Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30172/21.4T8LSB.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO
ART.º 49.º
N.º 2
DA LEI 107/2009
DE 14-09
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário: I - O recurso contemplado no nº 2 do artigo 49º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, só tem lugar e pode ser aceite quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
II – É entendimento pacífico da jurisprudência que a aceitação do recurso por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito só se justifica quando na decisão impugnada se observar um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, não se destinando, pois, a corrigir eventuais erros de julgamento.
III – Por outro lado, a invocação da promoção da promoção da uniformidade da jurisprudência, independentemente de outras considerações , carece de , desde logo, ser devidamente justificada, não bastando, pois, a sua invocação em moldes genéricos sob pena de se transformar a excepção em regra.
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AAA com sede na Rua … Lisboa, foi condenada pelo CENTRO DISTRITAL DO INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL numa coima única no valor de €1.800,00 (mil e oitocentos euros), pela prática de sete (7)  contraordenações prevista e punida nos termos das disposições conjugadas do n.ºs 1, 2 e 6 do artigo 40.º e 233.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (doravante abreviadamente designado por CRCSS).
A arguida impugnou judicialmente tal decisão.
Arguiu a nulidade do procedimento.
Refere que a Autoridade Administrativa entendeu que não devia proceder à inquirição das testemunhas arroladas.
Porém, a inquirição era necessária para demonstrar os motivos de força maior que a impossibilitaram de, atempadamente, entregar a Declaração mensal de remunerações.
Abandonou as suas instalações, em meados de 2016, transferindo-as para outro local.
Tal circunstância impediu-a de aceder aos seus sistemas informáticos, factos que eram do conhecimento das arroladas testemunhas.
Não praticou as contraordenações que lhe foram imputadas, uma vez que se encontrava impossibilitada, por motivos de força maior, de cumprir a obrigação de entrega mensal de remunerações.
Agiu sem culpa.
A Autoridade Administrativa manteve a sua decisão.
Entende que na fase administrativa do processo não se verifica da sua parte absoluta obrigatoriedade da realização das diligências requeridas pelo arguido.
O recurso foi admitido.
Realizou-se julgamento que foi gravado.
Em 11 de Julho de 2022, foi proferida decisão que logrou a seguinte dispositivo:
«Face ao exposto nega-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente fixando-se em uma 1 Ucs a taxa de justiça.
Notifique
Comunique a presente decisão à Segurança Social» - fim de transcrição.
Em 3 de Agosto de 2022, a arguida recorreu.
O requerimento de interposição de recurso teve o seguinte teor [vide fls. 211 v] :
« Com subida imediata (artigo 407.º, n.º 1, alínea a) do CPPenal) e nos próprios autos (artigo 406.º, n.º 1 do CPPenal), vai motivado (artigo 50.º, n.º 2 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro) e tem efeito suspensivo (artigo 408.º, n.º 1, alínea a) do CPPenal, ex vi do n.º 4 do artigo 50.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro).
A Recorrente beneficia de Apoio Judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, conforme Despacho de 02.03.2022, proferido pelo Diretor do Núcleo de Assuntos Jurídicos e Contencioso da Unidade de Apoio à Direção do Instituto da Segurança Social, I.P. e junto aos autos.
PARA TANTO, ESTANDO EM TEMPO, REQUER-SE (…) A ADMISSÃO DO PRESENTE RECURSO, CONSIDERANDO-O INTERPOSTO, FIXANDO-LHE O REGIME DE SUBIDA.» - fim de transcrição.
Apresentou alegações e formulou conclusões.
Concluiu que:
(…)
Veio a ser proferido o seguinte despacho: «
Atenta a coima aplicada à Arguida, no montante de mil e quinhentos euros e face ao disposto no artigo 49.º, nº 1 alínea a) da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, a sentença proferida não é recorrível.
Assim, com este fundamento, não se admite o recurso interposto.
Custa a cargo da Arguida
Notifique» - fim de transcrição.
Em 22 de Setembro de 2022, a arguida reclamou.
Concluiu que:
«
(…)
Em 27 de Setembro, foi proferido o seguinte despacho:
«Assiste total razão ao recorrente na medida em que, como consta do requerimento do recurso, o mesmo foi interposto ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Assim, declara-se nulo e de nenhum efeito o despacho que não admitiu o recurso interposto.
Notifique.
Aguarde-se o prazo para a presentação das contra-alegações.» - fim de transcrição.
Em 30 de Setembro de 2022, o MºPº contra alegou.
Concluiu que:
 (…)
Na Relação o Exmo. Procurador Geral Adjunto lavrou o seguinte parecer:
«Constata-se que na resposta às alegações de recurso interposto por AAA, o Ministério Público da 1.ª Instância, representado pela Exma. Senhora Procuradora da República, (….), sustentou, em conclusão, que:
(…)
Examinadas as questões suscitadas pela recorrente, nada mais nos resta acrescentar à esclarecida e fundamentada argumentação aduzida pelo Ministério Público na 1.ª instância que integralmente subscrevemos.
Deve, assim, o recurso em apreço ser rejeitado, por legalmente inadmissível.
Sem conceder, não se entendendo a inadmissibilidade, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.» - fim de transcrição.
Em 31 de Outubro de 2022, a arguida respondeu nos seguintes moldes:
« (…)
Pugna, em suma, pela admissão e apreciação do recurso.
*
Cumpre, pois, antes de mais, admitir ou rejeitar o presente recurso nesta Relação.
Reitera-se que o CENTRO DISTRITAL DO INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL condenou a arguida AAA numa coima única no valor de €1.800,00 (mil e oitocentos euros), pela prática de sete (7) contraordenações prevista e punida nos termos das disposições conjugadas do n.º 1, 2 e 6 do artigo 40.º e 233.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (doravante abreviadamente designado por CRCSS).
Analisados os autos constata-se que estamos, sem sombra de dúvidas, perante contra ordenações que terão sido praticadas após [1] a entrada em vigor do regime processual aplicável às contra – ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro [que também se denominará apenas por RCOL].
***
O artigo 49º deste diploma (Decisões judiciais que admitem recurso) estatui:
“1 — Admite -se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 39.º
2 — Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 — Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites” – sublinhado nosso.
Assim, considerando que a coima aplicada à arguida não o foi em valor superior a 25 UC[2] ou equivalente, mais não nos cumpriria do que - em sede de decisão sumária - rejeitar o recurso.
É que €1.800,00 são cerca de 17,64 UC.
Contudo, tal como se infere do anteriormente exposto, a arguida veio solicitar que o recurso fosse admitido ao abrigo do nº 2º do artigo 49º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro.
Segundo a Exma. Magistrada do MºPº nas suas contra alegações [sendo que nesse particular consignou:
«
Conforme o disposto no nº 1, do artigo 49º, da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da sentença, além do mais, quando for aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC.
Para além dos casos enumerados no citado nº1, «pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência» - n.º 2, do mesmo normativo.
Nestes casos, cabe ao recorrente justificar a admissibilidade do recurso, em requerimento autónomo, constituindo questão prévia a apreciação e decisão do mesmo (art.º 50.º n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 107/2009).»], a arguida, ao contrário do que impõe a lei, não indicou expressamente tal norma no requerimento de interposição de recurso.
Na realidade, tal como se refere na decisão, de 20-02-2017, da Relação de Guimarães, processo nº 69/15GBBCL-A.G1, Relator António  Sobrinho,  acessível em www.dgsi.pt:
«
I – O recurso excepcional previsto no art.º 49º, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14.09, pressupõe que, independentemente da indicação desta norma no respectivo requerimento de interposição, o arguido ou o Ministério Público aleguem em concreto as razões da necessidade de melhoria da aplicação do direito e da promoção da uniformidade da jurisprudência.».
Ali se consignou o seguinte raciocínio:
«
Reconduz-se então o caso à aplicação da norma excepcional do art.º 49°, nº 2, do RPCOLSS, no qual se estipula que “para além dos casos enunciados no número anterior, pode o tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”.
Tal norma é equivalente à disposição constante do art.º 73º, nº 2, do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO), aprovado pelo DL 433/82.
Em tais preceitos estatui-se um regime excepcional de recurso, por contraposição ao regime normal de recurso contemplado no nº 1 de tais normativos, fazendo depender aquele recurso excepcional de requerimento do arguido ou do Ministério Público, quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Ou seja, por força, quer do art.º 49º, nº 2 do RPCOLSS, quer do artº 73º, nº 2, do RGCO, o poder-dever do tribunal da Relação em aferir da aceitação desse recurso excepcional está sempre dependente de ter sido interposto o recurso para esse efeito.
Quer isto dizer que, independentemente de nesse requerimento de recurso ter sido invocado qualquer daquelas disposições legais (art.ºs 49º, nº 2 e/ou 73º, nº 2) no caso sub judice a reclamante não alegou nenhum dos pressupostos que subjazem a faculdade de aceitação desse recurso excepcional - melhor aplicação do direito ou promoção da uniformidade da jurisprudência.
No seu douto requerimento de interposição de recurso e alegações a arguida não só não faz qualquer apelo quer à indicação, quer ao conteúdo da norma que estatui um regime recursivo de excepção, como jamais se retira da sua alegação que houve invocação e concretização da necessidade de melhoria da aplicação do direito e a promoção da uniformização de jurisprudência porque nem para tanto identificou concretas decisões contraditórias que a justificassem.
Logo, o que se pode concluir é que bem andou a Mmª Juiz a quo ao apreciar tal requerimento de recurso segundo o regime normal previsto no art.º 49º, nº 1, da citada Lei nº 107/2009, rejeitando-o, atento o valor da coima, por ser nele completa a omissão à referência dos requisitos substanciais contidos no citado nº 2 daquele preceito.
Ademais, como se extrai linearmente do teor quer do art.º 49º, nº 2, quer do apontado art.º 73º, nº2, do RGCO, a admissibilidade do recurso aí previsto pressupõe um requerimento prévio ou autónomo ao mesmo, que o acompanha, que será apreciado e, só depois de julgado procedente, se passará a conhecer do recurso propriamente dito, constituindo uma espécie – diremos nós – de incidente prévio.
Neste sentido, veja-se “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, Desemb. António Beça Pereira, 11ª ed., pag.226, e “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, Paulo Pinto de Albuquerque, pág. 305.
No mesmo sentido aponta a jurisprudência - entre outros, o Acórdão do TRC de 15.01.2003, recurso 737/02, www.gde.mj.pt/jtrc, e o Acórdão do TRE de 16.12.1998, in CJ XXIII, 5, 286.
Também isto a reclamante não cumpriu.» - fim de transcrição.
In casu, no seu requerimento de interposição de recurso a requerente /recorrente alude ao disposto no nº 2 do artigo 49º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro [vide fls. 211 v logo no início].
Por outro lado, ainda que [convenha-se …] em sede de motivação, tratada como questão prévia, embora não conste como devia de requerimento integralmente autonomizado, sempre suscita a problemática respeitante à admissibilidade do recurso [vide fls. 212 a 213 v].
Assim, para não se perfilhar uma visão demasiado formalista sobre o assunto, sendo certo que se concorda não se deve privilegiar demasiado a forma em detrimento do fundo, sempre cumpre  considerar que no caso em apreço , embora de forma que se reputará de menos típica , se mostra formulado o supra citado  requerimento prévio que cumpre apreciar  e constitui o tal incidente prévio.
A não se considerar assim, aliás, no caso em exame tanto bastaria para o recurso ser rejeitado com tal fundamento não tendo, pois, o “incidente“ que ser alvo de expressa apreciação. 
Dito isto, cabe, agora, verificar se o recurso deve ser admitido por tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Tal como se referiu em aresto desta Relação, de 09-07-2003, proferido no âmbito do processo nº 6018/2003-3, Relator Carlos Almeida, acessível em www.dgsi.pt
[que logrou o seguinte sumário:
«
O nº  2 do artigo 73º do RGIMOS, disposição que permite que o tribunal da relação aceite um recurso não abrangido pelo nº 1 do mesmo preceito, visa permitir a apreciação de decisões que não estariam normalmente sujeitas a reapreciação por qualquer tribunal superior e não a viabilizar o recurso de uma sentença que apenas o não admite porque o valor da coima aplicada é, no caso concreto, inferior ao estabelecido na alínea a) do nº 1 do artigo 73º desse mesmo diploma.» - fim de transcrição.] ,  com o qual se concorda:
(….)
II – FUNDAMENTAÇÃO
2 – A admissibilidade do recurso interposto está, como se disse, dependente de se reconhecer que ele é «manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência».
Sem que se deixe de assinalar a argúcia da argumentação expendida quanto à questão do limite máximo do prazo de prescrição, não vemos, no entanto, que, quer quanto a esta, quer quanto à outra questão suscitada, se esteja perante qualquer uma das situações previstas no nº 2 do artigo 73º citado.
A possibilidade excepcional de admissão de um recurso ao abrigo desta disposição legal destina-se, em nosso entender, a permitir ao tribunal “ad quem” apreciar decisões que, pela limitação imposta pelas regras que se extraem dos artigos 63º e 73º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, por não serem decisões finais, não estariam, normalmente, sujeitas a reapreciação por qualquer tribunal superior e não a viabilizar o recurso de uma sentença (em que se suscitam questões que bem se podem colocar em qualquer outra sentença) que apenas não admite recurso porque não se verifica nenhuma das situações previstas nas cinco alíneas do nº 1 do artigo 73º, nomeadamente porque o valor da concreta coima aplicada é inferior ao estabelecido na sua alínea a).
De resto, não sendo invocada qualquer divergência jurisprudencial a respeito de nenhuma das assinaladas questões, a admissão do recurso só se poderia justificar se ele fosse manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, o que, no caso, não se verifica uma vez que, por um lado, a apreciação sobre a constitucionalidade da norma aplicada na decisão não excluiria a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, por outro, porque a questão do limite absoluto do prazo da prescrição já se encontra em grande medida ultrapassada em face da nova redacção do nº 3 do artigo 28º do RGIMOS, tendo, portanto, e cada vez mais, a interpretação da anterior redacção dessa disposição uma importância residual[1].
Por isso, não se pode admitir o recurso interposto.» -  fim de transcrição.
Recorde-se aqui o teor da decisão recorrida no caso em análise.[3]
Aliás, a Exma. Magistrada do MºPº, em 1ª instância [em considerações que nesse ponto aqui se acolhem na íntegra por correctas e pertinentes, pelo que por esses motivos nos dispensamos de as formular com redacção distinta] nas suas contra alegações recordou:
«Como explica Abílio Neto (Código de Processo do Trabalho Anotado, Lisboa, Janeiro 2010, p. 357), “[o] recurso da decisão pode assumir-se como “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito” quando, por ex., verse uma questão que seja objeto de soluções desencontradas por parte da doutrina, ou de relevante incidência prática, ou quando seja objeto de tratamento diversificado pela jurisprudência. De todo o modo, trata-se de um conceito aberto, cuja aplicação em concreto dependerá, em larga escala, do discurso argumentativo utilizado.”
Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Processo do Trabalho, Coimbra, 2010, pp. 169-170), “[o] n.º 2 atribui à Relação poderes de uniformização que, no âmbito do processo penal, pertence em exclusivo ao Supremo Tribunal de Justiça.
Trata-se de uma fórmula destinada a tutelar interesses de ordem pública, da estabilidade da aplicação da lei ou da igualdade dos cidadãos que poderiam ser afetados nos casos em que a decisão não satisfizesse alguma das condições referidas no n.º 1.”
Ainda, de acordo com o que refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Univ. Cat. Editora, 2011, p. 303), pode assentar-se em que a «melhoria da aplicação do direito» supõe que:
a) a questão jurídica seja relevante para a decisão da causa;
b) seja questão necessitada de esclarecimento; e
c) seja questão que permita o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos similares.”.
Conforme é também entendimento pacífico e unânime da jurisprudência dos Tribunais das Relações, a aceitação do recurso por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito só tem justificação quando da decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, não se destinando, pois, a corrigir eventuais erros de julgamento [cfr. Ac. Rel. Évora, de 27- 05-2008, proc.º 883/08-1, Desembargador Ribeiro Cardoso; Ac. Rel. Coimbra, de 9-12-2010, Proc.º 51/10.7TTTMR.C1, Desembargador Azevedo Mendes; Ac. Rel. Porto de 24-09-2012, proc.º 426/11.4TTBGC.P1, Desembargador Eduardo Petersen Silva; Ac. Rel. Coimbra, de 13-10-2016, proc.º 2368/15.5T8CBR.C1, Desembargadora Paula Paço; (todos disponíveis em www.dgsi.pt)].
Trata-se, pois, de uma possibilidade extraordinária de recurso que só em circunstâncias excecionais deve ser admitida e que não pode ser utilizada como meio de colmatar a impossibilidade legal de recurso em razão do valor da coima aplicada ou da não aplicação de coima, sob pena de se transformar em regra.
In casu, não se nos afigura que a questão suscitada e invocada pela Recorrente para fundamentar a interposição de recurso excecional seja matéria de direito amplamente controversa na doutrina e na jurisprudência, não se vislumbrando assim que o recurso interposto seja manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Tão pouco pode dizer-se estar-se perante uma questão de direito que seja manifestamente complexa e/ou de difícil resolução, e cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, com o objetivo de se vir a obter um consenso quanto à provável interpretação das normas à mesma aplicáveis.
Não está em causa uma questão jurídica que o tribunal sub judice tenha apreciado ou omitido em termos que pudessem ser considerados seriamente duvidosos à luz de controvérsia relevante na doutrina e/ou na jurisprudência, e que, enquanto tal, justifique uma reapreciação pelo Tribunal Superior.
A R. invoca a promoção da uniformização de jurisprudência, mas não identifica concretas decisões contraditórias que a justificassem.
Acaba por invocar sobretudo a necessidade do recurso por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito.
Afigura-se-nos, contudo, que sem razão.
Não resulta do requerimento apresentado qualquer argumento que vise sustentar um eventual erro grosseiro, notório ou incomum que torne manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito a admissibilidade do recurso.
Trata-se de uma discordância da R. quanto à aplicação do direito, que não torna admissível a interposição de recurso, sob pena de se transformar em regra o que o legislador previu como exceção.
Em face do exposto, não se verificando os requisitos exigidos pelo artigo 49º, nº2 do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, a apreciação da decisão recorrida redundaria, afinal, na eventual correção de um (invocado) erro de julgamento, como em qualquer recurso «normal», no caso legalmente inadmissível..» - fim de transcrição.
Anote-se que no sentido de que o tipo de recurso em causa (ou seja por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito) só logra justificação quando na decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, não se destinando, pois, a corrigir eventuais erros de julgamento também apontam , de forma inequívoca, em anotação ao artigo 73º do RGCO [isto é o DL nº 433/82, de 27 de Outubro] , Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra – Ordenações , Anotações ao Regime Geral , 3ª Edição, 2006, Janeiro, Vislis, pág. 477.
Por outro lado, é evidente que a invocação da promoção da uniformidade da jurisprudência no mínimo, independentemente de outras considerações , carece de , desde logo, ser devidamente justificada, não bastando, pois  a sua invocação em moldes genéricos sob pena de se transformar a excepção em regra.
In casu, atento o teor do caso concreto, nomeadamente tendo em conta a justificação exarada pelo CDL de Lisboa da Segurança Social para não determinar a inquirição das testemunhas arroladas [ vide fls. 121] que se mostra expressamente mencionado na sentença recorrida , acima transcrita nesse particular , assim como a justificação dela constante sobre tal assunto, com respeito por opinião diversa, não vislumbramos que se esteja perante uma situação em que sobre o assunto se verifique um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível.
Quando muito a esse título poder-se-á argumentar com um erro de julgamento.
Todavia, tal como já se mencionou, este tipo de recurso  não se destina a corrigir eventuais erros de julgamento
Mas e no tocante à promoção da uniformização de jurisprudência ?
A nosso ver, não nos encontramos perante matéria que seja alvo de controvérsia assinalável em sede doutrinal e jurisprudencia, sendo que  a recorrente também a não refere nem exemplifica de forma expressa e muito menos exaustiva, não bastando para o efeito , a nosso ver, a mera menção a uniformidade da jurisprudência referida a fls. 213 v.
Saliente-se , aliás, que do teor dos dois arestos (da Relação de  Coimbra , de 16.11.2006 , proferido no processo nº 666/05.TTTMR.C1, 
Nº Convencional: JTRC, Relator Goes  Pinheiro [4] e da Relação do Porto , de 4.7.2007 , proferido no processo nº 0711709, Nº Convencional, JTRP00040475, Nº do Documento: RP20070711709, Relator  Augusto de Carvalho[5] [6], ambos acessíveis em www.dgsi.pt ) , que refere sobre o assunto no seu recurso ( fls. 212 v ),   nem sequer  se extrai a verificação de contradição directa e assinalável com o dirimido no aresto da Relação de Évora , de 6.11.2018 , proferido no âmbito do processo nº 22/18.5T8ETZ.E1, Relator José Proença da Costa , igualmente , acessível em www.dgsi.pt , citado na verberada sentença [ vide fls. 204 v] [7] [8] e com a verificação ou não no caso concreto de justificação devidamente fundamentada por parte da autoridade administrativa para a não realização das diligências de prova que lhe foram requeridas cuja pertinência , relevo e utilidade lhe incumbe avaliar e admitir ou rejeitar , mas fundando a sua posição.
Nesse sentido se nos afigura também apontarem, mesmo que de forma implícita, Paulo Pinto de Albuquerque [9] bem como Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa[10]  e Sérgio Passos [11], sendo certo, aliás, que em sede doutrinal a arguida nada referiu em abono da sua posição.
No fundo tudo passa pela apreciação do caso concreto, redundando assim ou não na verificação do supra mencionado erro jurídico grosseiro, incomum, errónea aplicação do direito bem visível, que no caso se teve por inexistente.
Em face do exposto, entende-se que o recurso interposto não configura nenhuma das situações excepcionais previstas no artigo 49º, nº2 da Lei nº107/2009, de 14 de Setembro.
Como tal, não deve ser aceite.
Em resumo, cumpre rejeitar o recurso por inadmissibilidade legal.
 Em face do exposto, acorda-se em rejeitar o presente recurso por inadmissibilidade legal.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC.
Notifique.
Lisboa, 2022-11-23
Leopoldo Soares
José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
_______________________________________________________
[1] Provou-se que:
1. A arguida foi constituída em 05/04/2002
2. A arguida iniciou atividade em 05/04/2002;
3. A arguida entrega declarações de remunerações desde o ano de 2004;
4. As declarações de remunerações de maio de 2016, junho de 2016, julho de 2016, agosto de 2016, setembro de 2016, outubro de 2016 e de novembro de 2016 integram tempos de trabalho e remunerações da trabalhadora … (NISS …);
5. As declarações de remunerações de dezembro de 2016, janeiro de 2017, fevereiro de 2017, março de 2017, abril de 2017 e de maio de 2017 integram tempos de trabalho e remunerações da trabalhadora (...) (NISS …);
6. As declarações de remunerações de dezembro de 2016, janeiro de 2017, fevereiro de 2017, março de 2017, abril de 2017 e de maio de 2017 foram entregues pela arguida em 10/01/2017, 07/02/2017, 02/03/2017, 04/04/2017, 10/05/2017 e 09/06/2017;
7. A declaração de remunerações de maio de 2016 foi entregue pela arguida em 29/06/2017;
8. A declaração de remunerações de junho de 2016 foi entregue pela arguida em 29/06/2017;
9. A declaração de remunerações de julho de 2016 foi entregue pela arguida em 29/06/2017;
10. A declaração de remunerações de agosto de 2016 foi entregue pela arguida em 29/06/2017;
11. A declaração de remunerações de setembro de 2016 foi entregue pela arguida em 29/06/2017;
12. A declaração de remunerações de outubro de 2016 foi entregue pela arguida em 29/06/2017;
13. A declaração de remunerações de novembro de 2016 foi entregue pela arguida em 29/06/2017;
14. A arguida podia e devia ter observado os prazos imperativos para a entrega das declarações de remunerações de maio de 2016, junho de 2016, julho de 2016, agosto de 2016, setembro de 2016, outubro de 2016 e de novembro de 2016;
15. A arguida concorreu com uma atuação imprevidente e descuidada no cumprimento da obrigação de entrega das declarações de remunerações;
16. A arguida atuou infringido o dever objetivo de cuidado imposto e o qual podia e devia observar;
17. Nos últimos cinco anos, a arguida não regista antecedentes na prática de infrações ao CRCSS.
18. Em meados de 2016 a Arguida mudou de instalações.

[2] Tal como bem resulta do supra exposto ; sendo certo que a UC tem, actualmente, o valor de Euros 102,00.  Ou seja  25 UC x Euros 102,00 = € 2.550,00.

[3] A qual, na parte para aqui reputada como mais relevante, discreteou nos seguintes moldes:
Nulidade do procedimento
A Recorrente arguiu a nulidade do procedimento administrativo, face à recusa de inquirição das testemunhas, por si arroladas, na fase administrativa do processo.
Resulta da análise dos presentes autos que:
-na fase administrativa do processo a Autoridade Administrativa notificou a Arguida nos termos do disposto no artigo 29.º e 18.º da Lei 107/2009, ou seja notificou-a “(…) da descrição sumária dos factos imputados, com menção das disposições legais violadas e indicação do valor da coima calculada.” e “para, no prazo de 15 dias, proceder ao
pagamento voluntário da coima, ou para contestar, querendo, devendo apresentar os documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de duas por cada infracção.”
- a Arguida apresentou a sua oposição tendo junto documentos e arrolado testemunhas.
- a Autoridade administrativa não levou a cabo a inquirição das testemunhas arroladas pela Arguida, constando da decisão sob o item:
 “III. DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS;
1. Da não inquirição das testemunhas arroladas o seguinte:
O direito de audição e defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação contra si instaurado, abrangendo, também, o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências.
Nos termos do artigo 60.º Lei n.º 107/2009, de 14/09, são aplicáveis subsidiariamente e com a devidas adaptações, sempre que o contrário não resulte da lei, os preceitos reguladores do processo de contraordenação previstos no regime geral das contraordenações.
Neste sentido, nos termos do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações (doravante designado por RGCO), as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos
mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resultar deste diploma.
Se é juridicamente consensual a existência de um verdadeiro direito de defesa e audição que não se basta com a possibilidade de o arguido ser ouvido antes da prolação de decisão condenatória, também se afigura inegável que compete à autoridade administrativa a investigação e a instrução do processo de contraordenação nos termos do n.º 2 do artigo 54.º do RGCO.
A conjugação do que se acaba de mencionar impõe uma conclusão já sufragada em decisões judicias: na fase administrativa do processo de contraordenação é a autoridade administrativa que tem o poder de direção do processo e, nessa medida, compete à autoridade administrativa a decisão sobre a realização ou não das diligências de prova que forem requeridas, bem como a decisão sobre a realização de todas as diligências que, ainda que não requeridas, se mostrem indispensáveis à busca da verdade material da causa.
Por conseguinte, não há uma absoluta obrigatoriedade de realização das diligências requeridas pelo arguido.
Vejamos o caso sub judice:
O tipo contraordenacional em causa nos autos corresponde ao incumprimento, doloso ou negligente, dos prazos legalmente determinados para a entrega das declarações de remunerações.
Ponderados os termos da defesa apresentada, conclui-se que a arguida não refuta a prática dos ilícitos imputados, tendo, ao invés, cuidado de avançar com argumentos justificativos da respetiva conduta.
Neste sentido, o concreto teor do auto de infração, bem como os demais elementos probatórios constantes do Sistema de Informação da Segurança Social (reitera-se que a entrega das declarações de remunerações é concretizada por transmissão eletrónica de dados e efetuada pelas entidades empregadoras no portal eletrónico da segurança social destinado à entrega das declarações de remunerações) e os demais alegados e juntos pela arguida (com efeito, é a própria arguida que acaba por alegar que, em função da necessidade de mudança de instalações onde se encontravam os respetivos escritórios, ficou privada no acesso ao serviço da Internet, tendo, ademais, enfrentado a interrupção no fornecimento de energia elétrica por período prolongado e indeterminado) permitem alcançar a boa decisão dos presentes autos.
Neste sentido, considera esta autoridade administrativa que a audição das testemunhas arroladas revela-se um ato inútil e desnecessário, na medida em que está demonstrado que a arguida entregou as declarações de remunerações em causa nos autos em violação dos prazos legalmente determinados para o efeito.
Com efeito, como adiante cuidaremos de demonstrar detalhadamente, esta autoridade administrativa não considera provada a existência, entre maio de 2016 a junho de 2017, de qualquer impedimento objetivo da arguida no cumprimento da obrigação de entrega das declarações de remunerações, na medida em que tal não permitiria, então e afinal, o cumprimento da obrigação de entrega das declarações de remunerações reportados ao intervalo de tempo de dezembro de 2016, janeiro de 2017, fevereiro de 2017, março de 2017, abril de 2017 e de maio de 2017 em 10/01/2017, 07/02/2017, 02/03/2017, 04/04/2017, 10/05/2017 e 09/06/2017, respetivamente, isto é, em momento temporal anterior a junho de 2017.
Neste sentido, questiona-se: se a arguida alega que, até junho de 2017, não reunia condições para observar o cumprimento da obrigação de entrega das declarações de remunerações, como é que a mesma conseguiu, então, cumprir a obrigação de entrega das declarações de remunerações reportados ao intervalo de tempo de dezembro de 2016 a maio de 2017 em 10/01/2017, 07/02/2017, 02/03/2017, 04/04/2017, 10/05/2017 e 09/06/2017, respetivamente, isto é, em momento temporal anterior a junho de 2017?
A consideração da data da efetiva entrega das declarações de remunerações e, bem assim, a concreta sanção a aplicar são questões que se colocam em termos de uma verdadeira questão de direito e para a qual concorrem as normas imperativas do CRCSS e do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3/01.
Mais se diga.
A culpa no Direito de Mera Ordenação Social não se baseia em qualquer censura ético-penal, mas apenas na violação de certo procedimento que é imposto e é exigível à arguida. Em rigor, no caso dos autos, resulta provada a imputação do incumprimento da obrigação devida à arguida (sendo certo que a esta imputação cuidaremos de voltar em sede própria) e, bem assim, a responsabilidade da arguida na produção desses factos ilícitos em função do facto de a mesma ser uma entidade empregadora.
Na verdade, no caso dos presentes autos, a arguida atuou em violação clara do dever de cuidado e de diligência que era concretamente exigível e de que era capaz.
Com efeito, na medida em que a arguida, enquanto entidade empregadora, perpetuou o exercício da respetiva atividade que constitui o seu objeto social, a mesma devia desenvolver todas as diligências (sejam elas de natureza técnica, sejam elas de natureza contratual, entre outras) com vista a concentração de todos os elementos/instrumentos/meios para observar pontualmente a competente obrigação de entrega das declarações de remunerações.
Em suma: não se verifica como o depoimento das testemunhas arroladas consubstanciaria elemento suscetível de colocar em causa o que resulta, quer do auto de infração, quer da defesa apresentada pela arguida, quer, também, dos demais elementos de facto compulsados e quer, ainda, da ponderação das normas efetivamente aplicáveis.
Termos em que se determina a não inquirição das testemunhas arroladas.”
Cumpre decidir:
Inexistindo norma especifica no regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, Lei 107/2009, relativas aos atos instrutórios a levar a cabo na fase administrativa, para além do previsto no artigo 21.º e 22.º. ao abrigo do disposto no artigo 60º, do mesmo diploma, importa ter em conta o regime geral das contraordenações.
Logo, importa ter em conta que, tal como consta do sumário do Acórdão da Relação de Évora de 6 de novembro de 2018:
I – O art.º 50.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações consagra o direito de audição e defesa do arguido.
II – Esse direito de audição e defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contra-ordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências.
III – Contudo, competindo, à autoridade administrativa a investigação e a instrução do processo, nos termos do n.º 2, do art.º 54.º, do RGCO, é a ela que cumpre decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas.
IV – Mas a autoridade administrativa, ao não aceitar as diligências de prova requeridas pelo arguido, terá de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade (art.ºs 43.º, do RGCO e 266.º, n.º 1, da CRP).
V – Não se pode imputar qualquer nulidade à autoridade administrativa se não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela arguida porquanto entendeu ser desnecessária e irrelevante a sua audição, face à especificidade da matéria que se propunha provar, e se mostra de nenhuma, ou de fraca, importância a prova testemunhal.
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/e9704a41af4398ac8025834 400372728?OpenDocument
No caso em análise a Autoridade Administrativa justificou a razão pela qual entendeu ser desnecessária a produção de prova testemunhal com particular acuidade, atento todo o circunstancialismo apurado.
Logo, não se configura, no acaso concreto, a arguida nulidade da fase instrutória do processo.
2-FUNDAMENTOS
A) Factos provados:
(………)
Qualificação jurídica dos factos.
Determina o artigo 40.º do CRCSS, com a epigrafe: Declaração de remunerações:
1 - As entidades contribuintes são obrigadas a declarar à segurança social, em relação a cada um dos trabalhadores ao seu serviço, o valor da remuneração que constitui a base de incidência contributiva, os tempos de trabalho que lhe corresponde e a taxa contributiva aplicável.
2 - A declaração prevista no número anterior deve ser efetuada até ao dia 10 do mês seguinte àquele a que diga respeito.
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a falta ou a insuficiência das declarações previstas nos números anteriores podem ser supridas ou corrigidas oficiosamente pela instituição de segurança social competente, designadamente por recurso aos dados de que disponha no seu sistema de informação, no sistema de informação fiscal ou decorrente de ação de fiscalização. (Redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)
4 - O suprimento oficioso das declarações previstas nos números anteriores é notificado à entidade contribuinte nos termos do disposto no Código do Procedimento Administrativo.
5 - A não inclusão de trabalhador na declaração de remunerações constitui contraordenação muito grave.
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 constitui contraordenação leve quando seja cumprida nos 30 dias subsequentes ao
termo do prazo e constitui contraordenação grave nas demais situações.
Determina o n.º 2 do artigo 233.º do mesmo diploma, relativo ao montante das coimas que as “contraordenações graves são puníveis com coima de €300 a €1200 se praticadas por negligência e de €600 a €2400 se praticadas com dolo, sendo tal tais limites, como determina o nº 4 do preceito, elevados:
a) Em 50% sempre que sejam aplicados a uma pessoa coletiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade equiparada com menos de 50 trabalhadores;
Face a tais normativos em conjugação com o disposto nos artigos 235.º, e 236.º do CRCSS, adere-se aos fundamentos constantes da decisão impugnada, nos termos do artigo 39º, nº 4 da Lei 107/2009, relativamente ao preenchimento dos elementos objetivos e
subjetivos dos tipos contraordenacionais e ao cálculo da medida concreta da pena.
E o mesmo se diz relativamente, ao cômputo da coima única aplicada, razão pela qual se mantem a decisão impugnada.» - fim de transcrição.

[4] Que teve o seguinte sumário:
« I – Tendo a arguida, em processo de contra-ordenação laboral, apresentado resposta escrita em cumprimento do disposto no artº 635º do C. Trabalho, onde nega a prática da contra-ordenação, e tendo aí arrolado testemunhas para serem ouvidas caso assim fosse necessário, impõe-se a audição dessas testemunhas pelo instrutor do processo.
II – O conjunto de actos de investigação e de instrução realizados pela autoridade administrativa e que serviu de base à “acusação” em processo contra-ordenacional, passa a equivaler à fase que no processo penal se designa por “inquérito” e que tem por finalidade investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação – art.º 262º, nº 1, do CPP.
III – Assim, a omissão da inquirição de testemunhas arroladas pela arguida tem que ser entendida como redundando na insuficiência do inquérito, o que constitui uma nulidade, embora dependente de arguição, como dispõe o art.º 120º, nº 2, do CPP (aplicável ao caso, por força do art.º 41º, nº 1, do RGCO).
IV – No processo contra-ordenacional a referida nulidade deve ser arguida até à audiência do recurso de impugnação judicial ou, na falta de audiência, até à resposta à notificação da decisão administrativa condenatória.
V – Tal nulidade, porém, deve considerar-se como sanada se no recurso de impugnação judicial a arguida arrola as testemunhas cuja inquirição não teve lugar e se nessa fase processual o juiz procedeu à dita inquirição – art.º 121º, nº 1, al. c), do CPP.
VI – Não aproveitando a arguida da faculdade do pagamento voluntário da coima aplicada na fase administrativa do processo, pelo seu montante mínimo correspondente à infracção praticada com negligência – art.º 636º, nºs 1 e 3, do C. trabalho -, nenhuma expectativa legítima pode manter de que a decisão final ou a sentença em fase de recurso vá fixar essa coima no dito montante mínimo, pois que, nestas fases, a coima tem que ser graduada em obediência aos critérios estabelecidos nos art.ºs 622º do C. Trab. e 18º do RGCO. ».
Nele se discreteou o seguinte (na parte para aqui mais relevante):
«
Para a cabal intelecção da primeira questão, e dado que as pertinentes conclusões da motivação se mostram, para o efeito, insuficientes, convirá dar notícia do que, nesse âmbito, ocorreu nos autos.
A arguida ora recorrente, ao ser notificada, em cumprimento do disposto no artigo 635º do Código do Trabalho (CT), para se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe era imputada, apresentou resposta escrita (cfr. fls. 32 e seguintes dos autos apensos, nos quais foi aplicada pela autoridade administrativa a coima ainda subsistente e objecto do presente recurso) e, no final do respectivo articulado, arrolou duas testemunhas e escreveu entre parêntesis, a elas se referindo: “para o caso de serem necessárias”.
O instrutor do processo não ouviu, porém, as testemunhas sendo que, na proposta de decisão e, designadamente, no respectivo relatório, nada diz quanto à necessidade ou desnecessidade da sua inquirição. »

[5] Que logrou o seguinte sumário:
«I - Nos processos de contra-ordenação é assegurado ao arguido o direito de audiência e defesa, nos termos do art.º 50º do DL 433/82, não se limitando esse direito à possibilidade de o arguido ser ouvido, mas abrangendo também o direito de intervir no processo, apresentando provas e requerendo diligências.
II - Tendo sido preteridas diligências requeridas pelo arguido (audição de testemunhas arroladas), com o fundamento de que “não iriam trazer declarações significativas que alterassem o sentido presente do procedimento”, a decisão da autoridade administrativa é nula.

[6] Sendo que ali se discorreu:
«
(….)
Nos termos do art.º 50.º RGCO “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”. Tal disposição legal é um corolário do preceituado no art.º 32.º, n.º 10 da CRP, onde se consagra que também nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
Ora, a possibilidade de efectivo exercício deste direito pressupõe necessariamente que ao arguido seja dado conhecimento, antes de proferida a decisão de aplicação da sanção, dos factos que lhe são imputados, seu enquadramento jurídico e das sanções que a autoridade administrativa entende serem aplicáveis no caso concreto.
Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 2001, p. 295, “a não concessão ao arguido da possibilidade de ser ouvido sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre parece dever considerar-se uma nulidade insanável, enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art.119.º. Com efeito, embora nesta norma se preveja como nulidade insanável a ausência do arguido ou do seu defensor quando a lei exigir a respectiva comparência, o objectivo evidente desta obrigatoriedade de comparência é a concessão ao arguido da possibilidade de exercer os direitos de defesa que a lei e a CRP impõem que lhe seja concedida e, por isso, esta norma deve ser interpretada extensivamente como visando todas as situações em que não foi concedida ao arguido, antes de lhe ser aplicada uma sanção, possibilidade de exercer direitos de defesa que obrigatoriamente lhe deve ser proporcionada”.
Neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os seguintes acórdãos: Ac. RE de 24.3.1992, CJ 1992, t. II, p. 308, Ac. RP de 4.6.2003, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf, Ac. RE de 28.4.1998, BM J 476, 506.
Neste sentido se pronunciaram os Ac. RL de 5.2.1997 proferidos nos processos com o n.º convencional JTRL00008235 e JTRL00008238, onde se refere expressamente que “não tendo num processo de contra-ordenação sido inquiridas pela autoridade administrativa as testemunhas indicadas pela arguida, cometeu-se nulidade consistente das omissões de diligências essenciais para a descoberta da verdade”, e o Ac. RC de 7.12.2000, proferido no proc. 2070/2000, in www.trc.pt.
Na verdade, uma das formas de a arguida exercer o seu direito de defesa é precisamente através da indicação de meios de prova que, em seu entender, podem infirmar ou impor uma diferente valoração, nomeadamente jurídica, dos factos que lhe são imputados, podendo tal limitar-se designadamente à apreciação do elemento subjectivo da infracção.
Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, ob. cit., p. 294, “o direito de defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contra-ordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências”. Mais referem também que “caberá, no entanto, à entidade dirige o processo de contra-ordenação deferir ou não a realização das diligências requeridas, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade”. Igualmente, neste sentido, se pronunciam António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2.ª edição, p. 139, ao referirem que “questão diversa será a de saber se a autoridade administrativa está obrigada à prática dos actos requeridos pelo arguido e aí entendemos que a resposta terá de ser negativa. Na verdade, se aquela entidade preside à investigação e instrução apenas deverá praticar os actos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir, necessariamente, com os actos propostos”.
Mas se é pacífico que a autoridade administrativa se não encontra obrigada à realização de todas as diligências requeridas, consideramos que, ao preteri-las deverá justificar tal decisão, o que no caso concreto não foi feito de forma válida e fundamentada.
Ora, é certo que, como se refere na promoção que antecede, não se poderá considerar que se verificou ausência absoluta do inquérito, uma vez que foram realizadas as diligências que a autoridade administrativa reputou de essencial e que, no caso concreto, se parecem ter limitado à apreciação dos diversos autos de notícia de contra-ordenação juntos ao processo.
(….,) » - fim de transcrição.

[7] Segundo o qual:              
I – O art.º 50.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações consagra o direito de audição e defesa do arguido.
II – Esse direito de audição e defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contra-ordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências.
III - Contudo, competindo, à autoridade administrativa a investigação e a instrução do processo, nos termos do n.º 2, do art.º 54.º, do RGCO, é a ela que cumpre decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas.
IV – Mas a autoridade administrativa, ao não aceitar as diligências de prova requeridas pelo arguido, terá de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade (art.ºs 43.º, do RGCO e 266.º, n.º 1, da CRP).
V – Não se pode imputar qualquer nulidade à autoridade administrativa se não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela arguida porquanto entendeu ser desnecessária e irrelevante a sua audição, face à especificidade da matéria que se propunha provar, e se mostra de nenhuma, ou de fraca, importância a prova testemunhal.

[8] Sobre o assunto o aresto refere:
« (…)
E competindo, como compete, à Autoridade Administrativa a investigação e a instrução do processo, nos termos do n.º 2, do art.º 54.º, do RGCO, é a ela que cumpre decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas.
E sobre que diligências probatórias terão de ser levadas a cabo pela Autoridade Administrativa, somos de entendimento que só terão de ser realizadas aquelas que se mostrem necessárias para o apuramento da verdade e da boa decisão da causa; todas as demais serão de indeferir, por supérfluas, inúteis.
Sobre esta temática Oliveira Mendes e Santos Cabral pronunciaram-se no sentido de a autoridade administrativa não estar obrigada à prática dos actos requeridos pelo arguido, apenas devendo praticar os actos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir, necessariamente, com os actos propostos.[4 - Ver, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, págs. 139.]
Porém, somos a entender que a autoridade administrativa, ao não aceitar as diligências de prova requeridas pelo arguido, terá de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade, cfr art.ºs 43.º, do RGCO e 266.º, n.º 1, da CRP. » - fim de transcrição.

[9] Comentário do Regime Geral das Contra Ordenações , à luz da Constituição da República e da Convenção  Europeia dos Direitos do Homem, , U C Editora, 2011, pág. 230 , na anotação nº 10 ao artº 54º do RGCO.

[10] Contra – Ordenações , Anotações ao Regime Geral, 3º edição, 2006 Janeiro, Vislis, pág.377.

[11] Contra Ordenações , Anotações ao regime geral, , 2º edição (revista e actualizada) , Almedina, pág. 376 , o qual alude às diligências pertinentes.
Decisão Texto Integral: