Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12850/16.1T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Explorando a ré uma plataforma eletrónica onde publicita, durante um curto espaço de tempo, para venda, bens e serviços, fornecidos e prestados por terceiros (“parceiros”), recebendo propostas de compra que serão aceites se for atingido, durante aquele espaço de tempo, um número mínimo de interessados, devendo então os compradores, denominados de “utilizadores”, proceder ao pagamento à ré, por meio eletrónico, do preço fixado, na sequência do qual receberão, por via eletrónica, da ré, um voucher, sujeito a um determinado prazo de validade, com o qual poderão reclamar do “parceiro” o bem ou o serviço correspondente, e regendo-se a atividade da ré por cláusulas gerais por ela previamente definidas, com as quais os utilizadores deverão necessariamente concordar, sujeita-se a ré ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (LCCG), assim como às obrigações e deveres perante o consumidor, decorrentes da Lei n.º 24/96, de 31.7 (Lei de Defesa do Consumidor) e bem assim ao regime dos contratos celebrados à distância, previsto pelo Dec.-Lei n.º 24/2014, de 14.02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2014, de 28.7.
II. São nulas as seguintes cláusulas contratuais gerais:
1. “O Utilizador será responsável pelos danos decorrentes para a MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA., seus parceiros, outros Utilizadores ou terceiros, pela violação de quaisquer obrigações decorrentes dos presentes Termos e Condições Gerais de Utilização, por lei, regulamento ou política interna da MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA.”;
2. “Antes de proceder à aquisição de qualquer voucher, o Utilizador obriga-se a tomar conhecimento da descrição e condições de oferta do produto ou do serviço, a que o mesmo respeita, definidas pelo Parceiro e publicadas no seu site e no site SAPO Voucher”;
3. O Utilizador do site deverá ser maior de idade ou encontrar-se devidamente autorizado pelos seus representantes legais, sendo que os elementos e informações por ele transmitidos produzirão plenos efeitos jurídicos, reconhecendo o mesmo a validade e eficácia das aquisições electrónicas e não podendo, em circunstância alguma, invocar a ausência de assinatura como motivo para incumprimento das obrigações assumidas ou exoneração das responsabilidades”;
4. Ao aceitar os Termos e Condições Gerais de utilização, o Utilizador autoriza a MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA. a proceder ao envio de mensagens de correio electrónico ou de SMS, de carácter informativo, referentes a promoções disponibilizadas ou a disponibilizar no site SAPO Voucher. Caso o Utilizador pretenda exercer o direito de oposição ao envio das referidas mensagens, deverá fazê-lo no próprio site SAPO Voucher, através do meio posto à sua disposição para o efeito”;
5. A MEO não fornece os produtos, nem presta os serviços relativos aos vouchers adquiridos no site SAPO Voucher, nem responde pela sua qualidade, quantidade, integridade ou condições de fornecimento ou prestação, garantindo apenas que o voucher atribui um direito ao fornecimento do produto ou à prestação do serviço pelos terceiros, seus parceiros”;
6. A MEO não assume qualquer garantia ou responsabilidade relativamente aos produtos e serviços respeitantes aos vouchers adquiridos pelo Utilizador, no site SAPO Voucher, nem responde perante este, por eventuais violações das obrigações assumidas pelos parceiros no âmbito da relação estabelecida”;
7. O Parceiro será o único responsável por fornecer os produtos ou prestar os serviços, especificados no voucher, ao Utilizador, e, seu nome e por sua conta, estando a oferta, exclusivamente, sujeita à descrição e condições por ele fixadas, incluindo, entre outras, preços, prazos de entrega e garantias legais, as quais foram objecto de prévio conhecimento e aceitação por parte do Utilizador”;
8. O Utilizador que pretenda exercer o direito de resolução do contrato, não deverá proceder à reserva de utilização, total ou parcial, do voucher junto do Parceiro”;
9. Caso o Utilizador, em violação do disposto no número 8.3 dos presentes Termos e Condições Gerais, proceda à reserva de utilização, total ou parcial, do voucher junto do Parceiro não haverá lugar a reembolso”;
10. “O Utilizador reconhece e aceita que sendo utilizada a Internet, no âmbito do acesso e utilização do site SPAO Voucher e na recolha dos dados pessoais e ainda que a MEO garanta o nível de segurança usual em redes abertas, existe o risco dos seus dados pessoais serem vistos e utilizados por terceiros não autorizados, não podendo ser imputada à MEO qualquer responsabilidade resultante, nomeadamente, de acesso indevido, eliminação, destruição, modificação e extravio”;
11. A interrupção ou cessação, pela MEO, do acesso e utilização do site SAPO Voucher, nos termos dos números anteriores, não confere ao Utilizador ou a terceiros o direito a qualquer indemnização, não podendo a MEO ser responsabilizada por qualquer consequência daí decorrente”;
12. “Apesar de todos os mecanismos de controlo estarem implementados correctamente, podem ocorrer erros no site SAPO Voucher, nomeadamente por conter ligações com outros sites e disponibilizar os conteúdos oferecidos nos mesmos, não podendo a MEO ser responsabilizada por qualquer dano ou perda daí decorrente”;
13. Os presentes Termos e Condições Gerais de utilização podem ser actualizados pela MEO sem notificação prévia aos Utilizadores, sempre que se considerar necessário ou desejável, de forma a responder às exigências jurídicas ou às alterações de funcionamento”;
14. Caso alguma disposição destes Termos e Condições Gerais de utilização, seja considerada nula ou anulável, por quaisquer motivos, a validade das demais disposições não será afectada, salvo se o Utilizador ou a MEO demonstrarem que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada”;
15. Para todos os litígios emergentes destes Termos e Condições Gerais de utilização é competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 19.5.2016 o Ministério Público instaurou, perante a instância local, juízo cível, da Comarca de Lisboa, ação declarativa, com processo comum (ação inibitória prevista no art.º 25.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais e no art.º 10.º da Lei de Defesa do Consumidor), contra Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A.
O A. alegou, em síntese, que a R., no exercício da sua atividade, sob a denominação “Sapo-Voucher” e no site voucher.sapo.pt, recorre a uma plataforma na internet, de compras coletivas, onde enumera propostas, válidas durante um certo período de tempo, para a aquisição de bens ou serviços (tais como viagens, estadias em estabelecimentos hoteleiros, refeições em estabelecimentos de restauração e cuidados em spas ou institutos de beleza) por quem acede ao identificado website. Assim, a R., na página do website SAPO Voucher – voucher.sapo.pt -, expõe os bens e serviços que podem ser adquiridos pelo utilizador de qualquer ponto do país que aceda a essa plataforma e pretenda adquirir o bem ou o serviço colocado à sua disposição para esse efeito. O consumidor, após se registar no respetivo website e caso concorde com as condições de venda e com o preço proposto, adquire à R. um bem ou serviço, sendo que paga diretamente à R. o respetivo preço e, quando pagos o bem ou o serviço eleito, é entregue diretamente ao consumidor um voucher que permitirá a este usufruir do serviço adquirido ou obter um bem também assim comprado. A proposta de venda de bens e serviços pela R. através da emissão de um voucher é limitada no tempo e somente após ter decorrido por inteiro o prazo de duração da proposta e após ter sido obtido um número mínimo de compradores para o produto (bem ou serviço) à venda pela R., é que é cobrado ao utilizador o valor da compra, através de débito no seu cartão de crédito ou podendo o utilizador recorrer ainda ao pagamento através dos sistemas Multibanco e Paypal. Só depois de processado com êxito o pagamento da compra pelo utilizador do site, é que a R. envia o correspondente voucher por e-mail ao utilizador/adquirente, tendo o voucher um prazo de validade para que o utilizador/adquirente obtenha o bem adquirido ou usufrua do serviço adquirido junto de um fornecedor, que não a R.. Tais serviços e bens são vendidos e adquiridos mediante a apresentação pela R., no respetivo website, aos utilizadores que com a mesma pretendam contratar, de um clausulado previamente elaborado, com o título “Termos e Condições” –, cláusula 3.1. a 3.3., sob a epígrafe “Aceitação dos Termos e Condições Gerais de utilização”. A utilização do site da R. e a aquisição por parte de qualquer utilizador dos bens e serviços propostos pela R. implica a aceitação obrigatória do teor do conteúdo do aludido clausulado. Ora, nele incluem-se quinze cláusulas, que o A. transcreve, que no entender deste são nulas, por violarem as regras legais que regem a proteção dos consumidores, do comércio eletrónico, do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais e do comércio à distância.
O A. terminou formulando o seguinte petitório:
Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente e, em consequência, ser proferida decisão que:
1) Declare nulas:
i. - a cláusula correspondente ao parágrafo décimo-oitavo;
ii. - a cláusula 1.3., sob a epígrafe “Objecto e Descrição”;
iii. - a cláusula 1.4., sob a epígrafe “Objecto e Descrição”;
iv. - a cláusula 3.4., sob a epígrafe “Aceitação dos Termos e Condições Gerais de Utilização”;
v. - a cláusula 7.1., sob a epígrafe “Garantias e responsabilidades”;
vi. - a cláusula 7.3., sob a epígrafe “Garantias e Responsabilidades”;
vii. - a cláusula 7.5., sob a epígrafe “Garantias e Responsabilidades”;
viii. - a cláusula 8.3., sob a epígrafe “Resolução”;
ix. - a cláusula 9.2., sob a epígrafe “Efeito da resolução”;
x. - a cláusula 11.3., sob a epígrafe “Privacidade e Dados Pessoais”;
xi. - a cláusula 12.3., sob a epígrafe
“Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”;
xii. - a cláusula 12.4., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”;
xiii. - a cláusula 12.6., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”;
xiv. - a cláusula 13.1., sob a epígrafe “Invalidade Parcial”;
xv. - a cláusula 15.2., sob a epígrafe “Direito aplicável/Foro”;
todas do clausulado “Termos e Condições”, junto como Documento 16, condenando a ré a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição - art.º 30.º, n.º 1, do RJCCG, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, na redacção introduzida pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31-08, n.º 224-A/96, de 26-11, n.º 249/99, de 07-07, e n.º 323/2001, de 17-12, e art.º 11.º, n.º 2, da Lei n.º 24/96, de 31-07, na redacção introduzida pela Lei n.º 47/2014, de 28-07;
2) Condene a ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, pedindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página, bem como em anúncio a publicar na página de internet da ré – www.odisseias.com -, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página, por forma a ser visualizado por todos os utilizadores da internet que acedam à referida página - art.º 30.º, n.º 2, do RJCCG, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, na redacção introduzida pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31-08, n.º 224-A/96, de 26-11, n.º 249/99, de 07-07, e n.º 323/2001, de 17-12;
3) Dê cumprimento ao disposto no art.º 34.º do RJCCG, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, na redacção introduzida pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31-08, n.º 224-A/96, de 26-11, n.º 249/99, de 07-07, e n.º 323/2001, de 17-12, determinando a extracção e remessa de certidão da sentença proferida à Direcção-Geral da Política de Justiça – Ministério da Justiça, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 06-09.
A R. contestou a ação, pugnando pela licitude e validade das aludidas cláusulas e concluindo pela improcedência da ação, por não provada, devendo a R. ser absolvida do pedido, declarando-se válidas as cláusulas postas em causa na presente ação.
Foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se audiência final e em 13.7.2017 foi proferida sentença que julgou a ação procedente, tendo sido emitido o seguinte dispositivo:
Destarte, nos termos e para os efeitos do disposto, designadamente, nos artigos 12.º, 30.º, 32.º, 33.º, e 34.º do Decreto-Lei nº446/85 de 25 de Outubro, julga-se procedente por provada a presente acção e, em consequência:
1) São declaradas nulas:
i. - a cláusula correspondente ao parágrafo décimo-oitavo;
ii. - a cláusula 1.3., sob a epígrafe “Objecto e Descrição”;
iii. - a cláusula 1.4., sob a epígrafe “Objecto e Descrição”;
iv. - a cláusula 3.4., sob a epígrafe “Aceitação dos Termos e Condições Gerais de Utilização”;
v. - a cláusula 7.1., sob a epígrafe “Garantias e responsabilidades”;
vi. - a cláusula 7.3., sob a epígrafe “Garantias e Responsabilidades”;
vii. - a cláusula 7.5., sob a epígrafe “Garantias e Responsabilidades”;
viii. - a cláusula 8.3., sob a epígrafe “Resolução”;
ix. - a cláusula 9.2., sob a epígrafe “Efeito da resolução”;
x. - a cláusula 11.3., sob a epígrafe “Privacidade e Dados Pessoais”;
xi. - a cláusula 12.3., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”;
xii. - a cláusula 12.4., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”;
xiii. - a cláusula 12.6., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”;
xiv. - a cláusula 13.1., sob a epígrafe “Invalidade Parcial”;
xv. - a cláusula 15.2., sob a epígrafe “Direito aplicável/Foro”; todas do clausulado “Termos e Condições”, condenando a ré a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, no exercício da sua actividade sob a denominação comercial “SAPO Voucher” ou similar, com clientes / aderentes / consumidores que acedam e/ou utilizem os serviços, adquiram bens ou serviços no site voucher.sapo.pt;
2) Condena-se ainda a ré:
i. - a dar publicidade a tal proibição, em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página, bem como em anúncio a publicar na página de internet da ré – www.odisseias.com -, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página;
ii. - a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de trinta dias do trânsito em julgado da presente decisão;
3) Mais se determina se dê cumprimento ao disposto no art.º 34.º do RJCCG, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, na redacção introduzida pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31-08, n.º 224-A/96, de 26-11, n.º 249/99, de 07-07, e n.º 323/2001, de 17-12, determinando-se a extracção e remessa de certidão da sentença à Direcção-Geral da Política de Justiça – Ministério da Justiça, para os efeitos previstos na Portaria n.º1093/95, de 06-09.
Custas pela ré – art. 527º do Código de Processo Civil.”
A R. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1.º A ora Recorrente discorda, em absoluto, com o teor da douta sentença recorrida, nomeadamente quanto a alguma da factualidade que foi dada por assente, bem como no que diz respeito à interpretação e enquadramento jurídico efetuado pela Douta Juiz do Tribunal de 1ª Instância.
2.º No entendimento da Recorrente, a análise da prova apresentada e o seu enquadramento real não foram devidamente efetuados, tendo sido preterida a aplicação do Direito ao caso concreto.
3.º No entendimento da MEO, decorrente do depoimento das testemunhas Filipa (ficheiro 20170308101456_19006216_2871106, minuto 16:00 a 20:00), Isabel (ficheiro 20170308111710_19006216_2871106, minuto 2:50 a 4:10) e Barbara (ficheiro 20170308112820_19006216_2871106, minuto 2:00 a 3:50), resulta inequívoco que o direito de livre resolução previsto no DL 24/2014 não se encontra de forma alguma afastado/limitado, sendo o mesmo cumprido na sua máxima extensão.
4.º Deveria constar como facto provado o seguinte: “35 - Encontra-se garantido pelo serviço MEO Vouchers a livre resolução por parte do cliente nos termos previsto no DL 24/2014”
5.º O que afeta naturalmente a análise que o tribunal a Quo efetivou para considerar como ilícitas as cláusulas 7.5, 8.3 e 9.2.
6.º As quais deveriam ter sido consideradas licitas porquanto inexiste qualquer entrave ao direito de livre resolução que emane do seu conteúdo.
7.º Resulta necessário revisitar as diversas cláusulas tendo em vista esclarecer o seu contexto e efetivo total desenquadramento com a alegada violação das regras atinentes às cláusulas contratuais.
8.º Cláusula 1.3 - Na descrição dos produtos e serviços que se encontram disponíveis no SAPO Voucher estão devidamente descriminadas as condições para utilização dos vouchers em causa sendo efetuada a descrição do produto que será enviado pelo fornecedor.
9.º O conhecimento e aceitação das condições de utilização resulta de forma clara do compromisso por parte do cliente que, ao estar a adquirir um produto, primeiro irá tentar à descrição do mesmo, não havendo qualquer má-fé da MEO ou tentativa de infringir os direitos dos consumidores.
10.º Os termos e condições de utilização de um serviço/produto encontram-se refletidos num documento fechado, sem possibilidade de preenchimento, derrogação ou alteração por parte dos utilizadores, sendo essa a regra em todos os serviços disponibilizados aos utilizadores de plataformas eletrónicas.
11.º Sendo inequívoco que o tribunal a Quo, perante a inexistência de prova contrária ao supra alegado apenas teria como opção dar tal factualidade como provada, sendo efetivamente claro que a utilização de tal clausulado não inflige os direitos do consumidor.
12.º Cláusula 1.4 - Pretende-se com esta cláusula assegurar que ao utilizar o serviço o utilizador confirma que a compra é efetivamente válida, não se compreendendo como legalmente tal validação pode ser considerada ilícita, vejamos por exemplo no caso de produtos de produtos para maiores de idade (por exemplo vinhos e gins), em que a presente cláusula resulta imprescindível no salvaguardar que a pessoa que está a efetuar a compra confirma ser maior de idade.
13.º Cláusula 3.4 - Após efetuar uma compra e após aceitar os termos e condições, caso pretenda, o utilizador passará a receber a newsletter das promoções do SAPO Voucher, sendo um procedimento meramente facultativo, pois é colocado à disposição do utilizador a possibilidade de se excluir do envio destas comunicações, como resulta do ponto 28 dos factos provados.
14.º Tal cláusula é lícita e aceite á luz dos dispositivos legais vigentes, inexistindo qualquer imposição legal que possa levar à declaração da ilicitude da mesma.
15.º Cláusula 7.1 - Os produtos que se encontram a ser promovidos através do SAPO Voucher são da responsabilidade dos respetivos fornecedores, pois o SAPO Voucher funciona como agente promotor, garantindo um desconto junto dos fornecedores, para os produtos que anuncia no seu site, tal como resulta dos pontos 29 a 32 da matéria de facto dado como provada.
16.º Sendo assim absolutamente inteligível para a Ré o porquê da Exma. Juiz a Quo ter considerado a cláusula em causa como ilícita, uma vez que inexiste no conteúdo da mesma qualquer natureza que afete os direitos dos consumidores ou coloque em causa qualquer normativo legal.
17.º Cláusula 7.3 - O SAPO Voucher ao funcionar como meio de venda (agente) não está diretamente envolvido com a prestação do serviço, nem com o envio do produto, mais uma vez, tal como resulta dos pontos 29 a 32 da matéria de facto dado como provada.
18.º É o fornecedor do produto e/ou serviços que deverá fornecer ao SAPO Voucher a descrição exata do produto que pretende vender, sendo assim ele o responsável pelo produto ou serviço prestado ao utilizador.
19.º A MEO apenas disponibiliza a plataforma de promoção dos serviços/produtos, e realiza as transações por via eletrónica, através do constante recurso a novas tecnologias de comunicação (E-commerce), cobrando o valor do produto/serviço por conta do prestador.
20.º Inexistindo na cláusula em causa qualquer conteúdo contrario aos normativos legais vigentes.
21.º Cláusula 7.5 - O SAPO Voucher ao funcionar como meio de venda (agente) não está diretamente envolvido com a prestação do serviço, nem com o envio do produto, não competindo assim à MEO, naturalmente, responsabilidade sobre lotação de uma unidade hoteleira ou de uma empresa de desportos radicais ou sobre as marcações de um cabeleireiro, restaurante ou parque para determinado dia, sobre um aspirador que se avaria, ou quaisquer outras ocorrências adversas que possam surgir no decurso da fruição do produto (voucher) em questão.
22.º Sendo tal limitação de responsabilidade plenamente admissível tendo em conta a tipologia de serviço em questão.
23.º Cláusula 8.3 - A cláusula em causa é atinente à situações que envolvem prestação de serviços, tendo sido claro, no facto que consideramos ter ficado provado mas não constando da matéria dada como provada pelo Tribunal a Quo, que a MEO cumpre sempre com a reposição dos valores junto dos seus clientes quando estes pretendem, justificadamente, exercer o seu direito de livre resolução.
24.º Assim, o direito de livre resolução previsto no DL 24/2014 não se encontra de forma alguma afastado/limitado, sendo o mesmo cumprido na sua máxima extensão.
25.º Ora, se o utilizador compra o voucher e pretender redimir o mesmo, tal intenção apenas pode ser encarada como vontade negocial expressa de compra do bem.
26.º Cláusula 9.2 - À semelhança do ponto anterior, só será reembolsado o valor do voucher caso o utilizador não tenha usufruído do mesmo, salvo, como esclarecido pelas testemunhas e resultante no facto que consideramos deveria ter sido dado como provado, se existir alguma desconformidade do produto/serviço fornecido.
27.º Ora, se o utilizador utilizou/usufruiu do serviço então não poderá ser reembolsado, inexistindo reclamação sobre a conformidade do mesmo, este não poderá, naturalmente, ser reembolsado.
28.º O reembolso, sem motivos relativos a conformidade dos bens/serviços com o anunciado, só será efetuado caso o utilizador não tenha utilizado/usufruído do serviço.
29.º Trata-se assim de uma condição genérica, que abarca bens/produtos/serviços, de natureza variada, sendo aplicado de forma casuística, em estrito cumprimento dos direitos dos consumidores.
30.º Cláusula 11.3 - A MEO leva a cabo todas as medidas técnicas de segurança necessárias para obstar ou minimizar os impactos de eventuais ataques informáticos, no entanto não pode de forma alguma assumir a responsabilidade por atos ilícitos de terceiros.
31.º Facto que decorre das normas gerais de imputação de danos, que aqui se veem refletidas, em nada colocando em causa a validade da cláusula em causa.
32.º Cláusula 12.3 - Trata de uma cláusula que prevê a interrupção ou cessação do serviço realizada no âmbito de um ataque informático, a qual é efetuada única e exclusivamente para proteção dos direitos dos consumidores (privacidade/dados pessoais).
33.º Mais uma vez não se compreendendo como pode tal cláusula ser considerada como de conteúdo ilícito por não ser conforme com a lei, inexistindo no conteúdo da mesma qualquer exclusão de responsabilidade de natureza abusiva.
34.º Cláusula 12.4 - Ao serem colocadas ligações (links) para endereços eletrónicos externos (por exemplo para a página de internet do fornecedor), a MEO não controla o destino.
35.º e por alguma razão o fornecedor alterar o seu site (e consequentemente o conteúdo do link para o qual o SAPO Voucher remete) a ligação ficará incorreta.
36.º No entanto não existe do lado do SAPO forma para controlar o conteúdo de tais ligações externas, sendo uma limitação geral para qualquer entidade que faça uso de links externos.
37.º De notar que, na descrição dos produtos e serviços, o detalhe é fornecido e controlado diretamente na plataforma SAPO Voucher pelos fornecedores, sendo assim os links informação complementar para os sites dos fornecedores, o que resulta naturalmente do tipo de atividade em causa, como resulta dos pontos 29 a 32 da matéria de facto dado como provada.
38.º Inexistindo assim motivo para a ilicitude da cláusula em referência.
39.º Cláusula 12.6 - O utilizador sempre que efetuar uma compra através do SAPO Voucher, tem de aceitar as condições, pelo que deverá sempre efetuar a sua leitura, a qual se trata sempre da versão mais atual das referida condições, pelo que a clausula em causa é naturalmente licita.
40.º Cláusula 13.1 - A cláusula em causa apenas acautela que o negócio jurídico realizado entre o utilizador e a MEO é válido, desde que represente a vontade das partes, independentemente de alguma das cláusulas das dos termos e condições gerais em causa ser considerada nula, desde que tal cláusula não tenha sido acionada no negócio jurídico em referência, o que resulta dos princípios gerais de direito, em pleno respeito pela vontade das partes aquando da contratualização dos serviços e bens em causa.
41.º Parágrafo 18º do resumo dos termos e condições - A cláusula em causa visa exclusivamente situações em que um utilizador, por algum meio, de uma forma enganosa/ilícita efetue alguma ação no SAPO Voucher que danifique o serviço em si.
42.º Resultando assim o referido utilizador como responsável pelos danos que causar à MEO, aos seus parceiros, utilizadores e terceiros, o que resulta, mais uma vez, das regras gerais de imputação de responsabilidade pelos danos.
43.º Cláusula 15.2 - A Clausula colocada em causa na presente ação já não se encontra em vigor, tendo sido alterada previamente à petição inicial.
44.º Mais, trata-se de uma regra geral e transversal incluída em todos os contratos de adesão de comunicações eletrónicas e termos de utilização, tendo por princípio o local da sede da empresa, sendo uma escolha de foro convencionado efetuada dentro da estrita legalidade.
45.º Considera a ora recorrente que as conclusões a que chegou a Exma. Juiz a Quo não resultam de correta aplicação dos normativos legais, tendo sido sustentado que as cláusulas em causa são nulas e de uso proibido por lei, o que não corresponde á realidade da integração jurídica dos factos provados e do direito a estes aplicável.
46.º Encontra-se a MEO no âmbito dos serviços em causa sujeita ao regime jurídico constante dos seguintes normativos: Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, com a alteração de redação introduzida pela Lei 51/2011, de 13 de setembro – Lei das Comunicações Eletrónicas; DL 24/2014, de 14 de Fevereiro, com a alteração de redação introduzida pela Lei 47/2014, de 28 de julho – Regime jurídico dos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial e DL 7/2004, de 7 de janeiro – regime jurídico do comércio eletrónico.
47.º É, contudo, falso que ora recorrente, como supra se descreveu, se encontre a incluir nos seus contratos cláusulas cujo uso é proibido.
48.º Considera a ora recorrente que todas as cláusulas consideradas nulas na sentença de que ora se recorre são válidas e permitidas por Lei, sendo conformes com os princípios da boa-fé e não representando qualquer desigualdade injustificada entre as partes.
49.º Acresce ainda que a valoração das referidas cláusulas deverá atender ao tipo de negócio em causa e aos elementos que normativamente o caracterizam (vide, neste sentido, Acórdão do TRL, Proc. 8467/2007-6, de 22/11/2007, disponível em www.dgsi.pt), o que não ocorreu.
50.º Tal valoração deverá ainda considerar a compatibilidade e adequação destas cláusulas face ao ramo ou sector de atividade negocial a que pertencem de acordo com critérios objetivos, remetendo a Lei para o chamado “quadro negocial padronizado”, a valoração haverá de fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior do todo do regulamento contratual genericamente predisposto (Almeno de Sá, pág. 259).
51.º Devendo tal valoração também ser realizada em conjunto com o restante regulamento contratual genericamente predisposto (cfr, neste sentido, Acórdão TRL, Proc. 2126/2007-8, de 10/05/2007,disponível em www.dgsi.pt).
52.º Face ao exposto, as cláusulas contratuais em questão não devem ser consideradas nulas, uma vez que, atendendo ao quadro negocial padronizado, não representam cláusulas proibidas.
53.º Pois não limitam ou de qualquer modo alteram obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante;
54.º Não conferem, de modo directo ou indirecto, a quem as predispõe, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos
55.º Não permitem a não correspondência entre as prestações a efectuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas na contratação
56.º Não excluem os deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação, ou estabeleçam, nesse âmbito, reparações ou indemnizações pecuniárias predeterminadas
57.º Não atestam conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspectos jurídicos, quer em questões materiais
58.º Não alteram as regras respeitantes à distribuição do risco
59.º Não modificam os critérios de repartição do ónus da prova ou restringem a utilização de meios probatórios legalmente admitidos
60.º Nem excluem ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei.
61.º Cumpre ainda referir que o ICP-ANACOM, autoridade que regula e supervisiona a actuação dos operadores de comunicações electrónicas e que tem também competência em matéria de protecção dos consumidores no âmbito deste sector, nada apontou relativamente às mesmas.
62.º E que, conforme já exposto, as cláusulas ora sindicadas são igualmente utilizadas pelos outros operadores, que, concorrendo com a Ré, prestam serviços dentro do mesmo ramo de actividade.
63.º Neste sentido, as cláusulas ora em análise devem ser consideradas válidas por serem conformes com os princípios da boa-fé e não representarem qualquer desconformidade nem contrariam qualquer norma legal imperativa.
A apelante terminou pedindo que o recurso fosse julgado totalmente procedente e consequentemente a R. fosse absolvida do pedido, declarando-se válidas as cláusulas postas em causa na presente ação.
O Ministério Público contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões:
1 – No âmbito de uma acção inibitória, não são fiscalizados contratos em concreto, mas sim formulários de adesão em abstracto, tendo em conta as cláusulas em si próprias, no seu conjunto e segundo os padrões em jogo.
2 – Com efeito, a fiscalização da legalidade das cláusulas contratuais gerais é feita em abstracto e deve cingir-se única e exclusivamente ao conteúdo do contrato tal como se encontra redigido, sendo perfeitamente irrelevante os direitos que o predisponente faz valer no caso concreto singular com base na cláusula sindicada, importando antes analisar e avaliar os direitos que o mesmo pode fazer valer segundo o conteúdo objectivo da cláusula em apreço.
3 – De igual modo, é perfeitamente irrelevante se a cláusula em apreço reveste carácter residual e/ou tem pouca aplicação prática, ou ainda se é generalizada a prática da sua introdução em contratos, importando apenas analisar se a mesma é abusiva e susceptível de ser subsumida em qualquer dos artigos do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
4 – Em matéria de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com consumidores, e que se encontra na génese do actual regime vertido no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade e de desigualdade relativamente ao profissional, no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu conteúdo.
5 – Devendo o sistema de fiscalização e sindicância das cláusulas contratuais gerais nortear-se por este paradigma, visando assegurar a existência de um equilíbrio entre as partes.
6 – Tal como se explanou supra, deve ser rejeitada a adição de um ponto 35 ao elenco dos factos provados com a redacção “Encontra-se garantido pelo serviço MEO Vouchers a livre resolução por parte do cliente nos termos previstos no DL 24/2014”.
7 – E as cláusulas correspondentes ao parágrafo décimo-oitavo, e 1.3., 1.4., 3.4., 7.1., 7.3., 7.5., 8.3., 9.2., 11.3., 12.3., 12.4., 12.6., 13.1., e 15.2., do clausulado em análise são todas nulas, nos termos e com os fundamentos doutamente expressos na sentença recorrida e apreciados supra.
8 – A sentença encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito e, por não ser merecedora de qualquer reparo, deve ser integralmente mantida.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; nulidade das aludidas cláusulas contratuais.
Primeira questão (impugnação da matéria de facto)
O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de facto
1. A ré é uma sociedade anónima, inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa com o n.º 504615947.
2. A ré tem por objecto social: “1. A sociedade tem como objecto principal a concepção, a construção, a gestão e a exploração de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, a prestação de serviços de comunicações electrónicas, dos serviços de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e a actividade de televisão. 2. A sociedade tem ainda como objecto a prestação de serviços nas áreas de sistemas e tecnologias de informação, sociedade da informação, multimédia e comunicação, e respectivos conteúdos, incluindo actividades de processamento e alojamento de dados, domiciliação de informação e actividades relacionadas, o desenvolvimento e a comercialização de produtos e equipamentos de comunicações electrónicas, tecnologias de informação e comunicação, bem como a realização da actividade de comércio electrónico, incluindo leilões realizados por meios electrónicos em tempo real, e ainda a prestação de serviços de formação e consultoria nas áreas que integram o seu objecto social. 3. A sociedade tem também por objecto a prestação de serviços de externalização de processos de negócio, nomeadamente de assessoria empresarial, consultoria, administração e gestão empresarial, incluindo serviços contabilísticos, financeiros, logísticos, administrativos e de recursos humanos, formação, de segurança, higiene e saúde no trabalho, compra, venda e administração de bens móveis ou imóveis bem como promoção, investimento e gestão de negócios, mobiliários e imobiliários, elaboração de projectos e estudos económicos, gestão de participações, gestão de centros de atendimento, estudos de mercado, exploração deinformação e quaisquer outras actividades que sejam subsequentes ou conexas com as actividades anteriormente citadas. 4. Constitui ainda objecto da sociedade, a gestão de operações da rede de mobilidade eléctrica, compreendendo a gestão de fluxos energéticos e financeiros, associados às operações da rede de mobilidade eléctrica, bem como a prestação de serviços afins ou complementares àquelas actividades. 5. A sociedade poderá ainda exercer quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas nos números anteriores, directamente ou através da constituição ou participação em sociedades. 6. A sociedade pode, mediante deliberação do Conselho de Administração, adquirir e alienar participações em sociedades com objecto social diferente do descrito nos números anteriores, em sociedades reguladas por leis especiais, em sociedades de responsabilidade limitada ou ilimitada, bem como associar-se com outras pessoas jurídicas para, nomeadamente, formar agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, novas sociedades, consórcios e associações em participação e, bem assim, constituir ou participar em quaisquer outras formas de associação, temporária ou permanente, entre sociedades e ou entidades de direito público ou privado.”
3. No exercício da sua actividade, a ré, sob a denominação comercial “SAPO Voucher” e no site voucher.sapo.pt, recorre a uma plataforma na internet de compras colectivas, onde enumera propostas, válidas durante um certo período de tempo, para a aquisição de bens ou serviços (tais como viagens, estadias em estabelecimentos hoteleiros, refeições em estabelecimentos de restauração e cuidados em spas ou institutos de beleza) por quem acede ao identificado website.
4. Assim, a ré, na página do website SAPO Voucher – voucher.sapo.pt -, expõe os bens e serviços que podem ser adquiridos pelo utilizador de qualquer ponto do país que aceda a essa plataforma e pretenda adquirir o bem ou o serviço colocado à sua disposição para esse efeito.
5. O consumidor, após se registar no respectivo website e caso concorde com as condições de venda e com o preço proposto, adquire um bem ou serviço, sendo que paga directamente à ré o respectivo preço e, quando pagos o bem ou o serviço eleito, é entregue directamente ao consumidor um voucher que permitirá a este usufruir do serviço adquirido ou obter um bem também assim comprado.
6. A proposta de venda de bens e serviços pela ré através da emissão de um voucher é limitada no tempo e somente após ter decorrido por inteiro o prazo de duração da proposta e após ter sido obtido um número mínimo de compradores para o produto (bem ou serviço) à venda pela ré, é que é cobrado ao utilizador o valor da compra, através de débito no seu cartão de crédito ou podendo o utilizador recorrer ainda ao pagamento através dos sistemas Multibanco e Paypal.
7. Só depois de processado com êxito o pagamento da compra pelo utilizador do site, é que a ré envia o correspondente voucher por e-mail ao utilizador/adquirente, tendo o voucher um prazo de validade para que o utilizador/adquirente obtenha o bem adquirido ou usufrua do serviço adquirido junto de um fornecedor, que não a ré.
8. Tais serviços e bens são vendidos e adquiridos mediante a apresentação pela ré, no respectivo website, aos utilizadores que com a mesma pretendam contratar, de um clausulado previamente elaborado, com o título “Termos e Condições”.
9. A utilização do site da ré e a aquisição por parte de qualquer utilizador dos bens e serviços propostos pela ré implica a aceitação obrigatória do teor do conteúdo dos “Termos e Condições”.
10. O referido clausulado não contém quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que, em concreto, acedam ao website “SAPO Voucher” e que pretendam adquirir um serviço ou bem ali anunciado para compra.
11. As condições de utilização constantes naquele clausulado encontram-se disponíveis numa página da internet e podem ser acedidas, impressas ou guardadas.
12. Consta do parágrafo décimo oitavo do clausulado “Termos e Condições” que: “O Utilizador será responsável pelos danos decorrentes para a MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA., seus parceiros, outros Utilizadores ou terceiros, pela violação de quaisquer obrigações decorrentes dos presentes Termos e Condições Gerais de Utilização, por lei, regulamento ou política interna da MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA.”.
13. Consta da cláusula 1.3., sob a epígrafe “Objecto e Descrição”, do clausulado “Termos e Condições” que: “1.3. - Antes de proceder à aquisição de qualquer voucher, o Utilizador obriga-se a tomar conhecimento da descrição e condições de oferta do produto ou do serviço, a que o mesmo respeita, definidas pelo Parceiro e publicadas no seu site e no site SAPO Voucher.”.
14. Consta da cláusula 1.4., sob a epígrafe “Objecto e Descrição”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “1.4. - O Utilizador do site deverá ser maior de idade ou encontrar-se devidamente autorizado pelos seus representantes legais, sendo que os elementos e informações por ele transmitidos produzirão plenos efeitos jurídicos, reconhecendo o mesmo a validade e eficácia das aquisições electrónicas e não podendo, em circunstância alguma, invocar a ausência de assinatura como motivo para incumprimento das obrigações assumidas ou exoneração das responsabilidades.”.
15. Consta da cláusula 3.4., sob a epígrafe “Aceitação dos Termos e Condições Gerais de utilização”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “3.4. – Ao aceitar os Termos e Condições Gerais de utilização, o Utilizador autoriza a MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA. a proceder ao envio de mensagens de correio electrónico ou de SMS, de carácter informativo, referentes a promoções disponibilizadas ou a disponibilizar no site SAPO Voucher. Caso o Utilizador pretenda exercer o direito de oposição ao envio das referidas mensagens, deverá fazê-lo no próprio site SAPO Voucher, através do meio posto à sua disposição para o efeito.”.
16. Consta da cláusula 7.1., sob a epígrafe “Garantias e responsabilidades”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “7.1. - A MEO não fornece os produtos, nem presta os serviços relativos aos vouchers adquiridos no site SAPO Voucher, nem responde pela sua qualidade, quantidade, integridade ou condições de fornecimento ou prestação, garantindo apenas que o voucher atribui um direito ao fornecimento do produto ou à prestação do serviço pelos terceiros, seus parceiros.”.
17. Consta da cláusula 7.3., sob a epígrafe “Garantias e responsabilidades”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “7.3. - A MEO não assume qualquer garantia ou responsabilidade relativamente aos produtos e serviços respeitantes aos vouchers adquiridos pelo Utilizador, no site SAPO Voucher, nem responde perante este, por eventuais violações das obrigações assumidas pelos parceiros no âmbito da relação estabelecida.”.
18. Consta da cláusula 7.5., sob a epígrafe “Garantias e responsabilidades”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “7.5. - O Parceiro será o único responsável por fornecer os produtos ou prestar os serviços, especificados no voucher, ao Utilizador, e, seu nome e por sua conta, estando a oferta, exclusivamente, sujeita à descrição e condições por ele fixadas, incluindo, entre outras, preços, prazos de entrega e garantias legais, as quais foram objecto de prévio conhecimento e aceitação por parte do Utilizador.”.
19. Consta da cláusula 8.3., sob a epígrafe “Resolução”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “8.3. - O Utilizador que pretenda exercer o direito de resolução do contrato, não deverá proceder à reserva de utilização, total ou parcial, do voucher junto do Parceiro.”.
20. Consta da cláusula 9.2., sob a epígrafe “Efeito da resolução”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “9.2. - Caso o Utilizador, em violação do disposto no número 8.3 dos presentes Termos e Condições Gerais, proceda à reserva de utilização, total ou parcial, do voucher junto do Parceiro não haverá lugar a reembolso.”.
21. Consta da cláusula 11.3., sob a epígrafe “Privacidade e Dados Pessoais”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “11.3. - O Utilizador reconhece e aceita que sendo utilizada a Internet, no âmbito do acesso e utilização do site SPAO Voucher e na recolha dos dados pessoais e ainda que a MEO garanta o nível de segurança usual em redes abertas, existe o risco dos seus dados pessoais serem vistos e utilizados por terceiros não autorizados, não podendo ser imputada à MEO qualquer responsabilidade resultante, nomeadamente, de acesso indevido, eliminação, destruição, modificação e extravio.”.
22. Consta da cláusula 12.3., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”, do clausulado “Termos e Condições”, que:
“12.3. - A interrupção ou cessação, pela MEO, do acesso e utilização do site SAPO Voucher, nos termos dos números anteriores, não confere ao Utilizador ou a terceiros o direito a qualquer indemnização, não podendo a MEO ser responsabilizada por qualquer consequência daí decorrente.”.
23. Consta da cláusula 12.4., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”, do clausulado “Termos e Condições”, que:
Apesar de todos os mecanismos de controlo estarem implementados correctamente, podem ocorrer erros no site SAPO Voucher, nomeadamente por conter ligações com outros sites e disponibilizar os conteúdos oferecidos nos mesmos, não podendo a MEO ser responsabilizada por qualquer dano ou perda daí decorrente.”.
24. Consta da cláusula 12.6., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”, do clausulado “Termos e Condições”, que:
“12.6. - Os presentes Termos e Condições Gerais de utilização podem ser actualizados pela MEO sem notificação prévia aos Utilizadores, sempre que se considerar necessário ou desejável, de forma a responder às exigências jurídicas ou às alterações de funcionamento.”.
25. Consta da cláusula 13.1., sob a epígrafe “Invalidade Parcial”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “13.1. - Caso alguma disposição destes Termos e Condições Gerais de utilização, seja considerada nula ou anulável, por quaisquer motivos, a validade das demais disposições não será afectada, salvo se o Utilizador ou a MEO demonstrarem que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada.”.
26. Consta da cláusula 15.2., sob a epígrafe “Direito aplicável / Foro”, do clausulado “Termos e Condições”, que: “15.2. - Para todos os litígios emergentes destes Termos e Condições Gerais de utilização é competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.”.
27. Na descrição dos produtos e serviços que se encontram disponíveis no SAPO Voucher estão discriminadas as condições para utilização dos vouchers em causa.
28. É colocado à disposição do utilizador a possibilidade de se excluir do envio das comunicações / newsletter, bastando para o efeito clicar no link que se encontra no rodapé de cada newsletter, ou alternativamente, na sua área pessoal remover a opção pela recepção das newsletters.
29. O SAPO Voucher funciona como agente promotor, garantindo um desconto junto dos fornecedores, para os produtos que anuncia no seu site.
30. No caso de produtos físicos, o envio é efectuado directamente pelo fornecedor através das empresas de distribuição que esse fornecedor contrata.
31. No caso de serviços, o SAPO Voucher disponibiliza um cupão que o utilizador deverá utilizar directamente junto do fornecedor do serviço.
32. A MEO apenas disponibiliza a plataforma de promoção dos serviços/produtos, e realiza as transacções por via electrónica, através do constante recurso a novas tecnologias de comunicação (E-commerce), cobrando o valor do produto/serviço por conta do prestador.
33. O cancelamento apenas poderá ser efectuado na sua totalidade, ou seja antes de efectuar qualquer tipo de utilização.
34. O reembolso só será efectuado caso o utilizador não tenha utilizado/usufruído do serviço.
O Direito
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).
In casu, a apelante não se insurge contra o acervo factual dado como provado na sentença recorrida, mas entende que se deve dar como provado, ainda, um n.º 35, com a seguinte redação: “Encontra-se garantido pelo serviço MEO Vouchers a livre resolução por parte do cliente nos termos previsto no DL 24/2014”.
Ora, é notório que aqui não está em causa a discordância da parte no que concerne à realidade factual dada como provada pelo tribunal na sentença, mas sim quanto à apreciação jurídica que na sentença recorrida se fez das cláusulas objeto da ação. Tal discordância terá de ser aferida pela análise dos factos dados como provados, nomeadamente e em particular do texto das aludidas cláusulas, para, a partir desse exame, se poder concluir, ou não, se estão cumpridas as garantias de resolução previstas no aludido diploma legal. Assim, não se está, aqui, perante uma verdadeira e própria discordância da parte no que concerne à realidade factual dada como provada pelo tribunal na sentença, mas sim quanto à avaliação jurídica feita dos factos apurados.
Termos em que se rejeita a alegada impugnação da matéria de facto.
Segunda questão (nulidade das aludidas cláusulas contratuais)
É sabido que a massificação do comércio jurídico operada no século transato se consubstanciou na criação de modelos negociais impostos por grandes empresas aos respetivos clientes, aos quais nada mais resta do que a eles aderir ou não. A supremacia de que gozam os autores/utilizadores de tais modelos traduz-se, com frequência, na introdução nesses contratos de cláusulas abusivas, através das quais se inflacionam os direitos e prerrogativas dos predisponentes e se reduzem ou eliminam as respetivas obrigações e encargos, assim como se acentuam as obrigações e se atenuam os direitos dos respetivos aderentes.
Tal situação, subversora de um dos princípios básicos da vida jurídica privada, o da liberdade contratual, impunha que o legislador interviesse, para impor as necessárias correções. Em Portugal foi publicado o Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (que doravante designaremos de LCCG), apontado, conforme enunciado no seu artigo 1.º, às “cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar.” Subsequentemente, nomeadamente para conformar o sistema jurídico português com as diretrizes contidas na Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, o aludido diploma foi alterado pelo Dec.-Lei n.º 220/95, de 31 de janeiro e pelo Dec.-Lei n.º 249/99, de 7 de julho. Com essas alterações passou a ficar claro que o regime previsto para as cláusulas contratuais gerais se aplica igualmente “às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar” (n.º 2 do art.º 1.º, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 249/99).
Como princípio geral, consigna-se na LCCG que “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé” (art.º 15.º). Num esforço de concretização de tal princípio, acrescenta-se no art.º 16.º que na aplicação da norma anterior “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”
O legislador tratou de enunciar cláusulas contratuais gerais que deverão ser consideradas absolutamente proibidas, sem prejuízo de outras, não expressamente previstas, que mereçam tal epíteto (artigos 18.º e 21.º) e, também exemplificativamente, cláusulas relativamente proibidas, ou seja, que poderão ser qualificadas de proibidas se a tal apontar o respetivo “quadro negocial padronizado” (artigos 19.º e 22.º).
Talvez desnecessariamente, no art.º 12.º da LCCG anuncia-se que “as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos”.
A boa-fé tida em vista neste diploma é a boa-fé objetiva, aqui apresentada em termos que, nas palavras dos autores do anteprojeto do Dec.-Lei n.º 446/85, exprime um princípio normativo que não fornece ao julgador uma regra apta a aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, “ficando aberta, deste modo, a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça” (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, “Cláusulas contratuais gerais, anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, Livraria Almedina, 1986, pág. 39). Afigura-se-nos que, mais do que a “aparência de um critério” ou “etiqueta em branco” (como a apelida o Professor Oliveira Ascensão in “Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa fé”, Revista da Ordem dos Advogados, ano LX, vol. 2 – Abril 2000 – pág. 589), o apelo à boa fé funciona aqui, servindo-nos da expressão do Professor Joaquim de Sousa Ribeiro, como “senha de entrada” que abre a via metodológica de uma ponderação objetiva de interesses (O problema do contrato, as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual, Almedina, reimpressão, 2003, páginas 557 e 558), que opera no campo do exercício da liberdade contratual na fixação do conteúdo dos contratos (Joaquim de Sousa Ribeiro, obra citada, pág. 562). Quem tem o poder de pré-estabelecer os termos dos negócios jurídicos na área onde exerce a sua atividade, antecipadamente à própria determinação da contraparte, deve sopesar também os interesses previsíveis dos aderentes, em ordem a atingir um equilíbrio para cuja avaliação as soluções dispositivas/supletivas previstas na ordem jurídica constituem um padrão de referência (cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, obra citada, páginas 570, 579 a 583; também Almeno de Sá, Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almedina, 2.ª edição, 2001, páginas 261 e 262). Nos considerandos da supra referida Directiva 93/13/CE expressamente se expende que “a exigência de boa fé pode ser satisfeita pelo profissional, tratando de forma leal e equitativa com a outra parte, cujos legítimos interesses deve ter em conta”. E no art.º 3.º n.º 1 da Diretiva consigna-se que “uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.” Poderá concordar-se com José Manuel Araújo de Barros, quando defende que “uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes resultar para o predisponente uma vantagem injustificável” (Cláusulas contratuais gerais, DL n.º 446/85 – anotado, Recolha jurisprudencial, Wolters Kluwer – Coimbra Editora, 2010, pág. 172). Esta última perspetiva deverá, porém, sofrer alguma adaptação quando a fiscalização do caráter abusivo das cláusulas se fizer de forma preventiva e abstrata, desligada da sua inserção em contratos efetivamente celebrados. Referimo-nos às ações inibitórias, ou seja, ações destinadas a conseguir que cláusulas contratuais gerais, merecedoras do juízo de proibição regulado na LCCG, elaboradas para utilização futura, sejam retiradas do comércio jurídico, através da emissão de uma decisão judicial que proíba a sua utilização futura pelas entidades que para o efeito forem demandadas (e que serão as entidades que predisponham e utilizem ou recomendem as mesmas cláusulas contratuais gerais, ou cláusulas substancialmente idênticas - artigos 25.º, 27.º e 30.º da LCCG). A ação inibitória pode ser intentada por associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no âmbito previsto na legislação respetiva, por associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos legalmente constituídas, atuando no âmbito das suas atribuições e pelo Ministério Público, oficiosamente, por indicação do provedor de Justiça ou quando entenda fundamentada a solicitação de qualquer interessado (art.º 26.º da LCCG). Nestes casos, estando exclusivamente em vista cláusulas contratuais destinadas a valer numa multiplicidade de relações, que deverão ser avaliadas desligadas da sua efetiva aplicação em relações jurídicas individuais/concretas, os interesses a ponderar serão os interesses típicos do círculo de contraentes normalmente envolvidos numa operação negocial daquele género, e não os interesses e expetativas de aderentes em concreto (cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, obra citada, páginas 563 e 564).
O diagnóstico do caráter abusivo de uma cláusula pressupõe a prévia determinação do seu sentido, ou seja, a sua interpretação. A este respeito estipula o art.º 5.º da Directiva 93/13/CEE que “No caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. Em caso de dúvida sobre o significado de uma cláusula, prevalecerá a interpretação mais favorável ao consumidor. Esta regra de interpretação não é aplicável no âmbito dos processos previstos no n.º 2 do artigo 7.º [processos como o destes autos, que tenham em vista pôr termo à utilização de cláusulas abusivas]”.
Assim, no que concerne às cláusulas ambíguas, em que “na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente” (n.º 2 do art.º 11.º da LCCG), tal regra de interpretação não é aplicável no âmbito das ações inibitórias (n.º 3 do art.º 11.º da LCCJ, aditado pelo Dec.-Lei n.º 249/99, de 7.7.
Como diz Almeno de Sá (Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 2.ª edição, 2005, pág. 40) “… se se optasse, na acção inibitória, pela variante de sentido directamente mais favorável ao cliente, correr-se-ia o risco de não poderem ser combatidas, pela via do controlo abstracto, cláusulas intrinsecamente abusivas, prejudiciais ao cliente, tão só porque, na interpretação imediatisticamente mais vantajosa para a contraparte do utilizador, não ultrapassariam os limites da não-contrariedade à boa-fé, tal como resultam dos artigos 15.º e seguintes da lei das cláusulas contratuais gerais…”. Assim, “dada a função preventiva deste tipo de controlo, a solução correcta traduzir-se-á em partir, face a uma cláusula ambígua, da variante de sentido mais prejudicial ao cliente, a fim de determinar se, com tal sentido, a cláusula “resiste” o controlo do conteúdo. Com isto se conseguirá uma mais eficaz e substantivamente mais justa aplicação das normas que regulam a fiscalização do conteúdo” (obra citada, pág. 41).
Reportemo-nos ao caso dos autos.
É incontroverso que as cláusulas objeto do presente processo são cláusulas contratuais gerais, tendo sido concebidas pela R. para regerem a utilização, pelos consumidores, da plataforma supra referida em 1, sem possibilidade de alteração. Assim, estão sujeitas ao regime da LCCG.
Relativamente à atividade exercida pela R. no âmbito do modelo contratual sub judice, é certo que se deu como provado que:
29. O SAPO Voucher funciona como agente promotor, garantindo um desconto junto dos fornecedores, para os produtos que anuncia no seu site.
30. No caso de produtos físicos, o envio é efectuado directamente pelo fornecedor através das empresas de distribuição que esse fornecedor contrata.
31. No caso de serviços, o SAPO Voucher disponibiliza um cupão que o utilizador deverá utilizar directamente junto do fornecedor do serviço.
32. A MEO apenas disponibiliza a plataforma de promoção dos serviços/produtos, e realiza as transacções por via electrónica, através do constante recurso a novas tecnologias de comunicação (E-commerce), cobrando o valor do produto/serviço por conta do prestador.
Porém, também se deu como provado que:
2. A ré tem por objecto social [nomeadamente]: “… a realização da actividade de comércio electrónico, incluindo leilões realizados por meios electrónicos em tempo real…
3. No exercício da sua actividade, a ré, sob a denominação comercial “SAPO Voucher” e no site voucher.sapo.pt, recorre a uma plataforma na internet de compras colectivas, onde enumera propostas, válidas durante um certo período de tempo, para a aquisição de bens ou serviços (tais como viagens, estadias em estabelecimentos hoteleiros, refeições em estabelecimentos de restauração e cuidados em spas ou institutos de beleza) por quem acede ao identificado website.
4. Assim, a ré, na página do website SAPO Voucher – voucher.sapo.pt -, expõe os bens e serviços que podem ser adquiridos pelo utilizador de qualquer ponto do país que aceda a essa plataforma e pretenda adquirir o bem ou o serviço colocado à sua disposição para esse efeito.
5. O consumidor, após se registar no respectivo website e caso concorde com as condições de venda e com o preço proposto, adquire um bem ou serviço, sendo que paga directamente à ré o respectivo preço e, quando pagos o bem ou o serviço eleito, é entregue directamente ao consumidor um voucher que permitirá a este usufruir do serviço adquirido ou obter um bem também assim comprado.
6. A proposta de venda de bens e serviços pela ré através da emissão de um voucher é limitada no tempo e somente após ter decorrido por inteiro o prazo de duração da proposta e após ter sido obtido um número mínimo de compradores para o produto (bem ou serviço) à venda pela ré, é que é cobrado ao utilizador o valor da compra, através de débito no seu cartão de crédito ou podendo o utilizador recorrer ainda ao pagamento através dos sistemas Multibanco e Paypal.
7. Só depois de processado com êxito o pagamento da compra pelo utilizador do site, é que a ré envia o correspondente voucher por e-mail ao utilizador/adquirente, tendo o voucher um prazo de validade para que o utilizador/adquirente obtenha o bem adquirido ou usufrua do serviço adquirido junto de um fornecedor, que não a ré.
8. Tais serviços e bens são vendidos e adquiridos mediante a apresentação pela ré, no respectivo website, aos utilizadores que com a mesma pretendam contratar, de um clausulado previamente elaborado, com o título “Termos e Condições”.
9. A utilização do site da ré e a aquisição por parte de qualquer utilizador dos bens e serviços propostos pela ré implica a aceitação obrigatória do teor do conteúdo dos “Termos e Condições”.
Resulta do factualismo provado que a R., através da sua plataforma eletrónica, que opera na internet, publicita e põe à venda bens e serviços, venda essa que, uma vez aceite a respetiva proposta, dentro do curto prazo estipulado, por um número mínimo de interessados, se considera definitivamente aceite, emitindo então a R. o respetivo voucher, após a efetivação do pagamento do preço pelo comprador. É certo que a R. não é fornecedora dos bens nem é a prestadora dos serviços vendidos. A R. não é, também, a vendedora dos bens, de cuja propriedade não chega a ser titular. Note-se que se o voucher não for utilizado no prazo estipulado, não chega a operar-se a transmissão do bem para o utilizador, sem que o bem ingresse na esfera jurídica da R.. Não chega a haver aqui uma venda de bens futuros (cfr. artigos 880.º n.º 1 e 408.º n.º 2 do Código Civil). Conforme escreve Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “é sempre essencial à compra e venda a existência de uma aquisição derivada do direito a partir do vendedor, pelo que não se poderá aplicar o artº 880.º sempre que as partes convencionem que a transferência da propriedade se realizará a título originário ou directamente da esfera de um terceiro para o comprador” (Direito das Obrigações, volume III, 2016, 11.ª edição, Almedina, p. 47). Mas a R. promove os bens e serviços, angaria a respetiva clientela, recebe o respetivo preço e entrega, como contrapartida, o documento que comprova o direito de os utilizadores obterem, junto do fornecedor, que neste tipo de negócios usualmente se designa de “parceiro”, a entrega do bem ou a prestação do serviço. Toda essa atividade é efetuada à distância, por meios eletrónicos.
Assim, a R. está vinculada às obrigações e deveres perante o consumidor, decorrentes da Lei n.º 24/96, de 31.7 (Lei de Defesa do Consumidor – LDC, com as alterações publicitadas, em especial a Lei n.º 47/2014, de 29.7), em particular os especiais deveres de prestação de informação clara, objetiva e adequada, que interessam ao negócio (art.º 8.º), com expressa remissão para o regime das cláusulas contratuais gerais (n.ºs 2 e 3 do art.º 9.º), sob pena de nulidade (art.º 16.º) e possível instauração de ação inibitória (artigos 10.º e 11.º).
Também rege a atividade da R. o regime dos contratos celebrados à distância, previsto pelo Dec.-Lei n.º 24/2014, de 14.02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2014, de 28.7, também ele exigindo do profissional particulares cuidados quanto ao conteúdo e à forma da prestação de informação sobre as condições da transação e o objeto da transação (artigos 4.º e 5.º). Acresce o reconhecimento do direito de resolução do contrato, pelo consumidor, no prazo de 14 dias, nos termos consignados nos artigos 10.º e 11.º, com as consequências previstas nos artigos 12.º e 13.º e as restrições previstas nos artigos 15.º e 17.º. As cláusulas que excluam ou limitem, direta ou indiretamente, tais direitos dos consumidores, são absolutamente proibidas (art.º 29.º n.º 1).
Já no que concerne ao disposto no Dec.-Lei n.º 67/2003, de 08.4, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21.5, relativo a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com a inerente responsabilização do vendedor e, também, do produtor, perante o consumidor, pelas desconformidades dos bens ou serviços (artigos 2.º, 3.º, 4.º, 6.º), afigura-se-nos que não é aplicável à R., que não é vendedora nem produtora de bens corpóreos, móveis ou imóveis (cfr. alíneas b), c) e d) do art.º 1.º-B), nem atua como distribuidora comercial do produtor ou centro autorizado de serviço pós-venda (cfr. alínea e) do art.º 1.º-B).
Vejamos as ditas cláusulas:
Parágrafo décimo-oitavo do clausulado “Termos e condições”:
O Utilizador será responsável pelos danos decorrentes para a MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA., seus parceiros, outros Utilizadores ou terceiros, pela violação de quaisquer obrigações decorrentes dos presentes Termos e Condições Gerais de Utilização, por lei, regulamento ou política interna da MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA.”.
Trata-se, como bem se entendeu na sentença recorrida, de cláusula que, de forma genérica, responsabiliza o utilizador por danos eventualmente decorrentes não só da violação de regras contratuais expressas como, até, de regulamento ou “política interna” da R., que o consumidor não conhecerá. Mais abrange eventual responsabilidade extracontratual (violação de obrigações decorrentes de lei ou regulamento, causando lesões a parceiros da R., outros utilizadores ou terceiros), tudo sem que, aparentemente, se exija sequer culpa do consumidor ou se onere o pretenso lesado com a respetiva prova (artigos 483.º e 487.º do Código Civil).
Assim, essa cláusula afronta a boa-fé e confiança devidas ao aderente (artigos 15.º e 16.º al. a) da LCCG) e insere-se na lista de cláusulas expressamente proibidas prevista na LCCG, mais precisamente na alínea g) do art.º 21.º da LCCG (modificação dos critérios de repartição dos ónus da prova).
Cláusula 1.3., sob a epígrafe “Objecto e Descrição”, do clausulado “Termos e Condições”:
1.3. Antes de proceder à aquisição de qualquer voucher, o Utilizador obriga-se a tomar conhecimento da descrição e condições de oferta do produto ou do serviço, a que o mesmo respeita, definidas pelo Parceiro e publicadas no seu site e no site SAPO Voucher.”
Com esta norma a R. dá a entender que não lhe cabe diligenciar pelo claro, completo e imediato esclarecimento do consumidor/potencial comprador acerca das características do bem a adquirir, e bem assim acerca das condições da transação, mas sim que cabe ao consumidor tomar essa iniciativa, recaindo sobre ele as consequências de um eventual não conhecimento ou de imperfeita perceção de tais elementos contratuais. Mais se dificulta a documentação/prova das características asseguradas e das condições estipuladas para o negócio em concreto.
Trata-se de norma contratual que, como decorre do supra exposto, e sem prejuízo, obviamente, dos deveres de autoinformação que também cabem ao consumidor, subverte os princípios que presidem à contratação na área do consumo, do comércio à distância e dos contratos de adesão, sendo proibida, desde logo, à luz dos artigos 15.º e 16.º al. a) da LCCG, e além disso, por facilitar que a R. se exima à responsabilidade por eventual desconformidade entre o contratado e o prestado, insere-se na alínea c) do art.º 18.º da LCCG (exclusão ou limitação, de modo direto ou indireto, de responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou culpa grave) e na alínea c) do art.º 21.º da LCCG (permissão de não correspondência entre as prestações a efetuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas na contratação).
Cláusula 1.4., sob a epígrafe “Objecto e Descrição”, do clausulado “Termos e condições”:
1.4. – O Utilizador do site deverá ser maior de idade ou encontrar-se devidamente autorizado pelos seus representantes legais, sendo que os elementos e informações por ele transmitidos produzirão plenos efeitos jurídicos, reconhecendo o mesmo a validade e eficácia das aquisições electrónicas e não podendo, em circunstância alguma, invocar a ausência de assinatura como motivo para incumprimento das obrigações assumidas ou exoneração das responsabilidades.”
É incontroverso que os menores de idade e incapazes em geral carecem de capacidade jurídica para se vincularem validamente, e portanto para contratarem a aquisição de bens ou prestação de serviços com a R.. Como se realça na sentença recorrida, a R. reconhece-o, na primeira parte da cláusula em crise, para logo a seguir afastar as necessárias consequências legais de tal incapacidade, vedando ao utilizador/consumidor a arguição de anulabilidade, presumindo e mesmo impondo o reconhecimento de validade do negócio. Mais pretende a R. impedir a invocação de falta de assinatura como motivo para incumprimento das obrigações assumidas ou exoneração das responsabilidades.
Ora, como se exarou na sentença impugnada, “tal estatuição equivale a uma ficção da vontade, por forma a suprir a anulabilidade do negócio jurídico, e impedir a sua arguição. E tal ficção estende-se do incapaz aos seus legais representantes, pois que impõe a ré a presunção de que estes confirmaram o negócio, e assim se vincularam validamente.”
Mais uma vez se acolhe uma cláusula contratual que atenta contra o padrão consagrado nos artigos 15.º e 16.º da LCCG. Em especial, a aludida cláusula inscreve-se na al. d) do art.º 19.º, que veda cláusulas contratuais gerais que imponham ficções de receção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes.
Cláusula 3.4., sob a epígrafe “Aceitação dos Termos e Condições Gerais de utilização”, do clausulado “Termos e condições”:
3.4. - Ao aceitar os Termos e Condições Gerais de utilização, o Utilizador autoriza a MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA., a proceder ao envio de mensagens de correio electrónico ou de SMS, de carácter informativo, referentes a promoções disponibilizadas ou a disponibilizar no site SAPO Voucher. Caso o Utilizador pretenda exercer o direito de oposição ao envio das referidas mensagens, deverá fazê-lo no próprio site SAPO Voucher, através do meio posto à sua disposição para o efeito.”
Segundo a Lei n.º 41/2004, de 18.08 – Lei de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade nas Telecomunicações (LPDP) -, na redação dada pela Lei n.º 46/2012, de 29.8 - deverá ser dada possibilidade de recusa da utilização dos dados pessoais logo no momento da sua recolha (cfr. art.º 13.º-A, n.º 1, relativo a comunicações não solicitadas). Com efeito, decorre deste diploma que o envio de comunicações não solicitadas para fins de marketing direto, designadamente através da utilização de sistemas automatizados de chamada e comunicação que não dependam da intervenção humana (aparelhos de chamada automática), de aparelhos de telecópia ou de correio eletrónico, incluindo SMS, SEM, MMS e outros tipos de aplicações similares, está sujeito a consentimento prévio expresso do assinante que seja pessoa singular, ou do utilizador. De acordo com o n.º 3 do referenciado art.º 13.º-A, o fornecedor de determinado produto ou serviço que tenha obtido dos seus clientes, nos termos da LPDP, no contexto da venda de um produto ou serviço, as respetivas coordenadas eletrónicas de contacto, pode utilizá-las para fins de marketing direto dos seus próprios produtos ou serviços análogos aos transacionados, mas desde que garanta aos clientes em causa, clara e explicitamente, a possibilidade de recusarem, de forma gratuita e fácil, a utilização de tais coordenadas: a) no momento da respetiva recolha e b) por ocasião de cada mensagem, quando o cliente não tenha recusado inicialmente essa utilização.
No caso em apreço, como realça o A. e se aceitou na sentença recorrida, a R. não oferece desde logo ao consumidor/utilizador a possibilidade de o mesmo recusar a utilização pela R. dos seus dados pessoais aquando da recolha dos mesmos, ou seja, aquando do registo do utilizador no site e da subscrição dos termos e condições gerais da R.. Fica este assim vinculado ao recebimento de SMS e e-mails, ainda que, posteriormente, este serviço possa vir a ser cancelado, por iniciativa do consumidor/utilizador.
Assim, como a dita cláusula não garante que ao utilizador será dada a possibilidade de recusar a receção das aludidas mensagens, no mesmo ato em que se procede à recolha dos dados pessoais do utilizador, aceita-se que tal cláusula é proibida, nos termos dos artigos 12.º, 15.º e 16.º da LCCG.
Cláusula 7.1., sob a epígrafe “Garantias e responsabilidades”, do clausulado “Termos e Condições”:
7.1. - A MEO não fornece os produtos, nem presta os serviços relativos aos vouchers adquiridos no site SAPO Voucher, nem responde pela sua qualidade, quantidade, integridade ou condições de fornecimento ou prestação, garantindo apenas que o voucher atribui um direito ao fornecimento do produto ou à prestação do serviço pelos terceiros, seus parceiros.
Cláusula 7.3., sob a epígrafe “Garantias e responsabilidades”, do clausulado “Termos e Condições”:
7.3. - A MEO não assume qualquer garantia ou responsabilidade relativamente aos produtos e serviços respeitantes aos vouchers adquiridos pelo Utilizador, no site SAPO Voucher, nem responde perante este, por eventuais violações das obrigações assumidas pelos parceiros no âmbito da relação estabelecida.
Cláusula 7.5., sob a epígrafe “Garantias e responsabilidades”, do clausulado “Termos e Condições”:
7.5. - O Parceiro será o único responsável por fornecer os produtos ou prestar os serviços, especificados no voucher, ao Utilizador, em seu nome e por sua conta, estando a oferta, exclusivamente, sujeita à descrição e condições por ele fixadas, incluindo, entre outras, preços, prazos de entrega e garantias legais, as quais foram objecto de prévio conhecimento e aceitação por parte do Utilizador.”
Nestas cláusulas a R. exime-se de responsabilidade, de forma genérica e global, pelo não cumprimento ou deficiente cumprimento da sua obrigação pelo fornecedor. Ora, como a própria R. reconhece, o voucher que entregou ao utilizador, como contrapartida pelo pagamento do preço correspondente ao serviço ou ao bem seu objeto, “atribui um direito ao fornecimento do produto ou à prestação do serviço pelos terceiros, seus parceiros”. Esse direito só será satisfeito mediante a entrega do bem ou a prestação do serviço, nos termos anunciados e publicitados. O parceiro, ao prestar o serviço ou entregar o bem, cumpre aquilo a que a R., mediante a entrega ao utilizador do voucher, se obrigou perante o consumidor. Se assim não for, a R. será corresponsável perante o utilizador, nos termos do art.º 800.º n.º 1 do CC. Aliás, a R. dá mostras de ter consciência dessa obrigação, quando na cláusula 7.7. exarou que “Caso se registem dificuldades com o resgate do voucher junto do Parceiro, o Utilizador deverá entrar em contacto com a MEO, através do envio de um e-mail para voucher@suporte.sapo.pt, comprometendo-se esta a desenvolver todos os esforços ao seu alcance para resolução das dificuldades registadas, no mais curto espaço de tempo possível.
Aquelas cláusulas contratuais gerais violam, assim, o princípio consagrado nos artigos 15.º e 16.º da LCCG, integrando-se no elenco das cláusulas proibidas, alinhadas nas alíneas c) e d) do art.º 18.º, a), c) e d) do art.º 21.º e al. g) do n.º 1 do art.º 22.º da LCCG.
Cláusula 8.3., sob a epígrafe “Resolução”, do clausulado “Termos e condições”:
8.3. – O Utilizador que pretenda exercer o direito de resolução do contrato não deverá proceder à reserva de utilização, total ou parcial, do voucher junto do Parceiro.”
Cláusula 9.2., sob a epígrafe “Efeitos da resolução”, do clausulado “Termos e condições”:
9.2. – Caso o Utilizador, em violação do disposto no número 8.3. dos presentes Termos e Condições Gerais, proceda à reserva de utilização, total ou parcial, do voucher junto do Parceiro não haverá lugar a reembolso.”
Conforme se aduziu na sentença recorrida, que aqui nos limitamos a reproduzir, nos termos destas cláusulas a R. limita o exercício pelo consumidor do seu direito de livre resolução, ao determinar nunca proceder ao reembolso do valor despendido pelo consumidor, caso o mesmo proceda à reserva de utilização, total ou parcial, junto do terceiro fornecedor do bem ou serviço adquiridos, do voucher emitido pela R..
Dispõe o art.º 10.º, n.º 1, do regime jurídico aprovado pelo Dec.-Lei n.º 24/2014, de 14.02, que o consumidor tem o direito de resolver o contrato sem incorrer em quaisquer custos, para além dos previstos nos art.ºs 12.º e 13.º do identificado diploma legal, e sem necessidade de indicar qualquer motivo para tal; constando ainda do n.º 4 do art.º 13.º do referido decreto-lei que, como regra geral, o consumidor não incorre em responsabilidade alguma pelo exercício do direito de livre resolução, salvas as exceções previstas no respetivo n.º 3.
Como resulta necessariamente do preceituado no art.º 15.º do Dec.-Lei n.º 24/2014, sob a epígrafe “Prestação de serviços durante o período de livre resolução”, mesmo que o voucher e respetivo serviço tenha sido parcialmente utilizado (e não meramente reservado), e verificando-se os requisitos do mencionado art.º 15.º do Dec.-Lei n.º 24/2014, o consumidor apenas pode ser responsabilizado pelo pagamento do montante proporcional aos serviços efetivamente prestados, e não pela totalidade do montante despendido pelo voucher.
No que concerne à compra e venda de bens, dispõe a alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º, do Dec-Lei n.º 24/2014, que o consumidor tem o prazo de 14 dias para exercer o seu direito de livre resolução do contrato, contando- se tal prazo: “b) Do dia em que o consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física dos bens, no caso dos contratos de compra e venda, ou: i) Do dia em que o consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física do último bem, no caso de vários bens encomendados pelo consumidor numa única encomenda e entregues separadamente, ii) Do dia em que o consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física do último lote ou elemento, no caso da entrega de um bem que consista em diversos lotes ou elementos, iii) Do dia em que o consumidor ou um terceiro por ele indicado, que não seja o transportador, adquira a posse física do primeiro bem, no caso dos contratos de entrega periódica de bens durante um determinado período;”.
Não é portanto relevante para o exercício do direito de livre resolução do contrato pelo consumidor que este utilize ou reserve a utilização do voucher que lhe é enviado pela R. junto de quem lhe entrega o bem, mas sim a data da concreta entrega do bem, em que o consumidor adquire a posse física do bem, e pode avaliar da qualidade ou conformidade do mesmo. Dado o regime legal imperativo (art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 24/2014), não pode a R. impor uma efetiva limitação do exercício do direito de resolução, condicionando-o à não utilização ou reserva de utilização, parcial ou total do voucher.
Para além de se tratar de lei imperativa, nos termos do n.º 7 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, são ainda nulas as cláusulas contratuais que imponham ao consumidor uma penalização pelo exercício do direito de livre resolução ou estabeleçam a renúncia ao mesmo.
Entende-se portanto, como se consignou na sentença recorrida, que o teor das cláusulas agora em análise contende com valores fundamentais do direito protegidos pelo princípio da boa-fé, nos termos dos art.ºs 12.º, 15.º e 16.º, todos do RJCCG, sendo estas, portanto, nulas.
Cláusula 11.3., sob a epígrafe “Privacidade e Dados Pessoais”, do clausulado “Termos e Condições”:
11.3. - O Utilizador reconhece e aceita que sendo utilizada a Internet, no âmbito do acesso e utilização do site SAPO Voucher e na recolha de dados pessoais e ainda que a MEO garante o nível de segurança usual em redes abertas, existe o risco dos seus dados pessoais serem vistos e utilizados por terceiros não autorizados, não podendo ser imputada à MEO qualquer responsabilidade resultante, nomeadamente, de acesso indevido, eliminação, destruição, modificação e extravio.”
Cláusula 12.3., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”, do clausulado “Termos e Condições”:
12.3. – A interrupção ou cessação, pela MEO, do acesso e utilização do site SAPO Voucher, nos termos dos números anteriores, não confere ao Utilizador ou a terceiros o direito a qualquer indemnização, não podendo a MEO ser responsabilizada por qualquer consequência daí decorrente.”
Cláusula 12.4., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”, do clausulado “Termos e Condições”:
12.4. – Apesar de todos os mecanismos de controlo estarem implementados correctamente, podem ocorrer erros no site SAPO Voucher, nomeadamente por conter ligações com outros sites e disponibilizar os conteúdos oferecidos nos mesmos, não podendo a MEO ser responsabilizada por qualquer dano ou perda daí decorrente.”
Nestas cláusulas a predisponente ficciona uma declaração de aceitação, por parte do aderente, de não responsabilização por parte da R. em relação a quaisquer eventuais danos emergentes de uso indevido dos dados pessoais facultados pelo utilizador através do site Sapo Voucher, assim como em relação a todas as situações de interrupção ou cessação, pela MEO, do acesso e utilização do site Sapo Voucher, assim como por danos decorrentes de erros no funcionamento do site.
Tal declaração, ficcionada, de desresponsabilização por parte da R. viola o disposto nas alíneas a), b), c) e d) do art.º 18.º e d) do art.º 19.º da LCCG.
Cláusula 12.6., sob a epígrafe “Funcionalidade e disponibilidade do site SAPO Voucher”, do clausulado “Termos e Condições”:
12.6. - Os presentes Termos e Condições Gerais de utilização podem ser actualizados pela MEO sem notificação prévia aos Utilizadores, sempre que se considerar necessário ou desejável, de forma a responder às exigências jurídicas ou às alterações de funcionamento.”
Trata-se de cláusula expressamente proibida pela alínea c) do n.º 1 do art.º 22-º da LCCG (“atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato, excepto se existir razão atendível que as partes tenham convencionado.
Cláusula 13.1., sob a epígrafe “Invalidade Parcial”, do clausulado “Termos e Condições”:
13.1. – Caso alguma disposição destes Termos e Condições Gerais de utilização, seja considerada nula ou anulável, por quaisquer motivos, a validade das demais disposições não será afectada, salvo se o Utilizador ou a MEO demonstrarem que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada.”
A lei não concede aos aderentes, no caso de nulidade de algumas das cláusulas do contrato de adesão, a faculdade de optarem pela nulidade total do contrato (neste sentido, v.g., Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Almedina, páginas 314 a 322). O que a lei prevê é que, numa lógica de defesa dos interesses do aderente, este declare optar pela manutenção do contrato, pese embora a nulidade de alguma ou algumas das cláusulas contratuais gerais que nele existam (art.º 13.º n.º 1 da LCCG). Se o fizer o aderente retira ao tribunal a tarefa de, para os efeitos de aplicação do art.º 292.º do Código Civil (que prevê como regra geral a redução do negócio, no caso de anulação ou nulidade parcial), averiguar se, face à vontade conjetural das partes, objetivada no instrumento negocial, o contrato, desprovido da parte viciada, não deveria subsistir (Ana Prata, obra citada, página 322). Feita a aludida opção pelo aderente (no sentido da manutenção do negócio), “a manutenção de tais contratos implica a vigência, na parte afectada, das normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos” (n.º 2 do art.º 13.º). Só assim não será se a manutenção do contrato, sem as cláusulas afetadas, conduzir “a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa-fé”, caso em que se aplicará o citado regime de redução dos negócios jurídicos (art.º 14.º da LCCG).
A aludida cláusula contratual geral, predisposta pela R., intromete-se no aludido mecanismo de preservação ou cessação do contrato, ficcionando uma antecipada manifestação de vontade de manutenção do contrato por parte do aderente.
Trata-se de cláusula que contraria, pois, o disposto nos artigos 13.º e 14.º da LCCG, bem assim a regra geral do art.º 15.º, com a consequente nulidade.
Cláusula 15.2., sob a epígrafe “Direito aplicável/Foro”, do clausulado “Termos e Condições”:
15.2. Para todas as questões litigiosas emergentes de qualquer fornecimento efectuado, as partes escolhem o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.”
Conforme bem se refere na sentença recorrida, as regras obrigatórias e de conhecimento oficioso, que impõem que em regra os litígios emergentes de contratos corram no tribunal do domicílio do réu (artigos 71.º n.º 1, 104.º n.º 1 al. a) e 95.º n.º 1, do CPC), quase inutilizam esta cláusula. Ainda assim, como também se refere na sentença, haverá situações residuais a que esta cláusula poderia ser aplicável. Por outro lado, desconhecendo os consumidores a lei quanto ao foro, o texto da lei poderia levar os aderentes ao engano, com eventual desistência na defesa dos seus direitos, face a eventual distanciamento entre o seu domicílio e a comarca de Lisboa, o que, atendendo a que a atividade da R., assente numa plataforma eletrónica, se estende a todo o país, seria muito provável.
Nos termos da al. g) do art.º 19.º da LCCG, são proibidas as cláusulas que, atento o quadro negocial padronizado, “estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.”
Ora, conforme supra referido, a aludida cláusula, além de contrária a norma processual expressa, incorre na previsão deste preceito.
Tal cláusula é, assim, nula.
Pelo exposto, a apelação é improcedente.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo da apelante, que nela decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 21.6.2018

Jorge Leal

Ondina Carmo Alves

Pedro Martins