Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
37/21.6S6LSB-A.L1-9
Relator: MARIA JOSÉ CORTES CAÇADOR
Descritores: INSTRUÇÃO
CONHECIMENTO DE NULIDADES PREVIAMENTE ARGUIDAS
CASO JULGADO FORMAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I-Tendo a concreta questão da nulidade da instrução invocada pelos arguidos/recorrentes, com fundamento na ausência de notificação dos mesmos do despacho que declarou aberta a instrução e da data designada para o debate instrutório, sido objeto de anterior e expressa apreciação e decisão  judicial aquando do despacho de pronúncia, formou-se quanto a ela caso julgado formal que obta à sua reapreciação posterior, designadamente na oportunidade referida no art.° 338.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, como terá sido o caso dos autos;
II-Estamos assim perante nulidades sanáveis, dependentes de arguição, art.° 120.°, n.° 2, al. d), do Código de Processo Penal, e respeitantes a questões meramente processuais da fase de instrução, pelo que não faz sentido não se verificar, in casu, caso julgado formal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal de Lisboa – J5, no âmbito do processo n.º 37/21.6S6LSB, os arguidos AA, BB, CC e DD vieram interpor recurso do despacho proferido em 3 de fevereiro de 2022, que não conheceu das nulidades arguidas, por entender já haviam sido apreciadas na decisão instrutória e que tal configuraria violação de caso julgado.
Formulam, no termo da motivação, as seguintes conclusões:
I. Os Recorrentes perante um despacho de acusação, requereram a abertura da instrução tendo, dentre outras questões levantadas, peticionado a aplicação da suspensão provisória do processo.
II. Por despacho proferido pelo JIC, foi admitida e declarada aberta a fase de instrução e foi designada data para a realização de debate instrutório, porém esse despacho não foi notificado a nenhum dos Recorrentes, enquanto Arguidos.
IV. O debate instrutório acabou por se realizar na data designada, na ausência do Recorrente DD que, como se disse, não havia sido notificado da data designada.
V. No início do debate instrutório foram arguidas as nulidades previstas nos artigos 119°, alínea c) e 1200, n° 1, alínea d) do C.P.P, tendo contudo sido de seguida proferida decisão instrutória de pronúncia, declarando-as improcedentes.
VI. A decisão instrutória era irrecorrível nos termos do disposto no artigo 3100, n.º 1 e transitou em julgado.
VII. O processo foi distribuído ao Tribunal a quo que em sede de saneamento prévio do processo, proferiu despacho ao abrigo do artigo 311°, no 1 do C.P.P. declarando que não havia qualquer nulidade a apreciar.
VIII. Instado expressamente pelos Recorrentes a pronunciar-se sobre as nulidades arguidas, o Tribunal a quo proferiu o despacho ora em crise, considerando que lhe estava vedado o conhecimento das nulidades arguidas porquanto já tinham sido objecto de apreciação no despacho de pronúncia, sob pena de o fazendo violar o caso julgado.
IX. Esta decisão violou o disposto nos artigos artigo 620°, n° 2 (Caso julgado formal) com remissão para o artigo 630°, n° 2 (Despachos que não admitem recurso) ambos do C.P.C, aplicáveis analogicamente por via do artigo 4° do C.P.P. e ainda o artigo 311°, n° 1 do C.P.P. Isto porque,
X. A decisão instrutória na parte em que aprecia nulidades não forma caso julgado formal, conclusão que se retira pela aplicação analógica do artigo 6200, n° 2 (Caso julgado formal) com remissão para o artigo 6300, n° 2 (Despachos que não admitem recurso) ambos do C.P.0 e que determina que não constituem caso julgado formal os despachos proferidos sobre nulidades.
XI. E portanto, o Tribunal a quo, deveria ter aplicado analogicamente os artigos 620°, no 2 e 6300, no 2 ambos do C.P.C, concluindo que não estava limitado no conhecimento das nulidades já apreciadas em instrução, por decisão transitada em julgado, porque nessa parte não tem alcance de caso julgado formal.
Xl. E para além de não estar limitado, constituía um verdadeiro dever do Tribunal a quo, proceder ao saneamento do processo conhecendo das nulidades de que pudesse enfermar à luz do que dispõe o artigo 311°, n° 1 do C.P.P, mesmo para os casos em que o processo é remetido da instrução e ao não o ter feito violou flagrantemente a referida disposição legal.
XII. O artigo 311°, no 1 do C.P.P, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, não estabelece qualquer limite ao conhecimento de nulidades (quer em relação à fase em que foram cometidas— inquérito ou instrução, quer ao tipo- insanáveis ou susceptíves de sanação, quer pelo facto de já terem sido apreciadas) e se essa solução tivesse sido a querida pelo legislador, este teria adoptado na redacção do 311° do C.P.P a mesma que adoptou no artigo 338, no 1 (admitindo que no início da audiência de julgamento, antes da produção da prova, o Tribunal de julgamento apenas possa conhecer e decidir sobre nulidades sobre as quais ainda não tenha proferido decisão - no momento previsto no artigo 311°).
XIII. E portanto, numa correcta aplicação e interpretação do artigo 311°, n° 1 do C.P.P e dos artigos 6200, n° 2 e 6300, n° 2 ambos do C.P.C, o Tribunal a quo, ao sanear o processo vindo da instrução, teria conhecido das nulidades processuais tempestivamente arguidas pelos Recorrentes, ainda que já tivessem sido decididas na decisão instrutória.
XIV. Conforme supra se enunciou, na fase de instrução foram praticadas nulidades processuais em relação ao Recorrente DD que subsistem, num caso porque é insanável e noutro porque não foi sanada, as quais deverão ser apreciadas ora em sede de recurso pelo Tribunal ad quem.????
XV. Nenhum dos aqui Recorrentes foi notificado do despacho que declarou aberta a instrução, nem da data designada para o debate instrutório, sem certo que o objecto da instrução visada também a aplicação da S.P.P. acto para o qual os Arguidos teriam que estar presentes para dar o seu consentimento.
XVI. O artigo 287°, n° 5 do C.P.P. impõe que o despacho de abertura de instrução seja obrigatoriamente notificado ao Arguido e, por sua vez, o artigo 297°, no I. do C.P.P. também determina que a designação da data para a realização do debate instrutório tenha, obrigatoriamente, que ser notificada ao Arguido.
XVII. Tratam-se por isso de actos obrigatórios em sede de instrução, que não foram praticados, subsumindo-se a sua preterição à nulidade consagrada no artigo 1200, n° 1, alínea d) do C.P.P. Nulidade essa tempestivamente arguida no início do debate instrutório e que não se poderá, de forma alguma, considerar sanada em relação ao aqui Recorrente, DD, porquanto não compareceu no debate instrutório.
XVII.. Por fim verifica-se ainda a nulidade insanável prevista no artigo ligo, alínea c) do C.P.P. na medida em que a presença do Arguido é obrigatória e o Recorrente DD não compareceu no debate instrutório (não por sua vontade mas porque o Tribunal preteriu a sua notificação cfr. acima se viu), tendo assim a diligência realizado-se na sua ausência.
XVIII. A obrigatoriedade da presença do Arguido no debate instrutório decorre disposto no artigo 610 do C.P.P enquanto direito inderrogável (estar presente nos actos processuais que lhe digam respeito (alínea a)) e ser ouvido pelo Juiz de Instrução sempre que seja tomada qualquer decisão que o afecte (alínea b),) mas também enquanto um dever conforme prescreve o n° 3, alínea a) do mesmo artigo.
XIX. Se a presença do Arguido no debate instrutório não fosse obrigatória não faria qualquer sentido que o legislador tivesse consagrado a obrigação de notificar o Arguido da admissão da instrução e da data do debate instrutório, nem tão pouco o regime do adiamento do debate (artigo 3000 do C.P.P).
XX. E para além de ser obrigatória, no caso destes autos a presença do aqui Recorrente, DD, no debate instrutório, era absolutamente necessária para aferição do seu consentimento para a eventual aplicação da S.P.P., que havia sido pelo mesmo requerida, nos termos do disposto no artigo 281°, n° 1, alínea a) do C.P.P.
*1.2. Notificado da interposição do recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo pela forma seguinte:
“- O art.° 113.°, n° 10, do C.P.P., apenas exige a notificação dos arguidos na pessoa dos seus defensores, o que, no caso, aconteceu.
- Não estando em causa nenhum ato em que a lei exige a presença do arguido, não se verifica a referida nulidade.
- Destarte, a questão foi apreciada em sede de instrução, tendo o respetivo despacho transitado em julgado.
Conclui que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a decisão recorrida.
*
1.3. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Foi cumprido o estabelecido no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
1.5. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
Como é consensual, quer na doutrina quer na jurisprudência, são as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação, sintetizando as razões do pedido, que definem e determinam o âmbito do recurso, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios e nulidades, ainda que não invocados ou arguidas pelos sujeitos processuais.
Face às conclusões apresentadas pelos recorrentes, extraímos as seguintes questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso:
1.ª Se o despacho proferido pelo senhor Juiz de Instrução em sede de decisão instrutória que julgou improcedente a arguição de nulidade da instrução invocada pelos arguidos/recorrentes, com fundamento na ausência de notificação dos mesmos do despacho que declarou aberta a instrução e da data designada para o debate instrutório, faz caso julgado formal;
2.ª Caso seja negativa a resposta, se deve este tribunal superior conhecer da nulidade arguida pelos recorrentes quanto à falta de notificação dos mesmos do despacho que declarou aberta a instrução e do despacho que designou data para o debate instrutório.
*
2.2. O despacho recorrido
Naquilo em que o mesmo releva para o conhecimento do objeto do recurso,
o teor do despacho recorrido é o seguinte:
“A fls. 237 e seguintes, os arguidos AA, BB, CC e DD vieram arguir, ao abrigo do disposto no artigo 120.º, n.º 2 al. d), do Código de Processo Penal, a nulidade insanável da instrução com fundamento na ausência de notificação dos arguidos do despacho que declarou aberta a instrução e da data designada para o debate instrutório.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de não se mostrar verificada qualquer nulidade.
Compulsados os autos verificamos que em sede de decisão instrutória o Mm.º Juiz de Instrução Criminal já se pronunciou sobre a nulidade ora novamente invocada, julgando-a improcedente.
Tal decisão instrutória transitou em julgado.
O Mm.º Juiz de Instrução Criminal manteve, conforme resulta de fls. 254, o decidido.
Assim, considerando que a questão suscitada já foi oportunamente decidida, tendo tal decisão transitado em julgado, considera-se a mesma consolidada na ordem jurídica não podendo este tribunal voltar a apreciá-la.
Pelo exposto, considerando que já foi proferida decisão transitada em julgado sobre a arguida nulidade, não pode este tribunal proferir nova decisão referente a tal vício por se verificar a excepção de caso julgado.”
*
2.3. Apreciação do recurso
1.ª Questão
Se o despacho proferido pelo senhor Juiz de Instrução em sede de decisão instrutória que julgou improcedente a arguição de nulidade da instrução invocada pelos arguidos/recorrentes, com fundamento na ausência de notificação dos mesmos do despacho que declarou aberta a instrução e da data designada para o  debate instrutório, faz caso julgado formal
Entendem os recorrentes que a decisão instrutória, na parte em aprecia as nulidades arguidas em sede de instrução, não tem força de caso julgado formal, o qual apenas está expressamente previsto nos art.ºs 84.° e 467.°, do Código de Processo Penal, sendo quanto a esta parte necessário recorrer-se ao Código de Processo Civil, nos termos do artigo 4.°, do Código de Processo Penal.
Mais aduzem que do art.º 620.°, n.° 2 (caso julgado formal) com remissão para o artigo 630.°, n.° 2 (despachos que não admitem recurso), ambos do Código de Processo Civil, resulta que não constituem caso julgado formal os despachos proferidos sobre nulidades.
E portanto, estando desde logo em causa uma nulidade de conhecimento oficioso, esta pode ser conhecida a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final. Só o trânsito em julgado da decisão final terá a virtualidade de “sanar” as nulidades insanáveis; até lá poderão ser apreciadas em sede de inquérito, instrução e reapreciadas/revistas pelo juiz de julgamento.
Concluem que embora no código de processo penal não esteja expressamente consagrada essa solução (ao contrário do sucede no processo civil) não restam dúvidas que foi a solução querida pelo legislador, desde logo porque é o que resulta dos art.ºs 310.°, n.° 2, 311.°, este último conjugado com o 338.°, n.º 1, do Código de Processo Penal.
O tribunal recorrido entendeu estar verificada a exceção de caso julgado. Vejamos de que lado está a razão.
O caso julgado é um instituto que visa a proteção das decisões jurisdicionais, sem o qual essas decisões não seriam vinculativas, já que poderiam ser repetidamente modificadas. Os princípios da confiança, da segurança jurídica enquanto garantia constitucional, a isso obrigam.
Dispõe o n.º 1, do art.º 310.º, do Código de Processo Penal:
A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.° ou do n.° 4 do artigo 285.°, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.
De acordo com o art.° 311.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, “Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.”
Por seu turno, estatui art.° 338.°, n.° 1, do mesmo código:
O tribunal conhece e decide das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar.”
A disciplina introduzida - enquanto acrescentou ao n.° 1 “... formulada nos termos do artigo 283° ou do n.° 4 do artigo 285° ...” e “... mesmo na parte em que em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais ...” - pela Lei n.° 48/2007, de 29 de agosto, veio resolver as divergências que se faziam sentir, designadamente no seio da jurisprudência, quanto à irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciasse o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, na parte relativa à apreciação de nulidades e outras questões prévias ou incidentais, tornando, assim, inaplicável, aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, a jurisprudência fixada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 6/2000 (DR, I – A, de 07.03.2000) no sentido de que “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais”. Do mesmo modo caducou o AFJ n.º 7/2004 (DR, I – A, de 02.12.2004) onde foi decidido: “Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público”.
Significa, pois, que para além da irrecorribilidade da decisão instrutória de pronúncia do arguido, dentro do condicionalismo prevenido no n.° 1, do art.° 310.°, com fundamento em razões de natureza substantiva, como a inexistência de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (art.° 308.°, n.° 1, do Código de Processo Penal), também as nulidades, questões prévias ou incidentais, apreciadas na decisão instrutória de pronúncia, são agora insuscetíveis de sindicância através de recurso interposto nos sobreditos termos. Na verdade, o regime decorrente da Lei n.° 48/2007, de 29 de agosto, no que tange à irrecorribilidade nesta parte da decisão instrutória acabou por acolher a jurisprudência do Tribunal Constitucional, firmada no acórdão n.° 216/99, o qual concluiu que a irrecorribilidade do despacho de pronúncia na parte em que conhece de questões prévias ou incidentais não viola a Constituição da República Portuguesa.
Como escreve Maia Costa, in Código de Processo Penal Comentado, 2016, Almedina, p. 986 “A nova solução legal, embora recusando o direito ao recurso, não agrava a posição processual do arguido, não podendo, portanto, ser arguida de inconstitucional. Do novo n.º 2 resulta que a decisão sobre nulidades e questões prévias e incidentais não faz caso julgado formal no processo, podendo o tribunal de julgamento reapreciar tais questões. Assim, perdendo o arguido o direito de recurso da decisão instrutória naquela parte, ganhou, porém, a possibilidade de ver essas questões reapreciadas em sede de julgamento, com o inerente direito a recurso da sentença”. No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional nos acórdãos n.° 387/2008, n.° 95/2009 e n.° 247/2009 enquanto considerou que a decisão de pronúncia que incida sobre nulidades e questões prévias não forma, sobre elas, caso julgado formal [idêntica orientação é defendida por Nuno Brandão, A nova face da instrução, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 18.º, n.ºs 2-3, p. 239].
Já para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, p. 809 e 810, aquela decisão faz caso julgado formal, invocando dois argumentos, na sequência de algumas decisões do Tribunal Constitucional que entenderam que a decisão de pronúncia que incida sobre nulidade não faz caso julgado formal sobre elas: “(...) Primeiro: o argumento do Tribunal Constitucional leva em linha recta a conclusões práticas inadmissíveis. Se o juiz de julgamento pode, aquando do recebimento da acusação ou da pronúncia, conhecer “sem limitações” de nulidades e questões prévias, então poderá revogar todas as decisões transitadas em julgado no processo até então! Mesmo aquelas que tenham transitado em julgado por o despacho do juiz de instrução ter sido confirmado pelo Tribunal da Relação! Segundo: a conclusão do Tribunal Constitucional supõe que o CPP impõe a tomada de decisões judiciais inúteis. A pergunta é simples: para que serve então a decisão do juiz de instrução que conhece de nulidades e questões prévias? Se ela não faz caso julgado formal, nem quando inclui, nem quando exclui provas nulas, para que serve essa decisão? É patente a ilogicidade de uma solução legal que impõe ao juiz que tome uma decisão sobre nulidades e questões prévias ou incidentais que não tem qualquer valor jurídico! A menos que se entenda que na instrução é um mero formalismo sem verdadeiro valor constitucional intrínseco, podendo o legislador ordinário prescindir dela uma vez por todas.”
Assim, para aquele autor, a irrecorribilidade do despacho de pronúncia que indeferiu questões prévias ou incidentais (como a exceção do caso julgado, a amnistia ou a prescrição do procedimento criminal) prejudica irremediavelmente a situação processual do arguido, sem que ele possa recolocar a questão na fase de julgamento (devido ao caso julgado formal sobre a mesma) ou submeter a questão a um tribunal superior (devido à irrecorribilidade do despacho de pronúncia).
Tendo a concreta questão da nulidade da instrução invocada pelos arguidos/recorrentes, com fundamento na ausência de notificação dos mesmos do despacho que declarou aberta a instrução e da data designada para o debate instrutório, sido objeto de anterior e expressa apreciação e decisão aquando do despacho de pronúncia, formou-se quanto a ela caso julgado formal que obstaria à sua reapreciação posterior, designadamente na oportunidade referida no art.° 338.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, como terá sido o caso.
Estamos perante nulidades sanáveis, dependentes de arguição – art.° 120.°, n.° 2, al. d), do Código de Processo Penal – e respeitantes a questões meramente processuais da fase de instrução, pelo que não faz sentido não se verificar, in casu, caso julgado formal.
Bem andou, pois, a Mm.ª Juíza a quo em não conhecer da questão suscitada pelos arguidos em sede de contestação, não se compreendendo, embora, a razão pela qual ordenou que o processo fosse de novo remetido ao JIC para apreciação da questão.
Atendendo a que o despacho proferido pelo senhor Juiz de Instrução em sede de decisão instrutória que julgou improcedente a arguição de nulidade da instrução invocada pelos arguidos/recorrentes, com fundamento na ausência de notificação dos mesmos do despacho que declarou aberta a instrução e da data designada para o debate instrutório, faz caso julgado formal, fica prejudicada a apreciação da segunda questão suscitada pelos recorrentes.
Destarte, julga-se improcedente o recurso e confirma-se a decisão recorrida.
*
III – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção desta Relação, em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos AA, BB, CC e DD e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas criminais a cargo dos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 3 UCS
(artigo 513.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, e artigo 8.°, n.° 9, do Regulamento
das Custas Processuais, com referência à Tabela III, anexa).
Notifique.

Lisboa, 5 de maio de 2022
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto por ambas as signatárias – art.° 94.°, n.° 2, do Código de Processo Penal)
Maria José Cortes Caçador
Maria do Rosário Martins