que se possa julgar verificada procedência do alegado vício, porquanto a nossa doutrina e jurisprudência têm sido unânimes na afirmação de que nem todos os vícios subsumíveis ao disposto no artigo 58.º, n.º 1, al. a) são suscetíveis de gerar a efetiva anulabilidade das deliberações.
HHH. No entendimento propugnado por MENEZES CORDEIRO, OLIVEIRA ASCENSÃO, COUTINHO DE ABREU e JORGE PINTO FURTADO, as formalidades procedimentais eventualmente verificadas em Assembleia não configuram, ipso facto, uma causa de anulabilidade relevante para efeitos do disposto no artigo 58.º, n.º 1 do CSC.
III. Ao invés, entendem estes autores que uma anulabilidade de índole procedimental apenas é suscetível de se considerar relevante caso se possa considerar, em concreto, que a mesma comporte reflexos e consequências materiais para o desfecho da decisão tomada em Assembleia Geral.
JJJ. As formalidades procedimentais não encerram, de um modo geral, um fim em si mesmo – ao invés, destinam-se a assegurar que os interesses materiais imanentes aos procedimentos legais não possam ser materialmente subvertidos mediante o desrespeito dos mesmos.
KKK. Porém, a verdade é que, como bem assinalam os referidos autores, não existe nenhum interesse material a tutelar quando se mostre evidente que uma mera
irregularidade procedimental não comporta qualquer relevância para o desfecho ulterior da materialidade subjacente ao procedimento em questão.
LLL. Tal entendimento, como bem nota MENEZES CORDEIRO, tem pleno acolhimento teleológico no plano sistemático global do nosso ordenamento jurídico – expoente máximo disso mesmo é, justamente, a norma vertida no artigo 195.º, n.º 1 do CPC, ao determinar a irrelevância jurídica da preterição procedimental que não influa, in fine, no exame ou na decisão da causa.
MMM. O entendimento doutrinal propugnado pelos autores acima elencados tem recebido acolhimento favorável por parte da jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente no Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 11.10.2022, Proc. n.º 2418/21.6T8VNG.S1; acórdão de 09.03.2010, Proc. 68/03.8TVLSB.S1) e no Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão de 12.02.2008, Proc. n.º 4584/2006-7).
NNN. Cumpre averiguar se, na situação que constitui objeto dos presentes autos, se pode considerar que a pretensa anulabilidade configuraria uma invalidade relevante para a materialidade do processo decisório e para o seu desfecho concreto.
OOO. Tal exercício passar consiste em avaliar quais teriam sido os resultados eleitorais caso o sufrágio tivesse sido levado a cabo sem que se tivessem verificado as apontadas invalidades, ou seja, caso as procurações em apreço não tivessem sido contabilizadas.
PPP. Tal juízo, de natureza aritmética, haverá de ser feito de acordo com as coordenadas de COUTINHO DE ABREU, isto é, averiguando, em concreto, “se a maioria deliberativa exigida se mantiver depois de descontados os votos indevidamente computados”.
QQQ. Foram emitidos em Assembleia Geral eleitoral um número total de 426 votos, dos quais 336 foram a favor da Lista A, 86 a favor da Lista B e 4 foram nulos.
RRR. No universo global de 426 votos, 127 de tais votos foram emitidos através de procuração.
SSS. São esses 127 votos que, por terem sido alegadamente realizados através de instrumentos de representação inválidos, não deverão ser contabilizados no exercício em causa.
TTT. O exercício cabal da supra descrita “prova de resistência” pode ser feito de forma simples e até “conservadora”, demonstrando plenamente o que o Tribunal a quo pura e simplesmente preferiu ignorar de forma frontal.
UUU. Em primeiro lugar, excluir-se-á do exercício eleitoral em questão os 127 votos pretensamente inválidos, sobrando apenas os votos emitidos presencialmente e que não são colocados em crise pela sentença a quo;
VVV. Para efeitos de imputação, considerar-se-á que os 127 excluídos seriam todos eles a favor da Lista A;
WWW. Por força de tal recontagem, baseada apenas nos votos presenciais e
insindicados, num universo global de 299 votos, o resultado eleitoral atribuiria 209 votos à Lista A, 86 votos à lista B e 4 votos nulos.
XXX. Das normas constitucionais resulta a afirmação clara da livre constituição, com obediência aos princípios cooperativos, e funcionamento das cooperativas, conferindo uma ampla autonomia aos interessados.
YYY. O princípio da gestão democrática das cooperativas deve ser obrigatoriamente observado como um princípio fundamental, na constituição e funcionamento de qualquer tipo de cooperativa.
ZZZ. As assembleias setoriais e a representação dos cooperadores na assembleia geral da cooperativa por delegados eleitos são compatíveis com a essência do princípio da gestão democrática.
AAAA. A conclusão da “prova de resistência” é por demais evidente – a alegada invalidade dos instrumentos de procuração, a verificar-se, seria absolutamente inócua para o desfecho final e material da Assembleia Geral eleitoral, porquanto a desconsideração de tais votos não daria lugar a um resultado diverso daquele que se verificou – a eleição da Lista A.
BBBB. O Tribunal a quo, ao ter decidido que as pretensas invalidades das procurações geram a anulabilidade da deliberação eleitoral, violou o disposto no artigo 58.º do CSC, por ter ignorado a irrelevância material de uma inconformidade que, a ter-se por verificada, não comportaria um qualquer impacto no desfecho material da deliberação em apreço.
CCCC. O Tribunal a quo julgou improcedente a anulação da deliberação de aprovação do Relatório e Contas referente ao ano de 2021, não obstante ter, a final,
declarado nulas todas as deliberações tomadas em Assembleia Geral.
DDDD. Face à improcedência da referida anulação, deverá a decisão ser corrigida no sentido de se julgar válida a deliberação referente a tal Relatório e Contas.
A R. veio responder ao recurso pugnando pela rejeição da impugnação da matéria de facto por inobservância dos requisitos legais, sempre concluindo pela improcedência da apelação e manutenção da decisão proferida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
II. Questões a decidir:
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º nº 2 in fine:
- da retificação da decisão quanto à deliberação de aprovação do relatório e contas;
- da impugnação da matéria de facto;
- da (in)validade das procurações emitidas;
- da violação do dever de informação por parte da R.;
- dos vícios verificados nas procurações (não) terem influência relevante no resultado final da votação.
III. Retificação da sentença
- da retificação da decisão quanto à deliberação de aprovação do relatório e contas
Alega a Recorrente que não há fundamento para a anulação da deliberação de aprovação do relatório e contas da R., o que foi reconhecido na sentença proferida ao considerar estar vedado ao A. impugnar tal deliberação por a ter votado favoravelmente em Assembleia Geral, pelo que só por lapso não terá ficado expresso na decisão final a improcedência desse pedido.
Contrariamente ao que refere a Recorrente a sentença proferida não anulou a deliberação da aprovação do relatório e contas relativo ao ano de 2021.
Afigura-se que não está em causa um qualquer lapso do tribunal de 1ª instância, suscetível de ser corrigido nos termos previstos no art.º 614.º n.º 1 do CPC, mas antes uma situação em que a Recorrente não está a interpretar bem a decisão proferida.
O A. na sua petição inicial fórmula a final diversos pedidos que enumera, constando do n.º 1 o seguinte: “a anulação das deliberações da R. tomadas na assembleia geral eleitoral e na assembleia geral ordinária de aprovação do relatório, balanço e contas e parecer do conselho fiscal, realizadas a 31 de janeiro de 2022…”
A sentença recorrida avaliou separadamente a validade de cada uma dessas deliberações: a que se reporta à aprovação do relatório e contas e a que se reporta a eleição dos órgãos da cooperativa, tal como foram individualizadas pelo A.
Quanto à deliberação que aprovou o relatório e contas refere-se na sentença: “Já no que toca à violação do direito à informação avançado pelo A. relativamente à assembleia geral para aprovação das contas da R. levada por diante no dia 31.1.2022…porque o A. nessa assembleia participou votando a favor…não lhe assiste legitimidade para invocar o vício daí decorrente porque assim decorre de forma clara do nº.1 do art.º 59º do Código das Sociedades Comerciais, improcedendo a ação neste particular.”.
E em conformidade com os fundamentos enunciados conclui com a seguinte decisão final:
“Face ao exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, nessa conformidade, decido:
a. Declarar nulas as deliberações da R. Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL. tomadas na assembleia geral eleitoral realizada a 31 de janeiro de 2022;
b. Em razão da nulidade referida em a., determinar o cancelamento do registo comercial dos órgãos sociais eleitos por deliberação da assembleia geral da R. Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL., de 31.1.2022; e
c. Ainda em razão da nulidade apontada em a. decretar a anulação de todas as deliberações tomadas pelos órgãos sociais da R. Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL. desde 31 de janeiro de 2022.
No mais vai absolvida a R. Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, CRL.
Custas pelas partes na proporção de 40% para o A. e 60% para a R.”.
Verifica-se assim que a ação foi julgada apenas parcialmente procedente, tendo sido declaradas nulas tão só as deliberações tomadas em assembleia geral eleitoral, determinado o cancelamento do registo dos órgãos sociais nela eleitos, bem como todas as deliberações tomadas por esses órgãos, tendo no mais – que só pode ser reportado ao pedido de anulação da deliberação da assembleia geral que aprovou o relatório e contas - a R. sido absolvida do pedido.
Tal significa que a sentença proferida julgou a ação apenas parcialmente procedente e absolveu a R. do pedido que havia sido também formulado pelo A. de anular a deliberação tomada em assembleia geral ordinária da R. de aprovação do relatório, balanço e contas e parecer do conselho fiscal, também realizada a 31 de janeiro de 2022, de acordo com os fundamentos que apresentou. Ainda que não tenha ficado a constar expressamente na decisão a individualização do(s) pedido(s) que o tribunal julgou improcedente(s), naturalmente que não pode deixar de considerar-se que ao fazer-se menção a tudo o mais (que não o relacionado com a assembleia eleitoral e eleição dos órgãos da cooperativa) nele se integra naturalmente aquele pedido de anulação das deliberações da R. tomadas na assembleia geral ordinária de aprovação do relatório, balanço e contas e parecer do conselho fiscal, realizadas a 31 de janeiro de 2022.
Assim sendo, já se vê que nada importa retificar na sentença proferida que não padece de lapso.
IV. Fundamentos de Facto
- da impugnação da matéria de facto
A Recorrente vem impugnar a decisão de facto manifestando a sua discordância relativamente aos factos dados como provados nos pontos 15 e 22 e como não provados nos pontos 39, 40 e 44 a 46.
O Recorrido na sua resposta ao recurso, defende que deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto apresentada, por não ter sido dado cumprimento pela Recorrente ao disposto nas várias alíneas do art.º 640.º n.º 1 do CPC.
O art.º 640.º do CPC impõe um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto dispondo:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
b) (…)
3. (…)
De acordo com o disposto no art.º 640.º n.º 1 do CPC já mencionado, além da indicação concreta dos factos que considera mal avaliados, é necessário que o Recorrente individualize as divergências relativas a cada facto que impugna com referência aos concretos meios de prova que constam do processo que determinam uma diferente resposta do tribunal, exigência prevista na al. b) do n.º 1, sob pena de imediata rejeição do mesmo.
O art.º 640.º do CPC ao impor estes ónus a cargo do Recorrente, traduz uma opção do legislador que não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados, relativamente aos quais a parte manifesta e concretiza a sua discordância, com fundamento nos meios de prova concretos que indica, que em se tratando de depoimentos gravados devem estar bem delimitados na parte considerada relevante por identificação no excerto da gravação; deve ainda indicar a decisão que entende dever ser proferida sobre os factos contestados.
Diz-nos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 126, a propósito do requisito previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, a observar na impugnação da matéria de facto que: “Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.” Acrescenta a pág. 129: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.
É à luz destes requisitos legais exigíveis para a impugnação da matéria de facto, que importa avaliar a impugnação apresentada pela Recorrente.
- Quanto aos pontos 15 e 22 dos factos provados e 39 e 40 dos factos não provados têm o seguinte teor:
15. Ao longo da campanha que se integra no processo eleitoral da R. membros da lista A “angariaram” cooperantes que contataram e persuadiram a assinarem um documento que tinha como título “Procuração”, o que os identificados nos documentos de fls.64, 66, 68, 70, 72, 74, 76, 78, 83, 85, 87, 89, 91, 93, 95, 100, 102, 104, 112, 114, 116, 118, 120, 122, 124, 126, 128, 130, 132, 137, 139, 141, 143, 145, 147, 152, 154, 156, 158, 160, 162, 164, 166, 168, 170, 175, 177, 179, 184, 186, 188, 193, 195, 197, 202, 204, 209, 211, 216, 218, 223, 225, 227, 229, 234, 236, 238, 240, 242, 244, 246, 248, 250, 252, 254, 256, 258, 260, 262, 264, 266, 268, 270, 272, 274, 276, 278, 283, 285, 287, 289, 291, 293, 295, 297, 299, 301, 303, 305, 307, 309, 311, 313, 315, 317, 319, 321, 323, 325, 327 e 329 fizerem sem a presença de qualquer advogado ou solicitador que logo ali reconhecesse as respetivas assinaturas.
22.  Os termos de “reconhecimento” das assinaturas apostas nos documentos apontados em 15., referem que as mesmas foram feitas “pelo próprio, perante mim”, ou “na presença”, naturalmente de quem efetuou o reconhecimento e concretizaram-se na “Comarca dos Açores” não se referindo o concreto lugar geográfico onde as assinaturas foram apostas, menção que não corresponde à verdade pois esses reconhecimentos foram feitos em momento posterior à assinatura deles.
39. As assinaturas dos mandantes constantes das procurações referidas em 15. a 17. foram reconhecidas porque feitas/confirmadas pelos próprios perante solicitadora que, expressamente e para o efeito, se dirigiu à casa ou aos locais onde os mesmos se encontravam;
40. Após aporem as suas assinaturas, porque a solicitadora não tinha acesso à plataforma de reconhecimentos nos locais que percorreu, no regresso ao seu escritório, reconheceu-as;
Pretende a Recorrente que a matéria que consta nos pontos 15 e 22 dos factos provados seja considerada não provada e, pelo contrário, que os factos constantes dos pontos 39 e 40 sejam tidos como provados, alegando que o tribunal a quo não tinha elementos suficientes para concluir que cada uma das 127 procurações foi feita nos termos referidos, por não ter sido recolhido o depoimento dos seus 127 signatários, mais alegando que estão em causa documentos autênticos cuja força probatória não pode ser questionada apenas com base no depoimento de testemunhas.
O tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a resposta a esta matéria: “As testemunhas AS, JP, RS, PC, VG, SP, MM, MA, MOM, VGC, CC, JP, VF e DM…todos cooperantes da R. e, parte deles, candidatos pelas listas concorrentes às eleições aqui em causa, seja a membros dos órgãos sociais seja a delegados da UNILEITE, com depoimentos aqui e ali reveladores de algum comprometimento com a posição da lista que integravam, contudo claros e escorreitos, lá confirmaram a convocatória para as eleições, que foram antecipadas face ao que antes em assembleia geral de dezembro havia sido aventado, e as ações de campanha dos representantes das listas. Dos seus depoimentos sai uma visão assustadora acerca da forma como se angariaram os votos daqueles que, por uma ou outra razão, não podiam acorrer às urnas e doutros que, até estando na disponibilidade de votarem presencialmente foram “persuadidos” a subscreverem um “mandato” que, ao invés de os representar antes garantiria votos à lista que o angariou…não escolhendo, nenhum dos mandantes o mandatário que para tanto os representasse…porque este, como saiu claramente de todos os depoimentos era escolhido pela máquina ligada à lista angariadora e tudo porque os estatutos impõem que um sócio não pode, por via de procuração, representar mais do que um outro cooperador. Do depoimento destas testemunhas sai de forma cristalina que os representantes das listas...em atos de campanha se dirigiam aos sócios no sentido de apurarem se iriam votar presencialmente ou…se preferissem ou preferencialmente que assinassem um documento titulado de “Procuração”, minuta que lhes foi franqueada pela própria R., que se limitavam a assinar. Nestas minutas não preenchiam os “mandantes” sequer o campo atinente à sua identificação e muito menos escolhiam a pessoa que em seu nome iria votar nas eleições que já estavam marcadas. Na verdade, nenhuma das pessoas que assinou os documentos intitulados “Procurações”, alinhados acima em 15. dos factos, escolheu a pessoa da sua confiança que os representaria no sufrágio…tarefa que foi avocada pelos representantes da lista A que os foi preenchendo a seu bel prazer e de forma a garantir que os votos correspondentes teriam o sentido que lhes convinha…já que, neste marasmo, o “mandante” nem sequer deu ao “mandatário” qualquer indicação sobre o sentido de voto…pois era coisa que há muito estava decidido pelos representantes da lista que, naturalmente, na tarefa de preencherem o documento com o nome do mandatário se asseguravam que o voto seria a favor da lista que representavam…tal como muitas das testemunhas referiram…as “procurações” eram um voto garantido na lista que as angariou. Naturalmente…no dia do sufrágio, os representantes da lista B à mesa, olhando para as procurações que iam sendo mostradas ao cooperante que ia exercer o seu voto e o que nelas estava “mandatado” começaram a perceber a marosca…efetivamente nenhum dos “mandatários”, a pergunta feita pelos representantes da lista B na mesa, conhecia o “mandante”, já que com ele nunca tinha falado e aceitou votar com a procuração que só naquela altura lhe era apresentada porque isso lhe foi solicitado pela pessoa que encabeçava a lista A…situação que, por constrangedora, foi remediada com a abordagem prévia dos “mandatários”, chamados a um compartimento do primeiro piso da sede da R., a quem lhes era dada a informação sobre a identificação do “mandante” e da respetiva morada, passando, para que não esquecessem esses dados quando com a pergunta fossem confrontados, a esse “mandatário” um papelinho com essa informação que entregavam ou liam na hora de exercerem o direito de voto. Confirmaram as testemunhas que alguns “mandatários”, depois de questionados pelos representantes à mesa da lista B recusaram votar em representação dos subscritores de tais documentos…mas muitos exerceram o seu direito de voto e o que resultava de tais documentos…nomeadamente dos que o presidente da mesa não desconsiderou apesar do protesto dos membros da mesa representantes da lista B. (…) As procurações elencadas acima no ponto 15., através de um simples olhar, revelam tudo o que elas escondem para lá da sua formalidade. É verdade que estão preenchidas e nelas estão expressos todos os dados relevantes, fito dela, a escolha de mandatário e o reconhecimento da assinatura …no entanto, a substância delas, que é notária, revela que as mesmas não têm a virtualidade de dizerem o que formalmente declaram. Na realidade todas elas e no que toca ao “mandante” apenas contêm a sua assinatura…todos os demais elementos são estranhos àquele. O “mandante” não se identificou de forma cabal, não escolheu o “mandatário” e não lhe apontou o sentido desse “mandato” …tendo sido o representante da lista A., que as angariou, a dar essas indicações que não tiveram a concordância do “mandante”. As várias caligrafias que nelas encontramos…até com cores diferentes de tinta…e com reconhecimentos diferidos no tempo para lá da data da respetiva assinatura, dão-nos a certeza absoluta de se tratarem de instrumentos nulos e sem qualquer valor.(…). o que está provado em 15. a 17., resulta das declarações das testemunhas AS, JP, RS, PC, VG, SP, MM, MA, MM, VGC, CC, JP, VF e DM…todas enfáticas quanto a esta questão e, de forma clarividente dos documentos de fls.64 a 330 (documento intitulados procurações para representação em assembleia geral e correspetivos termos de reconhecimento de assinaturas); (…) Os factos não provados que estão em 38. a 46., face aos que estão provados em 1. a 37., não poderiam ter outra sorte porque a isso se opõe toda a prova produzida e acima elencada e escalpelizada, assim, não se demonstrou que a lista A tivesse sido corrigida e nela riscado o nome do cooperante RO, tal como não se demonstrou que as assinaturas dos mandantes constantes das procurações referidas em 15. foram reconhecidas porque feitas/confirmadas pelos próprios perante solicitadora que, expressamente e para o efeito, se dirigiu à casa ou aos locais onde os mesmos se encontravam…efetivamente, a generalidade das testemunhas foram claras em afirmar que os membros da lista A os abordavam e pediam que assinassem as “procurações”…o que faziam sem a presença de qualquer advogado ou solicitador. Ao contrário das procurações apresentadas pela lista B e que temos a fls.79, 96, 105, 108, 133, 150, 171, 180, 189, 198, 205, 213, 219, 230, 279 e 330, assinadas na presença de um advogado e com o reconhecimento dessas assinaturas de imediato…as apresentadas pela lista A e que estão elencadas acima no ponto 15., como já acima se apontou, as assinaturas nelas feitas apenas com 2, 3 ou 4 dias de dilação foram reconhecidas…sendo certo que a alegação de que isso se deveu ao facto de no local não poderem acedeu ao portal não colhe porque a mobilidade…mesmo ao nível informático é nacional e sem barreiras. É também notório, pelas procurações elencadas acima em 15., que todas elas foram usadas no sufrágio, muitas com rasuras, com mais de dois tipos de caligrafia e cores de tinta diversas…que, como resulta da ata de apuramento, foram alvo de críticas pelos representantes…sendo certo que, no decurso do sufrágio, o presidente da mesma não referia a identidade do “mandante” como as testemunhas o referiram…antes era pergunta feita pelos representantes da lista B. Demonstrou-se, também, que o presidente da mesa, a impetração do A. se negou, em momento próximo ao tempo limite para apresentação das procurações, a dar-lhe o número desses instrumentos que tinha recebido…e isso percebe-se do facto de estarem muitas delas a serem preenchidas com o nome dos “mandatários” que eram caçadas de forma incessante pelo candidato que encabeçava a lista A.”
Ao impugnar esta matéria a Recorrente não indica qualquer meio de prova que conste do processo que deva ser considerado e que leve este tribunal a concluir pelo erro da decisão quanto a ela, como é exigência do art.º 640.º n.º 1 al. b) do CPC.
Limita-se a referir que, por não ter sido ouvido cada um dos subscritores das mencionadas procurações o tribunal a quo não podia dar como provados os factos enunciados nos pontos 15 e 22 e tinha de dar como provada a matéria dos pontos 39 e 40.
É evidente que assim não é, na medida em que nada impede que o tribunal se socorra de outros meios de prova, designadamente do depoimento de outras testemunhas que ouviu, como decorre da motivação apresentada, testemunhas que mostraram saber a forma como as procurações foram obtidas, e que são conjugados com os próprios documentos juntos aos autos que representam as procurações em causa, sendo que na impugnação que apresenta a Recorrente nem sequer põe em questão tais depoimentos.
Por outro lado, contrariamente ao que também refere a Recorrente, as mencionadas procurações não constituem quaisquer documentos autênticos, por não terem sido lavradas ou exaradas por qualquer autoridade ou oficial público, nos termos do art.º 369.º do C.Civil, apenas se apresentando como documentos que atestam a sua assinatura reconhecida por solicitador, situação que logo na p.i. foi não só questionada como expressamente contrariada pelo A., quando invoca que o reconhecimento das assinaturas constantes das procurações usadas na assembleia eleitoral não foi feito presencialmente mas a posteriori, em violação do art.º 153.º do Código do Notariado.
Sobre esta matéria foi produzida prova – documental e testemunhal – tendo o tribunal concluído nos termos que constam dos pontos 15 a 17, 19, 20 e 22 dos factos provados, sem que haja qualquer impedimento legal à admissão da prova produzida sobre tal matéria, o que aliás nem sequer foi questionado pela R. em audiência de julgamento quando da inquirição das testemunhas sobre a mesma, sendo que em despacho proferido no final da audiência de julgamento o tribunal de 1ª instância ainda entendeu: “Há nitidamente aqui uma falsificação de documento autenticado”, mais determinando a extração de certidão e envio para o Ministério Público para efeitos de instauração de eventual procedimento criminal.
Sem necessidade de outras considerações, resta concluir pela manifesta improcedência da impugnação da matéria de facto nesta parte.
- Os pontos 44 a 46 dos factos não provados têm a seguinte redação:
44. Que os reconhecimentos das “procurações” apontadas em 15., apenas foram registados quando houve acesso à plataforma eletrónica dos reconhecimentos coisa que não era possível de alcançar nos próprios locais ou residências onde eram recolhidas;
45. Admitindo que todas as 127 procurações são ilegais e que todos os votos por elas expressos se devem considerar nulos e todos retirados da votação obtida pela lista A., teríamos que esta lista A. obteria 209 votos (336-127=209);
46. Mesmo procedendo à anulação dos 127 votos exercidos por procuração e imputando todos eles à votação da lista A., esta lista obteria a seu favor 209 votos presenciais, enquanto a lista B teria ficaria pelos 86 votos a favor.
Alega a Recorrente que estes factos têm de ser considerados provados o que resulta de uma mera operação matemática, mais invocando o depoimento da testemunha CC da seguinte forma:
“- No dia 10 de outubro de 2022 a testemunha CC iniciou às 15:16h e terminou às 15:41h.
-Afirma que ambas as listas estavam afixadas e se mantiveram inalteradas.
-A auditora Beatriz acompanhava-os muitas vezes para reconhecer as assinaturas (…)
-Nas alturas em que ele esteve presente, foram reconhecidas as assinaturas na hora.”
No que respeita a estes pontos não provados que impugna a Recorrente invoca apenas como elemento de prova para fundamentar a sua pretensão, o depoimento da testemunha CC nos termos que ficaram expostos.
O depoimento desta testemunha, no excerto que foi transcrito pela Recorrente reporta-se apenas à matéria que consta do ponto 44 e é extremamente vago e genérico, não sendo por ele especificados os locais ou residências em que foram subscritas as procurações que possam ter determinado o impedimento que alega, ou aquelas que foram subscritas na sua presença. Trata-se por isso de um elemento de prova totalmente insuficiente para que só por si possa fundamentar a convicção do tribunal quanto à verificação deste facto que foi tido como não provado.
Improcede a impugnação apresentada pela Recorrente quanto a este facto.
No que se refere à matéria dos pontos 45 e 46 dos factos não provados alega a Recorrente que a prova destes factos resulta de um mero exercício de matemática que subtraia ao número de votos apurados os votos considerados inválidos por via da irregularidade dos documentos de representação.
O tribunal a quo apresentou a seguinte motivação com referência a esta matéria: “Tendo em conta o universo de eleitores e todas as incidências atinentes à campanha e sendo certo que também a lista B apresentou procurações que foram usadas e sem qualquer mácula…percebemos que a simples aritmética que desconsidere as 127 procurações usadas não pode acolher o resultado favorável a favor da lista A de 209 votos.”.
É verdade, por um lado, que não é possível saber o sentido dos 127 votos por procuração aceites pela mesa de forma a imputá-los à lista A ou à lista B, e por outro lado, não podemos dizer que todas as 127 procurações são inválidas, já que o ponto 15 dos factos provados se refere apenas a 111 procurações.
Daí afigurar-se ajustada a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo no sentido de ter como não provado o facto enunciado no ponto 45, já que não podem imputar-se à lista A todos os votos exercidos por procuração.
Quanto ao ponto 46 dos factos não provados, o mesmo representa uma expressão de matéria meramente hipotética e conclusiva, não se tratando de um facto que o tribunal deva dar resposta em sede de decisão de facto, por não ser realidade factual apreensível através de qualquer meio de prova, mas antes conclusão eventualmente a retirar de outros factos que não tem a sua sede própria de avaliação na decisão da matéria de facto.
Assim sendo, improcede a alteração pretendida no sentido de dar estes factos como provados, apenas se eliminando dos factos não provados o ponto 46 por ser uma conclusão e não um facto a que deva ser dado resposta nesta sede, atentas as razões expostas.
Em conclusão, improcede na totalidade a impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pela Recorrente.
*
Estão provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1. A R. é uma cooperativa agrícola de responsabilidade limitada, encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada com o número de identificação de pessoa coletiva …;
2. A R. tem por objeto a produção agrícola, agropecuária e florestal; recolha, concentração, transformação, conservação, armazenagem e escoamento de bens e produtos provenientes das explorações dos seus membros; produção, aquisição, preparação e acondicionamento de fatores de produção e de produtos; instalação e prestação de serviços às explorações dos seus membros, nomeadamente de índole organizativa, técnica, tecnológica, económica, financeira, comercial, administrativa e associativa;
3. O A. é produtor de leite, sendo o cooperante número 91 da R.;
4. Na assembleia geral da R. realizada em 10 de dezembro de 2021, foi anunciado pelo presidente da mesa daquela assembleia que as eleições para os seus órgãos sociais se realizariam no dia 10 de fevereiro de 2022, anúncio que todos os presentes levaram em conta;
5. Porém, face a razões estatutárias que impunham a realização da assembleia geral eletiva em momento anterior à aprovação do relatório e contas e 2020, por missiva datada de 29 de dezembro de 2021 e enviada aos cooperantes, foi anunciado que as eleições para os órgãos sociais se realizariam no dia 31 de janeiro de 2022 entre as 8h00 e as 20h00, convocatória que, doutra banda, foi publicada no jornal Açoriano Oriental do dia 30 de dezembro de 2021;
6. No verso da missiva referida em 5., que ia acompanhada de uma minuta de procuração, constavam os termos das regras para o ato eleitoral, entre elas a que dizia: “As listas concorrentes ao ato eleitoral devem ser remetidas ao presidente da mesa da assembleia geral com a antecedência mínima de 15 dias em relação à data da assembleia geral eleitoral, indicando e distribuindo os elementos que as compõem para todos os órgãos sociais incluindo os suplentes. Em anexo às listas concorrentes aos órgãos sociais, constarão, obrigatoriamente, uma relação com os nomes dos cooperadores que, estando em pleno gozo dos seus direitos sociais, subscrevam declaração de aceitação da sua indicação como delegados ou representantes da cooperativa em outras cooperativas de grau superior…”, sendo esses destinados a delegados à Unileite - União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios da Ilha de São Miguel, UCRL. (= UNILEITE);
7. A R. procedeu, na sua sede e nos locais da praxe, à afixação da lista dos cooperantes eleitores, que não coincide com a dos elegíveis, que não foram relacionados, e uma cópia dos seus estatutos;
8. Com base na listagem referida em 7., o A. procedeu à elaboração de uma lista para os órgãos sociais e uma lista para delegados à UNILEITE, listas que entregou na sede própria no dia 17 de janeiro de 2022;
9. O A., na sequência do que se aponta em 8., recebeu do presidente da mesa da assembleia geral da R. uma missiva, a qual, para o que aqui importa, referia que:
.“a sua lista não poderia conter o delegado com o nº.1166 por se encontrar na situação prevista na al. d) do nº.4 dos Estatutos da R. que dispõe: não pode ser eleito aquele que (…) tenha qualquer litígio judicial com a Cooperativa ou que da sua conta corrente conste divida à Cooperativa por prazo superior a 90 dias”;
. “não sendo imposição dos estatutos da Cooperativa Agrícola do Bom Pastor CRL, mas os estatutos da Unileite determinam que os delegados indicados para a respetiva assembleia geral devem ser fornecedores de leite há mais de dois anos, o que não se verifica com o produtor por vós indicado para delegado, Sr. JA, que passou a fornecer leite a partir de 1 de outubro de 2020”;
10. Os cooperantes referidos em 9., constavam da lista referida em 7., contudo e apesar disso o A. procedeu às correções solicitadas, em tempo oportuno e que foram aceites;
11. Decorrido o prazo para apresentação das candidaturas duas listas foram admitidas, identificadas pelas letras A e B, respetivamente, e afixadas na sede da R., integrando o A. a lista B;
12. Após a afixação das listas referida em 11., o A., face à identificação das pessoas que faziam parte da lista A, chamou a atenção do presidente da mesa da assembleia geral da R. para o facto de tal lista conter situações similares às descritas em 9., respondendo-lhe este que todas as situações estavam corrigidas;
13. Acontece, porém, que da lista A apresentada para delegados à Unileite, continuaram a fazer parte o cooperante RO, fornecedor de leite há menos de dois anos junto da UNILEITE (coisa que passou a fazer apenas a partir de 1.4.2020) e os sócios PG (admitido em 19.42019) e VM (admitido em 14.6.2019) cooperantes com menos de três anos de inscrição válida junto da R.;
14. Mau grado o que se refere em 12., a lista A não foi alterada, tendo permanecido afixada na sede da R. no período compreendido entre a sua aceitação e o ato eleitoral;
15. Ao longo da campanha que se integra no processo eleitoral da R. membros da lista A “angariaram” cooperantes que contataram e persuadiram a assinarem um documento que tinha como título “Procuração”, o que os identificados nos documentos de fls.64, 66, 68, 70, 72, 74, 76, 78, 83, 85, 87, 89, 91, 93, 95, 100, 102, 104, 112, 114, 116, 118, 120, 122, 124, 126, 128, 130, 132, 137, 139, 141, 143, 145, 147, 152, 154, 156, 158, 160, 162, 164, 166, 168, 170, 175, 177, 179, 184, 186, 188, 193, 195, 197, 202, 204, 209, 211, 216, 218, 223, 225, 227, 229, 234, 236, 238, 240, 242, 244, 246, 248, 250, 252, 254, 256, 258, 260, 262, 264, 266, 268, 270, 272, 274, 276, 278, 283, 285, 287, 289, 291, 293, 295, 297, 299, 301, 303, 305, 307, 309, 311, 313, 315, 317, 319, 321, 323, 325, 327 e 329 fizerem sem a presença de qualquer advogado ou solicitador que logo ali reconhecesse as respetivas assinaturas;
16. Os cooperantes referidos em 15. eram confrontados com tal documento por preencher e no qual se limitaram a apor a respetiva assinatura, sendo o demais do seu conteúdo preenchido posteriormente, à mão, com caligrafias distintas e até com esferográficas de cores diversas;
17. Nos documentos apontados em 15., os cooperantes não faziam a indicação do procurador que escolhiam o que os iria representar na assembleia eleitoral;
18. No dia 29 de janeiro de 2022, junto das 18h00, hora e data limite para entrega das Procurações, o A. dirigiu-se à sede da R., e questionou o presidente da mesa da assembleia geral sobre o número de procurações que haviam sido entregues, recusando este a informação ainda que lhe anunciasse que apenas lhe podia referir o número de procurações apresentadas pela sua lista a B;
19. A insistência do A., o presidente da mesa da assembleia geral acrescentou que ainda “andavam a preencher procurações e a designar pessoas” para fazerem constar como mandatários nas mesmas;
20. Durante o ato eleitoral, do dia 31 de janeiro de 2022, à medida que os eleitores, que também iriam “representar” um dos associados referidos em 15., se apontavam no local para votarem, eram chamadas por um elemento afeto à lista A para subirem ao 1º andar das instalações, a fim de lhes ser dada nota da identidade “da pessoa que representariam” através de “procuração” de que só naquela altura tinham conhecimento efetivo, escrevendo essa informação em papel que lhes franqueavam e que eles levavam até à mesa de voto, procedimento que passou a acontecer depois dos representantes da lista B à mesa, encabeçada pelo A., terem questionado os “procuradores” no sentido de dizerem quem representavam, obtendo como resposta que não sabiam nem conheciam “quem lhes havia passado o mandato”;
21. O A., deixou consignado na ata do apuramento eleitoral, um protesto no sentido de não poderem ter sido aceitas as “procurações” apontadas em 15. e porque:
. apresentavam-se datilografadas com espaços em branco, preenchidas com caligrafias diferentes, chegando a haver 3 caligrafias distintas em muitas delas;
. estavam preenchidas com cores e tipos de canetas diferentes;
. tinham a identificação do procurador de forma abreviada e não raras vezes incompleto; e
. apresentavam correções e tracejados;
22.  Os termos de “reconhecimento” das assinaturas apostas nos documentos apontados em 15., referem que as mesmas foram feitas “pelo próprio, perante mim”, ou “na presença”, naturalmente de quem efetuou o reconhecimento e concretizaram-se na “Comarca dos Açores” não se referindo o concreto lugar geográfico onde as assinaturas foram apostas, menção que não corresponde à verdade pois esses reconhecimentos foram feitos em momento posterior à assinatura deles;
23. No dia 29 de dezembro de 2021 foi enviada uma convocatória aos cooperantes da R. com vista à realização de uma Assembleia Geral Ordinária, que logo se apontou que teria lugar no dia 31 de janeiro de 2022, pelas 20 horas, tendo como ponto 1 da ordem de trabalhos a ”apresentação, discussão e votação do relatório, balanço e contas apresentado pelo conselho de administração relativo ao exercício social de 2020 bem como do parecer do conselho fiscal.”, não constando dessa convocatória qualquer menção à disponibilidade dos documentos referidos naquela e postos à votação, para exame e consulta dos cooperantes;
24. Nessa sequência, o A. enviou à R. uma missiva a solicitar o acesso ao relatório, balanço e contas, bem como do parecer do conselho fiscal, coisa que lhe foi negada com a informação de que teria conhecimento desses documentos e acesso a eles no ato da assembleia geral, franqueando-lhe, contudo, o acesso a qualquer elemento documental, contabilístico ou não, que para tanto entendesse necessário a que poderia aceder em dia e hora de expediente que apontasse;
25. No dia da assembleia referida em 23., a todos os cooperantes foram disponibilizados o relatório, balanço e contas apresentado pelo conselho de administração relativo ao exercício social de 2020 bem como do parecer do conselho fiscal, sendo certo que o A. nessa altura a eles teve acesso porque esteve presente nessa assembleia e votou favoravelmente à respetiva aprovação que foi lograda por unanimidade;
26. Na decorrência do que se aponta em 11., a mesa da assembleia geral, verificou a existência de irregularidades nas listas apresentadas tendo interpelado:
. o representante/candidato a presidente do Conselho de Administração da lista B das irregularidades notadas na lista por ele subscrita para que fossem corrigidas, querendo; e
. o representante/candidato a presidente do Conselho de Administração da lista A de irregularidades existentes na lista por ele subscrita para que fossem corrigidas, querendo;
27. Os cooperantes PG e VM já são produtores de leite associados há mais de dois anos e nessa qualidade entregavam o seu leite à UNILEITE, por intermédio da R.;
28. O cooperante RO integrado na lista de delegados à UNILEITE não poderia ser eleito porque estava colocado em posição que vai para lá do número de delegados admitidos;
29. Até às 18h00 do dia 29 de janeiro foram entregues nos serviços da R., quer por elementos afetos à lista A quer por elementos afetos à lista B e também por cooperadores individuais ou representantes de membros coletivos, várias “procurações” dos cooperantes que, alegadamente pretendendo votar, não se podiam deslocar à urna de voto;
30. No decorrer do ato eleitoral, os elementos que o acompanharam em representação das duas listas verificaram todas as procurações, indicando ao presidente da mesa as que não aceitavam, sendo, nesse seguimento, algumas ignoradas e outras, nomeadamente as que estão apontadas em 15., usadas no sufrágio; 31. Antes do inicio da votação, foi entregue aos representantes de ambas as listas concorrentes ao ato eleitoral um exemplar do caderno contendo o nome dos cooperantes com direito de voto, com indicação dos que tinham emitido procuração e a favor de quem as emitiram para não haver nenhuma duplicação de votos, no qual foram sendo descarregados os votantes e os votos entrados na urna;
32. O presidente da mesa da assembleia eleitoral ia mandando entrar na sala de voto o cooperante que aparecia à porta para votar e, ele próprio, em voz alta, confirmava o nome e a existência ou não de procuração, só depois sendo entregues ao cooperador votante o boletim ou boletins de voto e, com este a entrar na urna, a ser descarregado na lista de eleitores que se encontrava na posse da mesa e do próprio A.;
33. Da ata de apuramento eleitoral consta que foram recusadas as procurações rasuradas e as que tinham sinais de corretores, tudo por sugestão dos representantes das listas e deita pelo presidente da mesa;
34. O A., no final da assembleia geral que aprovou o relatório balanço e contas, pediu a palavra e, no uso dela, deu os parabéns à lista A pela vitória nas eleições e desejou boa sorte aos seus membros no exercício do mandato;
35. Como resulta da respetiva ata do apuramento eleitoral, a lista A obteve 336 votos a seu favor ao passo que a lista B obteve 86 votos a favor, notando-se ainda 4 votos nulos, dela constando também que deram entrada na urna 426 votos dos quais 127 foram exercidos por procurações aceites pela mesa;
36. Os cooperantes PG e VM são cooperantes da R., desde 19.4.2019 e 14.6.2019 respetivamente, contudo, eles não integravam a lista A concorrente aos órgãos sociais daquela antes concorrendo a delegados à assembleia geral da UNILEITE, tendo já sido convocados para a assembleia geral desta realizada no dia 28 de março de 2022;
37. Após a data e hora limite para a entrega de procurações, a mesa da assembleia geral ainda teria de verificar as procurações e quantas seriam;
IV. Razões de Direito
- da (in)validade das procurações emitidas
Alega o Recorrente que o tribunal não pode afirmar que as procurações foram emitidas sem o reconhecimento presencial das assinaturas, resultando do registo do reconhecimento das assinaturas que o mesmo foi presencial, o que faz prova plena, “sem prejuízo da diversa eventualidade de tais termos poderem ter sido feitos a posteriori”, o que impede que se considere a sua nulidade e subsequente nulidade das deliberações da assembleia
A sentença recorrida considerou que os votos por representação estribados nas procurações referidas no ponto 15 dos factos provados são nulos porque o instrumento de delegação é nulo.
Esta questão suscitada pela Recorrente estava dependente da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto que a mesma apresentou sobre esta matéria, visando contrariar os factos que foram tidos como provados na sentença proferida, que nos dizem que ao longo da campanha que se integrou no processo eleitoral da R. membros da lista A “angariaram” cooperantes que contataram e persuadiram a assinarem um documento que tinha como título “Procuração”, o que cooperantes identificados fizeram, sem a presença de qualquer advogado ou solicitador que logo ali reconhecesse as respetivas assinaturas (ponto 15 dos factos provados), limitando-se a apor a respetiva assinatura, sendo o demais do seu conteúdo preenchido posteriormente, à mão, com caligrafias distintas e até com esferográficas de cores diversas, sendo que os termos de “reconhecimento” das assinaturas apostas em tais documentos, referem que as mesmas foram feitas “pelo próprio, perante mim”, ou “na presença”, naturalmente de quem efetuou o reconhecimento e concretizaram-se na “Comarca dos Açores” não se referindo o concreto lugar geográfico onde as assinaturas foram apostas, menção que não corresponde à verdade pois esses reconhecimentos foram feitos em momento posterior à assinatura deles (ponto 22 dos factos provados).
Estes factos revelam a falsidade da certificação da assinatura das procurações em questão, quando aí se atesta que as mesmas foram feitas na presença da entidade que as reconheceu quando, como resultou provado, tal foi feito mais tarde fora da presença do emitente que assinou o documento, o que não observa o estabelecido no art.º 153.º do Cód. Notariado.
Estabelece o art.º 153.º do Cód. Notariado:
“1- Os reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais.
2 - O reconhecimento simples respeita à letra e assinatura, ou só à assinatura, do signatário de documento.
3 - O reconhecimento com menções especiais é o que inclui, por exigência da lei ou a pedido dos interessados, a menção de qualquer circunstância especial que se refira a estes, aos signatários ou aos rogantes e que seja conhecida do notário ou por ele verificada em face de documentos exibidos e referenciados no termo.
4 - Os reconhecimentos simples são sempre presenciais; os reconhecimentos com menções especiais podem ser presenciais ou por semelhança.
5 - Designa-se presencial o reconhecimento da letra e assinatura, ou só da assinatura, em documentos escritos e assinados ou apenas assinados, na presença dos notários, ou o reconhecimento que é realizado estando o signatário presente ao acto.
6 - Designa-se por semelhança o reconhecimento com a menção especial relativa à qualidade de representante do signatário feito por simples confronto da assinatura deste com a assinatura aposta no bilhete de identidade ou documento equivalente emitidos pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou no passaporte ou com a respectiva reprodução constante de pública-forma extraída por fotocópia.”.
A Recorrente, para concluir pela existência de um efetivo reconhecimento presencial das assinaturas constantes das procurações, vem conferir relevância ao que considera serem dois momentos distintos: um primeiro que entende configurar o reconhecimento da assinatura propriamente dito em que a procuração é assinada na presença da solicitadora e um segundo momento em que é feita a emissão do certificado de registo de tal reconhecimento.
Esta distinção, no entanto, para além de não encontrar suporte nos factos provados, na medida em que não resultou provado que as assinaturas foram feitas na presença de uma solicitadora, antes se apurou o contrário, o que inviabiliza os efeitos pretendidos pela Recorrente, designadamente em face do estabelecido na Portaria 657-B/2006 de 29 de junho que procede à regulamentação do registo informático dos atos praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores ao abrigo do art.º 38.º do Decreto-Lei 76-A/2006 de 29 de março.
Por um lado, ficou provado que as assinaturas das procurações foram feitas sem a presença de qualquer advogado ou solicitador, o que desde logo impede que se considere a validade da certificação “presencial” das assinaturas realizada.
Por outro lado, de acordo com o regime legal definido nos diplomas mencionados, a prática de reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, a autenticação de documentos particulares e a certificação, ou fazer e certificar, traduções de documentos, tem a sua validade condicionada ao seu registo em sistema informático, que o art.º 4 da Portaria 657-B/2006 e com referência à execução do registo estabelece:
“1-O registo informático é efectuado no momento da prática do acto, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto.
2 - Se, em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do acto, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes.”.
O legislador vem condicionar a validade do reconhecimento da assinatura ao registo informático que obrigatoriamente é efetuado no momento da prática do ato, com a única ressalva prevista no n.º 2 que se reporta a dificuldades de carater técnico de acesso ao sistema, sendo que nesse caso tal deve ser expressamente mencionado no documento, o que no caso em presença não ocorre.
Como se refere no Acórdão do STJ de 21 de abril de 2022 no proc. 1670/13.5TBPTM.E1.S1 in www.dgsi.pt, ainda que por reporte a um reconhecimento realizado por advogado: “O procedimento de autenticação do documento particular consiste na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública – no caso, o Réu GG, Advogado – e a parte (no caso, os AA/mandantes nas procurações) declarar estar inteirada do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, sendo ainda elaborado por aquela entidade um termo de autenticação, que deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 150.º e 151.º do Código de Notariado (conter a declaração da parte de que leu o documento e está inteirada do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade). Com efeito, o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março estabelece que os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação. Ou seja, no âmbito do regime de reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documento, advogados e solicitadores podem autenticar documentos particulares, com a mesma força probatória que teriam se tivessem sido realizados com intervenção notarial. Pelo que tais autenticações, desde que feitas nos termos previstos na lei, conferem aos documentos a mesma força probatória que teriam se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial. (…) No que respeita a tais termos de autenticação, há requisitos legais a cumprir: devem ser lavrados no próprio documento a que respeitam ou em folha anexa (cfr. artigo 36.º, n.º 4 do Código do Notariado); devem satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, às formalidades comuns dos actos notarias, estabelecidas no artigo 46.º do Código do Notariado – para tal, devendo os termos de autenticação conter, ainda, os seguintes elementos: 1. Declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade; 2. A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados (cfr. artigo 151.º do Código do Notariado).”.
O legislador impõe estas formalidades que são de segurança, atenta a relevância conferida aos atos praticados por entidades que não são públicas. A autenticação de documento apenas é válida quando praticada mediante registo em sistema informático próprio realizado no momento da prática do ato, nos termos previstos no art.ºs 1º e 4º da Portaria 657-B/2006, de 29 de junho.
Como refere a sentença sob recurso e não é questionado pela Recorrente: “Do artigo 19º dos estatutos decorre que participam as assembleias gerais todos os cooperantes que se encontrem no pleno gozo dos seus direitos sociais - nº.2, decorrendo do artº.26º, nº.1 do estatutos que cada um dos cooperadores dispõe de um voto, sendo certo que, nos termos do artº.27º, é admitido o voto por representação, devendo o mandato, apenas atribuível a outro cooperador ou familiar maior do mandante, constar de documento escrito dirigido ao presidente da mesa da assembleia, datado e assinado pelo mandante, suja assinatura deverá estar reconhecido nos termos legais. Cabe à mesa da assembleia a tarefa de verificar a autenticidade do instrumento de representação e cada cooperador apenas pode representar um outro, devendo o mandato para o exercício do voto por representação ser entregue, contra recibo, ao presidente da mesa da assembleia geral com 24 horas de antecedência relativamente à reunião da assembleia geral a que se destina - nºs.2 a 4 do mesmo preceito.”.
O art.º 43.º do Código Cooperativo vem dispor sobre os requisitos do mandato, estabelecendo que o mesmo só pode ser atribuído a outro cooperador ou a um familiar próximo do mandante e que deve constar de documento escrito, datado e dirigido ao presidente da mesa da assembleia, cabendo aos estatutos assegurar a autenticidade do instrumento de representação. Mais se prevê que cada cooperador só pode representar um membro da cooperativa, salvo se os Estatutos previrem um número diferente.
Na concretização desta norma, o art.º 27.º dos Estatutos da R., juntos aos autos como doc. 1 com a p.i., vêm impor a exigência da assinatura do instrumento de mandato estar reconhecida nos termos legais, que são os que se expuseram.
Em face do que fica exposto, tendo em conta que por exigência dos Estatutos da R. a representação dos eleitores cooperantes, com vista ao voto no ato eleitoral para eleição dos órgãos da cooperativa, deve constar de documento escrito dirigido ao presidente da mesa da assembleia, datado e assinado pelo mandante, cuja assinatura deverá estar reconhecido nos termos legais, não merece censura a sentença proferida quando conclui pela invalidade das procurações emitidas para efeitos eleitorais.
- da violação do dever de informação por parte da R.
Alega a Recorrentes que não existe por parte da R. uma violação do dever de informação nos termos do art.º 58.º n.º 1 al. c) do CSC, suscetível de determinar a invalidade da deliberação da assembleia eleitoral, ao não ter esclarecido o A. quanto ao número de procurações entregues, uma vez que ela própria não tinha conhecimento desse elemento para o poder fornecer, não tendo vedado ao A. qualquer informação legalmente considerada obrigatória.
A decisão recorrida, muito singelamente, entendeu que foi negada ao A. a informação a que ele tinha direito, por força do art.º 21.º n.º 1 al. c) do CSC, com a recusa da indicação do número de procurações entregues, que era de suma importância pelo peso que tinha no sufrágio eleitoral, concluindo pela nulidade das deliberações tomadas na assembleia eleitoral de 31.01.2022.
Importa então saber se há violação do direito de informação do A. o que passa por avaliar o conteúdo ou extensão de tal direito, bem como, em caso afirmativo saber se a violação ocorrida é suscetível de determinar a invalidade das deliberações tomadas.
Para o efeito, há que ter em conta o que regula a este respeito o Código das Sociedades Comerciais, regime subsidiário para o qual remete o art.º 9.º do Código Cooperativo que estabelece: “Para colmatar as lacunas do presente Código, que não o possam ser pelo recurso à legislação complementar aplicável aos diversos ramos do sector cooperativo, pode recorrer-se, na medida em que se não desrespeitem os princípios cooperativos, ao Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente aos preceitos aplicáveis às sociedades anónimas.”.
O art.º 21.º do CSC que se refere aos direitos dos sócios, estabelece no seu n.º 1 al. c), norma de que fez uso a sentença recorrida, que todo o sócio tem direito a obter informação sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato. É um direito que assume relevância na medida em que permite a fiscalização da gestão da empresa, no caso da cooperativa, pelos seus membros.
A importância deste direito à informação vem refletida no art.º 58.º n.º 1 al. c) do CSC quando permite a anulação das deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação. Especifica o n.º 4 o que se consideram elementos mínimos de informação, para efeitos deste artigo: “a) as menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8; b) A colocação de documentos para exame aos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.” O art.º 377.º n.º 8 refere-se ao conteúdo do aviso convocatório da assembleia.
Com referência às sociedades anónimas, regime subsidiário para o qual remete preferencialmente o art.º 9.º do Código Cooperativo, o direito à informação vem regulado nos art.º 288.º ss. do CSC, apresentando-se como mais limitado do que nas sociedades de âmbito mais pessoal e não raro é circunscrito à detenção de uma determinada percentagem do capital social, o que se compreende devido ao grande número de acionistas que podem comportar e também à maior facilidade com que se transmitem as ações.
O art.º 288.º do CSC com a epígrafe “direito mínimo à informação”, estabelece no seu n.º 1 o direito do acionista que possua ações correspondentes a pelo menos 1% do capital social, a poder consultar, desde que alegue motivo justificado, na sede da sociedade os diversos elementos e documentos que vêm especificados nas suas várias alíneas e que se referem designadamente a relatórios de gestão e documentos de prestação de contas, convocatórias, atas e livros de presenças de assembleias realizadas, valores de remuneração pagas a membros dos órgãos sociais ou a trabalhadores ou o livro de registo de ações.
Com maior interesse para a questão que se discute nos autos, rege o art.º 289.º do CSC que se reporta às informações preparatórias da assembleia geral, denominada informação intercalar, estabelecendo o seguinte:
1-Durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral, devem ser facultados à consulta dos acionistas, na sede da sociedade:
a) Os nomes completos dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização, bem como da mesa da assembleia geral;
b) A indicação de outras sociedades em que os membros dos órgãos sociais exerçam cargos sociais, com exceção das sociedades de profissionais;
c) As propostas de deliberação a apresentar à assembleia pelo órgão de administração, bem como os relatórios ou justificação que as devam acompanhar;
d) Quando estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros dos órgãos sociais, os nomes das pessoas a propor, as suas qualificações profissionais, a indicação das atividades profissionais exercidas nos últimos cinco anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de ações da sociedade de que são titulares;
e) Quando se trate da assembleia geral anual prevista no n.º 1 do artigo 376.º, o relatório de gestão, as contas do exercício, demais documentos de prestação de contas, incluindo a certificação legal das contas e o parecer do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, conforme o caso, e ainda o relatório anual do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão e da comissão para as matérias financeiras.
2 - Devem igualmente ser facultados à consulta dos acionistas, na sede da sociedade, os requerimentos de inclusão de assuntos na ordem do dia, previstos no artigo 378.º
3 - Os documentos previstos nos números anteriores devem ser enviados, no prazo de oito dias:
a) Através de carta, aos titulares de ações correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social, que o requeiram;
b) Através de correio eletrónico, aos titulares de ações que o requeiram, se a sociedade não os divulgar no respetivo sítio na Internet.
4 - Se a sociedade tiver sítio na Internet, os documentos previstos nos n.ºs 1 e 2 devem também aí estar disponíveis, a partir da mesma data e durante um ano, no caso do previsto nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 e no n.º 2, e permanentemente, nos demais casos, salvo se tal for proibido pelos estatutos.”
O art.º 290.º do CSC por seu turno, reporta-se às informações em assembleia geral, com vista à formação de opinião sobre os assuntos sujeitos a deliberação, prevendo o n.º 1 que: “na assembleia geral o acionista pode requerer que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação”, limitando o n.º 2 os casos em que as informações podem ser recusadas, sendo que a sua recusa injustificada é também causa de anulabilidade da deliberação, de acordo com o previsto no n.º 3.
Daqui resulta que o direito à informação impõe informações verdadeiras, completas e elucidativas, mas também que não é um direito absoluto, podendo ser negada desde que verificados os fundamentos previstos na lei.
O legislador distingue aqui nos art.º 289.º e 290.º do CSC o direito à informação preparatória das assembleias gerais, a prestar previamente à sua realização, do direito à informação nas assembleias gerais.
A questão está então em saber, se à luz das normas mencionadas, a informação solicitada pelo A. dois dias antes da data agendada para a realização da assembleia geral eleitoral, sobre o número de procurações que foram entregues pelos cooperantes com o fim de serem representados na mesma, pode ser qualificado como um elemento mínimo de informação que a R. estava obrigada a disponibilizar previamente à realização da assembleia geral, com vista ao esclarecimento do A.
Como resulta dos pontos 18 e 19 dos factos provados, no dia 29 de janeiro de 2022, junto das 18h00, hora e data limite para entrega das procurações, o A. dirigiu-se à sede da R., e questionou o presidente da mesa da assembleia geral sobre o número de procurações que haviam sido entregues, recusando este a informação ainda que lhe anunciasse que apenas lhe podia referir o número de procurações apresentadas pela sua lista a B; a insistência do A., o presidente da mesa da assembleia geral acrescentou que ainda “andavam a preencher procurações e a designar pessoas” para fazerem constar como mandatários nas mesmas.
A R. dispôs-se a dar ao A. a indicação do número de procurações que haviam sido apresentadas pela sua lista B, justificando a recusa da indicação do número de outras procurações entregues com o facto de estarem a preencher as procurações com a designação das pessoas que iriam ser os mandatários.
A verdade é que o número de procurações que havia sido entregue para efeitos de representação de cooperantes na assembleia eleitoral, por um lado, não é suscetível de integrar a previsão que consta do art.º 289.º do CSC, que elenca os elementos que devem ser facultados pela sociedade, correspondendo às informações mínimas preparatórias da assembleia geral que o sócio tem o direito de obter e que a sociedade está obrigada a fornecer. A previsão deste art.º 289.º não sendo taxativa, elenca um conjunto de elementos relevantes para efeitos de informação dos acionistas, com vista à sua tomada de posição esclarecida em assembleia geral, sobre as questões que nela vão ser submetidas a discussão e votação.
Por outro lado, os elementos solicitados não constituem uma informação necessária para elucidar o A. do seu sentido de voto na assembleia eleitoral, ou para que pudesse tomar posição sobre qualquer outra questão sobre a qual tivesse que se pronunciar, nem tão pouco é suscetível de influenciar o comportamento do A. em qualquer outro assunto relevante ou sobre o qual o A. pudesse ter alguma intervenção ou domínio.
Como se refere no Acórdão do STJ de 16 de março de 2011, no proc. 1560/08.3TBOAZ.P1.S1, in www.dgsi.pt : “Só quando a falta de informação tenha efectivamente viciado a manifestação de vontade do sócio sobre o assunto sujeito a deliberação é que deverá admitir-se a solução da anulabilidade: é necessário que a não prestação de informação tenha influído directa e decisivamente no sentido da deliberação, por ter impedido que a vontade do sócio votante se manifestasse de forma completamente esclarecida.”
No caso, mesmo que lhe fosse prestada a informação sobre o número de procurações entregues, o A. dela não poderia retirar qualquer consequência, antes se apresentando a questão por ele colocada como uma mera satisfação da sua curiosidade, sendo certo que na assembleia geral a realizar dois dias depois essa informação sempre seria obtida, como efetivamente foi, tal como resulta do ponto 31 dos factos provados, que nos dá conta de que: “Antes do inicio da votação, foi entregue aos representantes de ambas as listas concorrentes ao ato eleitoral um exemplar do caderno contendo o nome dos cooperantes com direito de voto, com indicação dos que tinham emitido procuração e a favor de quem as emitiram para não haver nenhuma duplicação de votos, no qual foram sendo descarregados os votantes e os votos entrados na urna.”
Salienta-se que está aqui em causa a avaliação de uma mera informação sobre o número de procurações entregues e não uma qualquer consulta das procurações, relativamente às quais o A. pudesse querer confirmar ou dissipar qualquer dúvida sobre a sua validade, questão que veio a colocar-se mais tarde, não podendo confundir-se a questão da concreta informação que foi solicitada e negada com a questão da validade das procurações.
A pretendida informação sobre o número de procurações entregues que a R. não disponibilizou, não constitui uma informação cujo fornecimento a lei impõe nem, tão pouco um elemento importante para que o A. pudesse formar a sua opinião esclarecida sobre as matérias em discussão na assembleia geral, no sentido de proceder à sua votação.
Ainda a este respeito, diz-nos o Acórdão do TRP de 25 de janeiro de 2016 no proc. 115/15.0T8AVR.P1, in www.dgsi.pt :“a violação do direito à informação do sócio só constituirá fundamento de anulabilidade de uma deliberação, se existir uma relação ou nexo lógico entre o objeto da deliberação e a informação omitida, falsa ou precariamente fornecida, no sentido de o conteúdo desta se entender como logicamente necessário/justificado a uma cabal, por esclarecida e informada, participação/votação do sócio nas matérias que constituem objeto da dita deliberação, contribuindo assim na formação da vontade social”.
À luz do disposto no art.º 58.º n.º 1 al. c) e n.º 4 do CSC não pode concluir-se que foram recusados ao A. os elementos mínimos de informação, para efeitos de lhe permitir uma tomada de posição sobre a eleição dos órgãos da R., não constituindo o número de procurações entregues um elemento mínimo de informação que se impunha à R. prestar, nem por exigência legal, nem por se configurar como informação determinante para o esclarecimento do A. com vista à tomada de posição em assembleia geral, para a qual não tinha qualquer relevância.
Contrariamente ao que entendeu a sentença sob recurso, considera-se que a recusa da R. em facultar ao A. esta informação, dois dias antes da assembleia geral, não constituiu uma violação do direito à informação do A. suscetível de fundamentar a anulação da deliberação que elegeu os órgãos sociais da R.
- dos vícios verificados nas procurações (não) terem influência relevante no resultado final da votação
Alega a Recorrente que mesmo a considerar-se que as procurações emitidas são inválidas e consequentemente não são válidos os votos por procuração, sempre tem de concluir-se que o sentido da deliberação não é materialmente afetado atento o número de votos que tiveram cada uma das listas apresentadas, não sendo tal invalidade apta a alterar o resultado final.
A sentença sob recurso afirmando a nulidade dos votos por representação por estribados em procurações inválidas, considerou que a gravidade da situação não permite integrá-la na parte final do art.º 58.º n.º 1 al. b) do CSC, quando nem todas as procurações apresentadas são nulas e desconsideraria as expectativas de quem quis votar por procuração, num processo conduzido pelas listas concorrentes da pior forma, concluindo pela nulidade da deliberação que elegeu os órgãos sociais e das decisões por estes tomadas desde então.
Já se viu, quando da apreciação da primeira questão de direito, que as 111 procurações a que alude o ponto 15 dos factos provados não obedecem aos requisitos legais e estatutários, o que naturalmente implica a invalidade da representação dos cooperantes mandantes na assembleia geral realizada com a consequente nulidade dos votos que foram emitidos em seu nome, estribados naquelas.
Não está aqui em questão uma situação de deliberação nula, na medida em que manifestamente não é enquadrável e qualquer uma das previsões do art.º 56.º do CSC. Isso nem sequer é avaliado ou justificado na sentença proferida, que apenas faz menção ao art.º 58.º do CSC que se refere às deliberações anuláveis, nem tão pouco é invocado ou pedido pelo A., que não obstante na sua petição inicial não se reporte a uma qualquer norma em concreto do Código das Sociedades Comerciais, sempre vem pedir a final a anulação das deliberações tomadas em assembleia geral da R.
Em face dos pedidos formulados pelo A. e conforme foi entendimento da sentença recorrida, o que tem de ser avaliado é se a deliberação tomada na assembleia geral de 31.01.2022 que elegeu os órgãos sociais da R. é anulável, nos termos previstos no art.º 58.º do CSC, tendo alegado o A. que a votação por representação foi realizada contra o disposto no Estatuto e na Lei.
O art.º 58.º do CSC estabelece no seu n.º 1 que são anuláveis as deliberações que:
“a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.”
São os art.º 19.º ss. dos Estatutos da R.- doc. 1 junto com a p.i. – que regem sobre a assembleia geral, dispondo designadamente o n.º 2 do art.º 19.º que participam nas assembleias gerais todos os cooperantes que se encontrem no pleno gozo dos seus direitos sociais. Sobre o voto por representação é previsto no art.º 27.º dos Estatutos o seguinte:
1. É admitido o voto por representação, devendo o mandato, apenas atribuível a outro cooperador ou familiar maior do mandante, constar de documento escrito dirigido ao presidente da mesa da assembleia, datado e assinado pelo manante, suja assinatura deverá estar reconheciao nos termos legais.
2. Cabe à mesa da assembleia a tarefa de verificar a autenticidade do instrumento de representação.
3. Cada cooperador apenas pode representar um outro.
4. O mandato para o exercício do voto por representação tem de ser entregue, contra recibo, ao presidente da mesa da assembleia geral com 24 horas de antecedência relativamente à reunião da assembleia geral a que se destina.”.
Conforme já se referiu quando da apreciação da primeira questão, é forçoso concluir pela invalidade das 111 procurações a que alude o ponto 15 dos factos provados, para efeitos de serem usadas no ato eleitoral, por não terem sido observadas quanto a elas exigências previstas no art.º 27.º n.º 1 dos Estatutos da R., por falta dos requisitos legais necessários para que possa dizer-se que estamos perante instrumentos de mandato com assinatura validamente reconhecida.
É por isso legítimo concluir como faz a sentença sob recurso, que: “os votos por representação lançados nas urnas estribados nas procurações referidas no ponto 15. dos factos provados, são nulos porque o instrumento de delegação é nulo. Efetivamente nesses instrumentos não encontramos um mandato e nem vemos que tenham as respetivas assinaturas sido feitas na presença de quem as reconheceu em clara violação do que decorre do artº.153º, nº.4 do Código do Registo do Notariado.”.
Importa então perceber qual é o impacto desta situação na deliberação da assembleia geral eleitoral de 31.01.2022 que elegeu os órgãos sociais da R., limitando-se a sentença sob recurso a considerar que não pode integrar-se o caso na parte final do art.º 58.º n.º 1 al. b) do CSC e a concluir, sem outro fundamento, que tal deliberação é nula.
Temos como pacífico considerar que estamos perante um vício procedimental ou formal na medida em que afeta o processo ou modo de formação da deliberação e a sua aprovação, em contraponto com um vício de conteúdo ou material da deliberação que se verifica quando a violação da lei resulta daquilo que foi deliberado – sobre a qualificação dos vícios das deliberações sociais, vd. Coutinho de Abreu, in Direito Comercial, Vol. II, pág, 506 ss.
Concretamente, o que está em causa é a existência de 111 votos que são nulos, por terem sido emitidos com base em procurações inválidas, afetando dessa forma a participação e votação dos cooperantes que as subscreveram sem observância dos requisitos legalmente exigidos para o efeito, importando então saber qual é a repercussão desta situação na deliberação tomada que elegeu os órgãos sociais da R.
Com interesse para esta questão, diz-se de forma clara o Acórdão do TRC de 6 de novembro de 2012 no proc. 281/08.1TBVNO.C1 in www.dgsi.pt : “As sociedades formam a sua vontade funcional através das deliberações sociais. As deliberações sociais são actos muito peculiares, dado que, por um lado, são actos dos sócios e, por outro, são actos da sociedade. Enquanto acto dos sócios a deliberação é um acto colectivo formado por uma pluralidade de actos jurídicos unitários – os votos – que são imputáveis a cada um dos sócios; como acto da sociedade, a deliberação é, no seu todo, um acto jurídico unitário, embora complexo, imputável à sociedade, ela mesma. Na base da deliberação, está, necessariamente, uma votação. Na situação mais comum, i.e., de pluralidade de sócios, na origem da deliberação está uma pluralidade de votos. O voto é uma declaração e sendo uma declaração é também, por si, um negócio jurídico. Está, por isso, inteiramente sujeito aos vícios que afectam os negócios jurídicos. Assim, por exemplo, o voto que seja emitido em contravenção de uma norma jurídica injuntiva é nulo (art.º 294 do Código Civil). Se alguém for ilegalmente admitido a emitir voto, e o emitiu, a deliberação deve, em princípio, ser anulada: há um vício que não consiste na falta de maioria – mas sim na emissão ilegal de um voto. Mas para se determinar a exacta repercussão do vício do voto sobre a validade da deliberação social, há sempre que recorrer à chamada prova de resistência. Quando o voto é nulo, por violação dalguma disposição legal, o problema que se põe é o da influência que o voto nulo tenha tido para a maioria dos sócios que aprovou a proposta e, por isso, ditou a deliberação, pois bem pode suceder que, descontados os votos nulos, ainda assim se mantenha a maioria necessária para a tomada da deliberação. A resposta exacta a este problema é esta: o vício do voto é relevante – mas só põe em causa a deliberação se o voto for determinante para essa mesma deliberação, segundo a regra da maioria aplicável. Esta é a comummente chamada prova de resistência, que no nosso ordenamento surge disposta na lei civil geral para os votos em situação de conflito e, na lei societária, para os denominados votos abusivos (art.º 176 nº 2 do Código Civil e 58 nº 1 a), in fine, do CSC). Um tal regime é, patentemente, simples emanação do princípio geral de aproveitamento do acto jurídico, traduzido pela regra utile per inutile non vitiatur: é de elementar bom senso – sublinha-se – não invalidar uma deliberação por serem nulos os votos inúteis para a deliberação a tomar. Nestas condições, no caso que constitui o universo das nossas preocupações, tudo está em saber se descontados os votos nulos, as deliberações impugnadas resistem ou não. No primeiro caso, as deliberações mantêm-se, por a maioria em que se fundam não se mostrar prejudicada; no segundo, serão anuladas.”.
Sobre esta questão da prova de resistência diz-nos ainda com toda a pertinência o Ilustre Professor Doutor Paulo de Tarso Domingues, no Parecer que subscreveu e que foi junto aos autos pela Recorrente em sede de recurso:
“Quando estejam em causa deliberações meramente anuláveis, que resultem do irregular exercício do direito de voto, e com as quais se vise obter vantagens para um ou mais sócios ou simplesmente prejudicar outro(s) sócios(s) ou a sociedade, as mesmas apenas deverão ser declaradas inválidas se não passarem na chamada prova de resistência (cfr. artigo 58.º, n.º 1, al. b) CSC).
A prova de resistência consiste em as deliberações relativamente às quais se verifica um vício de procedimento, resultante do exercício irregular do direito de voto, se deverem considerar inatacáveis do ponto de vista jurídico, se, expurgados e desconsiderados os votos inválidos, o sentido da votação se mantiver o mesmo.
Trata-se de um regime que se funda, uma vez mais, na estabilidade e segurança jurídicas – valores superiores que se pretendem acautelar e preservar nestes entes corporativos –, que se encontra consagrada na alínea b), do n.º 1 do artigo 58.º CSC e que a nossa doutrina e jurisprudência têm entendido como sendo uma regra de aplicação genérica.
A prova de resistência tem sido aplicada de forma generosa pelos tribunais portugueses quer a sociedades, quer a associações, sendo este regime igualmente aplicável às cooperativas, já que todo o regime das invalidades das deliberações sociais é também a estas aplicável, por força da remissão do artigo 9.º do CCoop.”.
A denominada prova de resistência implica então saber em que medida é que os votos inválidos são relevantes na alteração do sentido da deliberação societária que foi tomada ou, dito de outra forma, saber se retirando os votos nulos por irregularidade da representação dos votantes na assembleia, ainda assim a deliberação teria a mesma orientação ou conteúdo, resistindo por isso àquele vício.
Veja-se ainda sobre os pressupostos da invalidade das deliberações sociais o que se refere no recente Acórdão do STJ de 11 de outubro de 2022, no proc. 2418/21.6T8VNG. S1 in www.dgsi.pt : “Como decorre do quadro legal pertinente, nomeadamente dos artigos 56º e 58º do CSC, e como tem sido generalizadamente afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, nem todos os tipos de irregularidades procedimentais conduzem à invalidade da deliberação. Para além das hipóteses de invalidade da deliberação expressamente previstas, haverá que ponderar casuisticamente em que medida a irregularidade de determinado voto se pode projetar negativamente na consistência normativa de uma deliberação, compaginando a aferição dessa irregularidade com a tutela do interesse social. Neste sentido, afirma Coutinho de Abreu que (…) importa sublinhar que nem todos os vícios de procedimento provocam a anulabilidade das respetivas deliberações. Apesar de o art.º 58º,1, a) e c), não fazer distinções (todas as deliberações ilegais, quando não sejam nulas, seriam anuláveis), há que atender à teleologia das normas procedimentalmente ofendidas e às consequências das ofensas. Em concreto, há vícios relevantes e vícios irrelevantes para efeitos de anulação das deliberações. (…) Em tese geral, diremos que são vícios de procedimento relevantes quer os que determinam um apuramento irregular ou inexato do resultado da votação e, consequentemente, uma deliberação não correspondente a maioria dos votos exigida, quer os ocorridos antes ou no decurso da assembleia que ofendem de modo essencial o direito de participação livre e informada de sócios nas deliberações. Exemplifiquemos: a) A participação em assembleia geral de pessoa para tal não legitimada é vício relevante se a presença dessa pessoa foi determinante para a obtenção do quórum constitutivo (cfr. art.º 383º, 2). Não é relevante se, mesmo sem essa participação, o quórum foi conseguido.» No sentido da fundamentação seguida, são ainda pertinentes as seguintes considerações de Oliveira Ascensão: «(…) As deliberações sociais exigem um regime especial dos vícios das declarações singulares. E isto porque na deliberação social não há partes. Pode haver interesses divergentes, e até violentamente divergentes, mas a deliberação social não representa uma composição acordada de interesses divergentes, mas a manifestação de uma posição unitária da sociedade. Por isso, a orientação legal é colocar a deliberação quanto possível a salvo dos defeitos que possam ocorrer nos votos das partes. O esquema legal é então o seguinte: o vício do voto é relevante; mas só põe em causa a deliberação se o voto for determinante para esta, nos termos da regra de maioria aplicável. A isto se chama comummente a prova de resistência. (…) Digamos que se estabelece um limiar da relevância da invalidade do voto sobre a validade da deliberação. Mas essa relevância não depende de considerações atinentes ao vício do voto em si, mas atinentes à formação da deliberação. É manifestação da prevalência da tutela desta sobre a das posições individuais dos sócios. Portanto o vício, nos termos gerais, pode destruir uma ou mais posições individuais em que se manifeste; mas só a partir de certo limiar, de natureza quantitativa, tem efeito sobre a deliberação. Este é já um reflexo do propósito legal de salvaguardar a vida institucional da sociedade, mesmo que em detrimento de formas comuns de protecção de posições individuais.».” Em sentido idêntico também já se havia pronunciado, com ampla fundamentação doutrinária o Acórdão do STJ de 9 de março de 2010 no proc. 68/03.8TVLSB.S1 in www.dgsi.pt
Importa então, na aplicação da teoria expendida ao caso concreto, perceber se a deliberação tomada na assembleia geral eleitoral de 31.01.2022 que procedeu à eleição dos órgãos sociais da R. deve ser anulada, sendo que tal apenas deve acontecer se os votos viciados por invalidade dos instrumentos de representação cooperantes na assembleia foram relevantes, ou seja se foram determinantes para a obtenção da maioria de votos que elegeu tais órgãos sociais.
Apenas são nulos os votos emitidos ao abrigo de 111 procurações (ponto 15 dos factos provados), sendo que no ato eleitoral 127 votos foram por procuração num universo de 426 votos (ponto 35 dos factos provados), tendo de considerar-se válidos todos os votos presenciais.
O resultado do ato eleitoral foi de: 336 votos para a lista A, 86 votos a favor da lista B, sendo 4 os votos nulos.
Não obstante não possam considerar-se nulos todos os votos emitidos por procuração, na medida em que apenas 111 das 127 procurações não obedecem aos requisitos legais, a verdade é que sendo o voto secreto, não é possível saber qual o sentido dos votos, tenham sido presenciais ou por procuração.
Contudo, é possível perceber sem margem para dúvidas, que imputando o sentido de voto das procurações ilegais ou mesmo de todos os votos por procuração à lista A, determinando o desconto no resultado final daqueles votos, sempre seria a lista A a obter vencimento por maioria absoluta, resistindo a deliberação tomada àqueles vícios.
De acordo com o disposto no art.º 15 dos Estatutos da R. os seus órgãos sociais são eleitos por maioria simples, nem sequer sendo exigível maioria absoluta para o efeito, pelo que, mesmo fazendo-se o raciocínio de descontar à lista mais votada – a lista A - todos os votos emitidos por procuração irregular e imputando todos os votos válidos por procuração à lista derrotada – lista B -, sempre continuaria a ser a lista A a mais votada, com uma margem muito relevante relativamente à lista B, elegendo os mesmos órgãos sociais da R., num resultado final de 209 votos para a lista A (336 - 127) e 86 votos para a lista B.
Em conclusão a deliberação da R. que elegeu os seus órgãos sociais que aqui é contestada pelo A., sempre obteria a maioria necessária dos cooperantes para eleger os órgãos que elegeu e a ser assim, não há fundamento para anular as deliberações impugnadas, contrariamente ao que entendeu a sentença proferida que se revoga.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o presente recurso interposto pela R. totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida que se substitui por decisão que julga improcedentes os pedidos formulados pelo A., deles absolvendo a R.
Custas pelo Recorrido.
Notifique.
*
Lisboa, 2 de março de 2023
Inês Moura
Laurinda Gemas
António Moreira