Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1239/09.9TMLSB-A.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: REGULAMENTO COMUNITÁRIO
EXECUÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA
GUARDA DE MENOR
EFEITO DO RECURSO
RECURSO
SENTENÇA ESTRANGEIRA
MEDIDA CAUTELAR
EXEQUATUR
EFEITO SUSPENSIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O recurso interposto para a Relação (ao abrigo do Artigo 33º-1 do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental) da decisão proferida (em 1ª instância) pelo Tribunal de Família e Menores que (nos termos dos arts. 28º, 29º, 30º e 31º daquele instrumento legislativo comunitário) declarou a executoriedade em Portugal duma sentença proferida pelo Tribunal de Menores doutro Estado-Membro da União Europeia - que atribuiu, em exclusivo, a guarda de dois menores ao respectivo pai -, tem, necessariamente, efeito suspensivo.
2. Sendo, pois, necessariamente suspensivo o efeito atribuído ao recurso que venha a ser interposto (para a Relação) da decisão que concede o exequatur duma decisão proferida pelo tribunal doutro Estado-Membro em matéria de responsabilidade parental, isto consequencia que, enquanto não for definitivamente julgado o recurso oportunamente interposto da decisão proferida em 1ª instância (que declarou a executoriedade em Portugal da mencionada sentença estrangeira que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai), apenas podem ser tomadas medidas cautelares (nos termos do artigo 20º do cit. Regulamento nº 2201/2003).
3. O que, todavia, já não pode, por virtude daquele efeito suspensivo, é dar-se imediata execução à sentença relativamente à qual foi concedido o exequatur, enquanto estiver pendente o recurso oportunamente interposto do despacho que concedeu esse exequatur.
4. Ora, ordenar-se a imediata emissão de mandados de condução dos dois menores cuja responsabilidade parental ficou regulada e definida na mencionada sentença estrangeira relativamente à qual foi concedido o exequatur (por decisão ainda não transitada do tribunal português de 1ª instância), com vista à sua subsequente entrega ao progenitor masculino, não constitui a tomada de nenhuma medida cautelar (de que seriam exemplo o decretamento do impedimento à progenitor feminina de transportar os menores para o estrangeiro ou mesmo de se ausentar, na companhia dos menores, para fora da localidade da sua residência em Portugal), antes consubstancia a imediata execução prática do regime de responsabilidades parentais instituído na sentença cuja executoriedade em Portugal foi concedida por decisão ainda pendente de recurso com efeito necessariamente suspensivo.
5. Ademais, o processo tendente à obtenção da concessão do exequatur em Portugal duma decisão proferida pelo tribunal doutro Estado-Membro esgota-se com a concessão ou não do exequatur : uma vez este concedido – e suposto que o recurso interposto da decisão que o concede tenha efeito meramente devolutivo (o que não é sequer o caso) -, é possível ao requerente da concessão do exequatur instaurar, então sim, uma execução propriamente dita, tendente à efectivação do regime de responsabilidades parentais instituído na sentença estrangeira cuja execução em Portugal foi autorizada - o que, a acontecer, implica que o respectivo requerimento executivo tenha de ser autuado e distribuído como um processo autónomo do da concessão do exequatur, iniciando-se então um iter processual inteiramente novo, no qual, desde logo, a parte contrária teria sempre o direito ao contraditório, nos termos do art. 181º da O.T.M. (Organização Tutelar de Menores).
6. Por isso, independentemente do efeito (suspensivo ou meramente devolutivo) do recurso interposto (para a Relação) da decisão que concede o exequatur duma decisão proferida pelo tribunal doutro Estado-Membro em matéria de responsabilidade parental, o requerente da concessão do exequatur não pode, em circunstância alguma, enxertar, na própria petição inicial do processo de concessão do exequatur, o pedido de que seja ordenada a emissão de mandados de condução dos dois menores em causa, com vista a serem entregues ao respectivo pai (o próprio requerente), para este os poder levar consigo para o país onde reside, visto que um tal pedido só pode ser formulado no âmbito uma execução propriamente dita, tendente à efectivação do regime de responsabilidades parentais instituído na sentença estrangeira cuja execução em Portugal foi autorizada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão Sumária (nos termos do art. 705º do C.P.C.):

“A”, inconformada com o despacho que, no processo contra ela instaurado por “B” - e na sequência da Decisão (proferida em 8/7/2009) que declarou a executoriedade em Portugal do Acórdão final proferido em 07 de Maio de 2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana em Bolonha no processo nº 1149-07 relativamente aos menores “C” e “D”, nascidos a 19.03.2005 e 21.09.2006, respectivamente (que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai) - veio a ordenar a emissão de mandados de condução dos dois menores em causa, com vista a serem entregues ao respectivo pai, interpôs recurso do mesmo despacho, que foi recebido como de apelação, para subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
I. Vem a presente apelação interposta de douto despacho proferido em 18 de Junho de 2010 que decidiu:
Passem imediatamente mandados de condução dos menores a fim da sua entrega ao Pai, a ser cumprido pela autoridade policial competente em articulação com a autoridade central (DGRS) e a sua congénere italiana (…) autorizando a entrada em qualquer local onde as crianças se encontrem nos termos do artigo 177º do C.P.P. e se determina a entrega pela progenitora dos menores de todos os documentos dos mesmos, caso os tenha consigo (designadamente bilhete de identidade e passaporte) e haveres pessoais dos menores (…).”
Atribuição de efeito suspensivo ao recurso
II. Está em causa a separação de duas crianças de 3 e 5 anos de idade da respectiva Mãe, de nacionalidade Portuguesa, e a remessa destas crianças para Itália, desacompanhadas da Mãe, e a sua entrega a um Pai, de nacionalidade Italiana, que nunca esteve com eles a tempo inteiro, que desde há pelo menos um ano e meio não os visita, que não fala a mesma língua das crianças e cujo contacto com elas se limita a 2/3 telefonemas semanais de breve duração.
III. Tudo sem que qualquer entidade ou serviço ou organismo competentes tenha ouvido ou avaliado as crianças e determinado os riscos psicológicos e físicos que a sua separação abrupta e radical da Mãe lhes irá causar.
IV. Os menores encontram-se desde há três anos, totalmente integrados no meio social e familiar da Recorrente e a simples possibilidade de serem afastados de tudo e de todos os que lhes são familiares criou nos menores um enorme sentimento de angústia e revolta, que se tem vindo a traduzir, ao longo do tempo, em diversas reacções nervosas e mesmo agressivas.
V. Como concluíram os profissionais clínicos que têm vindo a acompanhar os menores, “Quanto ao “C” e “D”, qualquer separação ou potencial separação da mãe, colocará as crianças em elevado e potencial risco de causar danos muito graves, potencialmente irreversíveis, no desenvolvimento afectivo, emocional.”
VI. A decisão recorrida foi proferida sem considerar o interesse primordial a acautelar nestes casos: O superior interesse da criança.
VII. A sua execução é, por si só, causadora de sujeição dos menores “C” e “D” a perigos de ordem psíquica e física susceptíveis de comprometer irremediavelmente o seu desenvolvimento.
VIII. A atribuição de efeito suspensivo a este recurso é, pois primordial para acautelar o superior interesse dos menores aqui em causa e por essa via para acautelar o interesse da ordem pública nacional.
IX. Inexiste interesse que se sobreponha ao dos menores, sendo certo que se não for dado provimento ao presente recurso, a entrega dos menores apenas terá sido protelada durante o período de tempo necessário à prolação de Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
X. As normas que prevêem o condicionamento da atribuição de efeito suspensivo à prestação de caução (artigos 692.º n.º4, 988.º e 990.º) não foram previstas para estes casos em que estão em causa interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária.
XI. Obedecendo os processos de jurisdição voluntária a critérios de oportunidade e conveniência, e sendo a atribuição do efeito suspensivo absolutamente necessária para salvaguardar o interesse dos menores, justifica-se que seja determinada a não aplicabilidade das citadas disposições.
XII. Mas caso se entenda que a caução tem lugar, atenta a impossibilidade de contabilização matemática dos interesses em causa, não está a Recorrente em condições de poder determinar o valor a caucionar, como impõe o artigo 988.º, oferecendo-se para pagar caução no valor e forma que forem julgados adequados pelo tribunal.
Nulidades da decisão
XIII. O Recorrido formulou dois pedidos nos presentes autos: que fosse declarada a executoriedade na ordem jurídica portuguesa do Acórdão proferido pelo Tribunal de Menores de Bolonha que lhe confiou a guarda dos menores “C” e “D” e, em consequência, que fosse ordenada a entrega das crianças, passando-se os competentes Mandados de Condução.
XIV. No despacho de 8 de Julho de 2009, pronunciou-se o tribunal a quo, de forma autónoma, quanto aos dois pedidos, tendo deferido o primeiro e determinado que apenas apreciaria o segundo após trânsito em julgado da decisão relativa à declaração de executoriedade.
XV. O que tem inteira justificação já que se a Recorrente interpusesse (como interpôs) recurso da decisão que declara a executoriedade, ao abrigo do artigo 32.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 e este fosse considerado procedente, não pode o tribunal ordenar a entrega dos menores ao Recorrido.
XVI. A decisão que determina que os autos devem aguardar pelo trânsito em julgado da declaração de executoriedade é recorrível, nos termos do artigo 691º n.º 2 al. m), já que a sua impugnação juntamente com a decisão final seria absolutamente inútil.
XVII. Com efeito, caso o recurso da declaração de executoriedade seja considerado procedente e, consequentemente, não for ordenada a entrega das crianças, nesse momento é irrelevante qualquer revogação do despacho de 8 de Julho de 2009 e a sua substituição por outro que, nessa data, determinasse a imediata entrega dos menores ao Recorrido, por este ser insusceptível de execução, face à decisão final.
XVIII. Não tendo o Recorrido interposto recurso dessa decisão, o despacho de 8 de Julho de 2009, nessa parte, transitou em julgado, e tem força obrigatória dentro do processo, nos termos do artigo 672.º do CPC.
XIX. Assim, até que ocorresse trânsito em julgado da decisão que declarou a executoriedade do Acórdão, não podia o tribunal decidir da entrega dos menores, ordenando a emissão dos mandados de condução.
XX. A situação é análoga aos casos em que estando a decisão da causa dependente do julgamento de outra, o tribunal ordena a suspensão da instância até trânsito em julgado da causa prejudicial (artigos 279.º e 284.º n.º1 c) do CPC), entendendo-se nestas situações que “essa suspensão tem que manter-se até que a causa prejudicial seja definitivamente julgada, sob pena de ofensa de caso julgado formal.” (Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Abril de 1992, in BMJ n.º 406, pág. 377 e do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Dezembro de 1993, in ADSTA n.º 388, pág. 495)
XXI. O trânsito em julgado (sobre a executoriedade) ainda não ocorreu, dado que tendo a Recorrente interposto recurso em 23 de Abril de 2010, aguardam os autos a remessa para o Tribunal da Relação.
XXII. O tribunal a quo, ao despachar, em 18 de Junho de 2010, com ordem de emissão de mandados de condução que expressamente declarara que apenas proferiria após o transito em julgado da decisão de executoriedade, proferiu decisão nula porque violadora de caso julgado formal.
XXIII. Não obstante não ter sido proferido despacho que especificamente julgasse procedente o pedido de entrega dos menores, tendo sido praticado acto (emissão dos mandados) que produz tal efeito, não se pode deixar de se considerar que o pedido foi apreciado e decidido, sendo irrelevante que o impulso processual tenha sido promovido pelo Ministério Público.
XXIV. É também de salientar que o tribunal tinha conhecimento que a Recorrente, no recurso sobre a executoriedade invocou causas justificativas da não reconhecimento do Acórdão que, a serem julgadas procedentes, determinam a não entrega dos menores.
XXV. Assim, o despacho de 18 de Junho de 2010 padece de nulidade, nos termos dos artigos 672.º e 677.º do CPC.
XXVI. A entrega dos menores apenas poderá ser exigível se for declarada, por decisão transitada em julgado, a executoriedade do Acórdão que atribuiu a sua guarda ao Pai.
XXVII. As questões que podem justificar a não entrega dos menores “C” e “D” ao Recorrido (fundamentos de não executoriedade da sentença elencadas no artigo 23.º do Regulamento (CE) nº 2201/2003) vão ser analisadas no âmbito do recurso da decisão que declarou a executoriedade do Acórdão interposto pela Recorrente.
XXVIII. Apenas se aquelas forem consideradas improcedentes, e só nesse momento, será exequível a decisão que atribui a guarda das crianças ao Recorrido podendo, então, ser emitidos os mandados de condução.
XXIX. A entrega dos menores depende incontornavelmente da decisão a ser proferida em recurso da declaração de executoriedade, não podendo tal pedido ser apreciado antes que aquele esteja definitivamente julgado.
XXX. Ao decidir da entrega dos menores sem aguardar pelo trânsito em julgado da decisão que declarou a executoriedade da decisão, ignorou o tribunal a quo a existência de pedido prejudicial ainda não definitivamente julgado.
XXXI. E não se argumente que os critérios de oportunidade e conveniência, que regem este processo, justificavam a prolação de decisão neste momento dado que, como melhor explicitaremos infra, o interesse prevalecente, isto é, o dos menores “C” e “D” justifica que se mantenham sob a guarda da Recorrente, pelo menos até à decisão definitiva sobre a executoriedade do Acórdão do Tribunal de Menores de Bolonha.
XXXII. O despacho de 18 de Junho de 2010 padece também de absoluta falta de fundamentação, já que deste não consta qualquer facto que justifique a prolação de tal decisão ou que explicite os motivos que determinaram o tribunal a tomar decisão com teor absolutamente contraditório ao despacho de 8 de Julho de 2009.
XXXIII. Ignora a Recorrente os motivos que levaram o tribunal a decidir, neste momento, o pedido de entrega dos menores e também as razões que o levaram a considerar que este pedido é procedente, estando assim impedida de exercer de forma cabal o seu direito ao recurso.
XXXIV. O facto de os processos de jurisdição voluntária obedecerem a critérios de oportunidade ou conveniência não obsta a que os actos decisórios tenham de ser fundamentados, pelo que o despacho de 18 de Junho de 2010 deve ser considerado nulo nos termos do artigo 158.º e 679º n.º1 b) do CPC.
Violação do superior interesse dos menores
XXXV. O superior interesse do menor é o critério que norteia a regulação do poder paternal no ordenamento jurídico português (os artigos 180º n.º1 do OTM e os artigos 1905º, 1906º, 1909º e 1912º do Código Civil e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 2010, proferido no processo 1110/05.3TBSCD.C2.S disponível em www.dgsi.pt)
XXXVI. O Recorrido não apresentou qualquer objecção à deslocação dos menores para Portugal e à sua permanência em território nacional até 15 de Agosto de 2007.
XXXVII. Já que apenas exigiu que os menores regressassem a Portugal quando comunicou à Recorrente a sua decisão de por termo à relação afectiva entre ambos.
XXXVIII. Desde 30 de Março de 2007 os menores passaram a dormir na casa dos pais da Recorrente, a tomar as suas refeições, brincar, jogar, conviver com familiares e amigos, centrando-se em Lisboa os seus laços afectivos.
XXXIX. Até à presente data os menores nunca estiveram separados da mãe, e é a Recorrente que cuida deles no dia-a-dia, que os leva à escola, que os veste, que lhes presta os serviços de saúde e higiene, que lhes dá as refeições, que os leva ao médico, que lhes compra os bens essenciais ao seu desenvolvimento desde a alimentação, aos produtos de higiene e vestuário, que os ajuda na realização das tarefas escolares, etc.
XL. É a Recorrente que brinca e joga com eles, que os educa e que garante a protecção, a tranquilidade, atenção, afecto, indispensáveis ao seu normal crescimento e desenvolvimento harmonioso, sendo ela a figura primária de referência.
XLI. O centro de vida quotidiana dos menores está organizado na casa em que habitam, em Lisboa, desde 30 de Março de 2007, sendo este o único lar que os menores reconhecem, não tendo recordações do período em que residiram em Bolonha.
XLII. Desde Setembro de 2007 que o contacto entre os menores e o Recorrido têm sido muito esporádico, não existindo entre estes qualquer relação de proximidade ou cumplicidade. O meio social e familiar em que o Recorrido se insere, em Bolonha, é totalmente desconhecido aos menores, não falando estes a língua italiana.
XLIII. Como referido nas conclusões IV. a VII., desde o momento em que os menores tiveram conhecimento de que poderiam ser separados da mãe e afastados do ambiente e das pessoas que lhe são familiares, o seu comportamento e estabilidade emocional deteriorou-se, tendo os menores sofrido de ansiedade constante, vómitos, diarreia, dificuldades na alimentação, dificuldades no adormecimento, pesadelos, falta de concentração na escola, agitação psico-motora, regressão ao nível cognitivo, o que indicia que qualquer separação da mãe irá causar às crianças danos muito graves, potencialmente irreversíveis, no desenvolvimento afectivo e emocional.
XLIV. À continuidade da atribuição da guarda das crianças à Recorrente não obsta qualquer comportamento ilícito desta, já que a presença dos menores em Portugal foi autorizada por ambos os pais, até 15 de Agosto de 2007, e quando tal acordo deixou de ocorrer imediatamente recorreu a mãe para o tribunal do local da residência dos menores desde 30 de Março de 2007 para regular o exercício do poder paternal dos menores.
XLV. Pelo contrário, o comportamento do Recorrido desde Agosto de 2007 é que não tem sido consentâneo com o interesse dos seus filhos, já que tenta obter o regresso das crianças a Itália não se atendo às consequências que daí poderão advir.
XLVI. Acresce que, desde essa data, o Recorrido não contribui com qualquer quantia para o sustento dos menores e não vê os filhos ou manifesta qualquer intenção nesse sentido desde 12 de Junho de 2008.
XLVII. Determina, assim, o superior interesse dos menores que a sua guarda continue a ser confiada à Recorrente e que estes permaneçam em Portugal.
Acresce que,
XLVIII. O superior interesse da criança não aconselha as sucessivas alterações ao meio social e familiar em que está integrada.
XLIX. Alterações essas que ocorrerão caso se proceda à entrega dos menores ao Recorrido, podendo ser proferida, a curto prazo, decisão que reconheça a verificação de causa que obste à executoriedade do Acórdão do Tribunal de Menores de Bolonha na ordem jurídica portuguesa que, assim, determinará que a guarda dos menores deve permanecer com a Recorrente.
L. Estando pendente recurso em que se poderá proferir decisão conflituante com a entrega dos menores ao Recorrido, o superior interesse dos menores determina a não prolação de tal decisão até que o recurso seja apreciado.
Mas mais
LI. O método de execução dos mandados também não garante o superior interesse dos menores.
LII. Todas as medidas relativas a menores devem ser decretadas (e a execução efectuada) de acordo com o superior interesse dos menores, e limitando-se ao mínimo possível (artigos 147.º-A e 148.º do OTM e artigo 4.º a) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
LIII. O tribunal determinou, sem mais, a aplicabilidade dos preceitos do Código de Processo Penal relativos às buscas domiciliárias à entrega de duas crianças de 3 e 5 anos, não prevendo a possibilidade de o processo de entrega ao Recorrido ser acompanhado pela Recorrente ou, no mínimo, por profissionais clínicos ou assistentes sociais.
LIV. Não se prevendo quaisquer medidas que assegurem que a entrega dos menores será efectuada da maneira menos gravosa possível, com respeito pela sensibilidade e integridade dos menores, atentas as reacções emocionais que têm demonstrado perante qualquer possibilidade de afastamento da Recorrente.
LV. Pelo que o despacho viola os artigos 147.º-A e 148.º do OTM.
LVI. E, ao permitir a execução na ordem jurídica portuguesa do Acórdão do Tribunal de Menores de Bolonha em violação do superior interesse dos menores, viola também a ordem pública nacional nos termos do artigo 23.º a) do Regulamento (CE) n.º 2201/2003.
LVII. O despacho recorrido, atenta a sua violência, a sua nulidade e as suas múltiplas ilegalidades, porque violadora do interesse superior dos menores e da ordem pública nacional é insusceptível de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.

Termos porque expressamente se requer a V. Ex.ªs que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a decisão.
Assim se fazendo,
JUSTIÇA!

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela improcedência do aludido recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida.

Cumpre apreciar e decidir.



A DECISÃO RECORRIDA

O despacho que constitui objecto do presente recurso de apelação é do seguinte teor :
Passem-se imediatamente mandados de condução das crianças a fim de serem entregues ao pai, a serem cumpridos pela autoridade policial competente em articulação com a Autoridade Central Portuguesa (Direcção-Geral de Reinserção Social – DGRS) e a sua congénere italiana.
Após a emissão dos mesmos, remeta cópia, fia fax, aos Serviços Centrais da DGRS e Equipa Tutelar Educativa Lisboa 1, nos termos requeridos a fls. 157, competindo à Autoridade Central.
Desde já se autoriza a entrada em qualquer local onde as crianças se encontrem, nos termos e para os efeitos do art. 177º, nº 1, do CPP, bem como se determina a entrega, pela progenitora dos menores, de todos os documentos dos mesmos, caso os tenha consigo (designadamente, bilhete de identidade e passaporte) e haveres pessoais dos menores.
Uma vez que o pai dos menores se disponibilizou a vir buscar os filhos a Portugal, deverá a Autoridade Central Portuguesa proceder aos necessários contactos com a Autoridade Central italiana, para esse efeito”.

O OBJECTO DO RECURSO

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279)..
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299)..
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela ora Apelante que o objecto do presente recurso está circunscrito a uma unica questão:

1) Legalidade ou Ilegalidade do despacho que, na pendência do recurso interposto pela ora Apelante da Decisão que declarou a executoriedade em Portugal do Acórdão final proferido em 07 de Maio de 2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana em Bolonha (no processo nº 1149-07 relativamente aos menores “C” e “D”, nascidos a 19.03.2005 e 21.09.2006, respectivamente) - que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai - veio a ordenar a emissão de mandados de condução dos dois menores em causa, com vista a serem entregues ao respectivo pai.

FACTOS PROVADOS

Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do presente recurso:

1. Em 25.06.2009, “B” requereu, no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, contra “A”, o reconhecimento e execução de decisão estrangeira sobre o exercício da responsabilidade parental, proferida pelo Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha, Itália, no âmbito do processo nº 1149/2007, que lhe atribuiu a guarda exclusiva dos filhos menores do casal, “C”, nascido em Bolonha, Itália, a 19.03.2005, e “D”, nascido em Bolonha, Itália, a 21.09.2006.

2. Em 08.07.2009, veio a ser proferida decisão que declarou a executoriedade do Acórdão final proferido em 07 de Maio de 2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana em Bolonha no processo nº 1149-07 relativamente aos menores “C” e “D”, nascidos a 19.03.2005 e 21.09.2006, respectivamente (cfr. fls. 49-50).

3. Mediante requerimento de 15.09.2009, veio o Requerente, na sequência da declaração de executoriedade do Acórdão final proferido pelo competente Tribunal italiano que atribui, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao pai ora requerente, requerer a passagem do competente Mandado de Entrega dos Menores (cfr. fls. 75).

4. Após concessão do benefício do apoio judiciário, em 21.12.2009, veio a Requerida deduzir oposição ao pedido de o reconhecimento e execução de decisão estrangeira sobre o exercício da responsabilidade parental (cfr. fls. 104-107).

5. Notificado da oposição deduzida, em 25.01.2010, veio o Requerente:
- suscitar a questão prévia do trânsito em julgado da decisão de executoriedade de 08-07-2009, da qual não foi interposto recurso pela Requerida, requerendo a passagem dos respectivos mandado de entrega dos menores em favor de seu pai;
- pronunciar-se quanto ao mérito da oposição deduzida.

6. Por despacho de 04.02.2010, com fundamento em que a oposição deduzida pela Requerida constitui um articulado legalmente inadmissível no âmbito dos presentes autos, não foi admitida tal oposição, determinando-se o respectivo desentranhamento e restituição à apresentante (cfr. fls. 140-141).

7. Em 21.02.2010, veio a Requerida arguir a nulidade de citação da decisão de 08.07.2009 (cfr. fls. 150-153).

8. Notificado o Requerente para se pronunciar, querendo, quanto à arguida nulidade (cfr. fls. 160), veio o mesmo a faze-lo, concluindo pelo indeferimento da arguição de nulidade de citação e pela condenação da requerida como litigante de má-fé e requerendo a passagem imedita dos respectivos mandado de entrega dos menores em causa, em favor do pai (cfr. fls. 165-166).

9. Por despacho de 16.03.2010, foi julgada procedente a arguida nulidade e anulado todo o processado após o despacho de fls. 49/50, com excepção das fls. expressamente apontadas no mesmo despacho, determinando-se a notificação, com repetição do acto anulado, devendo ser agora a Requerente expressamente notificada nos termos e para os efeitos do art. 33º do Regulamento (CE) n.º 2201/2203, de 27.11.2003 (cfr. fls. 170-174).

10. Em 23.04.2010, inconformada com a decisão de declaração de executoriedade da sentença italiana, vem, então, a Requerida interpor recurso, que foi recebido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata, nos próprios autos (cfr. despacho de recebimento de 17.06.2010, a fls. 411).

11. O Requerente contra-alegou, pugnando igualmente pela alteração da decisão «na parte em que determina o momento a partir do qual é devido o pagamento das prestações em dívida, ou seja, os pagamentos são devidos desde o mês seguinte ao da notificação da sentença que os fixou».

12. Em 18.06.2010, veio a ser proferido a despacho a determinar a passagem imediata de mandados de condução das crianças a fim de serem entregues ao pai (cfr. fls. 413).

13. Em 21.06.2010, a Requerida/ Recorrente veio requerer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto da decisão de 08.07.2009, sustentando «que a execução da decisão impugnada lhe retirará toda e qualquer utilidade e causará prejuízo irreparável e de gravidade extrema aos menores “C” e “D” e, por essa via, à Requerente» (cfr. fls. 421-433).

14. Na mesma data de 21.06.2010, a Requerida requereu a sustação de todas as providências tendentes a executar o cumprimento do despacho de 18.06.2010 que determinou a passagem imediata de mandados de condução das crianças a fim de serem entregues ao pai.

15. A fls. 479, o Requerente opõe-se à atribuição de efeito suspensivo ao recurso, requerendo o indeferimento de tal pedido e a imediata comunicação à Autoridade Central portuguesa de que os mandados passados continuam válidos devendo ser cumpridos com urgência.

16. Por despacho de 23.06.2010, foi indeferida a pretendida atribuição de efeito suspensivo ao recurso, por extemporânea, ordenando-se, ainda a comunicação à Autoridade Central de que «os mandados continuam válidos, a fim de serem os mesmos cumpridos, com urgência» (cfr. fls. 490-491).

17. Em 24.06.2010, veio a Requerida requerer a imediata remessa ao Tribunal da Relação de Lisboa do recurso interposto em 23 de Abril de 2010 e admitido em 17 de Junho de 2010, para conhecimento do mesmo por parte daquele Tribunal Superior e correcção do respectivo efeito (cfr. fls. 500-503).

18. Na mesma data de 24.06.2010, interpôs a Requerida recurso da decisão de 18.06.2010 que determinou a passagem imediata de mandados de condução das crianças a fim de serem entregues ao pai (cfr. fls. 507-558),

19. Em 30.06.2010, foi proferido despacho deferindo a requerida pretensão de imediata remessa ao Tribunal da Relação de Lisboa do recurso interposto em 23 de Abril de 2010 e admitido em 17 de Junho de 2010 e determinando que se extraísse traslado «que permanecerá neste Tribunal», a fim de garantir a apreciação do recurso interposto da decisão de 18.06.2010, «relativamente ao qual se encontra ainda a decorrer o prazo para apresentação de contra-alegações pelo progenitor dos menores e pelo Ministério Público» (cfr. fls. 603-604).

20. Em 18.08.2010, em sede de exame preliminar, veio a ser proferido despacho pelo Exmº. Desembargador de turno a manter o efeito devolutivo fixado ao recurso (cfr. fls. 680).

O MÉRITO DO RECURSO

1) LEGALIDADE OU ILEGALIDADE DO DESPACHO QUE, NA PENDÊNCIA DO RECURSO INTERPOSTO PELA ORA APELANTE DA DECISÃO QUE DECLAROU A EXECUTORIEDADE EM PORTUGAL DO ACÓRDÃO FINAL PROFERIDO EM 07 DE MAIO DE 2009 PELO TRIBUNAL DE MENORES DA EMÍLIA ROMANA EM BOLONHA (NO PROCESSO Nº 1149-07 RELATIVAMENTE AOS MENORES “C” E “D”, NASCIDOS A 19.03.2005 E 21.09.2006, RESPECTIVAMENTE) - QUE ATRIBUIU, EM EXCLUSIVO, A GUARDA DOS MENORES EM CAUSA AO RESPECTIVO PAI - VEIO A ORDENAR A EMISSÃO DE MANDADOS DE CONDUÇÃO DOS DOIS MENORES EM CAUSA, COM VISTA A SEREM ENTREGUES AO RESPECTIVO PAI.

O despacho objecto do presente recurso de Apelação deferiu o requerimento formulado pelo ora Apelado (logo aquando da apresentação do pedido de declaração de executoriedade em Portugal da sentença proferida em 7/5/2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha, que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai), no sentido de ser ordenada a emissão de mandados de condução dos dois menores filhos da ora Apelante e do ora Apelado, com vista a serem entregues ao respectivo pai, para este os poder levar consigo para Itália, país onde reside.
Sucede, porém, que a ora Apelante – no uso da faculdade conferida pelo Artigo 33º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental - interpôs, em devido tempo, recurso da decisão do 1º Juízo-1ª Secção do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, datada de 8/7/2009, que declarou a executoriedade em Portugal da mencionada sentença proferida em 7/5/2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha de Bolonha, que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai.
Ora, segundo uma orientação consensual na doutrina produzida entre nós acerca do mencionado Regulamento nº 2201/2003, o recurso interposto (ao abrigo do cit. Artigo 33º-1 do mesmo Regulamento) da decisão relativa ao pedido de executoriedade formulado nos termos dos arts. 28º, 29º, 30º e 31º daquele instrumento legislativo comunitário, tem, necessariamente, efeito suspensivo.
Este entendimento é sustentado, nomeadamente, por NEVES RIBEIRO (in “Processo Civil da União Europeia – II”, 2006, p. 193 e “Processo Civil da União Europeia. Principais aspectos – textos em vigor, anotados”, 2002, p. 121), louvando-se nos seguintes argumentos:
«Durante o prazo de recurso previsto no nº 5 do artigo 43º [do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000] contra a declaração de executoriedade e na pendência de decisão sobre o mesmo, só podem tomar-se medidas cautelares sobre os bens da parte contra a qual a execução for promovida (artigo 47º-3)» (NEVES RIBEIRO in ob. ultim. cit., p. 121).
«O que, na prática, parece mais aconselhável é a atribuição de efeito suspensivo ao recurso quando (hipótese normal) concede o exequatur, só excepcionando quanto às medidas provisórias que podem ser decretadas sobre os bens do requerido, no decurso da pendência do recurso da decisão que concedeu o exequatur (artigo 47º-3) e se requeridas (nº 1 do artigo 47º)» (ibidem).
Na vigência da Convenção de Bruxelas (entretanto revogada e substituída pelo cit. Regulamento CE nº 44/2001), também MIGUEL TEIXEIRA DE SOUA e DÁRIO MOURA VICENTE sustentaram (in “Comentário à Convenção de Bruxelas”, Lisboa, 1994, p. 163) que, «por força do disposto no § 1º [do artigo 39º - disposição equivalente ao cit. art. 47º-3 do Regulamento nº 44/2001] o recurso interposto da decisão que autorizar a execução de sentença estrangeira tem efeito suspensivo: durante o prazo para a sua interposição e na pendência da decisão sobre o mesmo não podem ser tomadas medidas de coerção com carácter definitivo sobre o património da parte contra a qual a execução foi promovida». «Funda-se este regime na necessidade de tutelar essa parte contra o risco de uma execução prematura, decorrente do carácter não contraditório do processo previsto nos arts. 31º a 35º da Convenção, bem como da circunstância de a concessão do exequatur não depender do prévio trânsito em julgado da decisão exequenda no Estado de origem» (ibidem).
Sendo, pois, necessariamente suspensivo o efeito atribuído ao recurso que venha a ser interposto (para a Relação) da decisão que concede o exequatur duma decisão proferida pelo tribunal doutro Estado-Membro em matéria de responsabilidade parental, isto consequencia que, no caso dos autos, enquanto não for definitivamente julgado o recurso oportunamente interposto pela aqui Apelante da decisão (proferida em 8/7/2009) pelo 1º Juízo-1ª Secção do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, que declarou a executoriedade em Portugal da mencionada sentença proferida em 7/5/2009 pelo Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha (que atribuiu, em exclusivo, a guarda dos menores em causa ao respectivo pai), apenas podem ser tomadas medidas cautelares (nos termos do artigo 20º do cit. Regulamento nº 2201/2003).
O que, todavia, já não pode, por virtude daquele efeito suspensivo, é dar-se imediata execução à sentença relativamente à qual foi concedido o exequatur, enquanto estiver pendente o recurso oportunamente interposto do despacho que concedeu esse exequatur.
Ora, aquilo que o despacho objecto do presente recurso fez foi, nem mais nem menos, do que permitir a imediata execução, em Portugal, da aludida sentença proferida pelo Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha, não obstante ainda se encontrar pendente o recurso interposto para esta Relação da decisão que declarou a executoriedade em Portugal da referida sentença.
De facto, ordenar-se a imediata emissão de mandados de condução dos dois menores cuja responsabilidade parental ficou regulada e definida na mencionada sentença do Tribunal de Bolonha, com vista à sua subsequente entrega ao progenitor masculino ora Apelado, não constitui a tomada de nenhuma medida cautelar (de que seria exemplo o decretamento do impedimento à Apelante de transportar os menores para o estrangeiro ou mesmo de se ausentar, na companhia dos menores, para fora da localidade da sua residência em Portugal), antes consubstancia a imediata execução prática do regime de responsabilidades parentais instituído na sentença cuja executoriedade em Portugal foi concedida por decisão ainda pendente de recurso.
Tanto basta para que a decisão ora recorrida não possa subsistir, dada a sua manifesta incompatibilidade lógica e prática com o efeito suspensivo próprio do recurso interposto da decisão que concede o exequatur duma sentença proferida noutro Estado-Membro, em matéria de responsabilidade parental.
Acresce que o requerimento sobre o qual recaiu o despacho objecto do presente recurso não foi formulado no âmbito de nenhuma execução que porventura tivesse chegado a ser efectivamente instaurada, com base na aludida decisão do tribunal “a quo”, que concedeu o exequatur à mencionada sentença do Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha.
De facto, o referido requerimento foi enxertado na própria petição inicial do processo de concessão do exequatur, configurando a al. B) do petitório formulado na sua parte final.
Ora – como é evidente -, o processo tendente à obtenção da concessão do exequatur em Portugal duma decisão proferida pelo tribunal doutro Estado-membro esgota-se com a concessão ou não do exequatur. Uma vez este concedido – e suposto que o recurso interposto da decisão que o concede tenha efeito meramente devolutivo (o que não é sequer o caso – como se viu) -, é possível ao requerente da concessão do exequatur instaurar, então sim, uma execução propriamente dita, tendente à efectivação do regime de responsabilidades parentais instituído na sentença estrangeira cuja execução em Portugal foi autorizada.
Porém, no caso vertente, tal não sucedeu, porquanto o requerente do exequatur nunca chegou a instaurar contra a ora Apelante uma verdadeira execução de sentença, não sendo sequer a petição inicial do pedido de concessão do exequatur aproveitável como petição inicial duma execução que nunca chegou a ser efectivamente instaurada – o que, a acontecer, implicaria que o respectivo requerimento executivo tivesse de ser autuado e distribuído como um processo autónomo do da concessão do exequatur, iniciando-se então um iter processual inteiramente novo, no qual, desde logo, a ora Apelante teria o direito ao contraditório, nos termos do art. 181º da O.T.M..
Assim sendo – como é -, impõe-se revogar, in totum, o despacho recorrido, substituindo-o por outro que indefira o requerimento (formulado conjuntamente com o pedido de concessão do exequatur da aludida sentença do Tribunal de Menores da Emília Romana, em Bolonha) no sentido de ser ordenada a emissão de mandados de condução dos dois menores filhos da ora Apelante e do ora Apelado, com vista a serem entregues ao respectivo pai, para este os poder levar consigo para Itália, país onde reside.
Como assim, o presente recurso procede, quanto à única questão suscitada pela Apelante.

DECISÃO
Decide-se conceder provimento ao presente recurso de Apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando a sua substituição por outra que indefira o requerimento formulado pelo aqui Apelado (conjuntamente com o pedido de concessão do exequatur relativamente à mencionada Sentença do Tribunal de Bolonha) no sentido de no sentido de ser ordenada a emissão de mandados de condução dos dois menores filhos da ora Apelante e do ora Apelado, com vista a serem entregues ao respectivo pai, para este os poder levar consigo para Itália, país onde reside.
Custas da Apelação a cargo do ora Apelado (art. 446º, nºs 1 e 2, do CPC).

Dado que – segundo flui dos autos – os mandados de detenção indevidamente mandados emitir pelo tribunal “a quo” (no despacho, datado de 18/6/2010, que vem de ser revogado por esta Relação) foram, entretanto, já cumpridos pela Polícia Judiciária, tendo os menores sido detidos (no passado dia 25/9/2010) e conduzidos a uma Instituição (o Centro de Acolhimento e Observação Temporário da Casa dos Plátanos, em Lisboa), a fim de serem prontamente entregues ao respectivo progenitor masculino, o qual, uma vez que lhe sejam entregues os menores, iria – com elevadíssimo grau de probabilidade – transportá-los consigo para o País onde reside (Itália), criando-se, assim, uma situação praticamente irreversível, a que urge obstar, enquanto é tempo, determino que seja imediatamente oficiado, via fax, com nota de “MUITO URGENTE”, à mencionada Instituição que acolheu os menores, no sentido de esta os reentregar, logo que possível, à guarda e cuidados da respectiva progenitora feminina (ora Apelante), não dando assim execução à ordem ilegalmente emitida pelo tribunal “a quo” (nos mandados de condução a que a Polícia Judiciária deu, entretanto, cumprimento) no sentido da entrega dos menores ao respectivo progenitor masculino.

Lisboa, 27 de Setembro de 2010

Rui Torres Vouga