Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1901/19.8T8VFX.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: LABORAÇÃO CONTÍNUA
TURNOS ROTATIVOS
DESCANSO SEMANAL
SÁBADOS E DOMINGOS
DIREITO AO DESCANSO
CONCILIAÇÃO ENTRE A VIDA PESSOAL E A PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Jurisprudência Estrangeira:
Sumário: I– Está em causa nos autos a interpretação do n.º 2 da cláusula 34.ª do CCT, quando dispõe que «Quando o trabalho for prestado em regime de laboração contínua o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham, em média, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo.»

II– A expressão «no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo» não consente uma outra interpretação que não seja a de que a entidade empregadora aqui Requerida se acha obrigada a, pelo menos, de quatro em quatro em quatro semanas garantir o gozo do descanso semanal de 48 horas a que os seus trabalhadores em regime de turnos rotativos têm direito, num sábado e num domingo consecutivos.

III– O direito ao descanso não se esgota no seio das relações de trabalho em si mas respeita igualmente aos direitos de personalidade e às inerentes vida pessoal, familiar e social do trabalhador, bem como à sua saúde e segurança e qualidade e quantidade do seu desempenho profissional, não podendo ser encarado, nessa medida, numa perspetiva puramente economicista e contabilística, por forma a ser compensado através do mero pagamento de uma prestação pecuniária, ainda que avultada.

IV– O direito ao repouso ou descanso tem, na sua essência, uma natureza imaterial ou não patrimonial, com proteção ao nível constitucional, conforme expressamente ressalta do artigo 59.º, número 1, alínea d) da Constituição da República Portuguesa, bem como de diversos instrumentos internacionais, constituindo expressões ou desenvolvimentos de tal direito as normas constantes dos artigos 214.º, números 1 e 3, 232.º, números 1 e 4, 233.º, número 1 (embora com exceções), 228.º, número 1, alínea e) e 229.º, números 3 e 4, 237.º, números 3 e 4, 238.º, número 5 e 257.º, número 1, alínea a), do Código do Trabalho de 2009, com referência respetivamente ao descanso diário, descanso semanal obrigatório e férias.

VI– A inserção dos trabalhadores e das suas famílias e amigos no ambiente de fim-de-semana, esse contacto, essa ligação com a pulsão própria e característica do mesmo, é assegurado, de maneira muito mais efetiva e adequada, através da concessão de um descanso semanal ao sábado e domingo de 3 em 3 semanas do que de 6 em 6 semanas, dado esta segunda dilação temporal, que é o dobro da primeira, não garantir suficientemente essa continuidade, essa renovação periódica, essa facilidade em manter hábitos e práticas particulares e familiares que só os fins-de-semana de descanso permitem.

VI–A lesão reiterada desses interesses e direitos de personalidade dos trabalhadores inscritos como associados no Sindicato Requerente é superior ao eventual dano organizacional ou económico (ainda que não demonstrados nos autos) que a Requerida possa sofrer com a implementação correta do número 2 da cláusula 34.ª do CCT (e que se traduz apenas no gozo continuado e sucessivo na quarta semana de cada período de 4 semanas de calendário do descanso semanal ao fim de semana, em vez do sistema que diferia para o dobro do tempo tal gozo).


(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO


I.– AAA, NIF(…), casada, Embaladora, residente na  (…);
2.– BBB, NIF (…) casada, Embaladora, residente na (…);
3.–CCC, (…), divorciada, Operadora de Embalagem, residente na  (…);
4.– DDD, NIF (…), casada, Embaladora, residente na (…);
5– EEE, NIF (…), casada, Embaladora, residente na (…);
6.– FFF, NIF (…), casado, Operador de Processo, residente na Av. (…), instaurar, em 5/06/2019, o presente procedimento cautelar comum contra GGG  (…), sociedade por quotas com sede e estabelecimento fabril na (…), pedindo, em síntese, o seguinte:

“Termos em que, produzida a prova nos termos legais, requerem a V. Exa se digne ordenar a suspensão dos horários fixados pela requerida com vista a obter da requerida que se abstenha de continuar a praticar um horário por turnos rotativos, em laboração contínua, não autorizado e em violação da cláusula 34.ª-2 do CCT e a impor às 2.ª, 3.ª e 4.ª requerentes horários incompatíveis com as responsabilidades familiares que lhes cabem e ainda para atribuir a estas um horário compatível com o que nos termos do artigo 56.º e seguintes do Código de Trabalho haviam requerido, com indeferimento pela CITE da oposição manifestada pela requerida e, no mesmo passo, requer a realização da audiência final, seguindo-se os demais termos da lei até final.”.           
*

Alegam, para o efeito, o seguinte:
«1.º– Os ora requerentes trabalham sob direção e orientação da ora requerida, desde:
- A 1.ª: 27 de Setembro de 1993, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Embaladora e auferindo a retribuição mensal base de € 761,57, acrescido de € 190,39 de subsídio de laboração contínua, de € 114,24 de subsídio de turno e de € 70,52 de trabalho nocturno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho - documento n.º 1.
- A 2.ª: 01 de Fevereiro de 2001, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Embaladora e auferindo a retribuição mensal base de € 657,15, acrescido de € 164,29 de subsídio de laboração contínua, de € 98,57 de subsídio de turno e de € 60,14 de trabalho nocturno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho - documento n.º 2.
- A 3.ª: 04 de Agosto de 1998, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Operadora de Embalagem e auferindo a retribuição mensal base de € 851,86, acrescido de € 212,97 de subsídio de laboração contínua, de € 127,78 de subsídio de turno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho – documento n.º 3.
- A 4.ª: 16 de Julho de 2001, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Embaladora e auferindo a retribuição mensal base de € 629,24, acrescido de € 157,31 de subsídio de laboração contínua, de € 94,39 de subsídio de turno e de € 47,43 de trabalho nocturno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho - documento n.º 4.
- A 5.ª: 16 de Setembro de 2002, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Embaladora e auferindo a retribuição mensal base de € 646,56, acrescido de € 161,64 de subsídio de laboração contínua, de € 96,98 de subsídio de turno e de € 98,82 de trabalho nocturno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho - documento n.º 5.
- O 6.º: 04 de Novembro de 1987, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Operador de Processo e auferindo a retribuição mensal base de € 1.259,35, acrescido de € 314,84 de subsídio de laboração contínua, de € 188,90 de subsídio de turno e de € 107,95 de trabalho nocturno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho - documento n.º 6.

2.º– A requerida é uma sociedade comercial supra identificada cujo objeto social é a indústria e comércio de bens alimentares, bem como a prestação de serviços de consultadoria e assessoria a sociedades do mesmo sector ou de sectores similares e conexos, tendo ao seu serviço um número, ainda que variável, aproximado de 300 trabalhadores, entre os quais os requerentes.

3.º– Os requerentes são associados do Sindicato (…) - documentos nºs 7 a 12.

4.º– Pelo que às relações de trabalho entre as partes se aplica o CCT para a Indústria de Batata Frita, Aperitivos e Similares, publicado do BTE, 1.ª série, n.º 39 de 22/10/2016.

5.º– Com base no qual e das disposições legais aplicáveis, se conformam as relações jurídicas de trabalho entre requerentes e requerida.

6.º– Os ora requerentes exerceram a sua atividade profissional, cumprindo com zelo e querem crer competência as tarefas e funções que lhe foram pela requerida atribuídas ao longo dos anos, sem qual incidente relevante ou qualquer ocorrência anómala do ponto de vista laboral, isto durante anos variáveis para cada uma, só ultimamente perturbadas as relações pelos factos infra descritas.

7.º– É que a requerida no final do ano findo decidiu passar a trabalhar em horário de trabalho por turnos rotativos, com a alteração, em relação a situações anteriores, de a prestação de trabalho incluir, ao contrário de até aqui, os sábados e domingos, até aqui dias de descanso de todos os trabalhadores, o que concretizou no inicio do corrente ano.

8.º– Sem cuidar de obter ou melhor esperar para obter as autorizações necessárias, ainda pendentes, conforme resulta do ofício pela Autoridade para as Condições do Trabalho (adiante sempre designada por ACT) ao Sindicato supra identificado, que se junta sob o n.º 13 e se dá por reproduzido para todos os efeitos de direito, situação a qual só agora tomaram os trabalhadores conhecimento.

9.º– Anteriormente e ao longo dos últimos anos, praticara a requerida variados horários de trabalho, tendo em 2017, mais precisamente, a partir do dia 01/03/2017, passado a trabalhar no regime de laboração de turnos rotativos, é certo, mas com dias de descanso ao sábado e domingo, dias a que só recorria como dia de trabalho, excecionalmente e com recurso a trabalho suplementar, o que permitia que só o praticassem trabalhadores que o desejavam ou não tinham qualquer limitação ou direito que lhes permitisse não o praticar, como é agora o caso das ora 2.ª, 3.ª e 4.ª requerentes.

10.º– Sucede que, no fim do ano findo, a requerida reiterou a intenção de impor a prática do regime de turnos rotativos, mantendo a fábrica, passando a manter a fábrica em efetiva laboração continua, ainda que haja segmentos profissionais e sectoriais a ela não adstritos.

11.º– O que fez a partir do inicio do presente ano, ainda que 262 trabalhadores se tivessem oposto expressamente (embora o repúdio fosse generalizado na empresa) conforme documento que se junta sob o n.º 14 e se dá por reproduzido para todos os efeitos de direito, à entrada em vigor do horário pretendido pelas requerentes e tivessem lançado mão a outras formas de oposição, sem resultado, não tendo a requerida sequer, na organização das escalas, respeitado a cláusula 34.ª-2 do CCT supra indicado, porquanto o quadro geral de dias de descanso fixado tal ordenação não respeita, muito menos permite

12.º– E sem que tivesse ainda concluído o processo de autorização da laboração contínua, em turnos rotativos, existindo apenas uma autorização datada de 1995, publicada no BTE n.º 40, de 20/10/1995 nunca fora esta concretizada, pois não fora efetivamente implementada e tendo, entretanto, caducados, por não exercício, eventuais acordos ou autorizações dadas por trabalhadores à alteração por trabalhadores em contratos individuais de trabalho entretanto celebrados.

13.º– E a UL (Unidade local) de Vila Franca de Xira da ACT deu conhecimento ao (…) onde estão inscritos os requerentes que tinha dúvidas quanto à validade da autorização de 1995, compreensíveis, face às alterações tecnológicas e na organização produtiva da requerida, pelo que não fora despachado favoravelmente o requerimento desta (Doc. 13).

14.º– Do que os requerentes e o Sindicato, aliás, só tomaram integral conhecimento quando recebida a carta da ACT.

15.º– As 2.ª, 3.ª e 4.ª, por não poderem praticar os horários a que estavam obrigados pela requerida requereram a esta que lhes fosse atribuído um horário flexível a marcar por aquela, entre as 08:00horas e as 18:00horas, de segunda a sexta-feira, com dispensa de trabalho ao sábado e domingo, por ser este o período em que podiam trabalhar e manterem-se disponíveis para acompanhar e assistir aos seus filhos, identificados na documentação junta (cfr. Docs. 15 a 20 que se juntam e se dão por reproduzidos para todos os efeitos de direito).

16.º– A requerida opôs-se ao requerido em todos os casos por estas específicas requerentes, conforme documentos juntos aos processos instrutores abaixo mencionados, cuja junção aos autos vão requerer, tendo os pedidos das requerentes sido remetidos pela requerida à apreciação da CITE-Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (adiante designada por CITE), a qual, em decisão fundamentada, negou provimento à intenção de recusa por parte da requerida à pretensão das requerentes com indeferimento pela CITE da oposição manifestada pela requerida.

17.º– Mas a requerida, com expedientes processuais ou sem eles, até esta data, ainda não acolheu a pretensão destas requerentes, negando-lhes o acesso a um horário que lhes permitia compatibilizar a sua vida laboral com a familiar.

18.º– Não tendo o cuidado mínimo de atender a imposições contratuais quanto aos dias de descanso semanal e de organizar os turnos de atender as circunstâncias relevantes que se impõe na vida dos seus trabalhadores, designadamente na necessária, imposta legal e constitucionalmente, conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar.

19.º– Iniciou-se um lamentável procedimento, por parte da requerida, a qual fechou, literalmente, os olhos à circunstância das requerentes (é sempre bom ter presente Ortega e Gasset e o Homem e a sua Circunstância. É que,

20.º– É que se Portugal goza da fama e do proveito de dispor, normalmente, de quadros legais de proteção estruturados e formulados de acordo com as melhores práticas e de procurar informar os interessados dos direitos que lhe assistem mas padece muitas vezes de não efetividade que, quando tem origem ou fonte subjetiva, deve ser, pelos meios adequados, superada ou como se diz na novilíngua, «alavancada».

21.º– E, assim, que fazer se não reclamar a requerente a intervenção de V. Exa? É que,

22.º– Estabelecem, desde logo, as alíneas b) e c) do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa o direitos dos trabalhadores:
b)- À organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar;
c)- À prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;

23.º– E para a densificação, desenvolvimento e concretização destes princípios temos a panóplia de normas, institutos e dispositivos supra referidos e, designadamente, quanto à limitação para horário noturno o artigo 87.º do Código de Trabalho.

24.º– E no plano legal da fixação do horário de trabalho nas circunstâncias específicas da requerente, à entidade patronal, ora requerida, aos legalmente fundados pedidos da requerente, não é lícito dizer: não, porque não!!!!!

25.º– E que na prática representa, além do desrespeito pelos direitos destes requerentes uma violação do principio constitucional de conciliação entre a vida familiar e profissional, previsto no art.º 68.º da CRP.

26.º– Sucede ainda que são continuados os danos e os riscos, mais os danos que os riscos, diga-se, sofridos pelos trabalhadores em regime de laboração contínua, para mais em turnos rotativos.

27.º– É que conforme exposto foi no Documento denominado O Trabalho Noturno e por Turnos enquanto Riscos Psicossociais da iniciativa do Gabinete de Estudos da Ordem de Psicólogos Portugueses, são imensos os riscos e danos psicossociais para os trabalhadores e seus familiares que daqueles resultam. Segundo o texto citado:

28.º– “Os riscos psicossociais constituem, hoje em dia, uma das maiores ameaças à Saúde Física e Mental dos trabalhadores, ao bom funcionamento e produtividade das organizações (sejam elas públicas ou privadas).
Correspondem aos aspetos da organização e da gestão do trabalho, dos contextos sociais e ambientais relativos ao trabalho que têm potenciais efeitos negativos do ponto de vista psicossocial.

29.º– Dentre estes riscos, em termos gerais, é possível enumerar o stresse ocupacional, o assédio (moral e sexual), a violência no trabalho, a síndrome de burnout, a adição ao trabalho, a fadiga e carga mental no trabalho, assim como o trabalho noturno e o trabalho por turnos.

30.º– O stresse ocupacional ocorre quando alguém sente que as exigências do seu papel profissional são maiores do que as suas capacidades e recursos para realizar o trabalho. Também é possível experienciar stresse ocupacional quando, pelo contrário, as exigências e expetativas sobre o desempenho são poucas ou nenhumas (BHESHIFAR & NAZARIAN, 2013).

31.º– Os sinais típicos de stresse no trabalho incluem sintomas físicos (como cansaço, aperto no peito, indigestão, dor de cabeça, dores musculoesqueléticas, alterações do apetite e do peso, alterações do sono e da vigília, acidentes de trabalho) e psicológicos (irritabilidade, ansiedade, indecisão, desmotivação, dificuldades de concentração, isolamento ou agressividade, alterações de humor, alterações nas funções executivas com dificuldades em tomar decisões, bem como diminuição da capacidade para o trabalho) (WHO, 2010, BICKFORD, 2005).

32.º– Embora nem sempre o stresse seja algo negativo (por exemplo, quando temos um trabalho para entregar o stresse pode manter-nos alerta e focados), só é algo positivo quando dura pouco tempo. Embora o stresse não seja uma doença, quando o stresse se prolonga longos períodos de tempo, podem desenvolver-se problemas de saúde psicológica como a depressão ou a ansiedade.

33.º– Diversas situações podem provocar stresse no trabalho, entre as quais o trabalho noturno ou por turnos (BICKFORD, 2005).

34.º– O stresse ocupacional explica mais de metade das faltas ao trabalho e é o segundo problema de saúde relacionado com o trabalho mais reportado na Europa, afetando quase 1 em cada 3 trabalhadores (EUROPEAN COMISSION, 2002). De acordo com o EUROBAROMETER (2014) o stresse laboral é considerado o principal risco psicossocial, sendo indicado por 53% dos trabalhadores europeus. Um estudo publicado em 2013 – EUROPEAN OPINION POLL ON OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH – revela que “Portugal está classificado como o terceiro país europeu com a maior proporção de trabalhadores que diz que o stresse relacionado com o trabalho é “muito comum” (28%), quase o dobro da média na Europa (16%).

35.º– Actualmente, ganham particular relevância os riscos psicossociais associados à ausência de fronteiras entre o trabalho e o lazer, assim como a dificuldade em equilibrar a vida pessoal, familiar e profissional, como é o caso do trabalho noturno e do trabalho por turnos. É que,

36.º– Nas últimas décadas assistimos ao desenvolvimento de novas tecnologias e à extensão dos serviços à população que requerem uma assistência humana contínua e o controlo dos processos de trabalho durante as 24h do dia. Este fenómeno também está associado à crescente competitividade económica e à globalização do mercado de trabalho.

37.º– As estatísticas recentes indicam que grande parte da população ativa tem horários de trabalho irregulares, que incluem o trabalho noturno e por turnos. Esta diversificação do horário de trabalho devia contribuir para o aumento da qualidade de vida, sem interferir com a saúde e o bem-estar dos colaboradores. No entanto, em muitas situações, não é este o caso.

38.º– O trabalho noturno e por turnos interfere, negativamente, com o bem-estar dos colaboradores (Costa, 2010):
Alterações nos ritmos circadianos e perturbações do sono. A alteração forçada daquele que é o ritmo natural diurno do ser humano, pode causar grande stresse fisiológico e problemas de saúde, nomeadamente, fadiga, sonolência, insónia, problemas digestivos, irritabilidade, dificuldades cognitivas e perturbações no sono (que sofre em quantidade e em qualidade).
Problemas de Saúde Psicológica. Constituem queixas frequentes entre os colaboradores que trabalham à noite ou por turnos a irritabilidade, a ansiedade, a depressão e as dificuldades em equilibrar a vida profissional com a vida familiar e social, nomeadamente com a parentalidade. A existência destes ou de outros Riscos Psicossociais pode contribuir para o desenvolvimento de problemas de Saúde Psicológica no trabalho, É frequente presumir-se que os problemas de Saúde Psicológica dos colaboradores se desenvolvem fora do local de trabalho. No entanto, um Local de Trabalho pouco saudável causa níveis consideráveis de stresse que exacerbam ou provocam o desenvolvimento de problemas de Saúde Psicológica. Os problemas de Saúde Psicológica podem afetar a forma como os colaboradores sentem, pensam e agem, interferindo na sua capacidade de realizar algumas tarefas ou manter relações com os outros. Existem diferentes graus de gravidade e tipos problemas de Saúde Psicológica. Alguns dos mais conhecidos e mais comuns entre os colaboradores das diversas organizações são a Depressão e a Ansiedade. Por exemplo, Angerer et al. (2017) realizaram uma revisão sistemática de estudos concluindo que entre colaboradores que faziam turnos noturnos o risco de depressão aumentava 42%. Se assumirmos que, numa empresa, a prevalência da Depressão é equivalente à da população portuguesa, ou seja 6,8% (Almeida & Xavier, 2013) e tomarmos como pressuposto que, em média, cada colaborador a tempo inteiro, com uma depressão que não seja tratada, custa à organização € 8.794, por ano (Hilton, 2004), então uma empresa com 250 colaboradores pode ter 17 colaboradores com uma Depressão que, se não for tratada, custará à empresa cerca de € 149 500, por ano.

39.º– As 2.ª, 3.ª e 4.ª entendem estarem os direitos que visam acautelar com esta providência garantidos pela providência requerida, mas admitem que seja os seus direitos específicos acautelados pela atribuição de um horário específico para todos os trabalhadores nas mesmas circunstâncias.

40.º– Pelo que requerem a V. Exa se digne ordenar a suspensão dos horários fixados pela requerida com vista a obter desta que se abstenha de continuar a praticar um horário por turnos rotativos, em laboração continua, não autorizado e em violação da cláusula 34.ª-2 do CCT e a impor às 2.ª, 3.ª e 4.ª requerentes horários incompatíveis com as responsabilidades familiares que lhes cabem e ainda para atribuir a estas um horário compatível com o que nos termos do artigo 56.º e seguintes do Código de Trabalho haviam requerido, com indeferimento pela CITE da oposição manifestada pela Requerida.

Dos Requisitos do Procedimento Cautelar:

41.º– São requisitos do procedimento cautelar, a probabilidade seria da existência do direito invocado (Fumus Boni Iuris), o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito e que o prejuízo resultante da providência não seja superior ao dano que se pretende evitar, assim,

Do Fumus Boni Iuris e do Periculum in Mora:

42.º– A posição da requerida ao impor a prestação de trabalho em horário de laboração continua sem qualquer dia de paragem na produção viola as disposições convencionais, legais e constitucionais acima referidas.

43.º– As requerentes, para lá de verem preenchidos os fundamentos legais da sua pretensão.

44.º– Vêm a sua situação agravar-se dia a dia, pelas condições de trabalho impostas agravadas pelos horários que a obrigam a praticar.

45.º– Tudo acentuado pela impossibilidade em que se veem de dar adequado apoio aos filhos de acordo com as necessidades destes no caso das requerentes acima identificados.

Do Periculum in Mora:

46.º– O procedimento cautelar em causa ao ser decretado não causa prejuízo superior aos danos que se pretende evitar, pois a Requerida continua a poder organizar a sua produção de acordo com as suas necessidades e pode sem dificuldade excecionalmente agravada conciliar os horários em ordem a satisfazer as legítimas pretensões dos requerentes.

Da Isenção de Custas Judiciais:

47.º– Os requerentes, enquanto trabalhadores por conta alheia e sindicalizados, reúnem as condições para lhes ser concedida a isenção de taxas e custas, ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1 alínea h) do Regulamento de Custas Processuais – Documentos n.ºs 21 a 26.

48.º– Cumprem, assim, os requerentes os requisitos para estarem isentos de taxas e custas, para além de preencher os respetivos pressupostos económicos e de rendimentos possuir assistência judicial por parte do Sindicato onde se encontram filiados.»
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O 6.º Requerente FFF, na sequência da situação descrita no despacho judicial de fls. 169, datado de 7/6/2019, veio desistir da instância, nos termos de fls. 170 a 172, desistência essa que foi homologada por despacho de fls. 173 e 174, com data de 21/6/2019, onde também se determinou a audição da Requerida, se admitiu parcialmente o rol de testemunhas, se deferiu as diligências de prova junto da CITE e da ACT e se marcou data para a Audiência Final. (Final do I Volume)
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A CITE veio juntar a fls. 183 a 292 a documentação requerida pelos demandantes, tendo a ACT apresentado o ofício de fls. 293, onde informa já não ter no seu arquivo os documentos solicitados.    
*

Citada a Requerida a fls. 296, através de carta registada com Aviso de Receção, veio a mesma deduzir oposição, a fls. 298 a 343, nos seguintes moldes:

«GGG.”, Requerida nos autos de procedimento cautelar comum, que lhe move “AAA e outras”, citada para o efeito vem apresentar a sua OPOSIÇÃO

1.º- O presente procedimento cautelar é totalmente descabido e carecido de qualquer fundamento legal ou sério, como adiante se demonstrará.
I– DOS ALEGADOS FUNDAMENTOS PARA O PROCEDIMENTO CAUTELAR REQUERIDO
2.º- Desde logo importa referir que apenas corresponde à verdade o alegado pelas Requerentes nos art.ºs 1.º, 2.º, e 4.º do requerimento inicial, impugnando-se o restante articulado por falso ou distorcido conforme melhor demonstrará.
3.º- Com efeito, e ao invés do alegado no art.º 6.º do requerimento inicial apresentado, as ora Requerentes (1.ª a 5.ª uma vez que o 6.º Requerente já não é parte nos presentes autos) não pautaram a sua relação profissional com a Requerida sem incidentes relevantes ou qualquer ocorrência anómala do ponto de vista laboral.
4.º- As situações que eventualmente tenham existido nos últimos anos e que criaram alguma agitação social no seio da Requerida, muitas foram instigadas pela 1.ª Requerente AAA.
5.º- Alegam as Requerentes que, no final do ano de 2018, a Requerente passou a trabalhar em horário de turnos rotativos, o que desde já se refere não corresponder à verdade porque há muito que existem turnos rotativos de 2.ª a 6.ª feira.
6.º- Na verdade, o novo horário de trabalho em regime de laboração contínua aplicável a toda a área de produção da fábrica da Requerente teve início em 02 de janeiro de 2019) ora junto como Doc. n.º 1, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) e foi precedido de uma exaustiva fase de diálogo e tentativa de negociação com as estruturas sindicais representativas dos trabalhadores da Requerida, nomeadamente com a solicitação de apresentação de outros esquemas horários que fossem considerados mais benéficos para os trabalhadores.
7.º- Trata-se de um horário de trabalho que foi sujeito a votação pelos trabalhadores e escolhido por maioria em detrimento de outro que estabelecia outra rotação de equipas e que garantia o gozo de descanso consecutivo ao sábado e domingo uma vez por mês.
8.º- Aliás, o horário de trabalho em vigor a partir de janeiro de 2019, é igual ao aplicado na linha de (…) desde outubro de 2017.
9.º- Importa igualmente evidenciar que a Requerida sempre pautou e continua a pautar a sua atividade pelo estrito cumprimento da legislação aplicável, pelo que ao funcionar em laboração contínua pelo menos desde 2008, fê-lo munido das necessárias autorizações, que continuam plenamente válidas ao invés do alegado pelas Requerentes no art.º 8.º do requerimento inicial.
10.º- Aliás, como seguramente as Requerentes bem sabem, e não podem ignorar, a Requerida teve pelo menos desde 2008 uma área de produção a funcionar em regime de laboração contínua.
11.º- Inclusivamente desde março e outubro de 2017, que a Requerente tem regimes de horários de laboração contínua na área de (…) e (…), respetivamente, conforme Doc. n.ºs 2 e 3 que ora se juntam e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido.
12.º- Nestes horários, diversamente do alegado no art.º 9.º do requerimento inicial, os sábados e domingos não configuram dias de descanso obrigatório.
13.º- De referir ainda que, do referido doc. n.º 13 junto pelas Requerentes, cujo conteúdo a Requerente impugna uma vez que o mesmo não tem a faculdade de provar nada do que é alegado no art.º 8.º do requerimento inicial, não se retira, como não se poderia retirar o alegado reconhecimento pela ACT da inexistência das “autorizações necessárias” para a laboração contínua.
14.º- Acresce que nesta carta da ACT, junta como Doc. n.º 13, apesar de não constar qualquer data, a Requerente tem conhecimento que a mesma foi afixada há vários meses nas suas instalações para dar a devida “publicidade” pelo sindicato e agitar ainda mais os ânimos dos trabalhadores contra a iniciativa da Requerida.
15.º- Do referido documento, repete-se, não consta que a Requerida labora sem possuir a autorização de laboração contínua, nem que existem “dúvidas quanto à validade da autorização de 1995”.
16.º- Resulta do mencionado documento é que “foi solicitado novo parecer a nível superior sobre a autorização de laboração contínua” e que a ACT irá prestar informação do resultado do parecer ao sindicato (supõe a Requerida, uma vez que a carta não tem destinatário identificado).
17.º- Aliás, se existisse por parte da ACT mínima suspeita de que a Requerida se encontrava numa situação de ilegalidade relativamente à falta de autorização, já teriam há muito avançado com o competente processo de contraordenação, o que não se verificou.
18.º- Em mais uma tentativa de criar um cenário nebuloso de ilegalidade cometidas pela Requeridas, as Requerentes vêm juntar um “abaixo assinado”, do qual não é sequer possível apurar o número de trabalhadores que efetivamente o assinaram uma vez que não percetível.
Importa igualmente atentar no teor do E-mail que a (…) remeteu em 16 de janeiro de 2019 para a Requerida, de onde se retira que a laboração contínua não constituía um problema, o que queriam era discutir as contrapartidas, financeiras sobretudo, desse regime (cfr. Doc. n.º 4 que ora se junta e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido).
19.º- Ignoram, ou preferem ignorar, que os trabalhadores quando celebraram os respetivos contratos de trabalho, derem a sua concordância à prestação de trabalho em regime de turnos e especificamente ao regime de laboração contínua.
20.º- Atente-se, para esse efeito, nos contratos de trabalho das 2.ª a 5.ª Requerentes, cuja cópia se junta como docs. n.ºs 5 a 8 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
21.º- Assim, se verificarmos o disposto na Cláusula Quinta dos referidos contratos de trabalho, as trabalhadoras, ora 2.ª a 5.ª Requerentes obrigaram-se a “trabalhar em regime de turnos ou laboração contínua, sempre que para tal solicitado pela” Requerida.
22.º- Também o contrato de trabalho da 1.ª Requerente, determina que “o horário de trabalho será o praticado onde o segundo outorgante prestar serviço” (cfr. Doc. n.º 9 que ora se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
23.º- Ou seja, nenhuma das Requerentes teve previsto um horário de trabalho unilateralmente acordado que coloque em causa a implementação de um regime de laboração contínua.
24.º- Acresce que ao invés do afirmado pelas Requerentes não existe qualquer proibição para a implementação de um regime de laboração contínua no CCT aplicável.

25.º- Na verdade, nos termos da Cláusula 34.ª do CCT aplicável (Descanso Semanal):
“1– Considera-se dia de descanso semanal obrigatório, o domingo, o dia previsto na escala de turnos rotativos sendo o sábado considerado como dia de descanso complementar. Todos os restantes dias serão considerados como úteis, com exceção dos feriados.
2– Quando o trabalho for prestado em regime de laboração contínua o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham, em média, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo”.

26.º- Ora, a Requerida cumpre, de forma escrupulosa, todas as regras respeitantes a concessão dos dias de descanso semanal aos seus trabalhadores, designadamente àqueles que se encontram em laboração contínua. Com efeito,
27.º- Atento o disposto na mencionada cláusula 34.ª do CCT outorgado entre a (…) e a (…), publicado no BTE n.º 17, de 2010, conjugada com o vertido no nº 3 da cláusula 22.ª do mesmo CCT, constata-se prever a convenção, no caso de existir um regime de laboração contínua, a atribuição obrigatória de um dia de descanso semanal, que será o previsto na respetiva escala.
28.º- Resulta da referida cláusula 34.ª, n.º 1 que existindo turnos rotativos considera-se dia de descanso semanal obrigatório o dia previsto na escala de turnos rotativos.
29.º- Acresce que, sendo prestado trabalho em regime de laboração contínua não consta sequer do CCT qualquer obrigatoriedade na concessão de dia de descanso semanal complementar, aliás em consonância com o disposto no art.º 232.º do Código do Trabalho.
30.º- Apenas nas situações em que o trabalho é prestado em regime de trabalho normal e não de turnos, é que o CCT impõe o gozo de um dia de descanso complementar (cfr. Cl.ª 34.ª, n.º 1 do CCT).
31.º- O alcance do nº 2 desta cláusula 34.ª, ao prever que os trabalhadores, em média, gozem em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivo, devendo coincidir, no máximo de quatro semanas com o sábado e o domingo, impõe que se verifiquem, desde logo, sete dias de trabalho.
32.º- Ou seja, para que se verifique a consequência estabelecida no n.º 2 da Cláusula 34.ª do referido CCT têm de existir sete dias de trabalho.
33.º- Não sendo praticados tais sete dias de trabalho e sendo, portanto, de menor grau a penosidade da prestação laboral, num regime com especial compensação remuneratória, não tem de ser praticada a dupla exigência supra referida.
34.º- Esta foi, precisamente, a interpretação da cláusula feita pela (…), associação de empregadores que outorgou o CCT em análise e que contribuiu para a redação da referida disposição, que não mereceu qualquer alteração à sua redação inicial.
35.º- O n.º 1 da cláusula 34.ª não prevê para o regime de laboração contínua o domingo como dia de descanso: repete-se, nos termos desta cláusula considera-se “dia de descanso semanal” “o dia previsto na escala de turnos rotativos”.
36.º- Estabelece-se que, em regime de laboração contínua, o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham em média, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos, e que, no máximo de quatro em quatro semanas devem coincidir com o sábado e o domingo.
37.º- Se atentarmos na escala de laboração contínua praticada pela empresa (cfr. cit. Doc. n.º 1), podemos verificar que, em termos médios anuais, os trabalhadores da fábrica em regime de laboração contínua descansam com muita frequência dois dias consecutivos e gozam dois fins-de-semana em cada dois meses, algo que porventura antes deste regime de trabalho não sucedia atendendo ao numero de horas de trabalho suplementar que muitas vezes era feito incluindo ao fim de semana).
38.º- Aliás, os dias de descanso previstos na escala não correspondem a todos os dias de descanso dos trabalhadores, podendo inclusivamente existirem folgas precedidas de 4 dias de trabalho.
39.º- Importa igualmente referir que a Requerida aplicou este regime de laboração contínua, três turnos rotativos de segunda a domingo, na linha de (…), desde 02 de outubro de 2017 a dezembro de 2018 (cfr. cit. Doc. n.º 3).
40.º- Tendo inclusivamente sido alvo de uma visita inspetiva da ACT em 25 de outubro de 2017, sem que tenha daí derivado qualquer processo contraordenacional.
41.º- Aliás, tais escalas em vigor desde 2017, não mereceram nessa altura qualquer questão de ilegalidade por parte dos sindicatos ou das oras Requerentes em concreto, o que permitira concluir, salvo melhor opinião que as partes reconheceram a legalidade do horário há dois anos.
42.º- Em face do que antecede não pode pois, face à letra do n.º 2 da Cláusula 34.ª mencionada, daqui resultar a exigência de descansos semanais consecutivos, ao invés do afirmado pelas Requerentes.
43.º- Aliás no entendimento da (…), os dias de descanso consecutivos só são obrigatórios quando existam sete dias de trabalho, pois essa é a situação de maior penosidade associada a uma organização de trabalho em contínuo. Na escala em vigor na Requerida existem, como se disse, descansos antecedidos de quatro dias de trabalho.
44.º- Assim, impugna-se o vertido no art.º 11.º do requerimento inicial, por totalmente infundado.
45.º- O mesmo se diga do alegado no art.º 12.º do requerimento inicial, porquanto alegam as Requerentes que a autorização para laboração contínua da Requerida publicado no BTE n.º 40, de 20 de outubro de 1995, “nunca fora concretizada” pois não “fora efetivamente implementada, tendo caducado,” por não exercício, eventuais acordos ou autorizações dadas por trabalhadores em contratos de trabalho entretanto celebrado”.
46.º- Este artigo reúne inúmeras inverdades que não podem deixar a Requerida senão perplexa com a desfaçatez com que se escreve algo semelhante.
47.º- Desde logo, a alegada falta de implementação da laboração contínua na empresa que desde 2008 mantém uma parte da sua atividade produtiva neste regime de funcionamento, como atrás se referiu.
48.º- Aliás, a 5.ª Requerente EEE, que iniciou o seu contrato de trabalho na empresa (…), S.A. e que no ano de 2008 foi integrada na Requerida sempre conheceu uma área de trabalho da Requerida em regime de laboração contínua e que corresponde à área que produz a massa “(…)”.
49.º- Vir agora alegar que a Requerida nunca implementou um regime de laboração contínua é algo que não pode deixar de ser condenado e que toca a má-fé.
50.º- Acresce que, os contratos de trabalho, como se disse, previam a possibilidade de as Requerentes prestarem trabalho em regime de turnos e laboração contínua pelo que não será a circunstância de não existirem mais linha a funcionar neste regime que retira qualquer eficácia àquelas previsões contratuais.
51.º- Deste modo se impugna o teor dos artigos 11.º a 14.º do requerimento inicial, por falso ou distorcido.
52.º- Não contentes com o conjunto de inverdades vertidas no requerimento inicial apresentado, as Requerentes vieram ainda utilizar o argumento dos pedidos de flexibilidade apresentados por três delas para tentarem justificar a presente providência cautelar e sobretudo o seu decretamento. Mais uma vez sem qualquer fundamento ou razão.
53.º- Na verdade, a 2.ª, 3.ª e 4.ª Requerentes apresentaram à Requerida pedidos de flexibilidade de horários de trabalho, nos termos dos art.ºs 56.º e 57.º do Código do Trabalho.
54.º- A Requerida manifestou, nos prazos legalmente definidos, a sua intenção de recusa com fundamento em necessidades imperiosas do funcionamento da mesma.
55.º- Posteriormente, e nos prazos previstos no art.º 57.º do Código do Trabalho remeteu todos os processos para a CITE, a fim de esta entidade proferir parecer favorável ou não à intenção de recusa da Requerida.
56.º- Uma vez que os pareceres da CITE foram desfavoráveis à intenção de recusa da Requerida, relativamente às 2.ª e 3.ª Requerentes, esta apresentou, igualmente nos termos legais, reclamação do ato administrativo para a presidente daquela entidade de modo a tentar que existisse uma alteração no sentido decisões tomadas.
57.º- Sucede que, face à manutenção dos pareceres desfavoráveis à intenção de recusa da Requerida relativamente aos pedidos de flexibilidade de horários apresentadas pelas 2.ª e 3.ª Requerentes, não restou outra alternativa à Requerida que não fosse a alteração dos horários de trabalho destas trabalhadoras de acordo com a flexibilidade requerida.
58.º- Apresentando posteriormente em tribunal a ação prevista no n.º 7 do art.º 57.º do Código do Trabalho, aguardando neste momento o seu ulterior processamento.
59.º- Porém, no que respeita à 4.ª Requerente a CITE veio a considerar existir fundamento para a recusa na atribuição do horário de trabalho flexível, não estando por essa via a Requerida obrigada a proceder a qualquer alteração de horários (cfr. decisão da CITE cuja cópia se junta como Doc. n.º 10 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
60.º- Assim, e porque desde 01 e 10 de julho de 2019, respetivamente que as 2.ª e 3.ª Requerentes estão a prestar trabalho de acordo com a flexibilidade de horário solicitada, e que relativamente à 4.ª Requerente a CITE considerou existir fundamento para a recusa na atribuição deste tipo de horário, não vislumbra a Requerida qualquer fundamento para a apresentação da presente providência cautelar bem como para o seu decretamento.
61.º- Deste modo se impugna o vertido nos art.ºs 15.º a 19.º do requerimento inicial, sendo os restantes art.ºs 20.º a 38.º um arrazoado de citações de um alegado estudo sobre trabalho por turnos totalmente fora do contexto do que uma providência cautelar visa, sabendo-se contudo neste momento que nenhum fundamento existe para que a mesma mereça qualquer provimento.
62.º- Em face do que antecede, não poderá deixar de ser totalmente improcedente o procedimento cautelar requerido porquanto nenhuma violação legal ou convencional se verifica na implementação do regime de laboração contínua a toda a fábrica da Requerida e por outro lado, a Requerida encontra- se a atribuir às 2.ª e 3.ª Requerentes desde dia 01 e 10 de julho que se encontram a prestar trabalho no horário flexível que pretenderam e que a 4.ª Requerente viu a recusa da atribuição deste horário fundamentada.

II.DA FALTA DE REQUISITOS LEGAIS DO PROCEDIMENTO CAUTELAR REQUERIDO
63.º- As Requerentes lançaram mão dos autos de procedimento cautelar comum com vista ao deferimento das suas pretensões. Porém, e salvo melhor opinião não se encontram preenchidos os requisitos para seja decretada a presente providência cautelar.
64.º- Desde logo, o procedimento cautelar comum constitui um meio processual destinado a obter uma decisão conservatória ou antecipatória que permita afastar o justo receio de que alguém se possa ver prejudicado pela conduta de um terceiro suscetível de causar lesão a um seu direito.
65.º- Ora, no caso vertente para além de nenhuma violação de direitos das Requerentes se verificar, uma vez que, a Requerida com a aplicação do regime de laboração contínua a toda a fábrica não violou qualquer disposição legal ou convencional, conforme referido nos art.ºs 27.º a 43.º e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

66.º- Os artigos 362.º e 368.º do Código de Processo Civil, na parte que interessa nos presentes autos, estatuem o seguinte:

Art.º 362.º– Âmbito das providências cautelares

1Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3 (…)

Art.º 368.º Deferimento e substituição da providência

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
2- A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
3- (…)

67.º- Isto é, a solicitação de medidas cautelares não especificadas depende essencialmente da verificação de dois requisitos, nos termos dos mencionados artigos do Código de Processo Civil:
(i)- A aparência ou verosimilhança de um direito do requerente carecido de tutela (fumus boni iuris);
(ii)- Verificação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada (periculum in mora).

68.º– Como bem refere Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil – 5. Procedimento Cautelar Comum”, vol. III, 4.ª ed. Revista e atualizada, Almedina. 2010, p. 99:

Partindo do modo como vem regulada a matéria, o decretamento de providências não especificadas está dependente da conjugação dos seguintes requisitos:
a)- Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b)- Fundado receio e que outrem, antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão e dificilmente reparável a tal direito;
c)- Adequação da providência a situação de lesão iminente;
d)- Não existência de providência específica que acautele aquela situação de perigo”.

69.º– Assim, se atentarmos na matéria factual trazida pelas Requerentes facilmente concluímos que não se encontram preenchidos os requisitos que a lei impõe para o decretamento da presente providência cautelar.
70.º– Desde logo, aparência ou verosimilhança de um direito do requerente carecido de tutela.
71.º– Com efeito, do atrás exposto e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, não existe qualquer violação de normas legais ou convencionais relativamente à laboração contínua estendida a toda a fábrica em 02 de janeiro de 2019.
72.º– A empresa tem uma autorização de laboração contínua plenamente válida e os horários de trabalho em vigor cumprem escrupulosamente o disposto na convenção coletiva aplicável.
73.º– Acresce que o regime de laboração contínua que foi estendido a toda a fábrica em 02 de janeiro de 2019, já era praticado desde março de 2017 numa das suas linhas de produção - linha (…) – e que vigorou até dezembro de 2018.
74.º– Posteriormente, em outubro de 2017 a requerida estendeu a laboração contínua a outra linha de produção – a linha de (…) – tendo este regime durado também até dezembro de 2018, sendo aplicável a 71 colaboradores associados àquela linha de produção.
75.º– Foi precisamente a mesma escala em vigor para a linha de (…) que a Requerida estendeu a toda a fábrica, em janeiro de 2019, por opção votada por todos os trabalhadores.
76.º– Ora, muito se estranha que, operando a empresa em duas linhas de produção ((…) e (…)) desde 2017, para não falar da área de doces, que labora em regime de laboração contínua na Requerida desde 2008, nunca tenha sido levantada pelas Requerentes ou pelo sindicato onde estão filiadas qualquer questão relacionada com as eventuais “ilegalidades” que agora passado todo este tempo vieram, segundo, elas a tomar conhecimento (!).
77.º– Acresce que, a alegação feita pelas Requerentes de que veem “a sua situação agravar-se dia a dia, pelas condições de trabalho impostas agravadas pelos horários que a obrigam a praticar” é absolutamente falsa.
78.ºDesde logo, com a prestação de trabalho no regime de laboração contínua, as Requerentes deixaram de prestar as horas de trabalho suplementar que impediam o gozo de inúmeros dias de descanso.
79.ºSem que nessa altura, existisse qualquer reclamação por parte das Requerentes relativamente ao número de horas de trabalho suplementar que tinham de fazer, sucedendo inclusivamente situações em que eram as próprias Requerentes que reclamavam para prestar este tipo de trabalho em acréscimo.
80.º Ademais, e como atrás se referiu, as 2.ª e 3.ª Requerentes encontram-se desde julho de 2019 a prestar trabalho no regime de flexibilidade de horário por elas requerida.
81.ºDeste modo, estando o regime de laboração contínua aplicável a toda a fábrica em vigor desde 02 de janeiro de 2019, e tendo a empresa prestado informação dos mesmos a todos os trabalhadores muito tempo antes da sua implementação, como podem vir agora as Requerentes invocar o justo receio de que a sua manutenção cause lesão grave e dificilmente reparável e que o prejuízo resultante da providência cautelar não seja superior ao dano que se pretende evitar.
82.ºAcresce que, como é entendimento generalizado na doutrina e jurisprudência, é pressuposto do procedimento cautelar comum, para além de outros, o fundado receio de que seja causada por outrem ao requerente lesão grave e irreparável a um direito, o que significa que o titular do direito se deve encontrar face a simples ameaças ao direito que pretende salvaguardar.
83.ºOra, caso se viesse a admitir, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, que existe alguma violação de direito por parte da Requerida relativamente às Requerentes, sempre a mesma já se teria consumado, atendendo ao período temporal já decorrido desde a implementação do regime de laboração contínua a toda a fábrica.
84.º Assim, “se a lesão já ocorreu então a providencia deixa de ter qualquer efeito útil, porque não há como evitar ou acautelar um prejuízo que já se produziu” (cfr. Ac. Relação de Coimbra de 20.02.2003, in www.dgsi.pt).

85.ºNo mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão datado de 23 de maio de 2005, Proc. n.º 575/2007-4 e disponível em www.dgsi.pt, do qual se retira a seguinte passagem:
A providência cautelar não especificada destina-se a prevenir o perigo de lesão do(s) direito(s) que o requerente invoca e não a repará-lo(s). Visa o risco de lesão futura e não a lesão já consumada. (sublinhado nosso) [[1]]

86.º Deste modo, também o requisito da verificação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada, não se encontra preenchido, não podendo também por esse motivo ter a presente providência qualquer provimento.

87.ºAcresce que, sempre a presente providência terá de ser indeferida porquanto a sua decretação traria prejuízos para a Requerida substancialmente superiores ao dano que as Requerentes pretendem evitar.

88.º Na verdade, a extensão da laboração contínua a toda a fábrica no início de janeiro de 2019 teve como pressuposto a satisfação de necessidade imperiosas de produção da Requerida que previa um crescimento de 9% dos volumes quando comparados com o ano anterior.

89.º A manutenção da fábrica a laborar apenas cinco dias por semana limitava manifestamente as linhas de produção.

90.º Apor outro lado, a Requerida não poderia fazer face a este aumento de produção com a realização de trabalho suplementar uma vez que o mesmo não poder ser prestado para satisfazer necessidades estruturais das empresas, mas sim situações excecionais.

91.ºCaso a laboração contínua viesse a ser eliminada, a viabilidade futura da requerida seria posta em causa uma vez que o grupo onde a mesma se insere acabaria por deslocalizar a sua produção para outras unidades no estrangeiro onde este regime de produção existe.

92.ºCom todas as consequências daí decorrentes e necessariamente com a eliminação de grande parte ou de mesmo de todos os postos de trabalho existentes.

93.º Deste modo, em face do que antecede, não deverão ser considerados preenchidos os requisitos legais do procedimento cautelar comum apresentado.

94.º Concluindo apenas se aceita o alegado nos artigos 1.º, 2.º, e 4.º do requerimento apresentado, impugnando-se todo o demais articulado, por falso ou distorcido, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve a providência cautelar requerida ser indeferida, considerando-se a presente oposição totalmente procedente por provada, com todos as consequências legais daí decorrentes.»
*

O  Sindicato (…) veio, em 12/6/2019, instaurar também uns autos de procedimento cautelar comum contra a GGG no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo do Trabalho de Santarém – Juiz 2, aos quais foi atribuído o número de processo 1617/19.5T8STR, sendo alegado e requerido o seguinte nos mesmos:

«I — DA LEGITIMIDADE
1- A requerente é uma associação sindical constituída pelos trabalhadores nela filiados que exerçam a sua atividade profissional em qualquer ramo da indústria alimentar, bebidas e tabacos.
2- O Sindicato exerce a sua atividade nos distritos de Beja, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Leiria, Lisboa, Portalegre, Santarém, Setúbal e Ilhas, e tem a sua sede em Santarém.
3- Os seus estatutos foram devidamente publicados no BTE, 3.ª Série, n.º 10 de 30 de Maio de 1995, com a última alteração aprovada em 27 de Março de 2014, registada em 23 de Abril de 2014 e publicada no BTE n.º 18 de 15 de Maio de 2014.
4- A Requerida é uma sociedade comercial que tem por objeto a indústria e comércio de bens alimentares e quaisquer atividades conexas.
5- A requerente tem filiados 115 trabalhadores da requerida, pelo que, nos termos para os efeitos do art.º 5.º do CPT, é parte legítima no que concerne aos direitos e interesses coletivos dos seus associados.
6- As relações de trabalho existentes entre requerida e seus trabalhadores são reguladas pelo CCT para a Indústria de Batata Frita, Aperitivos e Similares publicado no BTE n.º 17 de 08 de Maio de 2010. 

II–DOS FACTOS
7- Para uma melhor compreensão da presente procedimento importa desde já referir que o mesmo se prende com a implementação por parte da requerida do regime de laboração contínua, e
8- Consequentemente a implementação de um novo horário de trabalho, extensível a todos os trabalhadores, com laboração ao fim de semana, em violação do constante no Contrato Coletivo de Trabalho. Assim,
a)- Da implementação da laboração contínua
9- Em meados de Novembro de 2018, sem que nada o fizesse prever, foram os trabalhadores da requerida informados que a partir do dia 02 de Janeiro de 2019 a empresa iria implementar o regime de laboração contínua.
10- Alegou a empresa que tal situação se prendia com o facto de haver um aumento significativo na sua produção que tornava necessária a implementação deste regime, e consequentemente uma reorganização dos horários de trabalho de todos os seus colaboradores.
11- Perante a contestação dos trabalhadores, representados pela aqui requerente, a requerida apresentou como prova da legalidade da sua ação uma autorização de laboração continua publicada no BTE n.º 40 de 29 de Outubro de 1995. - Doc. n.º 1
12- E aqui chegamos ao 1.º problema que leva a apresentação do presente procedimento, e que a requerente tem serias dúvidas sobre a legalidade e validade temporal da referida autorização, desde logo porque

13- A autorização de laboração contínua encontra-se completamente desatualizada, pois os pressupostos da sua concessão retroagem a 1995, data em que foi emitida. Se não vejamos:

14- A referida autorização foi emitida com os seguintes pressupostos (cfr. doc. n.º 1):
1)- Que não existe conflitualidade na empresa;
2)- Que os trabalhadores envolvidos no regime de laboração pretendido serão admitidos para esse efeito;
3)- Que o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável não veda o regime pretendido, e
4)-  Que se comprovam os fundamentos aduzidos pela empresa.

15- Ora, se analisarmos todos estes pontos, que estiveram na motivação da emissão da autorização, constatamos que apenas o ponto 3 se encontra em vigor na presente data, e isto porque:

16- Existe conflitualidade na empresa relativamente à implementação deste novo regime, foram realizadas duas greves e dois abaixo assinados com mais de 500 assinaturas por parte dos trabalhadores, contra a laboração contínua;

17- A empresa não contratou um único trabalhador para este novo regime, e

18- Desconhecem-se os fundamentos aduzidos pela empresa uma vez que todo o processo está desaparecido (tem 23 anos) encontrando-se o ACT a diligenciar sobre o paradeiro da documentação que serviu de base a autorização, por outro lado.

19- Também os argumentos utilizados pela empresa para com os seus trabalhadores (aumento da produtividade) são falsos, como motivo de implementação do regime de laboração contínua.

20- Sem pôr em causa um acréscimo da produtividade da empresa, a verdade é que a implementação deste regime horário tem apenas e tão só um único fundamento.

21- A tentativa de, da forma menos dispendiosa, pôr termo às constantes violações nos limites máximos de tempo de trabalho legalmente permitidos por parte da requerida.

22- É que, perante a constatação deste facto, a empresa tinha duas obrigações:
22.1- Contratar mais trabalhadores, o que só tem feito em regime de trabalho temporário, e
22.2- Pagar o trabalho suplementar prestado de acordo com o previsto no CCT.

23- Todavia, em termos financeiros, constatou a requerida ser menos dispendioso ir "buscar a gaveta" uma autorização nunca utilizada, com 23 anos de idade, traduzindo-se a mesma num imensurável prejuízo pessoal para os seus trabalhadores, como aliás adiante se demonstrará.

24- Assim, e concluindo, a primeira pretensão da requerente é a suspensão imediata da aplicação do regime de laboração contínua porquanto os pressupostos que estão na génese do mesmo não foram cumpridos.

25- Acresce que, nem com a aplicação do regime de laboração contínua, a requerida consegue cumprir com o legalmente estabelecido no CCT no que concerne aos horários de trabalho, o que nos leva à segunda razão do presente procedimento.
b)- Da violação dos limites máximos de horários de trabalho

26- Estipula o n.º 2 da cláusula 34.ª do CCT que: "Quando o trabalho for prestado em regime de laboração continua o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham, em media, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo". - sic c/ sublinhado nosso

27- Com a implementação do regime de laboração contínua, conforme se referiu, a requerida procedeu a alteração dos horários de trabalho pela seguinte forma:
27.1- Foram criados 3 (três) turnos rotativos e 4 (quatro) equipas A,B,C e D), e
27.2- Em cada turno encontram-se 3 (três) equipas em laboração e 1 (uma) em descanso. - Doc. n.º 2

28- Sucede porém que, de acordo com o horário estabelecido pela requerida, que aqui se tem como reproduzido para todos os legais efeitos, cada equipa só tem os dias de descanso coincidente com o sábado e domingo, em média, de 7 em 7 semanas.

29- O que viola o preceituado na referida clausula 34.ª do CCT.

30- Ora, confrontados com esta dura realidade e profunda alteração da sua vida pessoal, a requerente pediu a intervenção do ACT de Vila Franca de Xira no sentido de aferir da legalidade dos horários impostos, bem como da questão referente à legalidade do regime imposto.

31- No passado dia 12 de Abril o ACT respondeu à solicitação da requerente informando, em súmula, que tinha constatado violação da aplicação da cláusula 34.ª tendo a questão da legalidade da autorização da laboração contínua sido remetida para análise superior. - Doc. n.º 3

32- O que nos traz ao cerne da questão do presente procedimento cautelar. É que
c)-Dos prejuízos imediatos e irreparáveis na vida dos trabalhadores

33- Nunca a requerida laborou aos sábados e domingos. E assim

34- Com a imposição aos trabalhadores do novo horário de trabalho em regime de laboração continua estes viram a sua vida pessoal completamente alterada.

35- Na verdade, a maior parte dos trabalhadores é pai/mãe de menores de idade.

36- Na nossa sociedade os fins-de-semana são os dias por excelência dedicados família e amigos, pois são por norma coincidentes com dias de descanso.

37- Com a implementação deste novo horário, que não foi aceite pela grande maioria dos trabalhadores, estes viram-se privados do convívio com os seus cônjuges e filhos, porquanto

38- Durante a semana o resto da família trabalha e os filhos estão na escola.

39- Sendo que os trabalhadores, em clara violação do preceituado na Cláusula 34.ª do CCT, apenas gozam um fim-de-semana de sete em sete semanas.

40- O que como é óbvio lhes causa profundo transtorno pessoal e familiar, pois quando estão de folga por norma os seus familiares estão ausentes durante o dia.

41- Pelo que se viram, de um momento para outro, com a sua vida transformada num verdadeiro pesadelo, pois muitos dos trabalhadores/as nem têm com quem deixar os filhos, socorrendo-se de familiares e amigos até para acompanharem os mesmos às atividades extracurriculares.

42- Sendo este distanciamento da família e amigos completamente desnecessário face às necessidades da requerida que facilmente resolvia o seu problema de violação dos limites máximos do trabalho com a contratação de mais trabalhadores.

43- Por outro lado, impõem-se uma decisão célere pois a não atuação imediata levará, necessariamente a graves lesões e de difícil reparação nos direitos dos trabalhadores, e designadamente na obrigarão ilegítima de trabalhar aos fins-de-semana, pois a autorização de laboração contínua da requerida não cumpre os pressupostos nela estabelecidos, e

44- Os novos horários estabelecidos pela requerida violam o preceituado na cláusula 34.ª do CCT aplicável. Pelo que

45- Não existindo, nenhum outro procedimento especial regulado na lei processual civil ou laboral a requerente lança mão do presente procedimento.

III–DA ISENÇÃO DE CUSTAS

46- Conforme referido em 1-, 2-, e 3- do presente articulado, a requerente é uma associação sindical constituída para defesa dos interesses profissionais dos seus associados.

46- É uma pessoa coletiva privada sem fins lucrativos.

47- Pelo que está isenta de custas processuais, incluindo pagamento de taxa de justiça inicial, nos termos da al. f) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP.

Nestes termos, requer-se nos termos dos artigos 362.º e segs. do Código de Processo Civil e 32.º e segs. do Código Processo de Trabalho, se digne decretar as seguintes providências cautelares:
1.º- Intimação para que a requerida suspenda de imediato o regime de laboração contínua imposto aos trabalhadores desde 02 de Janeiro de 2019, até verificação efetiva sobre a legalidade e validade da autorização referida em 11- do presente articulado, voltando a ser aplicados os horários em vigor no dia 30 de Dezembro de 2018.
Caso assim não se entenda,
2.º- Intimidação para que no prazo de 15 dias após a data em que forem notificados da decisão deste tribunal, e dentro desse prazo, a requerida alterar os horários de trabalho por forma a que os trabalhadores passem a usufruir de dois dias de descanso semanal coincidente com sábado e domingo de 4 em 4 semanas de acordo com o estabelecido na clausula 34.ª do CCT.
3.º- Em caso de incumprimento das condenações anteriores, que a requerida seja condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na execução da decisão, a fixar em montante nunca inferior a 500 €, a contar da data em que a decisão seja exequível, ainda que transitoriamente.»
*

Por despacho de fls. 20 dos autos apensos, datado de 14/6/2019, o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo do Trabalho de Santarém – Juiz 2, declarou-se incompetente em razão do território, entendendo que tal competência recaía sobre o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira.
*

Remetidos tais autos (agora apensos) ao Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira, veio o respetivo juiz a proferir os despachos de fls. 27/27 verso e 30/30 verso, onde foi determinada a apensação daqueles (com o número de processo n.º 1617/19.5T8STR) a este procedimento cautelar comum, com o número 1901/19.8T8VFX.L1 e ordenada a citação da Requerida e marcada a data da Audiência Final para dia coincidente com o destes autos (processo principal).    
*

Citada a Requerida a fls. 296, através de carta registada com Aviso de Receção, veio a mesma deduzir oposição, a fls. 30 a 61 dos autos apensos e 344 a 374, nos seguintes moldes:

«1.º- O presente procedimento cautelar é totalmente descabido e carecido de qualquer fundamento legal ou sério, como adiante se demonstrará.
2.º- Desde logo, refere a Requerida que desconhece, sem obrigação de conhecer o alegado pelo Requerente nos art.ºs 1.º a 3.º- do requerimento inicial apresentado, impugnando o vertido no restante articulado por falso ou distorcido.

I DOS ALEGADOS FUNDAMENTOS PARA 0 PROCEDIMENTO CAUTELAR REQUERIDO

3.º- Alega o Requerente que o presente procedimento se prende com a "implementação por parte da requerida do regime de laboração continua e consequentemente de um novo horário de trabalho, extensível a todos os trabalhadores, com laboração ao fim de semana, em violação do constante no Contrato Coletivo de Trabalho".

4.º- Esta poderá ter sido a pretensão do Requerente o que não significa que a mesma consubstancie fundamento para a apresentação de uma providência cautelar e para o posterior decretamento da mesma.

5.º- Na verdade, o "novo" horário de trabalho em regime de laboração continua aplicável a toda a área de produção da fábrica da Requerente teve início em 02 de janeiro de 2019 (cuja cópia se junta como Doc. n.º 1 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), ou seja, há cerca de 6 meses, e foi precedido de uma exaustiva fase de diálogo e tentativa de negociação com as estruturas sindicais representativas dos trabalhadores da Requerida, nomeadamente com a solicitação de apresentação de outros esquemas horários que fossem considerados mais benéficos para os trabalhadores, neles se incluindo o Requerente.

6.º- Trata-se de um horário de trabalho que foi sujeito a votação pelos trabalhadores e escolhido por maioria em detrimento de outro que estabelecia outra rotação de equipas e que garantia o gozo de descanso consecutivo ao sábado e domingo uma vez por mês.

7.º- Alias, o horário de trabalho em vigor a partir de janeiro de 2019, é igual ao aplicado na linha de (...) desde outubro de 2017.

8.º- Importa igualmente evidenciar que a Requerida sempre pautou e continua a pautar a sua atividade pelo estrito cumprimento da legislação aplicável, pelo que ao funcionar parcialmente em laboração contínua pelo menos desde 2008, fê-lo munida das necessárias autorizações, que continuam plenamente válidas ao invés do alegado pelo Requerente no art.º 12.º do requerimento inicial.

9.º- Aliás, como seguramente o Requerente bem sabe, e não pode ignorar, a Requerida teve pelo menos desde 2008 uma área de produção a funcionar em regime de laboração contínua.

10.º- Assim, diversamente o alegado pelo Requerente, a Requerida não veio repristinar uma autorização de laboração contínua que esteve guardada desde 1995. Com efeito,

11.º- Como se referiu, pelo menos desde 2008 que a Requerida tem uma parte da sua produção a laborar de forma contínua, tendo,

12.º- Em março e outubro de 2017, estendido esse mesmo regime de laboração a mais duas linhas de produção, de (...)" e "(...)", respetivamente, e que durou até dezembro de 2018 (cfr. escalas aplicáveis nestas linhas que se juntam como Docs. n.ºs 2 e 3 e cujo se dá por integralmente reproduzido).

13.º- Não tendo nessa altura sido suscitadas quaisquer dúvidas pelo Requerente sobre a legalidade do regime de laboração contínua implementado (!), sendo que, como se disse, o horário de turnos iniciado em 02 de janeiro de 2019 é exatamente o mesmo que foi implementado em outubro de 2017 na linha de "(...)", existindo inclusivamente vários dirigentes/delegados do Requerente que estiveram adstritos as escalas da (...) e de (...) (como foi o caso do trabalhador (…)(…)(…)(…)(…)(…).

14.º- Acresce que, em outubro de 2017, a Requerida teve uma visita inspetiva da ACT, não tendo esta entidade fiscalizadora suscitado qualquer questão relativamente à autorização para a laboração contínua existente, nem que a mesma deveria ser renovada por qualquer imperativo legal. Deste modo, facilmente se conclui que,

15.º- A autorização para a laboração contínua não se encontra desatualizada diversamente do alegado pelo Requerente. Na verdade,

16.º- Todos os pressupostos que levaram a emissão da autorização da laboração contínua mantêm-se válidos.

17.º- Se porventura existe atualmente conflitualidade na empresa ela apenas se deve a incúria do Requerente e de outro sindicato pertencente a mesma federação que fazem da Requerida, palco das suas guerrilhas internas com vista ao cumprimento da respetiva agenda política de alguns dos seus dirigentes. Nunca em momento anterior existiu qualquer pretexto para a existência de conflitualidade, não existindo, inclusivamente, da generalidade dos trabalhadores qualquer adesão a essa postura.

18.º- Alias, só esta atitude justifica que, perante uma situação de absoluta necessidade para a Requerida e que se traduziu na extensão do regime de laboração contínua a toda a fábrica para fazer face a um aumento muito significativo de volumes, o Requerente boicotasse todas as formas de diálogo construtivo que se tentou estabelecer.

19.º- Acresce que a Requerida tem praticamente 1/3 dos seus trabalhadores sindicalizados (35 %).

20.º- Não obstante essa circunstância um recente relatório elaborado pela "(...)" datado de finais de junho de 2019, entidade externa e independente, atestou a conformidade da prática da empresa com os limites do trabalho suplementar e o ambiente positivo que encontrou na Requerida.

21.º- Também, diversamente do alegado pelo Requerente no art.º 17.º do requerimento inicial, a Requerida não se limitou a implementar o regime da laboração contínua a toda a fábrica, tendo contratado, desde março de 2017, quando iniciou aquele regime na linha de (...)", mais 79 trabalhadores para fazer face à necessidade de reforço de equipas e a nova organização do trabalho.

22.º- Tal como se referiu, os fundamentos que levaram a autorização de laboração contínua continuam plenamente válidos, uma vez que este regime de organização do tempo de trabalho teve como fundamento a necessidade de a empresa fazer face a aumentos da produção e a maximizar o seu processo produtivo.

23.º- Os volumes de produção que eram estimados para 2019 e que se verificam atualmente não poderiam ser satisfeitos com a uma laboração de segunda a sexta-feira, acrescida de trabalho suplementar aos fins-de-semana, já que excederiam facilmente os limites anuais previstos no CCT aplicável.

24.º- E isto, seguramente também não deveria ser o que o Requerente pretenderia....

25.º- Tratando-se de uma necessidade estrutural da Requerida, a empresa teve de encontrar a alternativa legal que melhor assegurasse o cumprimento dos planos e volumes previstos.

26.º- A fábrica do Carregado da Requerida pertencente ao grupo (...), com várias fábricas na Europa, passou por um período difícil de volumes e começou a recuperar em 2013 com a possibilidade de produzir para exportações e assim suportar a limitação de capacidade de outras fábricas que se encontram numa posição geográfica mais vantajosa no grupo.

27.º- Permitiu ainda a Requerida crescer em volume de produção e assim assegurar algum investimento futuro e a otimização das suas linhas de produção.

28.º- A manutenção da fábrica da Requerida num regime de laboração de segunda a sexta-feira implicaria limitar a capacidade das suas linhas de produção, tornando expectável que num futuro próximo o grupo decidisse transferir a capacidade instalada no Carregado para outras localizações deslocando a sua produção.

29.º- Em face do que antecede, impugna-se o vertido nos art.ºs 9.º a 23.º do requerimento inicial, por falso ou totalmente distorcido.

30.º- Não deixa de ser curioso que o Requerente refira no art.º 22.º do seu requerimento inicial que o eventual problema das horas de trabalho suplementar seria resolvido com o cumprimento pela Requerida de duas obrigações: "22.º - contratar mais trabalhadores (...) e 22.º — Pagar o trabalho suplementar prestado de acordo com o previsto no CCT".

31.º- Relativamente a "primeira obrigação" dúvidas parecem não existir de que desde 2017 a Requerida contratou 79 novos trabalhadores que afetou a produção.

32.º- No que respeita a questão do pagamento do trabalho suplementar e sem pretender alongar demasiado esta matéria que não é objeto central da presente providência cautelar, importa referir que a Requerida sempre cumpriu o disposto no CCT aplicável, também no que respeita aos acréscimos devidos pela prestação de trabalho suplementar diz respeito.

33.º- Não pode é a Requerida ser responsabilizada pelo acordo que este sindicato deu a alteração introduzida no referido contrato coletivo de trabalho, concretamente na Clausula 32.ª, publicada no BTE n.º 39, de 22 de outubro de 2016, e que reduziu para metade o valor da hora de trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, complementar ou feriado.

34.º- Ora, daqui parece resultar que, para o sindicato, a problema do trabalho suplementar é resolvido com pagamentos, amortizando-se deste modo os eventuais prejuízos para os trabalhadores.

35.º- Como é bom de ver, não poderia a Requerida resolver um problema estrutural do seu funcionamento com recurso sistemático a trabalho suplementar, como parece pretender o Requerente.

36.º- Ao invés desta que parece ser a posição do Requerente, a Requerida procurou, como sempre tem procurado ao longo da sua existência, criar as melhores condições de trabalho para os seus trabalhadores.

37.º- Também com a implementação da laboração continua isso foi procurado. Com efeito,

38.º- O período normal de trabalho dos trabalhadores abrangidos pelo regime de laboração continua é, em termos médios, de 35 horas semanais,

39.º- Tendo ainda direito a um subsídio de disponibilidade corresponde a 25 % da retribuição base auferida, que acresce aos subsídios de turno e de trabalho noturno já existentes, garantindo ainda o gozo de mais dias feriados e a redução do tempo de trabalho, num total equivalente a mais de 51%.

40.º- Acresce que face ao volume de horas de trabalho suplementar que a empresa tinha e para o qual os trabalhadores davam sistematicamente o seu acordo sem restrições, solicitando ate a sua prestação em termos voluntários inclusivamente ao fim de semana, este regime de laboração continua representava uma menor penosidade para os trabalhadores.

41.º- Assim se impugna o vertido nos art.ºs 24.º e 25.º do requerimento inicial, por não corresponderem a verdade.

42.º- Alega ainda o Requerente que o horário de trabalho em vigor viola o disposto na Cláusula 34.ª do CCT aplicável. Nada de mais falso, como se demonstrará.

42.º- Desde logo importa referir que não existe qualquer proibição para a implementação de um regime de laboração continua no CCT aplicável.

43.º- Na verdade, nos termos da Clausula 34.ª do CCT aplicável (Descanso Semanal):
"1- Considera-se dia de descanso semana/ obrigatório, o domingo, o dia previsto no escala de turnos rotativos sendo o sábado considerado como dia de descanso complementar. Todos os restantes dias serão considerados como úteis, com exceção dos feriados.
2- Quando o trabalho for prestado em regime de laboração contínua o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham, em media, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo".

44.º- Ora, a Requerida cumpre, de forma escrupulosa, todas as regras respeitantes à concessão dos dias de descanso semanal aos seus trabalhadores, designadamente aqueles que se encontram em laboração contínua. Com efeito,

45.º- Atento o disposto na mencionada clausula 34.ª do CCT outorgado entre a (…) e a (…), publicado no BTE n.º 17, de 2010, conjugada com o vertido no n.º 3 da cláusula 22.ª do mesmo CCT, constata-se prever a convenção, no caso de existir um regime de laboração contínua, a atribuição obrigatória de um dia de descanso semanal, que será o previsto na respetiva escala.

46.º- Resulta da referida cláusula 34.ª, n.º 1 que existindo turnos rotativos considera-se dia de descanso semanal obrigatório o dia previsto na escala de turnos rotativos.

47.º- Acresce que, sendo prestado trabalho em regime de laboração continua não consta sequer do CCT qualquer obrigatoriedade na concessão de dia de descanso semanal complementar, aliás em consonância com o disposto no art.º 232.º do Código do Trabalho.

48.º- Apenas nas situações em que o trabalho é prestado em regime de trabalho normal e não de turnos, é que o CCT impõe o gozo de um dia de descanso complementar (cfr. Cl.ª 34.ª, n.º 1 do CCT).

49.º- O alcance do n.º 2 desta cláusula 34.ª, ao prever que os trabalhadores, em média, gozem em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivo, devendo coincidir, no máximo de quatro semanas com o sábado e o domingo, impõe que se verifiquem, desde logo, sete dias de trabalho.

50.º- Ou seja, para que se verifique a consequência estabelecida no n.º 2 da Cláusula 34.ª do referido CCT tem de existir sete dias de trabalho.

51.º- Não sendo praticados tais sete dias de trabalho e sendo, portanto, de menor grau a penosidade da prestação laboral, num regime com especial compensação remuneratória, não tem de ser praticada a dupla exigência supra referida.

52.º- Esta foi, precisamente, a interpretação da cláusula feita pela (...), associação de empregadores que outorgou o CCT em análise e que contribuiu para a redação da referida disposição (cfr. informação prestada por aquela associação que se junta como Doc. n.º 4 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

53.º- O n.º 1 da cláusula 34.ª não prevê para o regime de laboração contínua o domingo como dia de descanso: repete-se, nos termos desta cláusula considera-se "dia de descanso semanal"o dia previsto na escala de turnos rotativos".

54.º- Estabelece-se que, em regime de laboração contínua, o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham em média, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos, e que, no máximo de quatro em quatro semanas devem coincidir com o sábado e o domingo.

55.º- Se atentarmos na escala de laboração contínua praticada pela empresa (cfr. cit. Doc. n.2 1), podemos verificar que, em termos médios, os trabalhadores da fábrica em regime de laboração contínua descansam frequentemente dois dias consecutivos, gozando dois fins-de-semana seguidos a cada dois meses, algo que porventura não existia frequentes vezes atendendo ao trabalho suplementar que era necessário fazer.

56.º- Aliás, os dias de descanso previstos na escala não correspondem a todos os dias de descanso dos trabalhadores, podendo inclusivamente existirem folgas precedidas de 4 dias de trabalho.

57.º- Importa igualmente referir que a Requerida aplicou este regime de laboração contínua, três turnos rotativos de segunda a domingo, na linha de (...), desde 02 de outubro de 2017 a dezembro de 2018 (cfr. cit. Doc. n.2 3).

58.º- Tendo inclusivamente sido alvo de uma visita inspetiva em 25 de outubro de 2017, sem que tenha daí derivado qualquer processo contraordenacional.

59.º- Alias, tais escalas em vigor desde 2017, não mereceram nessa altura qualquer questão de ilegalidade por parte do Requerente, o que permitira concluir, salvo melhor opinião, que as partes reconheceram a legalidade do horário há cerca de dois anos.

60.º- Em face do que antecede não pode pois, face a letra do n.2 2 da Clausula 34.g mencionada, daqui resultar a exigência de descansos semanais consecutivos, ao invés do afirmado pelas Requerentes.

61.º- Aliás no entendimento da (...), os dias de descanso consecutivos só são obrigatórios quando existam sete dias de trabalho, pois essa é a situação de major penosidade associada a uma organização de trabalho em contínuo. Na escala em vigor na Requerida existem, como se disse, descansos antecedidos de quatro dias de trabalho.

62.º- Assim, impugna-se o vertido no art.º 28.º a 32.º do requerimento inicial, por totalmente infundado.

63.º- Ou seja, tratando-se de um horário de trabalho que, ainda que parcialmente, se encontra em vigor desde 2017 e que foi verificado pela ACT nessa altura sem que tenha sido detetada qualquer irregularidade, como pode o mesmo constituir o fundamento para o presente procedimento cautelar como alega o Requerente no seu art.º 32.º.

64.º- Alias, o que o Requerente vem alegar nos artigos 33.º a 44.º do requerimento inicial, mais não constitui que um novo conjunto de inverdades, que se impugnam por falso ou distorcido para todos os efeitos legais.

65.º- Deste logo, a afirmação que a Requerida nunca "laborou aos sábados e domingos".

66.º- Como atrás ficou claro, a Requerente desde 2008 que tem uma linha de produção em laboração continua (das "madres"), regime que estendeu em março e outubro de 2017, respetivamente, a mais duas linhas de produção ((...)" e "(...)").

67.º- E foi precisamente o horário de trabalho da linha de "(...)" que tem associados 56 trabalhadores que foi, a partir de janeiro de 2019, estendido a toda a fábrica.

68.º- Salvo melhor opinião, não pole a eventual contraordenação instaurada pela ACT, que foi objeto de resposta escrita, estando muito longe de consubstanciar uma posição definitiva, justificar a instauração da presente providência cautelar.

69.º- Acresce que, os trabalhadores foram contratados, na sua grande maioria para trabalhar em regime de turnos e laboração continua, não existindo horários individualmente acordados que impossibilitem a alteração unilateral de horários de trabalho pela Requerida.

70.º- Ademais, face aos inúmeros pedidos de flexibilidade de horários apresentados por alguns trabalhadores nos termos e para os efeitos dos art.ºs 56.º e 57.º do Código do Trabalho, não reconhecendo a CITE os fundamentos imperiosos do funcionamento da Requerida e que esta apresentou para sustentar a recusa desses pedidos,

71.º- A Requerida, não tendo outras alternativas, colocou essas trabalhadoras no horário de trabalho solicitado, como seguramente é do conhecimento do Requerente, como bem se retira do E-mail datado de 16 de janeiro de 2019, que se junta como Doc. n.º 5, e no qual a Federação a qual o Requerente pertence reconhece a necessidade e resume toda a problemática a uma questão de contrapartidas, sobretudo financeiras.

72.º- Em face do que antecede, não poderá deixar de ser totalmente improcedente o procedimento cautelar requerido porquanto nenhuma violação legal ou convencional se verifica na implementação do regime de laboração contínua a toda a fábrica.

73.º-Não existindo, deste modo, prejuízos imediatos e irreparáveis para a vida dos trabalhadores como o Requerente pretende fazer crer e que melhor adiante se demonstrara.

II.– DA FALTA DE REQUISITOS DO PROCEDIMENTO CAUTELAR REQUERIDO

74.º- O Requerente langou mão dos autos de procedimento cautelar comum com vista ao deferimento das suas pretensões. Porém, e salvo melhor opinião não se encontram preenchidos os requisitos para seja decretada a presente providência cautelar.

75.º- Desde logo, o procedimento cautelar comum constitui um meio processual destinado a obter uma decisão conservatória ou antecipatória que permita afastar o justo receio de que alguém se possa ver prejudicado pela conduta de um terceiro suscetível de causar lesão a um seu direito.

76.º- Ora, no caso vertente para além de nenhuma violação de direitos das Requerentes se verificar, uma vez que, a Requerida com a aplicação do regime de laboração contínua a toda a fábrica não violou qualquer disposição legal ou convencional, conforme referido nos art.ºs 40.º a 59.º e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

77.º- Os artigos 362.º e 368.º do Código de Processo Civil, na parte que interessa nos presentes autos, estatuem o seguinte:

Art.º 362.º - Âmbito das providências cautelares
1- Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2- O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3- (...)

Art.º 368.º - Deferimento e substituição da providência
1- A providencia é decretada desde que haja probabilidade seria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio do sua lesão.
2- A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante Para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
3- (...)

78.º- Isto é, a solicitação de medidas cautelares não especificadas depende essencialmente da verificação de dois requisitos, nos termos dos mencionados artigos do Código de Processo Civil:
(i)- A aparência ou verosimilhança de um direito do requerente carecido de tutela (fumus boni iuris);
(si) Verificação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providencia não for decretada (periculum in mora).

79.º- Como bem refere Abrantes Geraldes, in "Temas da Reforma do Processo Civil - 5. Procedimento Cautelar Comum", Vol. III, 4.ª Ed. Revista e atualizada, Almedina. 2010, p. 99:

"Partindo do modo como vem regulada a matéria, o decretamento de providências não especificadas está dependente da conjugação dos seguintes requisitos:

a)- Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b)- Fundado receio e que outrem, antes de a ação ser proposta ou no pendência dela, cause lesão e dificilmente reparável a tal direito;
c)- Adequação da providência a situação de lesão iminente;
d)- Não existência de providência específica que acautele aquela situação de perigo".

80.º- Assim, se atentarmos na matéria factual trazida pelas Requerentes facilmente concluímos que não se encontram preenchidos os requisitos que a lei impõe para o decretamento da presente providência cautelar.

81.º- Desde logo, aparência ou verosimilhança de um direito do requerente carecido de tutela.

82.º- Com efeito, do atrás exposto e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, não existe qualquer violação de normas legais ou convencionais relativamente à laboração contínua estendida a toda a fábrica em 02 de janeiro de 2019.

83.º- A empresa tem uma autorização de laboração contínua plenamente válida e os horários de trabalho em vigor cumprem escrupulosamente o disposto na convenção coletiva aplicável.

84.º- Acresce que o regime de laboração contínua que foi estendido a toda a fábrica em 02 de janeiro de 2019, já era praticado desde março de 2017 numa das suas linhas de produção - linha (...) - e que vigorou até dezembro de 2018.

85.º- Posteriormente, em outubro de 2017 a requerida estendeu a laboração contínua a outra linha de produção - a linha de (...) - tendo este regime durado também ate dezembro de 2018, sendo aplicável a 71 colaboradores associados aquela linha de produção.

86.º- Foi precisamente a mesma escala em vigor para a linha de (...) que a Requerida estendeu a toda a fábrica, em janeiro de 2019.

87.º- Ora, muito se estranha que, operando a empresa em duas linhas de produção ((...) e (...)) desde 2017, para não falar da área de doces, que labora em regime de laboração continua na Requerida desde 2008, nunca tenha sido levantada pelo Requerente qualquer questão relacionada com as eventuais "ilegalidades" que agora passado todo este tempo vieram, segundo, elas a tomar conhecimento (!).

88.º- Acresce que, a alegação feita pelo Requerente de que nunca a "Requerida laborou aos sábados e domingos" é absolutamente falsa, como atrás ficou expresso de modo claro e indiscutível. Com efeito,

89.º- Desde 2008 que a Requerida labora em laboração contínua na sua linha de "madres" (doces).

90.º- Por sua vez, a partir de março de 2017, também a sua linha de (...)" iniciou o seu funcionamento em regime de laboração contínua, que em outubro desse mesmo ano foi estendido à linha de "(...)".

91.º- E foi precisamente o mesmo horário de laboração contínua vigente na linha "(...)" que a Requerida, a partir de 02 de janeiro de 2019, passou a aplicar a toda a fábrica, na sequência da escolha feita pelos próprios trabalhadores.

92.º- Importa uma vez mais referir que 14 dos 56 trabalhadores da linha de "(...)" são filiados no Requerente e portanto, desde outubro de 2017 que se encontram a prestar trabalho no horário cuja legalidade vem agora por em causa.

93.º- Ademais, todos os trabalhadores que nos termos dos art.º 56.º e 57.º do Código do Trabalho efetuaram pedidos de flexibilidade de horários e que foram confirmados pela CITE, encontram-se a prestar trabalho nas condições requeridas.

94.º- De referir ainda que com a prestação de trabalho no regime de laboração contínua, passou a existir uma prestação de trabalho suplementar residual ao contrário do que existia anteriormente e que era impeditivo do gozo de inúmeros dias de descanso.

95.º- Curiosamente (ou não) nessa altura não existia qualquer reclamação por parte dos trabalhadores ou do Requerente sobre a dificuldade da conciliação da vida profissional com a vida pessoal.

96.º- Aliás, nas reuniões que tiveram lugar desde a apresentação do projeto de regime de laboração contínua com o Requerente, a principal questão levantada prendia-se com as contrapartidas remuneratórias e não com qualquer especial penosidade do trabalho a prestar naquele regime.

97.º- Deste modo, estando o regime de laboração contínua aplicável a toda a fábrica em vigor desde 02 de janeiro de 2019, e tendo a empresa prestado informação dos mesmos a todos os trabalhadores muito tempo antes da sua implementação, como podem vir agora as Requerentes invocar o justo receio de que a sua manutenção cause lesão grave e dificilmente reparável e que o prejuízo resultante da providência cautelar não seja superior ao dano que se pretende evitar.

98.º- Acresce que, como é entendimento generalizado na doutrina e jurisprudência, é pressuposto do procedimento cautelar comum, para além de outros, o fundado receio de que seja causada por outrem ao requerente lesão grave e irreparável a um direito, o que significa que o titular do direito se deve encontrar face a simples ameaças ao direito que pretende salvaguardar.

99.º- Ora, caso se viesse a admitir, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, que existe alguma violação de direito por parte da Requerida relativamente ao Requerente, sempre a mesma já se teria consumado, atendendo ao período temporal já decorrido desde a implementação do regime de laboração continua a toda a fabrica.

100.º- Assim, "se a lesão já ocorreu então a providencia deixa de ter qualquer efeito útil, porque não há como evitar ou acautelar um prejuízo que já se produziu" (cfr. Ac. Relação de Coimbra de 20.02.2003, in www.dgsi.pt).

101.º- No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão datado de 23 de maio de 2005, Proc. n.º 575/2007-4 e disponível em www.dgsi.pt, do qual se retira a seguinte passagem:
"A providência cautelar não especificada destina-se a prevenir o perigo de lesão do(s) direito(s) que o requerente invoca e não a repará-lo(s). Visa o risco de lesão futura e não a lesão já consumada." (sublinhado nosso)

102.º- Deste modo, também o requisito da verificação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada, não se encontra preenchido, não podendo também por esse motivo ter a presente providência qualquer provimento.

103.º- Acresce que, sempre a presente providência terá de ser indeferida porquanto a sua decretação traria prejuízos para a Requerida substancialmente superiores ao dano que o Requerente pretende evitar.

104.º- Na verdade, a extensão da laboração contínua a toda a fábrica no início de janeiro de 2019 teve como pressuposto a satisfação de necessidade imperiosas de produção da Requerida que previa um crescimento de 9% dos volumes quando comparados com o ano anterior.

105.º- A manutenção da fábrica a laborar apenas cinco dias por semana limitava manifestamente as linhas de produção.

106.º- Por outro lado, a Requerida não poderia fazer face a este aumento de produção com a realização de trabalho suplementar uma vez que o mesmo não poder ser prestado para satisfazer necessidades estruturais das empresas, mas sim situações excecionais.

107.º- Caso a laboração contínua viesse a ser eliminada, a viabilidade futura da requerida seria posta em causa uma vez que o grupo onde a mesma se insere acabaria por deslocalizar a sua produção para outras unidades no estrangeiro onde este regime de produção existe,

108.º-Com todas as consequências daí decorrentes e necessariamente com a eliminação de grande parte ou de mesmo de todos os postos de trabalho existentes.

109.º- Deste modo, em face do que antecede, não deverão ser considerados preenchidos os requisitos legais do procedimento cautelar comum apresentado.

110.º - Concluindo apenas se aceita o alegado nos artigos 4.º e 6.º do requerimento apresentado, impugnando-se todo o demais articulado, por falso ou distorcido, com todas as consequências legais daí decorrentes.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve a providência cautelar requerida ser indeferida, considerando-se a presente oposição totalmente procedente por provada, com todos as consequências legais das decorrentes.»
*

Foi realizada a Audiência Final, em 25/7/2019, a fls. 376 a 382, com observância do legal formalismo, tendo as partes chegado a acordo quanto a parte dos factos assentes e a prova aí produzida sido objecto de gravação-áudio. (final do II Volume)
*

Veio então a ser proferido a sentença de fls. 382 e seguintes, com data de 29/07/2019, que decidiu, a final, o seguinte:

“Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito exposta, se decide julgar os presentes procedimentos cautelares parcialmente procedentes por provados e assim:

A.– Determinar que a requerida, no prazo máximo de vinte dias após a notificação da presente decisão, altere os horários de trabalho das escalas de turnos rotativos em execução desde 2-1-2019 de forma a que as mesmas contemplem dois dias de descanso semanal, consecutivos e coincidentes com o sábado e o domingo, de quatro em quatro semanas.

B.– Fixar por cada dia de incumprimento, após o prazo referido na alínea anterior, da obrigação de conformação dos horários das escalas de turnos rotativos determinada na alínea anterior, uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 500,00 (quinhentos euros);

C.– Julgar extinta por inutilidade superveniente da lide a pretensão das requerentes (…) e (…).

D.– Julgar improcedente por não provado o mais peticionado pelos requerentes (suspensão de laboração contínua e pretensão da requerente (…) de atribuição de horário flexível).

Nos termos do disposto nos art.ºs 296.º, 304.º, 305.º e 306.º do Código de Processo Civil fixo a cada um dos procedimentos o valor de 5 001,00 €.

As custas dos procedimentos são suportadas pela requerida que neles decaiu – art.ºs 527.º e 539.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.”
*

O Tribunal do Trabalho de Lisboa fundamentou nos seguintes moldes a improcedência deste procedimento cautelar:

«Nos presentes autos e através do procedimento cautelar comum que intentaram as requerentes pretendem, que seja ordenada a suspensão dos horários fixados pela requerida com vista a obter da requerida que se abstenha de continuar a praticar um horário por turnos rotativos, em laboração contínua, não autorizado e em violação da cláusula 34.ª-2 do CCT e a impor às 2.ª, 3.ª e 4.ª requerentes horários incompatíveis com as responsabilidades familiares que lhes cabem e ainda para atribuir a estas um horário compatível com o que nos termos dos artigos 56.º e seguintes do Código de Trabalho haviam requerido, com indeferimento pela CITE da oposição manifestada pela requerida”.

Nos autos, também de procedimento cautelar comum, que aos presentes foram apensos o sindicato requerente pretende 1.º Intimação para que a requerida suspenda de imediato o regime de laboração contínua imposto aos trabalhadores desde 02 de Janeiro de 2019, até verificação efetiva sobre a legalidade e validade da autorização referida em 11.º do presente articulado, voltando a ser aplicados os horários em vigor no dia 30 de Dezembro de 2018.´

Caso assim não se entenda,

2.º Intimidação para que no prazo de 15 dias após a data em que forem notificados da decisão deste tribunal, e dentro desse prazo, a requerida alterar os horários de trabalho por forma a que os trabalhadores passem a usufruir de dois dias de descanso semanal coincidente com sábado e domingo de 4 em 4 semanas de acordo com o estabelecido na cláusula 34.ª do CCT.

3.º Em caso de incumprimento das condenações anteriores, que a requerida seja condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na execução da decisão, a fixar em montante nunca inferior a 500 €, a contar da data em que a decisão seja exequível, ainda que transitoriamente”.

Excluída nos termos do art.º 366.º do Código Civil e 1.º do Código de Processo Civil a licitude do recurso à acção directa para realização ou efectivação de um direito estas têm lugar através dos meios processuais de exercício da acção consagrados na lei processual.

Como decorre do art.º 2.º, nº 2 do Código de Processo Civil o direito de acção compreende não apenas a possibilidade de instauração de acção visando o reconhecimento do direito, mas também o recurso aos procedimentos necessários a acautelar os efeitos úteis dessa acção.

É nestes procedimentos que se enquadra a instauração de procedimentos cautelares enquanto diligências instrumentais da acção que visam acautelar as demoras da decisão da mesma.

Estes são medidas que, quando decretadas, visam acautelar o efeito útil normal de uma acção, proposta ou a propor, através de uma composição provisória dos interesses conflituantes.

Daí a ideia de uma antecipação provisória dos efeitos da providência definitivaque encontra a sua justificação pela “necessidade de prevenir o dano que pode resultar da demora” da acção definitiva – vd. Alberto dos Reis, in BMJ n.º 3, pág. 36.

A tutela cautelar laboral compreende procedimentos especificados – art.ºs 34.º a 46.º do Código de Processo do Trabalho – e um procedimento cautelar comum que, com as especialidades de tramitação constantes das alíneas do n.º 1 do art.º 32.º do Código de Processo do Trabalho, segue, a título subsidiário, o regime previsto no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum.

A sua aplicação tem lugar quando não exista previsão de um procedimento especificado para a situação que se pretende acautelar através do procedimento.

Dispõe o n.º 1 do art.º 362.º do Código de Processo Civil que "Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado".

O deferimento da providência depende da demonstração, ainda que sumária, da probabilidade séria da existência do direito e do suficientemente fundado do receio da sua lesão – cfr. art.º 368.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Assim, o deferimento de uma providência cautelar não especificada está dependente:

- Da probabilidade séria da existência de um direito.

- Do fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do mesmo na esfera do requerente.

- Da adequação da providência à situação de lesão invocada.

Importa ainda ter presente que, não obstante a demonstração destes requisitos, a providência pode ser recusada se o prejuízo resultante da mesma para o requerido exceder consideravelmente o valor do dano que se pretende acautelar – art.º 368.º, n.º 2 do Código de Processo Civil – pelo que se poderá acrescentar, como requisito do deferimento, a circunstância de o prejuízo resultante da providência não exceder o valor do dano que com ela se quer evitar.

A existência do direito terá de ser minimamente objectivável, afastando meras conjunturas ou hipóteses sem expressão concreta e objectiva no plano da afirmação de direito.

A lesão ou dano tanto pode ser natureza material como imaterial, mas não pode deixar de se revestir de gravidade e de difícil irreparabilidade, ou seja, cujos danos decorrentes da demora da acção não sejam passiveis de ser objecto de reparação por via da reconstituição natural ou de uma indemnização substitutiva – cfr art.ºs 562.º e 566.º do Código Civil.

A adequação da providência à lesão, à cessação da situação lesiva, pressupõe que a lesão ainda não ocorreu, não se consumou, ou, tendo já sido iniciada, que ainda não terminou ou que se repete regularmente.

A apreciação destes requisitos está sujeita a critérios que resultam da própria natureza das providências cautelares.

Face ao fim que se propõe o processo cautelar -- evitar o periculum in mora – e ao meio do qual se serve – a solução provisória do litígio – a verificação dos requisitos tem de ser necessariamente rápida e sumária.

Será assim perante um juízo de sumaria cognitio que devem ser apreciados os requisitos da providência requerida.

Vejamos então se a factualidade apurada permite, ou não, o deferimento do mesmo.

Nos termos em que as pretensões são enunciadas, colocada a questão em função dos turnos rotativos em laboração contínua e a não atribuição de horário flexível, o direito em causa reporta-se ao direito ao descanso e conciliação da vida familiar e profissional.
A outorga do contrato de trabalho implica, necessariamente, para o trabalhador que o mesmo afecte uma parte do seu tempo de vida à realização da prestação laboral, sendo a delimitação desse tempo, no confronto tempo de trabalho/tempo de descanso, uma das questões que acompanham o direito do trabalho desde o seu início – vd. Leal Amado, Contrato de Trabalho, pág. 265 da 4.ª Ed. e Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, I, pág. 47 da 4.ª Ed – e que, pela sua relevância social e económica é objecto de produção normativa internacional que nos termos do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa não pode ser desconsiderada, designadamente e no caso concreto, a Carta Social Europeia Revista e a Directiva 2003/88/CE – para uma síntese dos mais relevantes vd. Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, pág. 447 da 4.ª Ed, e Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, pág. 396 da 18.ª Ed.

No plano interno o art.º 59.º, n,º 1 al b) e d) da Constituição da República Portuguesa determina que os trabalhadores têm direito A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar” e “Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas”.

Estes direitos não devem ser dissociados dos direitos previstos nos art.ºs 64.º, 67.º e 68.º do mesmo diploma e que, ao menos no caso do direito ao descanso, se revestem de características análogas aos direitos, liberdades e garantias dos art.ºs 17.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa - neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Ed., pág. 770.

Assente a existência de relação de trabalho, bem como a aplicabilidade à mesma do CCT para a Indústria de Batata Frita, Aperitivos e Similares, publicado do BTE, 1 ª série, nº 39 de 22/10/2016, a existência de um direito das requerentes e dos associados do requerente a uma organização dos tempos de trabalho e de descanso é questão que, muito para além da mera probabilidade, não oferece qualquer controvérsia entre as partes.

O mesmo não sucede quanto à existência de uma lesão do direito e às suas referidas características da mesma para efeitos de relevância em sede de procedimento cautelar.

Tal lesão, segundo os requerimentos iniciais, decorre:

a)- Por implementação de regime de laboração contínua sem autorização
b)- Por violação das regras do CCT quanto aos horários/escalas estabelecidos
c)- Por contrariedade desses horários/escalas à pretensão das requerentes (…), (…) (…) e aos pareceres do CITE face à oposição da requerida.

Sendo o tempo de descanso delimitado negativamente por contraposição ao tempo de trabalho – art.º 199.º do Código do Trabalho – a organização dos tempos de trabalho, no contexto dos períodos de funcionamento do empregador é matéria que contende directamente com o direito ao descanso e a conciliação da vida familiar e profissional.

É precisamente a organização dos tempos de trabalho – a determinação das horas de início e de termo do período de trabalho diário e a sua distribuição no período semanal – em função do funcionamento da requerida que está em causa. ~

A competência para tal organização, em função do regime de funcionamento aplicável, é do empregador – art.º 212.º do Código do Trabalho – enquadrado no seu poder de direcção e organização empresarial, ainda que com os condicionalismos substanciais e procedimentais previstos nos n.ºs 2 e 3 do citado preceito, bem como no n.º 2 da Cláusula 20.ª do CCT, e observâncias dos art.ºs 203.º, 201.º, 214.º, n.º 1 e 232.º do Código do Trabalho.

Sendo tais preceitos e regras legais expressão de direitos com a relevância constitucional já referida e sendo certo que, como também já referido, a questão da definição dos tempos de trabalho/descanso se encontra entre as preocupações do direito de trabalho desde o seu início – a limitação do tempo de trabalho foi, em 1919, tema da primeira convenção da OIT – tem-se por incontornável que a preocupação, sempre manifestada, pela regulamentação dos tempos de trabalho/descanso decorre da necessidade de proteger a própria comunidade social através da protecção da saúde física e psíquica do trabalhador, permitindo-lhe não apenas o descanso necessário para poder retomar a execução da sua prestação laboral em condições que permitam uma correcta e proveitosa execução da mesma, mas também a sua integração e interacção social e familiar.~

Questionam os requerentes o funcionamento em regime de laboração contínua iniciado em 2-1-2019 e que determinou, por decisão da requerida, que a organização dos turnos de trabalho tenha sido alterada.

O trabalho por turnos tem lugar quando o período de funcionamento da empregadora ultrapassa os limites do período normal de trabalho – cfr art.º 221.º do Código do Trabalho e cláusula 22.ª do CCT.

A organização do trabalho por turnos pode conduzir a turnos fixos ou a turnos rotativos, sendo que nos primeiros os trabalhadores se encontram afectos a um horário de trabalho fixo e nos segundos trabalham alternadamente em horários de trabalho distintos.

O sistema rotativo pode ser executado em três modalidades distintas: em ritmo descontínuo exemplo, dois turnos de oito horas cada com paragem durante a noite e ao fim de semana), em ritmo semi-contínuo (sucessão de equipas ao longo de vinte quatro horas, com paragem no fim de semana) ou contínuo (em que as equipas asseguram vinte e quatro horas de actividade, sete dias por semana, durante todo o ano) – Liberal Fernandes, O tempo de Trabalho, pág. 191, ed 2012.

Para execução da última modalidade e sendo o período de laboração – art.º 201.º, n.º 3 do Código do Trabalho – normal compreendido entre as 7 e as 20 horas – cfr. art.º 16.º, n.º 1 da Lei 105/2009 – o empregador carece de uma autorização de laboração contínua do estabelecimento por motivos económicos ou tecnológicos – cfr n.º 3 do último preceito citado.

A laboração continua e a existência de turnos rotativos implica uma rotação de tempo de trabalho e de descanso em desajustamento com o ciclo biológico normal dia/noite que associa o primeiro à prestação de actividade e o segundo ao descanso, determinando constante perturbação dos ritmos biológicos dos trabalhadores envolvidos com consequências na qualidade de vida dos trabalhadores envolvidos e na própria segurança do trabalho – vd. Liberal Fernandes, loc. cit, referência efectuadas a fls. 195 --, sendo a penosidade decorrente de tal prestação, como também sucede com a prestação de trabalho noturno, compensada com acréscimos remuneratórios ou de descanso.

Se tal sucede precisamente por o legislador ter consciência que, por confronto com a prestação de trabalho em períodos normal diurno e fixo, a prestação de trabalho por turnos e por turnos rotativos é potencialmente lesiva da saúde dos trabalhadores, da sua vivência social e familiar e da própria segurança do trabalho, desde já se adianta que não se afigura concebível, nem mesmo com a concordância do trabalhador, que os limites e pressupostos legais de execução de tal forma de organização dos tempos de trabalho/descanso possa ser afastada, com excepção de modalidade que estabeleça um regime mais favorável que o legalmente previsto pelo legislador.

Os requerentes não invocam qualquer impossibilidade de prestação de trabalho por turnos (não contínuos), designadamente decorrente de contratos de trabalho celebrados (cfr. art.º 217.º, n.º 4 do Código do Trabalho), sendo certo ter-se apurado que antes da referida data a requerida já tinha implementado um regime de trabalho por turnos, aliás confessado pelas requerentes dos presentes autos (…)(…)(…)(…) e (…)).

É certo que se apurou terem 174 trabalhadores consignado a sua oposição à alteração do horário de trabalho a partir de 2-1-2109 porém, nem a CCT estabelece que a alteração apenas pode ter lugar com acordo dos visados – refere que os mesmo têm, nos termos nela previstos, de ser ouvidos/consultados deixando incólume o poder directivo de organização do empregador -, nem se afigura, na apreciação sumária em causa em sede de procedimento cautelar, que a decisão da empregadora possa, no caso concreto e sem mais, ser configurada como um abuso da faculdade prevista no n.º 1 do art.º 217.º do Código do Trabalho.

Mesmo interpretando de forma restritiva a liberdade de alteração consagrada no preceito – como defendido por Liberal Fernandes, loc. cit, pág. 171 – não se pode deixar de constatar a existência de razões objectivas relacionadas com funcionamento da requerida e o aumento de produção da mesma que se apuraram.

Também não se pode deixar de registar que não se tratou de uma passagem de horário de trabalho normal para um horário de trabalho por turnos, mas sim de uma modificação da organização dos turnos com passagem de turnos rotativos semi-contínuos para turnos rotativos contínuos.

(Se a concreta organização implementada, se as escalas estabelecidas, respeitam os limites legais aplicáveis, designadamente dos preceitos constitucionais acima enunciados, é algo que infra se apreciará, mas que não se prende com a autorização ou fundamento para laboração continua.)

Igualmente não colocam em causa os requerentes que tenham sido observados os procedimentos prévios à alteração, observância que se apurou efectivamente ter tido lugar, bem como, como tendo prosseguido conversações entre as partes após a implementação de organização de trabalho operada em 2-1-2019.

Colocam, sim, em causa a validade da autorização de laboração continua, em que a requerida se sustenta e que é datada 1995, seja por nunca ter sido aplicada, seja por os considerandos nela consignados não se verificarem integralmente.

Do teor da autorização em causa (acto administrativo) não resulta qualquer condicionamento temporal da sua validade.

O CCT actualmente aplicável não sendo já aquele que na mesma é identificado, não obsta ao funcionamento em laboração continua.

Os restantes considerandos, cuja aferição terá tido lugar pelos sujeitos competentes para emissão da autorização, são reportados à data da sua emissão e, seja pelo tempo decorrido, seja pela própria dinâmica da organização produtiva no contexto socioeconómico de cada momento são passíveis de natural e inevitável variação ao longo do tempo, sem que daí resulte, de per si, a afectação da validade da dita autorização.

Depois apurou-se que desde pelo menos, 2008, a requerida tem sector de produção da sua unidade produtiva, em que as requerentes e os associados do requerente laboram, em laboração continua – MADRES -, tendo em 2017 estendido tal organização de trabalho em laboração continue a outros sectores – (...) e (...).

Mesmo considerando, por hipótese, que as requerentes (…) (…) (…) (…) e (…), com antiguidades entre os dezassete e os vinte e seis anos, e os associados do requerente nunca tenham trabalhado em sectores que se encontravam em laboração continua, nada nos autos permite considerar que as suas funções ou categorias profissionais se destacam das dos trabalhadores que se encontravam afectos a linhas de produção em funcionamento contínuo e que lhes permitisse ter qualquer expectativa de não serem, anteriormente, inseridos nas referidas linhas de produção.
É que, face ao conteúdo funcional que resulta do CCT, nem as características das funções de operador de embalagem/embalador se revestem de uma especificidade distintiva em função da linha de produção ou do produto nela em causa, nem as requerentes alegaram especificidades daquelas outras linhas de produção escapavam às suas competências profissionais.

Entende-se, pois, não ser, em face da prova produzida, sustentável a afirmação que a referida autorização nunca foi utilizada e daí retirar qualquer expectativa de não utilização ou afectação da sua validade, passíveis de obstar ao funcionamento da requerida em laboração contínua.

Nada obstando ao funcionamento da requerida em regime de laboração contínua, com a consequente improcedência da pretensão de suspensão de laboração contínua, importa, face aos pedidos formulados, verificar a conformidade dos horários estabelecidos pela requerida com os normativos aplicáveis.

Prevendo o CCT a prestação de trabalho por turnos o mesmo estatui, na sua Cláusula 22.ª, que “1 - Deverão ser organizados turnos de pessoal diferente, sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos dos períodos normais de trabalho. (….) 3 - As escalas de turnos rotativos só deverão prever mudanças de turno após o período de descanso semanal.”.

O Código do Trabalho, no seu art.º 221.º, determina que 1 - Devem ser organizados turnos de pessoal diferente sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos do período normal de trabalho. 2 - Os turnos devem, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestados pelos trabalhadores. 3 - A duração de trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho. 4 - O trabalhador só pode mudar de turno após o dia de descanso semanal. 5 - Os turnos no regime de laboração contínua e os de trabalhadores que asseguram serviços que não podem ser interrompidos, nomeadamente nas situações a que se referem as alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 207.º, devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito.”.

Por estar em causa o direito ao descanso, no confronto tempo de trabalho/tempo de descanso importa atender ao disposto no art.º 232.º do Código do Trabalho segundo o qual 1 - O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana. 2 - O dia de descanso semanal obrigatório pode deixar de ser o domingo, além de noutros casos previstos em legislação especial, quando o trabalhador presta actividade: a) Em empresa ou sector de empresa dispensado de encerrar ou suspender o funcionamento um dia completo por semana, ou que seja obrigado a encerrar ou a suspender o funcionamento em dia diverso do domingo; (…) 3 - Por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho, pode ser instituído um período de descanso semanal complementar, contínuo ou descontínuo, em todas ou algumas semanas do ano.”.

Na cláusula 34.ª do CCT, aliás aquela que todos os requerentes consideram esta a ser incumprida, “1 --Considera-se dia de descanso semanal obrigatório o domingo, o dia previsto na escala de turnos rotativos, sendo o sábado considerado como dia de descanso complementar. Todos os restantes dias serão considerados úteis, com excepção dos feriados. 2 - Quando o trabalho for prestado em regime de laboração contínua o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham, em média, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo.”.

Por estar igualmente em causa o direito à conciliação da actividade profissional com a actividade familiar haverá que ponderar a consagração legal de regimes especiais de tempo de trabalhou ou de dispensa de inserção em determinadas formas de organização de tempo de trabalho como previsto nos art.ºs 54.º, 56.º e 58.º do Código do Trabalho.

Destes, relevando para situação em apreciação nos autos, os dois primeiros segundo os quais 1 - Os progenitores de menor com deficiência ou doença crónica, com idade não superior a um ano, têm direito a redução de cinco horas do período normal de trabalho semanal, ou outras condições de trabalho especiais, para assistência ao filho. (…) 4 - O empregador deve adequar o horário de trabalho resultante da redução do período normal de trabalho tendo em conta a preferência do trabalhador, sem prejuízo de exigências imperiosas do funcionamento da empresa.” – art.º 54.º - e “1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.” – art.º 56.º.

Adiantando e quanto a estes preceitos, que relevam para a pretensão de três trabalhadoras, importa considerar que as requerentes (…) e (…) se apurou já terem atribuído horário flexível, tendo a requerida dado cumprimento ao determinado pela CITE, afigura-se que em relação a tal segmento do pedido a instância se mostra prejudicada por inutilidade superveniente.

Quanto à trabalhadora (…), considerando que o parecer da CITE foi desfavorável à sua pretensão de horário flexível e não estando demonstrados, por não alegados – limitou-se a alegar que a CITE havia emitido parecer favorável à sua pretensão, o que se não apurou --, factos que suportem o seu direito a horário flexível, ou outro, a sua pretensão terá de improceder.

Entrando na apreciação da regularidade das escalas de turnos rotativos, considerando os normativos aplicáveis e vistos os horários de trabalho de cada um dos turnos estabelecidos pela requerida desde 2-1-2019 a primeira constatação é que não é assegurado o gozo de dois dias consecutivos coincidentes com o sábado e domingo em cada período de quatro semanas.

Tal coincidência de dois dias de descanso com sábados e domingos ocorre a cada período de sete semanas e em dois fins-de-semana consecutivos.

A requerida argumenta, por um lado, que os horários de cada turno correspondem as escalas que foram votadas favoravelmente pelos trabalhadores, quando os auscultou, e das mesmas até resulta um maior número de dias de descanso, e, por outro lado, que a forma como organizou as referidas escalas não determina a aplicação do n.º 2 da clausula 34.ª.

Quanto à primeira questão, independentemente de se não ter apurado uma votação maioritária dos trabalhadores da requerida no sentido da execução das escalas em questão, com o não gozo de descanso em sábado e domingo em cada período de quatro semanas, sempre se dirá que, atenta a natureza dos direitos em causa, designadamente do direito ao descanso como direito constitucional fundamental nos termos supra-referidos, a referida vontade sempre seria irrelevante.

Irrelevante se afigura ser igualmente, pelo mesmo motivo, que os trabalhadores dos sectores da unidade produtiva em que tais escalas de turnos se encontravam implementados desde 2017 nunca tenha questionado as mesmas.

Relativamente à segunda argumentação discorda-se da mesma e, salvo melhor opinião, não se afigura que as normas invocadas a sustentem.

É certo que, nos termos do art.º 232.º, n.º 2 do Código do Trabalho o dia de descanso semanal pode não ser o domingo nas situações aí previstas e nas quais se compreende o caso de empresas que se encontrem a funcionar em laboração continua, como é o caso da requerida.

O texto do n.º 1 da cláusula 34.ª estabelece a existência de um dia de descanso semanal e de um dia de descanso complementar, sendo o primeiro o domingo e o segundo o sábado, ou seja, dois dias consecutivos.

O preceito excepciona as situações em que existam turnos rotativos determinando que, nesse caso, o dia de descanso semanal será aquele que como tal for assinalado na escala de turno. Esse dia será considerado, nos termos do n.º 3 da cláusula 22.ª, para efeitos de mudança de turno.

Se bem se entende a leitura da requerida quando os trabalhadores laboram em regime de turnos rotativos não lhes é devido nos termos do CCT qualquer dia de descanso complementar, nem o mesmo é imposto pelo Código do Trabalho no seu art.º 232.º.

Ora, do referido n.º 1 resulta que os trabalhadores têm direito a dois dias de descanso, semanal e complementar, e que estes ocorrem em dois dias específicos da semana, dias estes consecutivos.

Do teor da norma não se afigura que seja possível extrair que os trabalhadores em regime de turnos rotativos apenas têm um dia de descanso semanal, mas apenas que o mesmo pode não ocorrer ao domingo.

O teor literal da mesma não permite tal afirmação e a invocação do n.º 3 da cláusula 22.ª – o dia de descanso semanal como sendo o dia de mudança de turno - a tal não conduz, nem justifica ou legitima a interpretação da requerida que conduziria à redução dos dias de descanso semanal, precisamente numa forma de organização dos tempos de trabalho que é pacificamente tida como mais penosa por comparação com a dos trabalhadores que não prestam a sua actividade em regime de turnos rotativos e aos quais são concedidos dois dias de descanso em cada semana.

Depois, o n.º 3 referido nada estabelece quanto ao número de dias de descanso, mas apenas e tão só determina que o novo turno se inicie após o dia de descanso semanal – que nos termos do n.º 1 da cláusula 34.ª poderá não ser o domingo.

O que se afigura resultar, para os trabalhadores em turnos rotativos, da cláusula 34.ª, no seu n.º 1 é apenas que os dias de descanso semanal e complementar aí reconhecidos, não serão por via da organização das escalas gozados ao sábado e ao domingo.

Aliás a redacção do n.º 2 ao determinar que a organização de turnos rotativos em laboração contínua conduza a que os trabalhadores gozem em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivo que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo – seguindo prática, imposição de gozo ao domingo, prevista frequentemente em IRC como referido por Luís Monteiro em Código do Trabalho Anotado, anotação ao art.º 221.º, pág. 580 da 11.ª Ed, ou obrigação imposta, por via da natureza e tutela constitucional do direito a descanso, ao empregador na organização dos turnos como defendido por Liberal Fernandes, loc. cit., a pág. 284 a 287 – deixa claro que os trabalhadores em regime de turnos rotativos elaboração continua têm dois dias consecutivos de descanso em cada período de sete dias – o espaço temporal de uma semana – e que em cada quatro semanas os mesmo devem coincidir com o sábado e o domingo.

A norma não exige que os trabalhadores trabalhem durante sete dias para gozarem dois dias consecutivos de descanso – tal leitura mostra-se contraria ao estatuído no art.º 5.º da Directiva 2003/88 acima referida, sendo que Portugal não usou da possibilidade de alteração do período de referência prevista no art.º 17.º, n.º 4 al a) da mesma, que não admite mais de seis dias consecutivos de trabalho (vd. Liberal Fernandes, loc. cit a pág. 201 e segs.) – devendo a referência a sete dias de trabalho, em laboração contínua todos os dias são dias de trabalho, ser vista por referência ao número de dias, de uma semana, tal como o art.º 232.º n.º 1 do Código do Trabalho se refere à semana.

Concluindo, da cláusula 34.ª resulta que todos os trabalhadores têm dois dias de descanso em cada semana – um dia de descanso semanal e outro de descanso complementar – os quais são gozados ao domingo e ao sábado, ou seja, consecutivamente.

Os dois dias consecutivos de descanso podem não ser gozados aos sábados e aos domingos quando os trabalhadores se encontrem em regime de laboração contínua, mas terão necessariamente de o ser, ser gozados consecutivamente ao sábado e ao domingo, de quatro em quatro semanas.

As escalas implementadas pela requerida não observam o n.º 2 da cláusula 34.ª.

É certo que concedem dois fins-de-semana consecutivos a cada sete semanas e que, durante aqueles que são os dias úteis da semana, são concedidos dias de descanso em medida que pode até determinar que os trabalhadores em regime de turnos rotativos em laboração contínua tenham mais dias de inactividade laboral ao longo do ano que um trabalhador em horário fixo de segunda a sexta-feira ou que fosse chamado a prestar trabalho suplementar.

Nada obsta a que sejam concedidos mais dias de descanso a trabalhadores que estão sujeitos a um regime de organização de tempos de trabalho mais penoso, mas a questão, para efeitos da norma em causa, prende-se com a periodicidade com que os descansos são gozados ao sábado e ao domingo.

A lei, no Código do Trabalho ou no CCT, não fala apenas no número de dias de descanso, mas também em dias da semana, dias concretos de gozo do descanso.

As normas não se bastam apenas com um número de dias, exigindo ainda que o descanso tenha lugar em concretos dias da semana e com a periodicidade nelas estabelecida.

Com efeito, o descanso não visa apenas possibilitar ao trabalhador a sua recuperação física, mas também a satisfação dos seus interesses pessoais, familiares e sociais, sendo que a consagração do sábado e do domingo como dias de descanso, semanal e completar, por excelência decorre de factores de ordem cultural e social que, na tradução cristã ocidental, conferem aos referidos dias características próprias e potenciadoras da realização desses interesses – vd. Liberal Fernandes, loc. cit. a pág. 286 e segs.

Impõe-se concluir que a organização das escalas de turno implementadas pela requerida a toda a sua unidade produtiva, por contrárias aos preceitos legais que disciplinam a organização de tempos de trabalho e consequentes tempos de descanso, violam o direito das trabalhadoras requerentes e dos associados do requerente ao descanso e à conciliação da vida familiar.

Essa violação configura uma lesão.

A questão que, em sede de procedimento cautelar se coloca é a de saber se a mesma é grave e irreparável justificando a implementação de uma providência que acautele a demora da decisão da acção, sendo que, na perspectiva da requerida, a lesão já se verificou com a implementação dos turnos rotativos em laboração contínua em 2-1-2019.

O facto de a lesão já se verificar não se afigura que seja impeditivo da demandada de uma providência cautelar.

Mais, o facto de a requerida manter, com excepção das duas trabalhadoras já identificadas, a execução das escalas de turnos rotativos que, violando as normas legais aplicáveis, determinam a verificação da lesão, permite concluir que a lesão se manterá e que o direito ao descanso dos trabalhadores continuará a ser atingido.

O direito ao descanso, nas suas dimensões de direito a restabelecimento de condições de saúde física e mental e de direito à conciliação da actividade profissional com a vida familiar, não se mostra pela sua natureza um direito naturalmente redutível a um valor pecuniário.

Não se ignora entendimento de que tudo tem um preço e que tudo pode ser reduzido a um valor, mas salvo melhor opinião, o que pode distinguir as pessoas de objectos é precisamente a consideração de existem valores – no caso a saúde e a vida familiar/social – que, considerados na sua essência e no longo prazo, se sobrepõem à materialidade de uma qualquer imediata expressão pecuniária dos mesmos.

Por tal se justifica que, no âmbito laboral, existam limites para a prestação de trabalho suplementar e que este seja remunerado de forma distinta, o mesmo sucedendo para a prestação de trabalho em períodos noturnos, bem como todos os condicionalismos legais em matéria de limites de tempos de trabalho.

A saúde e a vida em sociedade não são mercadorias passíveis de transacção, sendo qualquer mercantilização das mesmas, mesmo por iniciativa, ou dita livre vontade, dos titulares dos direitos um comportamento socialmente valorado de forma negativa, pelo menos no contexto da cultura ocidental contemporânea.

Os limites mínimos estabelecidos por lei, em sede laboral para os tempos de trabalho e as regras de organização dos tempos de descanso, não podem deixar de ser vistos como o resultado da consolidação no texto legal da valoração e apreciação das consequências da ausência de limites, ou limites menos rígidos, da experiência de tempos anteriores.

(Pense-se nos tempos de trabalho à data da Revolução Industrial, atente-se, já no século passado, na diminuição do número de horas da jornada de trabalho, na aquisição do direito a férias, no aumento do número de dias de férias, na actual invocação do direito à desconexão, etc.., sendo incontornável, ressalvados pontuais desvios puramente economicistas, a tendência global no sentido da diminuição das horas de trabalho e no reforço do direito ao descanso e à qualidade deste.)

Os limites legais, exprimindo a valoração dos referidos direitos em cada momento histórico e também a tensão de interesses existente na relação laboral, consagram a “linha vermelha” para além da qual existirá lesão dos referidos direitos.

Decorrendo da implementação de escalas efectuada pela requerida que o direito ao descanso e à conciliação da vida familiar e profissional dos trabalhadores se mostra atingido, a manutenção de tal situação não deixará de agravar as consequências da lesão de direitos já verificada e justificativa da demanda cautelar.

Uma coisa é não ser respeitado o ritmo de descanso e conciliação da vida familiar e profissional numa ou noutra ocasião, ou num determinado e curto período, – lesão que, pela sua delimitação no tempo, não sendo irrelevante não será, pelo seu carácter esporádico, necessariamente grave e de difícil reparação -, outra é a manutenção ou o estabelecimento, de uma tal situação como modo de organização dos tempos estabelecido para o futuro.

A permanência, continuidade e intensidade dessa lesão não pode deixar de atingir a saúde física e mental dos trabalhadores, sendo que a lesão da saúde é, por natureza, uma lesão grave e, de algum modo, insusceptível de uma reparação completa.

A única forma de acautelar os riscos que a manutenção da lesão comporta para os direitos dos requerentes é a imposição de elaboração de horários de forma a que os mesmos passem a comtemplar o gozo de descanso semanal e complementar consecutivos e coincidente com o sábado e domingo a cada quatro semanas como decorre da cláusula 34.ª, n.º 2 do CCT.

Tal medida cautelar permitirá à requerida manter o seu ritmo de produção em laboração continua, não se equacionando no mesmo dano, designadamente dano superior àquele que constitui a não observância dos regulares descansos ao fim de semana para a saúde dos seus trabalhadores.

O sindicato requerente peticiona que seja fixada sanação pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento pela requerida da decisão que venha a ser proferida.

Dispõe o art.º 829.º-A do Código Civil que 1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. 2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.”.

A sanção pecuniária compulsória visa obter a realização de uma prestação, judicialmente reconhecida, a que o - credor tem direito, constituindo, apenas, uma forma de protecção do credor contra o devedor relapso e um reforço da tutela específica do direito daquele à realização in natura da prestação que por este lhe é devida. Insere-se, portanto, na sempre actual questão da efectividade da tutela específica a que o credor tem direito, da actuação desse princípio primário, natural e lógico, para toda a espécie de obrigações, que é direito ao cumprimento.

Naturalmente, essa efectividade ou actuação da tutela em forma específica encontra veículo de concretização ou realização na execução in natura das obrigações, quando o devedor não cumpre voluntária e espontaneamente a originária prestação que deve. Só que a condenação do devedor a cumprir, quando não acatada, nem sempre encontra o adequado e eficaz prolongamento no processo executivo, impotente, em algumas situações, para proporcionar ao credor o resultado prático (do cumprimento) a que tem direito, de acordo com a lei substantiva, não prevendo a correlativa acção de execução específica da obrigação. É o colmatar desta insuficiência ou lacuna do processo executivo que motiva a consagração legislativa da sanção pecuniária compulsória (art.º 829.º-A), destinada a fazer pressão sobre a vontade do devedor e a vencer a sua resistência, a fim de o decidir a cumprir voluntariamente as obrigações não susceptíveis de «cumprimento forçado», isto é, de execução in natura, por falta de correspondente acção executiva que efective e actue a sentença de condenação no cumprimento– Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 354 e segs. da 4.ª ed.

A obrigação de alteração dos horários das escalas de turnos rotativos, é manifestamente uma obrigação de facto positiva a cargo da requerida, que justifica a aplicação de sanção pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento da mesma.

Na determinação do montante da sanção e tendo em atenção o disposto no n.º 2 do art.º 829.º A do Código Civil importa atender a um juízo de equidade a fim de que, tomando em consideração os dados concretos da relação jurídica controvertida e a situação das partes, fixe um montante adequado que permita à sanção pecuniária compulsória ser eficaz na realização dos objectivos que lhe são próprios – o cumprimento da obrigação e a obediência ao tribunal – ult. aut. e loc. cit. a pág. 420.

Ora, neste quadro de determinação não se pode deixar de ter em atenção que a ré é, como se apurou, detentora de uma unidade fabril que se encontra em momento positivo de expansão produtiva – o que motivou a sua necessidade de laboração continua -- e que a obrigação em questão, relacionada com o direito ao descanso dos seus trabalhadores, se prende, em última instância, com o direito à saúde física e mental dos mesmos.
Pretende-se com a sanção pecuniária obter a realização da obrigação e não facultar ao devedor um meio alternativo ao não cumprimento.

Assim, considerando que a sanção é fixada com referência a um valor diário afigura-se que os objectivos da sanção serão atingidos com a fixação de um valor de 500,00 €, valor que reverterá em partes iguais para o requerente e para o Estado – art.º 829.º-A, n.º 3 do Código Civil.»
*

A Requerida, inconformada com tal decisão, veio, a fls. 400 e seguintes e em 12/08/2019, interpor recurso da mesma.

O juiz do processo admitiu, a fls. 424 e 427, o recurso interposto, como de apelação, tendo determinado a sua subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*

A Apelante apresentou alegações de recurso (fls. 401 e seguintes), onde, para além de arguir a nulidade da sentença, formulou as seguintes conclusões:

(…)

Termos em que a douta sentença recorrida não deverá manter-se, devendo o presente recurso merecer integral provimento, com as consequências legais daí decorrentes.

Mais requer a V. Exa. se digne admitir a prestação de caução por parte da Recorrente, a ser prestada por meio de garantia bancária, no valor que vier a ser fixado pelo tribunal.

Assim decidindo V. Exas., farão, como sempre inteira JUSTIÇA!”.
*

Notificadas as Requerentes para responder a tais alegações, vieram as mesmas fazê-lo dentro do prazo legal, nos moldes constantes de fls. 421 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

“Assim, em conclusão, quanto à alegada nulidade as razões de facto e de direito que aduz traduzem, mais que qualquer nulidade, uma radical oposição à operação intelectual que constitui a base de elaboração da douta decisão recorrida, pelo que, liminarmente, se não verifica.

O mesmo sucede com o recurso, porquanto as ilegalidades alegadas se não verificam, antes fazendo a douta sentença recorrida, uma correcta aplicação, quer da cláusula 34.ª-2, quer dos artigos 362.º e 368.º do N.C.P.C.

Termos em que, nenhuma censura merecendo, deve ser por V. Exas a douta decisão recorrida ser confirmada, conforme é de direito e de JUSTIÇA!”.
*

O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso de Apelação (fls. 432 a 434), não tendo os Requerente se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de notificados para esse efeito, ao contrário do que aconteceu com a Requerida e recorrente que veio a fls. 437 a 441 sustentar posição oposta tal parecer. 
*

Tendo os autos ido a vistos, cumpre decidir.

II–OS FACTOS

O tribunal da 1.ª instância recorrido considerou indiciariamente provados os seguintes factos:

«Realizada a audiência, da prova produzida e do acordo das partes, resultam provados os seguintes factos:

1.– A Requerida é uma sociedade comercial cujo objecto social é a indústria e comércio de bens alimentares, bem como a prestação de serviços de consultadoria e assessoria a sociedades do mesmo sector ou de sectores similares e conexos, tendo ao seu serviço um número aproximado de 300 trabalhadores.
2.– AAA trabalha sob direcção e orientação da requerida, desde 27 de Setembro de 1993, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Embaladora e auferindo a retribuição mensal base de € 761,57, acrescido de € 190,39 de subsídio de laboração contínua, de € 114,24 de subsídio de turno e de € 70,52 de trabalho noturno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho.
3.– BBB trabalha sob direcção e orientação da requerida, desde 01 de Fevereiro de 2001, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Embaladora e auferindo a retribuição mensal base de € 657,15, acrescido de € 164,29 de subsídio de laboração contínua, de € 98,57 de subsídio de turno e de € 60,14 de trabalho noturno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho.
4.– CCC trabalha sob direcção e orientação da requerida, desde 04 de Agosto de 1998, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Operadora de Embalagem e auferindo a retribuição mensal base de € 851,86, acrescido de € 212,97 de subsídio de laboração contínua, de € 127,78 de subsídio de turno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho.
5.– DDD trabalha sob direcção e orientação da requerida, desde 16 de Julho de 2001, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Embaladora e auferindo a retribuição mensal base de € 629,24, acrescido de € 157,31 de subsídio de laboração contínua, de € 94,39 de subsídio de turno e de € 47,43 de trabalho noturno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho.
6.EEE trabalha sob direcção e orientação da requerida, desde 16 de Setembro de 2002, exercendo as funções e tendo a categoria profissional de Embaladora e auferindo a retribuição mensal base de € 646,56, acrescido de € 161,64 de subsídio de laboração contínua, de € 96,98 de subsídio de turno e de € 98,82 de trabalho noturno e outras prestações complementares decorrentes de específicas condições de trabalho.
7.– As Requerentes identificadas em 2. a 6. são associadas do FFF.
8.– Às relações de trabalho entre as partes é aplicável o CCT para a Indústria de Batata Frita, Aperitivos e Similares, publicado do BTE, 1.ª série, n.º 39 de 22/10/2016.
9.– O SINDICATO (…) é uma associação sindical constituída pelos trabalhadores nela filiados que exerçam a sua actividade profissional em qualquer ramo da indústria alimentar, bebidas e tabacos exercendo a sua actividade nos distritos de Beja, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Leiria, Lisboa, Portalegre, Santarém, Setúbal e Ilhas, e tem a sua sede em Santarém.
10.– O referido sindicato subscreveu o CCT identificado em 8. e integra trabalhadores da requerida como seus associados.
11.– A requerida no final do ano findo decidiu passar a trabalhar em horário de trabalho por turnos rotativos na totalidade da sua unidade produtiva, com a alteração, em relação a situações anteriores, de a prestação de trabalho incluir os sábados e domingos, até aqui dias de descanso de todos os trabalhadores, o que concretizou no início do corrente ano.
12.– O que fez ao abrigo de uma autorização de laboração contínua publicada no BTE n.º 40 de 29/10/1995.
13.– A qual foi emitida considerando: 1) não existe conflitualidade na empresa 2) Que os trabalhadores envolvidos no regime de laboração pretendido serão admitidos para esse efeito: 3) Que o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável não veda o regime pretendido, e 4) Que se comprovam os fundamentos aduzidos pela empresa”.
14.– A decisão da requerida de iniciar a laboração contínua em todos os sectores de produção foi determinada pela necessidade de assegurar um aumento de produção orientado para exportação
15.– O qual não era exequível com as linhas de produção em funcionamento apenas cinco dias por semana.
16.– E foi ainda determinada por propósito de optimização das linhas de produção no contexto de uma estrutura fabril localizada na periferia do centro da Europa.
17.– A mesma foi antecedida de comunicação aos trabalhadores, e conversações com os seus representantes, as quais persistiram para além de 2-1-2019.
18.– Foi dado a escolher aos trabalhadores a opção entre dois modelos de organização de turnos rotativos em laboração continua, sendo um deles com o gozo de descanso consecutivo, ao sábado e domingo, um vez por mês e outro aquele que veio a ser implementado.
19.– A decisão de laboração contínua determinou a realização de duas greves e de dois abaixo-assinados, em manifestação de oposição à mesma.
20. 174 trabalhadores subscreveram declaração, comunicada à requerida, que se opunham à alteração dos seus horários para regime de turno rotativo em laboração contínua.
21.– Desde 2008 a requerida mantém em funcionamento, sob laboração contínua, a área de produção denominada (…).
22.– Em Março de 2017 tal regime de laboração contínua foi estendido à área de produção de (...) e em Outubro de 2017 foi estendido à área de produção (...), o que vigorou até Dezembro de 2018.
23. Não tendo nessa altura sido suscitadas quaisquer dúvidas pelo (…) sobre a legalidade do regime de laboração contínua implementado nessas linhas.
24. Nos demais sectores de produção da requerida, quando em laboração de turnos rotativos, os sábados e domingos eram dias de descanso.
25. Sendo o trabalho executado nesses dias como trabalho suplementar.
26. O horário de turnos iniciado em 2 de Janeiro de 2019 é o mesmo que foi implementado em Outubro de 2017 na linha de “(...)”.
27.– Na qual prestavam a sua actividade cerca de 55 trabalhadores dos quais pelo menos um associado do sindicato requerente.
28.– A sua implementação de laboração contínua, em 2-1-2019, determinou a organização de três turnos rotativos e de quatro equipas de trabalhadores, ficando, em cada dia, três equipas a trabalhar e uma equipa em descanso.
29.– Cada equipa apenas goza dois descansos consecutivos, coincidentes com sábados e domingos, de sete em sete semanas.
30.– Em cada vez que tal sucede o gozo é repetido no fim-de-semana seguinte.
31. A implementação da laboração contínua em 2-1-2019 permitiu à requerida crescimento do volume de produção.
32.– A implementação de horário determinada em 2-1-2019 determinou a alteração da vida pessoal dos trabalhadores da requerida envolvidos.
33.– Em 2018, o SINDICATO (…)diligenciou junto do núcleo local da ACT, indagando sobre a regularidade da autorização de laboração contínua não obtendo resposta conclusiva;
34.– As requerentes BBB, CCC e DDD solicitaram a atribuição de horário flexível, o qual foi recusado pela requerida, tendo a CITE emitido parecer desfavorável à recusa relativamente às trabalhadoras BBB e CCC;
35.– Tal solicitação das requerentes foi motivada pela necessidade de acompanhar e assistir os seus filhos
36.– Desde, respectivamente, a 1 e 10 de Julho do corrente ano, a requerida atribuiu horário flexível às duas referidas requerentes;
37.– Relativamente à requerente DDD, o parecer da CITE foi favorável à recusa da requerida.

NÃO PROVADO:

1.– Que os contratos de trabalho dos trabalhadores da requerida determinem um dia fixo de descanso semanal ou um regime fixo de organização dos tempos de trabalho.
2.– Qual o número de associados do sindicato requerente que exercem funções na requerida ou qual a percentagem de trabalhadores da requerida que são sindicalizados
3.– Que os abaixo assinados tenham sido subscritos por mais de 500 trabalhadores da requerida.
4.– Que a requerida não tenha contratado qualquer trabalhador para a implementação de turnos rotativos.
5.– As escalas de turnos implementadas em 2-1-2019 foram escolhidas por maioria dos trabalhadores.
6.– Os filhos da maioria dos trabalhadores da requerida são menores de idade e os mesmos não têm com quem os deixar, quando estão a trabalhar, tendo necessidade de solicitar a familiares e terceiros que os acompanhem às actividades extracurriculares.
7.– A requerida foi objecto de acção inspectiva pela ACT – AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO em 25-10-2017.
8.– As requerentes prestavam horas de trabalho suplementar antes de 2-1-2019 e faziam-no em dias de descanso sem qualquer reclamação por tal prestação que solicitavam.
9.– Que aos trabalhadores em laboração contínua o gozo de dias feriados e a redução do tempo de tempo de trabalho tenha determinado um gozo de descanso de mais 51%.
10.– Que a previsão de crescimento da produção fosse de 9% quando foi decidido implementar a laboração contínua.
11.– Qualquer outro facto em oposição com os dados como provados.»

III–O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

(…)

B–NULIDADE DA SENTENÇA
 
A Requerida Apelante no âmbito da sua Apelação e por requerimento autónomo, que antecede as suas alegações propriamente ditas, vem arguir a nulidade da sentença que se mostra vertida na primeira parte do número 1, alínea c) do art.º 615.º do Novo Código de Processo Civil (“É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”), estipulando ainda o artigo 607.º, número 3, desse mesmo diploma legal, a propósito da estrutura da sentença, que “…seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes concluindo pela decisão final”.

A recorrente justifica a invocação dessa nulidade da sentença nos seguintes moldes:

«Da nulidade da sentença

1.– Dispõe o n.º 1 do art.º 77.º do Código de Processo do Trabalho, que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

2.– Por outro lado, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

3.– No entender da Recorrente, a decisão objeto do presente recurso encontra-se inquinada de nulidade na medida em que se verifica uma contradição lógica entre os seus fundamentos de facto e a decisão. Vejamos,

4.– Conforme salientado na decisão recorrida, no que ao objeto do presente recurso interessa, em face do pedido formulado pelos Requerentes – intimação da Requerida para que dentro do prazo de 15 dias após a data da notificação da decisão do Tribunal altere os horários de trabalho por forma a que os trabalhadores passem a usufruir de dois dias de descanso semanal coincidente com o sábado e o domingo no período de 4 semanas, de acordo com o estabelecido no n.º 2 da Cláusula 34.ª do CCT aplicável – importava verificar a conformidade dos horários estabelecidos pela Requerida com os normativos aplicáveis.

5.– O mesmo é dizer, apurar a conformidade dos horários estabelecidos pela Requerida desde 2 de janeiro de 2019, em regime turnos rotativos de laboração contínua, com o disposto no n.º 2 da cláusula 34.ª do CCT aplicável.

6.– Dispõe o n.º 2 da referida cláusula 34.ª:

Quando o trabalho for prestado em regime de laboração contínua o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham, em média, em cada período de 7 dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo”.

7.– Em sede de fundamentação de facto, considerou-se provada a seguinte factualidade:
-Cada equipa apenas goza dois descansos consecutivos, coincidentes com sábados e domingos, de 7 em 7 semanas (facto provado 29);
-Em cada vez que tal sucede o gozo é repetido no fim-de-semana seguinte (facto provado 30).

8.– Não obstante este factualismo dado como provado, entendeu a Meritíssima Juiz a quo que os horários de trabalho de cada um dos turnos estabelecidos pela ora Recorrente em 2 de janeiro de 2019 não observam o disposto no n.º 2 da cláusula 34.ª, pois não asseguram o gozo de 2 dias consecutivos coincidentes com o sábado e o Domingo em cada período de 4 semanas uma vez que tal coincidência apenas ocorreria a cada período de 7 semanas e em 2 fins-de-semana consecutivos.

9.– Concluindo a Meritíssima Juiz a quo que a ora Recorrente deve alterar os horários de trabalho das escalas de turnos rotativos em execução desde 2 de janeiro de 2019 de forma a que as mesmas contemplem dois dias de descanso semanal coincidentes com o sábado e o domingo de 4 em 4 semanas.

10.– Ora, sem prejuízo de no entender da Recorrente o disposto no n.º 2 da cláusula 34.ª não se aplicar aos horários estabelecidos pela Recorrente em 2 de janeiro de 2019, nos termos que melhor adiante se explicitarão, salvo o devido respeito é desde logo evidente a contradição existente entre a fundamentação de facto e a decisão proferida.

11.– Com efeito, desde logo, o n.º 2 da referida cláusula 34.ª do CCT aplicável estabelece que se tem de assegurar que os trabalhadores tenham dois dias de descanso consecutivos que, em média, coincidam com o sábado e o domingo em cada período de 4 semanas.

12.– Ora, resultando da matéria de facto provada que (pelo menos) de 7 em 7 semanas cada equipa goza o seu descanso ao sábado e ao domingo e que o faz em 2 fins-de-semana consecutivos,

13.– Forçoso será concluir que a média exigida nos termos da referida cláusula sempre se encontraria assegurada!

14.– Mas ainda que se entendesse, o que não se concede e apenas por mera hipótese de patrocínio se admite, que a média prevista no n.º 2 da referida cláusula se aplicaria apenas para efeitos de garantir o gozo de dois dias de descanso consecutivos em cada período de 7 dias de trabalho e já não para efeitos do gozo desses dias ao fim de semana,

15.– Ainda assim, outra não poderia ser a conclusão senão a de que os horários/escalas estabelecidos pela ora Recorrente, em 2 de janeiro de 2019, e que estão em causa nos presentes autos, em momento algum violam o disposto no n.º 2 da referida cláusula 34.ª do CCT aplicável.

16.– Com efeito, resulta da referida cláusula, tão-somente, que em cada período de 4 semanas a Recorrente tem de garantir que os trabalhadores descansam pelo menos um fim-de-semana.

17.–Nada se referindo quanto ao momento do gozo do fim-de-semana, nomeadamente, que esse gozo tenha necessariamente que ocorrer ao fim de cada período de 4 semanas mas, tão simplesmente, em cada período de 4 semanas.

18.– O que significa, indubitavelmente, que nada impede que o gozo do fim-de-semana ocorra quer no início quer no final do referido período de 4 semanas.

19.– Assim, resultando da matéria de facto provada que (pelo menos) de 7 em 7 semanas cada equipa goza o seu descanso ao sábado e ao domingo e que o faz em 2 fins-de-semana consecutivos,

20.– Tal significa que no período de 8 semanas (ou dois períodos de 4 semanas) gozam dois fins-de-semana, um no fim do período de 4 semanas e outro no início de outro período de 4 semanas.

21.– Ou seja, o mesmo é dizer que, ainda que não seja efetuado o apuramento em termos médios, está assegurado na prática que em cada período de 4 semanas, independentemente de ser no início ou no final do respetivo período, os trabalhadores da Requerida gozam pelo menos um fim-de-semana!

22.– Logo, em face da matéria de facto provada (factos provados 29 e 30), outra não poderia ser a conclusão senão a de que os horários/escalas estabelecidos pela Requerida e ora Recorrente em 2 de janeiro de 2019 não violam o disposto no n.º 2 da cláusula 34.ª do CCT aplicável.

23.– Ao concluir como concluiu, a Meritíssima Juiz a quo incorreu em manifesta contradição com a própria fundamentação de facto da decisão recorrida.

24.– O que acarreta a sua nulidade ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. a) do n.º 2 do art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho, a qual se deixa aqui invocada para todos os legais efeitos.

Termos em que deverá ser declarada a nulidade da sentença recorrida com todas as consequências legais daí decorrentes.»

A parte contrária veio responder a tal arguição de nulidades nos seguintes termos:

«Começa a recorrente por arguir a nulidade da douta decisão que antecede, vindo, depois, apresentar os fundamentos que integram a sua oposição ao teor daquela, mas sendo certo que, em bom rigor, as razões de facto e de direito que alega têm grande identidade nas duas fases e mais que qualquer nulidade existe sim uma radical oposição à operação intelectual que constitui a base de elaboração da douta decisão recorrida e, como tal, caberá, não na arguição de nulidade que, aliás, cabe, não parece às recorridas existir.

Nesta conformidade, entendem as ora recorridas, liminarmente, que se não verifica a arguida nulidade e, como tal, por economia de esforços de todos os intervenientes, se passará desde logo à fase de apreciação da douta (embora errada) argumentação aduzida pela recorrente e que, embora douta, desenvolvida e até contundente, por vezes, choca com uma evidente limitação lógica, face ao teor indiscutível da norma da convenção colectiva em causa, a cláusula 34.ª-2».

Acerca deste vício de natureza formal que deixámos enunciado, convirá ouvir FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA [[2]] quando diz, ainda no âmbito da anterior Código de Processo Civil de 1961: Na alínea c) do número 1 do artigo 668.º, a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Diversa desta situação, por não respeitar a um vício lógico na construção da sentença, mas a uma contradição aparente é a que deriva de simples erro material, quer na fundamentação, quer na decisão, que se elimina por simples despacho, de harmonia com o disposto no artigo 667.º       
       
(…) Registe-se que a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento”). 

Ainda a respeito da irregularidade contemplada no artigo 668.º, número 1, alínea c) do Código de Processo Civil, ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA [[3]] afirmam o seguinte:

A segunda categoria de deficiências da sentença, que podem determinar a intervenção do juiz depois de ela ter sido proferida, é a das nulidades da decisão.

Da enumeração taxativa das causas de nulidade sujeitas, aliás em termos muito limitados, ao processo de retificação regulado no artigo 670.º, duas conclusões ressaltam imediatamente:

a) A de que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário, ao contrário do que sucedia no Código de 1876 (art.º 1159.º, & 2.º); (…)

A lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º, à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. Neste caso, efetuada por despacho a correção adequada, nos termos do artigo 667.º, a contradição fica eliminada.

Nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, número 1, alínea c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples “lapsus calami” do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente”.

Como ensina o Prof. ALBERTO DOS REIS [[4]], tal nulidade da alínea c) do artigo 615.º, número 1 do Código de Processo Civil ocorre quando «(…) a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…), quando a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto (…)».

Por seu turno, JOSÉ LEBRE DE FREITAS [[5]], diz que «(…) entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (…)». 
    
Tendo em atenção a doutrina expressa nos excertos acima transcritos e com a qual concordamos, é manifesto que não nos achamos perante um caso de oposição ou contradição manifesta entre a fundamentação e a decisão tomada ou sequer face a uma situação de ambiguidade ou obscuridade, pois a mesma mostra-se clara e inequivocamente sustentada de facto e de direito e, lógica e cronologicamente, construída no sentido da conclusão jurídica final a que chegou.

Questão diversa é a discordância da parte relativamente a tais conclusões do tribunal da 1.ª instância, reconduzível a um eventual erro de julgamento mas nunca a uma nulidade de sentença.

Logo, por a questão suscitada não configurar, verdadeiramente, a nulidade de sentença arguida pela Requerida nas suas alegações e prevista no artigo 615.º, número 1, alínea c) do Novo Código de Processo Civil, vai a mesma indeferida.   
                
C–DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO 

Realce-se que a Recorrente não impugnou a Decisão sobre a Matéria de Facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, os Recorridos requerido a ampliação subsidiária do objeto do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do Novo Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

D–OBJECTO MATERIAL DO RECURSO

As trabalhadoras Requerentes AAA, BBB, CCC, DDD, e EEE (o 6.º trabalhador desistiu da instância) vieram requerer, no âmbito do presente procedimento cautelar comum, que funciona como autos principais, as seguintes providências cautelares comuns:

 “Termos em que, produzida a prova nos termos legais, requerem a V. Exa se digne ordenar a suspensão dos horários fixados pela requerida com vista a obter da requerida que se abstenha de continuar a praticar um horário por turnos rotativos, em laboração contínua, não autorizado e em violação da cláusula 34.ª-2 do CCT e a impor às 2.ª, 3.ª e 4.ª requerentes horários incompatíveis com as responsabilidades familiares que lhes cabem e ainda para atribuir a estas um horário compatível com o que nos termos do artigo 56.º e seguintes do Código de Trabalho haviam requerido, com indeferimento pela CITE da oposição manifestada pela requerida e, no mesmo passo, requer a realização da audiência final, seguindo-se os demais termos da lei até final.”. 

Por seu turno, o Sindicato Requerente (…), veio, nos autos de procedimento cautelar comum que instaurou e que se acham apensados aos presentes autos, também de procedimento cautelar comum, veio formular as seguintes pretensões:

«Nestes termos, requer-se nos termos dos artigos 362.º e segs. do Código de Processo Civil e 32.º e segs. do Código Processo de Trabalho, se digne decretar as seguintes providências cautelares:

1.º- Intimação para que a requerida suspenda de imediato o regime de laboração contínua imposto aos trabalhadores desde 02 de Janeiro de 2019, até verificação efetiva sobre a legalidade e validade da autorização referida em 11 - do presente articulado, voltando a ser aplicados os horários em vigor no dia 30 de Dezembro de 2018.

Caso assim não se entenda,

2.º- Intimidação para que no prazo de 15 dias após a data em que forem notificados da decisão deste tribunal, e dentro desse prazo, a requerida alterar os horários de trabalho por forma a que os trabalhadores passem a usufruir de dois dias de descanso semanal coincidente com sábado e domingo de 4 em 4 semanas de acordo com o estabelecido na clausula 34.ª do CCT.

3.º- Em caso de incumprimento das condenações anteriores, que a requerida seja condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na execução da decisão, a fixar em montante nunca inferior a 500 €, a contar da data em que a decisão seja exequível, ainda que transitoriamente.»

O Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, depois da normal tramitação deste processo, veio a proferir a seguinte decisão final: 

“Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito exposta, se decide julgar os presentes procedimentos cautelares parcialmente procedentes por provados e assim:

A.– Determinar que a requerida, no prazo máximo de vinte dias após a notificação da presente decisão, altere os horários de trabalho das escalas de turnos rotativos em execução desde 2-1-2019 de forma a que as mesmas contemplem dois dias de descanso semanal, consecutivos e coincidentes com o sábado e o domingo, de quatro em quatro semanas.

B.– Fixar por cada dia de incumprimento, após o prazo referido na alínea anterior, da obrigação de conformação dos horários das escalas de turnos rotativos determinada na alínea anterior, uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 500,00 (quinhentos euros);

C.– Julgar extinta por inutilidade superveniente da lide a pretensão das requerentes AAA e CCC.

D.– Julgar improcedente por não provado o mais peticionado pelos requerentes (suspensão de laboração contínua e pretensão da requerente DDD de atribuição de horário flexível).

Nos termos do disposto nos art.ºs 296.º, 304.º, 305.º e 306.º do Código de Processo Civil fixo a cada um dos procedimentos o valor de 5,001,00 €.

As custas dos procedimentos são suportadas pela requerida que neles decaiu – art.ºs 527.º e 539.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.”

A Requerida GGG inconformada com tal sentença veio interpor este recurso de Apelação onde se insurge contra a mesma e a respetiva fundamentação nos moldes sintetizados nas suas conclusões recursórias:

(…)

Termos em que a douta sentença recorrida não deverá manter-se, devendo o presente recurso merecer integral provimento, com as consequências legais daí decorrentes.

Mais requer a V. Exa. se digne admitir a prestação de caução por parte da Recorrente, a ser prestada por meio de garantia bancária, no valor que vier a ser fixado pelo tribunal.
Assim decidindo V. Exas., farão, como sempre inteira JUSTIÇA!”. 

E–PONTO DA SITUAÇÃO

Impõe-se fazer aqui, em função dos pedidos das partes acima reproduzidos, da decisão final tomada pelo Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira e do objeto do recurso de Apelação desta última, interposto por um só dos litigantes em presença nos autos (a Requerida GGG), um rápido ponto da situação quanto às pretensões ainda pendentes, por contraposição aquelas que se mostram já ultrapassadas, por terem ficado abarcadas pelo caso julgado material derivado da não reação oportuna pela parte afetada pela mencionada sentença.

Afigura-se-nos que a segunda parte do petitório formulado a final pelas Requerentes trabalhadoras - «…a impor às 2.ª, 3.ª e 4.ª requerentes horários incompatíveis com as responsabilidades familiares que lhes cabem e ainda para atribuir a estas um horário compatível com o que nos termos do artigo 56.º e seguintes do Código de Trabalho haviam requerido, com indeferimento pela CITE da oposição manifestada pela requerida» - caiu, ao ter sido julgado pelo tribunal recorrido nos seguintes moldes: «C. Julgar extinta por inutilidade superveniente da lide a pretensão das requerentes BBB e CCC. D. Julgar improcedente por não provado o mais peticionado pelos requerentes (suspensão de laboração contínua e pretensão da requerente DDD de atribuição de horário flexível).»

Nessa segunda parte do petitório e face à inexistência de reação atempada, em moldes recursórios, verificou-se a formação de caso julgado quanto a essas três Requerentes.

Tal também ocorreu com referência aos pedidos que não foram considerados, quer no âmbito destes autos, quer no quadro do procedimento cautelar comum apenso (v.g. a intimação da Requerida no sentido da suspensão dos horários praticados pela mesma, conforme requerido pelo Sindicato como primeira providência a adotar).

Sendo assim, somente a intimação para a Requerida, no prazo de 20 dias, passar a praticar horários de trabalho em regime de turnos rotativos, de maneira a que os trabalhadores pelos mesmos abarcados gozem o seu descanso semanal ao sábado e ao domingo de 4 em 4 semanas, assim como a aplicação da sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento dessa determinação, estão em causa no quadro deste recurso de Apelação. 
      
F–REQUISITOS LEGAIS DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES NÃO ESPECIFICADAS   
   
Os artigos 381.º e 387.º do Código de Processo Civil, na parte que nos interessa, estatuem o seguinte (o artigo 32.º do Código do Processo do Trabalho não tem qualquer relevância nesta matéria):

Artigo 381.º

(Âmbito das providências cautelares não especificadas)

1.- Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
2.- O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
3.- (…).

Artigo 387.º

(Deferimento e substituição da providência)

1.- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
2.- A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
3.- (…)

A interpretação conjugada do regime acima reproduzido permite-nos corroborar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4/11/2009, processo n.º 2471-09.0TTLSB.L1-4, em que foi relatora a Juíza-Desembargadora Isabel Tapadinhas, publicado em www.dgsi.pt (Sumário), quando afirma o seguinte (cf., também, nesse mesmo sentido, a sentença impugnada):
“I– A solicitação de medidas cautelares não especificadas depende essencialmente da verificação de dois requisitos, nos termos dos arts. 381.º e 387.º do Cód. Proc. Civil:
a)- Aparência ou verosimilhança de um direito do requerente carecido de tutela (fumus boni iuris);
b)- Verificação de situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada (periculum in mora). (…)”
António Abrantes dos Santos Geraldes, por seu turno, em “Temas da Reforma do Processo Civil - 5. Procedimento cautelar comum”, III Volume, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, Janeiro de 2010, página 99, afirma a este respeito, o seguinte:
“Partindo do modo como vem regulada a matéria, o decretamento de providências não especificadas esta dependente da conjugação dos seguintes requisitos:
a)- Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b)- Fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito:
c)- Adequação da providência a situação de lesão iminente;
d)- Não existência de providência específica que acautele aquela situação de perigo.”

G– DIREITO SUBSTANTIVO APLICÁVEL AO LITÍGIO DOS AUTOS

Atendendo a que foi autorizado o pedido de laboração contínua da Ré no ano de 1995, importará atender ao regime legal em vigor nessa altura assim como as disposições legais que lhe sucederam no tempo, no quadro dos Códigos do trabalho de 2003 e 2009:

I– LCT E LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR (DECRETO-LEI N.º 409/71, DE 27/9, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI N.º 389/91, DE 16/10)

ARTIGO 26.°

(Período de laboração)

1.-O período de funcionamento dos estabelecimentos industriais denomina-se «período de laboração».
2.-O período de laboração será fixado normalmente entre as sete e as vinte horas.
3.-A determinação das atividades industriais autorizadas a laborar continuamente será feita em despacho conjunto do Ministro das Corporações e Previdência Social e dos Ministros interessados.
4.-Cabe ao Ministro das Corporações e Previdência Social, depois de ouvidas as entidades oficiais competentes, 'autorizar períodos de laboração com amplitude superior a dos limites definidos no n.º 2, quando os estabelecimentos industriais delas careçam, permanente ou temporariamente, por razões de ordem económica ou técnica.

ARTIGO 27.°

(Organização de turnos)

1.- Deverão ser organizados turnos de pessoal diferente, sempre que a período de funcionamento ultrapasse os limites máximos dos períodos normais de trabalho.
2.- Os turnos deverão, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestadas pelos trabalhadores.
3.- A duração de trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho.
4.- O pessoal só poderá ser mudado de turno após o dia de descanso semanal.
5.- Os turnos no regime de laboração contínua e dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos, nomeadamente guardas, vigilantes e porteiros, devem ser organizados de modo que aos trabalhadores de cada turno seja concedido pelo menos um dia de descanso em cada semana de calendário, sem prejuízo do período excedente de descanso a que o trabalhador tenha direito.

ARTIGO 37.º

(Descanso semanal)

1.– O dia de descanso semanal prescrito pela lei só poderá deixar de ser o domingo quando os trabalhadores prestem serviço a entidades patronais que estejam dispensadas de encerrar ou suspender a laboração um dia completo por semana ou que sejam obrigadas a encerrar ou a suspender a laboração num dia que não seja o domingo.
2.– Poderá também deixar de coincidir com o domingo o dia de descanso semanal:
a)-Dos trabalhadores necessários para assegurar a continuidade de serviços que não possam ser interrompidos;
b)-Do pessoal dos serviços de limpeza ou encarregado de outros trabalhos preparatórios a complementares que devam necessariamente ser efetuados no dia de descanso dos restantes trabalhadores;
c)-Dos guardas e porteiros.
d)-Dos trabalhadores que exerçam atividade em exposições e feiras.

ARTIGO 38.°

(Descansos semanais complementares)

1.- Pode ser concedido, em todas ou em determinadas semanas do ano, meio-dia ou um dia de descanso, além do dia de descanso semanal prescrito por lei.

2.- O dia de descanso complementar previsto no número anterior pode ser gozado de forma repartida ou diferenciada, desde que continuado, nos termos a definir por convenção coletiva.

II–CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003

SUBSECÇÃO V

Trabalho por turnos

Artigo 188.º

Noção

Considera-se trabalho por turnos qualquer modo de organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupem sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o ritmo rotativo, que pode ser de tipo contínuo ou descontínuo, o que implica que os trabalhadores podem executar o trabalho a horas diferentes no decurso de um dado período de dias ou semanas.

Artigo 189.º

Organização

1- Devem ser organizados turnos de pessoal diferente sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos dos períodos normais de trabalho.
2- Os turnos devem, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestados pelos trabalhadores.
3- A duração de trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho.
4- O trabalhador só pode ser mudado de turno após o dia de descanso semanal.
5- Os turnos no regime de laboração contínua e dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos, nomeadamente pessoal operacional de vigilância, transporte e tratamento de sistemas eletrónicos de segurança, devem ser organizados de modo que aos trabalhadores de cada turno seja concedido, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que o trabalhador tenha direito.

SUBSECÇÃO VIII

Descanso semanal

Artigo 205.º

Descanso semanal obrigatório

1– O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana.
2– O dia de descanso semanal só pode deixar de ser o domingo que não o trabalhador preste serviço a empregador que esteja dispensado de encerrar ou suspender a laboração um dia completo por semana ou que seja obrigado a encerrar ou a suspender a laboração num dia que não seja o domingo.
3– Pode também deixar de coincidir com o domingo o dia de descanso semanal:
a)- De trabalhador necessário para assegurar a continuidade de serviços que não possam ser interrompidos ou que devam ser desempenhados em dia de descanso de outros trabalhadores;
b)- Do pessoal dos serviços de limpeza ou encarregado de outros trabalhos preparatórios e complementares que devam necessariamente ser efetuados no dia de descanso dos restantes trabalhadores;
c)- De pessoal operacional de vigilância, transporte e tratamento de sistemas eletrónicos de segurança;
d)- De trabalhador que exerça atividade em exposições e feiras;
e)- Nos demais casos previstos em legislação especial.
4– Sempre que seja possível, o empregador deve proporcionar aos trabalhadores que pertençam ao mesmo agregado familiar o descanso semanal no mesmo dia.

Artigo 206.º

Descanso semanal complementar

1- Pode ser concedido, em todas ou em determinadas semanas do ano, meio-dia ou um dia de descanso, além do dia de descanso semanal prescrito por lei.

2- O dia de descanso complementar previsto no número anterior pode ser repartido e descontinuado em termos a definir por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

III–CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009

SUBSECÇÃO V

Trabalho por turnos

Artigo 220.º

Noção de trabalho por turnos

Considera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas.

Artigo 221.º

Organização de turnos

1- Devem ser organizados turnos de pessoal diferente sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos do período normal de trabalho.

2- Os turnos devem, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestados pelos trabalhadores.

3- A duração de trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho.

4- O trabalhador só pode mudar de turno após o dia de descanso semanal.

5- Os turnos no regime de laboração contínua e os de trabalhadores que asseguram serviços que não podem ser interrompidos, nomeadamente nas situações a que se referem as alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 207.º, devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito.

6- O empregador deve ter registo separado dos trabalhadores incluídos em cada turno.

7- Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 3, 4, 5 ou 6.

SUBSECÇÃO VIII

Descanso semanal

Artigo 232.º

Descanso semanal

1– O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana.

2– O dia de descanso semanal obrigatório pode deixar de ser o domingo, além de noutros casos previstos em legislação especial, quando o trabalhador presta atividade:

a)- Em empresa ou sector de empresa dispensado de encerrar ou suspender o funcionamento um dia completo por semana, ou que seja obrigado a encerrar ou a suspender o funcionamento em dia diverso do domingo;

b)- Em empresa ou sector de empresa cujo funcionamento não possa ser interrompido;

c)- Em atividade que deva ter lugar em dia de descanso dos restantes trabalhadores;

d)- Em atividade de vigilância ou limpeza;

e)- Em exposição ou feira.

3– Por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou contrato de trabalho, pode ser instituído um período de descanso semanal complementar, contínuo ou descontínuo, em todas ou algumas semanas do ano.

4– O empregador deve, sempre que possível, proporcionar o descanso semanal no mesmo dia a trabalhadores do mesmo agregado familiar que o solicitem.

5– Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1.

H–DIREITO CONVENCIONAL APLICÁVEL AO LITÍGIO DOS AUTOS - AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA LABORAÇÃO CONTÍNUA

Os Pontos 12. e 13. da Factualidade dada como Assente afirma que a Ré introduziu no dia 2/1/2019 o horário de trabalho por turnos rotativos ao abrigo de uma autorização de laboração contínua publicada no BTE n.º 40 de 29/10/1995.

Tal Autorização possui o seguinte teor:

GGG

A empresa GGG, com sede na (…), requereu autorização para laborar continuamente na sua unidade industrial sita no lugar da sede.

A atividade que prossegue esta subordinada, do ponto de vista laboral, a disciplina do contrato coletivo de trabalho para a indústria de produtos alimentares - aperitivos, batata frita e similares publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1 a serie, n.º 24, de 29 de Junho de 1982, e subsequentes alterações.

A requerente fundamenta o pedido em razões de ordem económica, nomeadamente a necessidade do aumento de produção que permita fazer face à carteira de encomendas que possui, na sua maioria destinadas a exportação.

Assim e considerando:

1)- Que não existe conflitualidade na empresa;

2)- Que os trabalhadores envolvidos no regime de laboração pretendido serão admitidos para esse efeito;

3)- Que o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável (CCT para a indústria de produtos alimentares - aperitivos, batata frita e similares publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 24, de 29 de Junho de 1982, e subsequentes alterações) não veda o regime pretendido;

4)- Que se comprovam os fundamentos aduzidos pela empresa.

Nestes termos e ao abrigo do n.º 4 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, é autorizada a empresa GGG., a laborar continuamente na sua unidade industrial sita na (…).

Ministérios da Agricultura e do Emprego e da Segurança Social, 26 de Julho de 1995. — O Ministro da Agricultura, António Duarte Silva. — O Ministro do Emprego e da Segurança Social, José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.

Importa agora chamar à colação o regime convencional relevante que se mostra contido no CCT celebrado entre a (...) e a FESHAT (revisão global) e que foi publicado no BTE N.º 17/2010, de 8/5/2010.

As cláusulas 20.ª a 22.ª e 34.ª desse instrumento de regulamentação coletiva de trabalho rezam o seguinte:  
 
CAPÍTULO IV

Prestação de trabalho

Cláusula 20.ª

Horário de trabalho e horário móvel - Definição e princípio geral

1- Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como a determinação dos intervalos de descanso.

2- No estabelecimento ou modificação dos horários de trabalho, mesmo em alterações permanentes de regime individual de trabalho, serão sempre ouvidos a comissão de trabalhadores e a comissão intersindical ou, na sua falta, a comissão sindical ou delegados sindicais.

3- Entende-se por horário móvel aquele em que, respeita não o cômputo diário e semanal, as horas de início e termo poderão variar de dia para dia, em conformidade com as exigências de serviço.

4- A empresa avisará de véspera o trabalhador que pratique este tipo de horário, diligenciará fazê-lo o mais cedo possível, assegurando ao trabalhador interessado qualquer contacto mesmo telefónico, mas nunca com menos de doze horas efetivas.

5- Entre o fim de um período de trabalho e o início do seguinte mediarão, pelo menos, dez horas.

Cláusula 21.ª

Duração do trabalho

1- O período normal de trabalho para os trabalhadores abrangidos por este contrato é de 40 horas semanais, de segunda-feira a sexta-feira, sem prejuízo dos horários de menor duração que estejam a ser praticados.

2- O período de trabalho não deve iniciar-se antes das 8 horas nem terminar depois das 20 horas e será interrompido por um descanso para almoço, que não pode ser inferior a uma hora nem superior a duas horas, depois de um período máximo de cinco horas de trabalho consecutivo.

3- Os horários estabelecidos nesta cláusula entendem-se sem prejuízo de outros de menor duração que estejam a ser praticados.

4- Depois de visados pelos serviços competentes do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, serão enviados aos sindicatos dois exemplares do horário de trabalho, dos quais um se destina ao respetivo delegado sindical.

Cláusula 22.ª

Trabalho por turnos

1- Deverão ser organizados turnos de pessoal diferente, sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos dos períodos normais de trabalho.
2- Sempre que os trabalhadores assegurem o funcionamento de uma instalação ou serviço durante o respetivo intervalo de refeição ou descanso, esse intervalo será contado como tempo de trabalho efetivo.
3- As escalas de turnos rotativos só deverão prever mudanças de turno após o período de descanso semanal.
4- A entidade patronal deve afixar, sempre que possível, a escala e constituição dos turnos até oito dias antes do seu início.
5- São permitidas trocas de turnos entre trabalhadores da mesma especialidade, desde que previamente acordadas entre os trabalhadores interessados e comunicadas por ambos à entidade patronal antes do início do trabalho. Não são porém permitidas trocas que impliquem a prestação de trabalho em turnos consecutivos.
6- Qualquer trabalhador que comprove através de atestado médico a impossibilidade de continuar a trabalhar no regime de turnos passará, até ao termo da semana em que fizer prova, ao regime de horário normal.
7- Aos trabalhadores que laborem em regime de dois turnos rotativos, em que um deles seja parcialmente noturno, será devido um subsídio de turno no valor de 15 % da remuneração base efetiva.
8- Este subsídio, com a ressalva do disposto no número seguinte, inclui já a remuneração do trabalho noturno.
9- Os turnos referidos no n.º 7 serão efetuados entre as 7 e as 24 horas. Sempre que o trabalho seja prestado fora deste horário, o mesmo será pago como trabalho noturno, com o acréscimo de 35 % sobre a remuneração efetiva.

Cláusula 34.ª

Descanso semanal

1- Considera-se dia de descanso semanal obrigatório o domingo, o dia previsto na escala de turnos rotativos, sendo o sábado considerado como dia de descanso complementar. Todos os restantes dias serão considerados úteis, com exceção dos feriados.

2- Quando o trabalho for prestado em regime de laboração contínua o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham, em média, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo.

Importa recordar que segundo o artigo 3.º, número 3, do CT/2009 e ao contrário do que acontecia com a disposição correspondente do CT/2003 (artigo 4.º), «As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias: a) Direitos de personalidade, igualdade e não discriminação; (...) g) Limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal; h) Duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias; i) Duração máxima do trabalho dos trabalhadores noturnos; (…)»

Logo, segundo tais regras, que naturalmente devem ser conjugadas com normas legais referentes a tais matérias, as cláusulas convencionais que se refiram às mesmas podem estipular um regime jurídico com alcance e sentido mais favoráveis dos que constam dessas disposições do CT/2009, desde que delas não resulte o contrário.

Sendo assim, nada obsta a que a (...) e a (…) tenham consagrado no CCT acima identificado um quadro jurídico de cariz convencional que teve por objeto as referidas problemáticas e que, para o que aqui importa, se revela mais benéfico para os interesses dos assalariados por ele abrangidos (v.g., a determinação de um descanso semanal de dois dias consecutivos, que, em regra, devem ser o domingo e o sábado).

A Requerida, no seu recurso, de forma algo contraditória, começa por defender uma dada interpretação do número 2 da cláusula 34.ª do CCT, para depois sustentar a sua inaplicação ao caso dos autos, defendendo uma leitura do número 1 – trabalho durante sete dias – que não é manifestamente o que se afirma em tal regra convencional, referindo-se antes a que em cada período de 7 dias do calendário, haverá, em média, dois dias de descanso semanal (logo, 5 dias de trabalho + 2 dias de descanso, ainda que não em termos absolutos, atentas as contingências da organização dos turnos rotativos).

Essa «média» exigida por tal número 2 de tal cláusula 34.ª, se bem compreendemos a sua redação e sistematização, assim como a intenção das partes contratantes, refere-se apenas ao gozo semanal desses dois dias de descanso e já não ao prazo de 4 semanas em que esse gozo deverá coincidir com um sábado e um domingo; a previsão da «média» em questão não abrange ou cumula as duas situações aí mencionadas mas apenas a primeira, tendo nós alguma dificuldade em estabelecer médias relativamente a um prazo máximo de 4 semanas, que, nessa medida e por ser um prazo limite, não pode ser objetivamente ultrapassado pela entidade empregadora. 
     
I–PRIMEIRO REQUISITO - PROBABILIDADE SÉRIA DA EXISTÊNCIA DO DIREITO INVOCADO

Movemo-nos numa matéria emblemática do Direito do Trabalho, dado respeitar ao tempo de trabalho e ao tempo de descanso (no caso dos autos, semanal) dos trabalhadores da Ré que foram colocados, desde o final do ano de 2018, a laborar em horários de trabalho sob o regime de turnos rotativos, sendo que a empregadora, com respeito ao gozo periódico daquele descanso semanal ao sábado e ao domingo, quer dar cumprimento ao determinado pelo CCT aplicável numa dada forma (1 semana com descanso ao sábado e domingo + 3 semanas, sem folgas ao fim de semana + 3 semanas, sem folgas ao fim de semana + 1 semana com descanso ao sábado e domingo + 1 semana com descanso ao sábado e domingo + 3 semanas sem folgas ao fim de semana + 3 semanas sem folgas ao fim de semana + 1 semana com descanso ao sábado e domingo e assim sucessivamente) ao passo que os Requerentes fazem uma leitura distinta do regime convencional em presença, entendendo que tal gozo periódico se traduz no seguinte esquema temporal sucessivo: 3 semanas sem folgas ao fim de semana + 1 semana com descanso ao sábado e domingo + 3 semanas sem folgas ao fim de semana + 1 semana com descanso ao sábado e domingo e assim sucessivamente).

Chegados aqui, impõe-se esclarecer a seguinte dúvida, relacionada com a redação do Ponto de Facto n.º 29 (e que foi originalmente alegado pelo Sindicato Requerente no artigo 28.º do seu Requerimento Inicial e mereceu a resposta da Requerida constante do artigo 55.º da Oposição apresentados nos autos de procedimento cautelar apensos) e que possui o seguinte teor: «29. Cada equipa apenas goza dois descansos consecutivos, coincidentes com sábados e domingos, de sete em sete semanas.»
Pensamos que, para uma leitura correta deste Ponto de Facto, há que proceder à sua conjugação com os factos alegados pelas partes (v.g. pela Ré, na sua oposição e nas suas alegações recursórias), pois, em nosso entender, o que se passa no âmbito da Requerida é o que acima deixámos referido, pretendendo dizer-se no transcrito Ponto 29) que na referida 7.ª semana o gozo do descanso semanal corresponde já a um sábado e a um domingo (no artigo 55.º da Oposição constante dos autos apensos diz-se que os trabalhadores gozam dois fins de semana seguidos a cada dois meses, ou seja, a cada oito semanas, o que quer dizer que laboram apenas 6 dessas 8 semanas, fazendo a empresa uma aplicação da última parte do número 2 da cláusula 34.ª nos mesmos moldes da primeira parte, quanto ao período de 7 dias, verificando-se o dito gozo semanal em termos cumulativos, no fim de uma temporada de 6 semanas e no início de outra temporada de 6 semanas, ocorrendo um novo gozo seguido na última semana desse novo período e na primeira semana do período subsequente).
                             
Trata-se aqui de uma problemática muito sensível e abrangente, que está muito longe de se esgotar no seio das relações de trabalho em si, galgando, ao invés, as correspondentes fronteiras laborais e assentando arraiais, entre outros, nos campos dos direitos de personalidade e das inerentes vida pessoal, familiar e social do trabalhador bem como nos da sua saúde e segurança e qualidade e quantidade do seu desempenho profissional.

Não se pode, portanto, em virtude de tal cenário amplo e subjetivo, reconduzir a matéria em julgamento a uma visão puramente economicista, contabilística, do deve e do haver, que se pode satisfazer, sem grandes complicações materiais e implicações jurídicas, com uma mera substituição e compensação mercantilista do mencionado descanso por uma prestação pecuniária, ainda que avultada.   
                             
JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, em Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 650 e 651, Nota 1663, cita, a este respeito, FRANÇOISE FAVENNEC-HÉRY, «Le temps de repos: une nouvelle approche de la durée du travail», RJS 1999, págs. 819 e segs., pág. 819, nos seguintes moldes: «“a oposição tempo de trabalho/tempo de repouso constituiu sempre, no Direito do Trabalho, uma distinção de grande importância". No entanto, a distinção tempo do trabalho/tempo do repouso não é fácil, e não se identifica, hoje em dia, com a distinção vida profissional/vida pessoal. Não só o trabalho é, ele próprio, a expressão da pessoa, como cada vez mais o tempo dito livre é utilizado para fins profissionais (ob. cit., pág. 822). A autora sublinha, contudo, a diversidade dos tempos de repouso e a necessidade de ter presente que o mesmo corresponde a diferentes finalidades; o tempo de repouso visa, por vezes, proteger a saúde do trabalhador (e, como veremos. a Diretiva assenta num entendimento muito amplo do conceito de saúde). Neste contexto, a lei limita quantitativamente o tempo do trabalho e exige o respeito pelo repouso quotidiano, semanal, ou pelas férias anuais; mas também surgem limites qualitativos de redução do trabalho noturno e do controlo dos ritmos do trabalho. É esta a perspetiva da Diretiva 93/104, que consagra o princípio da adaptação do trabalho ao Homem. Mas o direito ao repouso visa igualmente outros objetivos, como o de permitir ao trabalhador ter uma vida plena nos planos familiar, pessoal e social. O tempo do repouso é, também, como a autora menciona, um instrumento da repartição de duração do trabalho e desempenha uma finalidade organizacional: na adaptabilidade, no descanso compensatório, o tempo de repouso surge como um instrumento de gestão do tempo de trabalho, e quase como uma modalidade de pagamento indireto.»

Também FRANCISCO LIBERAL FERNANDES, em «O tempo de trabalho – Comentário aos artigos 197.º a 236.º do Código do Trabalho [revisto pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho]», 1.ª Edição, Agosto de 2012, Coimbra Editora, páginas 284 e seguintes nos diz o seguinte:

«III.- O descanso semanal (art.º 59.º, n.º 1, alínea d), da CRP) constitui um direito social de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, razão pela qual goza de eficácia direta nas relações entre privados (arts. 17.° e 18.° da CRP). A sua instituição visa satisfazer não só necessidades do trabalhador, mas também interesses do próprio empregador: por um lado, permite que aquele recupere física e psiquicamente do desgaste sofrido ao longo da semana de trabalho e readquira um período de maior autodisponibilidade; por outro lado, e justificado por razoes de segurança e de produtividade da empresa, na medida em que reduz os riscos de acidente e contribui para a obtenção do rendimento esperado.

O descanso semanal obrigatório deve ser gozado em dias de calendário (`no domingo') e não em períodos de vinte e quatro horas (art.º 232.º, n.ºs 1 e 2) - o que significa que o tempo medeia entre o fim da jornada de trabalho e as 24 horas do mesmo dia não pode ser considerado descanso semanal, mas sim descanso diário. O seu conteúdo mínimo legal é de um dia completo, embora se admita que esta duração possa ser ampliada. (...)

Como decorre do art.º 233.º, n.º 1, ao dia de descanso semanal deve adicionar-se o período mínimo de onze horas correspondente ao descanso diário (art.º 214.º, n.º 1), de modo a que o descanso semanal tenha uma duração de, pelo menos, 35 horas consecutivas. (…)

V.- A observância do descanso semanal assenta em razões de ordem pública social, como se disse; porém, a sua coincidência com o domingo (art.º 232.º, n.º 2) constitui uma regra que, apesar de não possuir um motivo confessional expresso, radica na tradição cristã ocidental que remonta ao tempo do imperador Constantino (séc. IV). Aliás, as Convenções n.ºs 14 e 106 da OIT e a Carta Social Europeia estipulam que período de descanso semanal deve coincidir, sempre que possível, com dia reconhecido como tal pela tradição no país ou na região.» 

O direito ao repouso ou descanso tem assim, na sua essência, uma natureza imaterial ou não patrimonial, com proteção ao nível constitucional, conforme expressamente ressalta do artigo 59.º, número 1, alínea d) da Constituição da República Portuguesa, já para não falar da sua consagração ao nível de diversos instrumentos internacionais, como, por exemplo, das Convenções da OIT n.ºs 14 de 1921 e 106, de 1957, respetivamente aprovadas para ratificação em Portugal, pelos Decreto n.º 15.362, de 14/04/1928 e Decreto-Lei n.º 43.005 de 3/06/1960, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 7/10/1976, aprovado para ratificação em Portugal pela Lei n.º 45/78, de 11/07 (artigo 7.º, alínea d)) e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10/12/1948 (artigo 24.º), por força do número 2 do artigo 16.º da Constituição da República Portuguesa (cf. também artigo 8.º do mesmo texto fundamental).

Expressões ou desenvolvimentos de tal direito são as normas constantes dos artigos 214.º, números 1 e 3, 232.º, números 1 e 4, 233.º, número 1 (embora com exceções), 228.º, número 1, alínea e) e 229.º, números 3 e 4, 237.º, números 3 e 4, 238.º, número 5 e 257.º, número 1, alínea a), do Código do Trabalho de 2009, com referência respetivamente ao descanso diário, descanso semanal obrigatório e férias.

FRANCISCO LIBERAL FERNANDES, obra citada, páginas 285 e seguintes, enumera as características desse direito, nos seguintes moldes:

«IV.- O descanso semanal obrigatório constitui um mínimo de direito necessário com determinadas características.

(i)- O descanso semanal é indisponível, na medida em que o seu gozo e irrenunciável e é independente de qualquer trabalho previamente realizado. O seu reconhecimento exprime o princípio, da descontinuidade da atividade de trabalho - o descanso semanal interrompe regularmente o decurso sucessivo da atividade laboral - e constitui uma causa legal de exoneração do dever de prestar.

(ii)- O descanso semanal é inconfundível, porquanto a sua duração é independente de outros períodos de descanso. Se, por exemplo, o período normal de trabalho terminar às 24 horas de sábado e o dia de descanso for o domingo, o recomeço da atividade não pode ter lugar às 0 horas de segunda-feira, já que deve ser observado o período de descanso diário correspondente à jornada de sábado, a não ser que este período seja absorvido pelo descanso semanal complementar, tal como permite o art.º 233.º, n.º 2. (À semelhança do descanso semanal, também o direito a férias é inconfundível, na medida em que o seu início não pode coincidir com o período de repouso diário e com o dia ou dias de descanso semanal).

(iii)- O descanso semanal é insubstituível, porquanto o seu não gozo não pode ser compensado, no todo ou em parte, por um aumento do período de descanso diário ou das férias, ou através de majoração retributiva; com efeito, nos casos em que se admite que não seja observado no dia a que corresponde, o trabalhador tem direito a um dia de descanso compensatório, a gozar num dos três dias úteis seguintes (art.º 229.º, n.º 4);

(iv)- O descanso semanal é contínuo, na medida em que não pode ser interrompido (salvo por motivo de força maior) ou fracionado, sob pena de deixar cumprir os objetivos a que estrutural e funcionalmente está associado.

(v)- O descanso semanal é de vencimento regular, já que deve verificar-se num dia certo em cada período de sete dias, de modo a que não seja precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho (cf. comentário ao art.º 221.º).» (cfr., quanto a este último aspeto, a doutrina e jurisprudência identificadas na Nota de Pé de Página com o número 8)

Logo, as Requerentes assim como os demais trabalhadores representados pelo SINDICATO (…) têm, como todos os restantes assalariados, direito a um período mínimo de descanso semanal que se traduz, no seu caso concreto, em 48 horas seguidas e que, abrangendo dois dias consecutivos, deverão, em regra e como já antes se aludiu, coincidir com o domingo (descanso semanal obrigatório) e sábado (descanso semanal complementar) (número 1 da cláusula 34.ª).

Não ignoramos, naturalmente, que o que está em causa nos presentes autos de procedimento cautelar comum, não é a falta do gozo dos dois dias de descanso semanal a que as Apeladas e os filiados no Sindicato Requerente têm direito mas antes a sua coincidência periódica com a dita regra do fim-de-semana, que para uns se radica numa dilação de 3 semanas entre cada um desses descansos semanais dominicais (digamos assim) e para outros numa dilação de 6 semanas, entre os dois fins-de-semana de folga que se situam no início e no fim de um período total de 8 semanas de referência.

É esse direito ao descanso semanal que, resultante do cruzamento dos aludidos regime legal e convencional, é aqui reclamado pelas Requerentes e pelo Sindicato requerente (em nome e representação dos seus associados) e que se for desconforme com o praticado pela Requerida, pode justificar a sua substituição pelo que se revelar de acordo com a regra convencional, conforme determinado pela sentença recorrida.

Tal passa, necessariamente, pela interpretação do número 2 da cláusula 34.ª do CCT, quando dispõe que «Quando o trabalho for prestado em regime de laboração contínua o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham, em média, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo.»

Segundo as regras de interpretação das normas jurídicas que se mostram contidas no artigo 9.º do Código Civil e que são aplicáveis à parte normativa dos instrumentos de regulamentação coletiva, afigura-se-nos que a única leitura conforme à letra, alcance e sentido da disposição convencional em causa é a defendida pelos Apelados, ou seja, de que o gozo do descanso semanal ao domingo e sábado deve ocorrer no quarto fim-de-semana de cada período temporal de quatro semanas, o que corresponde ao esquema básico antes sintetizado: 3 semanas sem folgas ao fim de semana + 1 semana com descanso ao sábado e domingo + 3 semanas sem folgas ao fim de semana + 1 semana com descanso ao sábado e domingo e assim sucessivamente.

A questão em análise traz-nos à memória a controvérsia já antiga em redor da periodicidade com que deve ser gozado o dia de descanso semanal obrigatório (1 dia em cada semana de calendário e ao fim de 6 dias de trabalho ou 1 dia em cada semana de calendário com a possibilidade de distar entre dois desses dias sucessivos um período consecutivo de trabalho de 12 dias) [[6]], mas, salvo melhor opinião, não é a concessão dos dois dias de descanso semanal e complementar em cada semana de calendário que está em causa nos autos, como as regras jurídicas que estão na base do litígio dos presentes autos não possuem um teor equívoco e dúbio como os daquelas que suscitaram a referida controvérsia que chegou ao TJUE.

Afigura-se-nos, com efeito, que a expressão «no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo» não consente uma outra interpretação que não seja a de que a entidade empregadora aqui Requerida se acha obrigada a, pelo menos, de quatro em quatro em quatro semanas garantir o gozo do descanso semanal de 48 horas a que os seus trabalhadores em regime de turnos rotativos têm direito, num sábado e num domingo consecutivos. 
                                        
J–SEGUNDO REQUISITO

Olhando agora para o segundo requisito – Verificação de situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada -, convirá, antes de mais, ouvir ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES, obra citada, páginas 100 e seguintes, quando sustenta o seguinte, acerca do segundo requisito comum às providências cautelares inominadas:

22. Lesão grave e dificilmente reparável:

22.1.- O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável constitui, nas medidas cautelares atípicas, a manifestação do requisito comum a todas as providências: o " periculum in mora".

Tal como ocorre com a generalidade das providências, o receio tanto pode manifestar-se antes da propositura da acção como na sua pendência. Em qualquer das situações, o autor pode solicitar a adopção da medida que julgue mais adequada para acautelar o efeito útil que através do processo principal pretende ver reconhecido ou satisfeito.

Mas não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contraparte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis, têm essa virtualidade de permitir no tribunal, mediante solicitação do interessado, a tomada de uma decisão que o defenda do perigo.

Compreende-se o cuidado posto pelo legislador no restringir a concessão da tutela provisória. É esse mesmo cuidado que deve guiar o juiz quando se debruça sobre a situação sujeita a apreciação jurisdicional. De facto, tratando-se de uma tutela cautelar decretada, por vezes, sem audiência contraditória, não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido com a intimação para se abster de determinada conduta ou com a necessidade de adoptar determinado comportamento ou de sofrer um prejuízo imediato relativamente ao qual não existem garantias de efectiva compensação em casos de injustificado recurso à providência cautelar (art.º 390.º, n.° 1).

22.2.- O interesse em agir, que constitui na generalidade das acções judiciais um pressuposto processual autónomo, atinge aqui uma especial relevância, de modo a evitar abusos na utilização desta forma de composição provisória dos conflitos. Daí que se imponha ao juiz a necessidade de colocar na balança dos interesses, a par dos prejuízos que o requerente pretende evitar, aqueles que a decisão possa provocar na esfera jurídica do requerido, seguindo o padrão referido no art.º 387.º, n.º 2, e, assim, indeferirão a providência quando o prejuízo dela resultante exceda consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar.

Independentemente da ponderação destes factores, o juiz deve convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo dos danos futuros. A gravidade da lesão previsível deve ser aferida terão em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado. (…)

22.3.- A protecção cautelar não abarca apenas os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação, mas ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular. (…)
Importa ainda ponderar em que medida a reintegração do direito por via da reconstituição natural ou da indemnização se mostra eficaz, oportuna e realista, prevenirão pela via cautelar situações de perigo de lesão em que tal reparação não seja previsível ou se revele difícil ou morosa, deste modo dando relevo à suscetibilidade de tutela adequada.

22.4.- O facto de o legislador ter ligado as duas expressões com a conjunção copulativa "e", em vez da disjuntiva "ou", determina que não é apenas a gravidade das lesões previsíveis que justifica a tutela provisória, do mesmo modo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil. Apenas merecem a tutela provisória consentida através do procedimento cautelar comum as lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil recuperação.

Ficam afastadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento comum, ainda que se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões que, apesar de graves, sejam facilmente reparáveis.

A utilização de tal conceptualização liga-se à própria natureza das providências cautelares comuns e à plasticidade que as caracteriza, a qual lhes atribui a capacidade de servirem uma diversidade de direitos e de relações jurídicas e lhes proporciona uma mais fácil adaptação às situações da vida real difíceis de catalogar de modo mais preciso. Tornando-se mais difícil a densificação desses conceitos, há-de reconhecer-se igualmente que o uso de semelhante técnica legislativa confere à norma uma maior capacidade de adaptação à vida real que antecipada e abstractamente se pretendeu regular.

É o juiz que, confrontado com a realidade projectada pelas partes nos procedimentos cautelares, está em melhores condições de ponderar a conexão entre a previsão normativa e essa realidade, sendo-lhe atribuída a tarefa de seleccionar, dentro da diversidade da vida real, as situações carecidas de tutela rápida e eficaz que se insiram nas mencionadas abstracções normativas. A evolução social, o surgimento de novos valores (v.g. relacionados com o bem estar social ou com a qualidade de vida), a par do esbatimento de outros, exigem dos tribunais uma constante atenção e adaptação, de forma a evitar insustentáveis situações de divórcio entre o raciocínio jurídico-formal e os sentimentos predominantes na sociedade. Só a utilização de conceitos indeterminados como aqueles permite manter razoavelmente actualizadas as normas jurídicas, sem prejuízo de, em certas situações, o legislador nelas introduzir determinadas clarificações e especificações.

Por conseguinte, na avaliação da gravidade da lesão deve o juiz verter para a decisão os valores que considere mais adequados em determinados momentos, tendo sempre em conta, no entanto, que a apreciação dos requisitos se deve pautar por um critério tão objectivo quanto possível. (…)

24.-Fundado receio:

24.1.- O receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. (…)
"Fundado receio" tem a mesma significação que a expressão utilizada no art.º 406.º, n.º 1, do CPC, ou no art.º 619.º do Código Civil, que, a propósito do arresto, exigem, respectivamente, o “justificado receio" ou o "justo receio" de perda da garantia patrimonial, pressupondo ambas as normas a iminência da verificação ou repetição de uma lesão no direito.

24.2.- A qualificação do receio de lesão grave como “fundado" visa restringir as medidas cautelares, evitando que a concessão indiscriminada de protecção provisória, eventualmente com efeitos antecipatórios, possa servir para alcançar efeitos inacessíveis ou dificilmente atingíveis num processo judicial pautado pelas garantias do contraditório e da maior ponderação e segurança que devem acompanhar as acções definitivas.

Dai que se sustente correntemente que o juízo de verosimilhança deve aplicar-se fundamentalmente quando o juiz tem de se pronunciar sobre a probabilidade da existência do direito invocado, devendo usar um critério mais rigoroso na apreciação dos factos integradores do "periculum in mora".

Parece ser esta a melhor interpretação da expressão “fundado receio", se a confrontarmos com a letra do art.º 387.º, n.º 1, localizada no momento da decisão, onde se determina que a procedência pressupõe que se "mostre suficientemente fundado" o receio de lesão, diversamente do que ocorre quanto ao direito tutelável, para cuja afirmação bastam juízos deséria probabilidade".

No entanto, o critério de aferição não deve ser reconduzido a certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo dificilmente comprovada em processos com as características e objectivos dos procedimentos cautelares, bastando, por isso, que se mostre razoavelmente fundado esse pressuposto.

As circunstâncias em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras devem ser apreciadas objetivamente, tendo em conta o interesse do requerente que promove a medida e o do requerido que com ela é afectado, as condições económicas de um e outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores.

Este mesmo autor - como, aliás, é referido, na sentença recorrida -, na sua obra «Suspensão de despedimento e outros procedimentos cautelares no processo do trabalho - novo regime - Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro», Almedina, Fevereiro de 2010, páginas 112 a 114, refere como áreas possíveis de beneficiar, no quadro do direito laboral, de providências cautelares não especificadas, direitos de personalidade do trabalhador constitucionalmente previstos (v.g., artigos 14.º do Código do Trabalho)” ou «violação grave das normas sobre períodos de descanso, descanso semanal ou gozo de férias». [[7]]       
Ora, tendo como pano de fundo a doutrina exposta pelo agora Juiz Conselheiro ANTÓNIO ABRANTES DOS SANTOS GERALDES e o que já antes se decidiu quanto ao direito reclamado pelos Requerentes (Sindicato e trabalhadoras), pensamos que não podem existir grandes dúvidas quanto à legitimidade substantiva para aqueles lançarem mão deste procedimento cautelar comum para requererem as providências cautelares que julguem mais adequadas e eficazes a assegurar provisoriamente esse direito.  
  
A última questão que se impõe aqui colocar é se tal direito ao descanso semanal ao fim de semana de 6 em 6 semanas constitui uma violação por parte da Requerida numa medida de tal maneira séria e grave que, conforme se determina na sentença recorrida justifique as providências cautelares requeridas pelos Requerentes.

As folgas semanais de 2 dias conferidas, em média, aos trabalhadores por parte da GGG., ainda que nos termos convencionalmente desajustados e desequilibrados que se acham dados como provados, garantem-lhes, apesar de tudo, o descanso mínimo legal e socialmente exigível, nas diversas vertentes acima enunciadas, de maneira a podermos afirmar que não nos deparamos com uma situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada?

A Requerida sustenta que não foram dados como provados quaisquer danos decorrentes do horário de trabalho por si praticado mas será de facto assim [[8]]

Consideremos, desde logo, os seguintes factos indiciariamente dados como provados pelo tribunal recorrido:

«11.- A requerida no final do ano findo decidiu passar a trabalhar em horário de trabalho por turnos rotativos na totalidade da sua unidade produtiva, com a alteração, em relação a situações anteriores, de a prestação de trabalho incluir os sábados e domingos, até aqui dias de descanso de todos os trabalhadores, o que concretizou no início do corrente ano.
19.- A decisão de laboração contínua determinou a realização de duas greves e de dois abaixo-assinados, em manifestação de oposição à mesma.
20.- 174 trabalhadores subscreveram declaração, comunicada à requerida, que se opunham à alteração dos seus horários para regime de turno rotativo em laboração contínua.
24.- Nos demais sectores de produção da requerida, quando em laboração de turnos rotativos, os sábados e domingos eram dias de descanso.
32.- A implementação de horário determinada em 2-1-2019 determinou a alteração da vida pessoal dos trabalhadores da requerida envolvidos.
34.- As requerentes BBB, CCC e DDD solicitaram a atribuição de horário flexível, o qual foi recusado pela requerida, tendo a CITE emitido parecer desfavorável à recusa relativamente às trabalhadoras BBB e CCC
35.- Tal solicitação das requerentes foi motivada pela necessidade de acompanhar e assistir os seus filhos
36.- Desde, respetivamente, a 1 e 10 de Julho do corrente ano, a requerida atribuiu horário flexível às duas referidas requerentes.
37.- Relativamente à requerente DDD, o parecer da CITE foi favorável à recusa da requerida.» [[9]]

Interessa também frisar que se a alegação e prova quanto às Requerentes dos danos por elas sofridos com a execução defeituosa pela Requerida da segunda parte do número 2 da cláusula 34.ª do CCT tem de ser mais concreta e exigente, já no que toca ao Sindicato e aos interesses coletivos por ele defendidos, por referência ao universo indeterminado dos trabalhadores que nele estão filiados e laboram para a demandada, tal alegação e prova será necessariamente mais vaga, abstrata e abrangente.  
     
A ser assim, pensamos poder ainda afirmar, sem grandes possibilidades de contestação, que o regime de turnos rotativos implica para os assalariados que o integrem um esforço físico, psíquico e emocional bastante superior ao daqueles que praticam um único horário diurno fixo, em que o seu descanso semanal obrigatório e complementar se verifica sempre nos mesmos dias (sábado e domingo, de acordo com as regras legais e convencionais ainda maioritariamente em vigor no nosso país, mas que, convenhamos, face a cada vez um maior número de setores de cariz industrial, comercial e de serviços que laboram continuamente, de forma intensiva e ininterrupta ou em horários muito alargados, têm vindo a perder progressivamente terreno) [[10]].

Se bem que não seja comparável com o referido regime de turnos rotativos, em que se trabalha também em horário noturno, mesmo dois ou mais horários diurnos fixos e alternados (no sentido de alternarem sucessiva ou regularmente uns com os outros) acarretam igualmente perturbações significativas na vida pessoal e familiar dos trabalhadores assim como na sua estabilidade orgânica e espiritual.

Tal horário de trabalho em regime de turnos rotativos que começou a ser levado a cabo desde o dia 2/1/2019 nos setores de atividade das Requerentes ou dos trabalhadores filiados no Sindicato Requerente obsta naturalmente a que tais empregados da Requerida gozem sempre o seu descanso semanal de dois dias ao sábado e ao domingo, sendo até possível admitir, em tese, que o mesmo possa não coincidir durante períodos mais ou menos longos com esses último e primeiro dia da semana de calendário.

FRANCISCO LIBERAL FERNANDES, obra citada, a páginas 285 e seguintes refere a este respeito o seguinte:

«Assim, enquanto o descanso semanal se afigura um mínimo de direito necessário, já a obrigação de ser observado ao domingo é passível de numerosas derrogações (n.ºs 2 e 3 do art.º 232.°); nestes casos, dia de descanso obrigatório pode recair sobre qualquer dos outros dias da semana, passando o domingo a constituir um dia normal de trabalho. (…)

Compete à lei determinar os casos (e respetivos pressupostos) em que o dia de descanso semanal pode não coincidir com o domingo (n.º 2 do art.º 232.º), podendo nesse caso ser fixado em dia diferente, através de convenção coletiva, por contrato individual de trabalho ou por regulamento interno. (…)»

Impõe-se também recordar que existem ainda muitos planos da nossa vida social que estão organizados em função dos 5 dias úteis da semana, com interrupção e encerramento ao sábado e domingo, como é o caso, por exemplo, do ensino, da justiça, da segurança social e de outros serviços públicos essenciais (sem prejuízo das emergências e dos piquetes de urgência) e de um considerável número de outras empresas do setor público e privado.

Há que também realçar que descansar ao sábado e domingo, em consonância com o descanso do cônjuge, dos filhos em idade escolar e da demais família e amigos (e da maioria da restante sociedade portuguesa) é muito diferente daquele descanso concretizado nos dias úteis – de trabalho e de escola - do restante agregado familiar e de grande parte da população, que, nessa medida, ao divergir ativamente do repouso do trabalhador em turnos rotativos que se procura com esse descanso semanal, perturba e prejudica eventualmente tal repouso e necessariamente a duração do relacionamento direto entre os diversos membros do respetivo agregado familiar e entre aquele e os seus amigos e conhecidos.

Também não convirá olvidar que nesta matéria estão subjacentes não somente preocupações de cariz empresarial e económico mas também de saúde e segurança no trabalho, pois se um repouso efetivo e adequado do trabalhador impõe uma maior produtividade e rentabilidade por parte do mesmo, também diminui o risco de erros, falhas assim como da verificação de acidentes de trabalho dos próprios ou de colegas ou até de sinistros que não possuem essa natureza.   
                    
Afigura-se-nos que é por esse conjunto de razões que o regime convencional acima identificado e transcrito que regula os turnos rotativos no quadro da Requerida e das demais empregadoras congéneres consagrou uma disposição como a do número 2 da cláusula 34.ª do CCT, quando determina que «Quando o trabalho for prestado em regime de laboração contínua o horário de trabalho tem de ser organizado de forma a que os trabalhadores tenham, em média, em cada período de sete dias de trabalho dois dias de descanso consecutivos que, no máximo de quatro semanas, devem coincidir com o sábado e o domingo.» (sublinhado a negrito da nossa responsabilidade).

Não será despiciendo fazer nesta matéria o seguinte cálculo que nos parece, em si, bastante sintomático das diferentes e mais difíceis e penosas condições de trabalho e de descanso dos trabalhadores que desenvolvem as suas funções profissionais em regime de turnos rotativos: possuindo o ano civil 52 semanas e devendo a Requerida permitir de 4 em 4 semanas o gozo ao sábado e ao domingo o descanso semanal dos mesmos, tal significa que estes últimos verão coincidir anualmente e em média o seu direito ao descanso semanal com o fim-de-semana durante treze sábados e domingos, no que perfaz, sensivelmente um fim-de-semana por mês.

Logo, alcançamos, em média, 39 semanas (3/4 do número anual de semanas) em que tais assalariados gozam o seu descanso semanal obrigatório fora dos fins-de-semana e 13 semanas em que o fazem nos dias aos mesmos correspondentes.

Chegados aqui, que dizer de tal gozo se verificar, em média de 6 em 6 semanas, com 2 fins-de-semana colados um ao outro no início e no fim de cada um desse período de, sensivelmente, mês e meio, ao invés de 3 em 3 semanas, como expressamente determinado no número 2 da cláusula 34.º do CCT?

Pensamos que tal deturpação do regime convencional em questão atraiçoa a letra, o espírito, o alcance e os sentido da segunda parte da norma antes transcrita, pois visa-se garantir com a mesma não apenas um melhor e mais garantido repouso como ainda uma reaproximação e reconciliação periódicas (de, pelo menos, uma vez por mês), dessa vida profissional, pessoal e familiar instável e irregular do trabalhador em regime de turnos rotativos com a vida pessoal e familiar de fim-de-semana que a maioria da população portuguesa ainda perceciona quotidianamente e habita por dentro.

Num país em que ainda se trabalha em muitos setores e atividades no sistema da chamada «semana-americana» e em que o sábado e o domingo são para repousar e para as pessoas se dedicarem a outras tarefas de índole pessoal, recreativa e de lazer, os fins-de-semana possuem um ritmo, uma cadência, uma respiração, uma vivência e existência particulares que não podem ser aqui ignoradas e escamoteadas e que a referida regra convencional procura devolver regular e pontualmente a esses outros trabalhadores (dos turnos rotativos), às suas famílias e às suas demais relações, de forma a que aqueles descansem em uníssono com o cônjuge ou companheiro e filhos e todos tenham a possibilidade de manter ou renovar uma convivência (mais) conjunta, efetiva e afetiva nesse período temporal em que os portugueses maioritariamente descansam dos seus afazeres profissionais regularmente.

Essa inserção dos trabalhadores e das suas famílias e amigos no ambiente de fim-de-semana, esse contacto, essa ligação com a pulsão própria e característica do mesmo, é assegurado, de maneira muito mais efetiva e adequada, através da concessão de um descanso semanal ao sábado e domingo de 3 em 3 semanas do que de 6 em 6 semanas.

Esta segunda dilação temporal, que é o dobro da primeira, não garante suficientemente como esta, essa continuidade, essa renovação periódica, essa facilidade em manter hábitos e práticas particulares e familiares que só os fins-de-semana de descanso permitem.

Mais uma vez, FRANCISCO LIBERAL FERNANDES, obra citada, a páginas 285 e seguintes sustenta a este respeito o seguinte:

«VI.– A consagração pela ordem jurídica laboral do princípio do descanso dominical não esgota a sua eficácia no âmbito das empresas que encerram nesse dia. Se excetuarmos o caso dos estabelecimentos que suspendem obrigatoriamente a sua atividade um dia por semana que não seja o domingo, aquele princípio tem implicações específicas quanto à distribuição do dia de descanso semanal entre os diferentes trabalhadores das empresas de laboração permanente. Como já foi referido, trata-se de efeitos que estão relacionados com o facto de, em culturas como a nossa, o descanso dominical permitir a satisfação de um conjunto de interesses sociais e familiares que não é possível assegurar (ou assegurar de igual modo) quando aquele período tem lugar num dos restantes dias da semana.

Por isso, o princípio do descanso dominical deve ser observado na organização das escalas de distribuição do descanso semanal, de modo a que, periodicamente, os trabalhadores possam gozar esse dia ao domingo; daí que nas empresas que não estão obrigadas a encerrar se verifique uma violação daquele princípio relativamente aqueles trabalhadores a quem é negada a possibilidade de, periodicamente, gozarem ao domingo o dia de descanso semanal obrigatório.»

Salvo melhor opinião, não existe remuneração ou subsídio que compense ou indemnize a perda desse gozo regular e pontual do descanso semanal aos fins-de-semana nem essa quebra de laços, costumes, partilhas, atividades, preguiças e afazeres coletivos relativamente a tais trabalhadores, famílias e amigos que redunda, com muito maior intensidade e premência do sistema analisado e aplicado pela Requerida, movendo-nos nós, convirá recordá-lo, em grande parte, no quadro de interesses imateriais e de direitos não apenas de natureza laboral mas também de personalidade.

A lesão reiterada desses interesses e direitos de personalidade dos trabalhadores da Requerida que nela se encontram inscritos como associados é superior, em nosso entender, ao eventual dano organizacional ou económico (ainda que não demonstrado nos autos) que a Requerida possa sofrer com a implementação correta do número 2 da cláusula 34.ª do CCT (e que se traduz apenas no gozo continuado e sucessivo na quarta semana de cada período de 4 semanas de calendário do descanso semanal ao fim de semana, em vez do sistema que diferia para o dobro do tempo tal gozo).

Importa talvez, para aferir das exatas repercussões desta alteração do horário de trabalho determinada pelo tribunal da 1.ª instância, olhar para o teor do Ponto 18. quando diz que «Foi dado a escolher aos trabalhadores a opção entre dois modelos de organização de turnos rotativos em laboração continua, sendo um deles com o gozo de descanso consecutivo, ao sábado e domingo, um vez por mês e outro aquele que veio a ser implementado.»

Diga-se, finalmente, que a circunstância de os Requerentes só virem reagir judicialmente, através destes procedimentos cautelares comuns, cerca de 5 meses após a introdução do referido horário de trabalho em regime de turnos rotativos (mais exatamente, em 5/6 e 12/6/2019) não pode ser configurada como uma conduta abusiva (artigo 334.º do CC), por o decurso daquele período temporal indiciar uma aceitação tácita dos mesmos relativamente a tal alteração substancial da prestação de trabalho, não somente porque, como ficou indiciariamente demonstrado, ocorreu uma manifesta e intensa oposição contra essa modificação como não ficou demostrado que a mesma tivesse merecido a concordância da maioria dos empregados da empresa, como ocorreram pedidos de horário flexível que, não obstante a postura inicial da Requerida, tiverem de ser deferidos (face aos pareceres positivos da CITE) como, finalmente, está apenas aqui em causa um aspeto pontual de tal regime laboral dos turnos rotativos que terá ocorrido por 3 ou 4 vezes entre 2/1/2019 e a instauração destes autos.   
     
Estamos, nessa medida, de acordo, com o que a fundamentação da sentença recorrida refere a esse propósito, ainda que elaborada num registo mais sóbrio e jurídico:

«A lei, no Código do Trabalho ou no CCT, não fala apenas no número de dias de descanso, mas também em dias da semana, dias concretos de gozo do descanso.

As normas não se bastam apenas com um número de dias, exigindo ainda que o descanso tenha lugar em concretos dias da semana e com a periodicidade nelas estabelecida.

Com efeito, o descanso não visa apenas possibilitar ao trabalhador a sua recuperação física, mas também a satisfação dos seus interesses pessoais, familiares e sociais, sendo que a consagração do sábado e do domingo como dias de descanso, semanal e completar, por excelência decorre de fatores de ordem cultural e social que, na tradução cristã ocidental, conferem aos referidos dias características próprias e potenciadoras da realização desses interesses – vd. Liberal Fernandes, loc. cit a pág. 286 e segs.

Impõe-se concluir que a organização das escalas de turno implementadas pela requerida a toda a sua unidade produtiva, por contrárias aos preceitos legais que disciplinam a organização de tempos de trabalho e consequentes tempos de descanso, violam o direito das trabalhadoras requerentes e dos associados do requerente ao descanso e à conciliação da vida familiar.

Essa violação configura uma lesão.

A questão que, em sede de procedimento cautelar se coloca é a de saber se a mesma é grave e irreparável justificando a implementação de uma providência que acautele a demora da decisão da ação, sendo que, na perspetiva da requerida, a lesão já se verificou com a implementação dos turnos rotativos em laboração contínua em 2-1-2019.

O facto de a lesão já se verificar não se afigura que seja impeditivo da demandada de uma providência cautelar.

Mais, o facto de a requerida manter, com exceção das duas trabalhadoras já identificadas, a execução das escalas de turnos rotativos que, violando as normas legais aplicáveis, determinam a verificação da lesão, permite concluir que a lesão se manterá e que o direito ao descanso dos trabalhadores continuará a ser atingido.

O direito ao descanso, nas suas dimensões de direito a restabelecimento de condições de saúde física e mental e de direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, não se mostra pela sua natureza um direito naturalmente redutível a um valor pecuniário.

Não se ignora entendimento de que tudo tem um preço e que tudo pode ser reduzido a um valor, mas salvo melhor opinião, o que pode distinguir as pessoas de objetos é precisamente a consideração de existem valores – no caso a saúde e a vida familiar/social – que, considerados na sua essência e no longo prazo, se sobrepõem à materialidade de uma qualquer imediata expressão pecuniária dos mesmos.

Por tal se justifica que, no âmbito laboral, existam limites para a prestação de trabalho suplementar e que este seja remunerado de forma distinta, o mesmo sucedendo para a prestação de trabalho em períodos noturnos, bem como todos os condicionalismos legais em matéria de limites de tempos de trabalho.

A saúde e a vida em sociedade não são mercadorias passíveis de transação, sendo qualquer mercantilização das mesmas, mesmo por iniciativa, ou dita livre vontade, dos titulares dos direitos um comportamento socialmente valorado de forma negativa, pelo menos no contexto da cultura ocidental contemporânea.

Os limites mínimos estabelecidos por lei, em sede laboral para os tempos de trabalho e as regras de organização dos tempos de descanso, não podem deixar de ser vistos como o resultado da consolidação no texto legal da valoração e apreciação das consequências da ausência de limites, ou limites menos rígidos, da experiência de tempos anteriores.

(Pense-se nos tempos de trabalho à data da Revolução Industrial, atente-se, já no século passado, na diminuição do número de horas da jornada de trabalho, na aquisição do direito a férias, no aumento do número de dias de férias, na atual invocação do direito à desconexão, etc.., sendo incontornável, ressalvados pontuais desvios puramente economicistas, a tendência global no sentido da diminuição das horas de trabalho e no reforço do direito ao descanso e à qualidade deste.)

Os limites legais, exprimindo a valoração dos referidos direitos em cada momento histórico e também a tensão de interesses existente na relação laboral, consagram a “linha vermelha” para além da qual existirá lesão dos referidos direitos.

Decorrendo da implementação de escalas efetuada pela requerida que o direito ao descanso e à conciliação da vida familiar e profissional dos trabalhadores se mostra atingido, a manutenção de tal situação não deixará de agravar as consequências da lesão de direitos já verificada e justificativa da demanda cautelar.

Uma coisa é não ser respeitado o ritmo de descanso e conciliação da vida familiar e profissional numa ou noutra ocasião, ou num determinado e curto período, – lesão que, pela sua delimitação no tempo, não sendo irrelevante não será, pelo seu carácter esporádico, necessariamente grave e de difícil reparação -, outra é a manutenção ou o estabelecimento, de uma tal situação como modo de organização dos tempos estabelecido para o futuro.

A permanência, continuidade e intensidade dessa lesão não pode deixar de atingir a saúde física e mental dos trabalhadores, sendo que a lesão da saúde é, por natureza, uma lesão grave e, de algum modo, insuscetível de uma reparação completa.

A única forma de acautelar os riscos que a manutenção da lesão comporta para os direitos dos requerentes é a imposição de elaboração de horários de forma a que os mesmos passem a contemplar o gozo de descanso semanal e complementar consecutivos e coincidente com o sábado e domingo a cada quatro semanas como decorre da cláusula 34.ª, n.º 2 do CCT.

Tal medida cautelar permitirá à requerida manter o seu ritmo de produção em laboração contínua, não se equacionando na mesma dano, designadamente dano superior àquele que constitui a não observância dos regulares descansos ao fim de semana para a saúde dos seus trabalhadores. 
                             
Tudo isto para se concluir pela não verificação desse segundo requisito e, consequentemente, pela improcedência do presente recurso de Apelação, com a confirmação da sentença impugnada, nesta vertente jurídica.»
Veja-se, quanto a esta temática, os seguintes Arestos dos nossos tribunais superiores:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/6/1979, Processo n.º 000016, relator: Melo Bandeira, publicado em ECLI:PT:STJ:1979:000016.59, com o seguinte Sumário:
I- O trabalhador em regime de turnos tem direito a descansar nos últimos dias após seis de trabalho e não nos oitavos dias depois de sete de labor continuado, ou, de todo o modo, um dia que não ultrapasse o último sobre o do descanso antecedente.
II- É que sendo o descanso semanal motivado por razões atinentes não só à salvaguarda da saúde e bem-estar do trabalhador, mas, também, da própria produtividade, mal se aceitaria que para o dador do trabalho, fora do regime de turnos, se lhe desse esse descanso ao fim da semana, ou seja no último dia após seis de trabalho, e o mesmo critério não fosse seguido para com os operários, a laborarem em regime de turnos, sabido que, esse trabalho é, normalmente, mais duro e desgastante.
– Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/3/1986, Processo n.º 001228, relator: Dias da Fonseca, publicado em ECLI:PT:STJ:1986:001228.A2, com o seguinte Sumário parcial:
I – (…)

II- Nas indústrias de laboração contínua, deve ser garantido ao trabalhador: um dia de descanso semanal em cada semana de calendário; concessão de um dia de descanso ao domingo em cada período de tempo considerado e proibição de a carga horária global do trabalho em cada semana exceder o limite estabelecido. 
– Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/3/1986, Processo n.º 001307, relator: Correia de Paiva, publicado em ECLI:PT:STJ:1986:001307.D8, com o seguinte Sumário parcial:
I – (…)
II- Nas indústrias de laboração contínua, deve ser garantido ao trabalhador um dia de descanso semanal em cada semana de calendário e concessão de um dia de descanso ao domingo em cada período de tempo considerado.

– Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/3/1990, Processo n.º 002379, relator: Salviano de Sousa, publicado em ECLI:PT:STJ:1990:002379.7C, com o seguinte Sumário:
I- Os horários de trabalho devem ser organizados de modo a que os trabalhadores tenham, em cada semana, dois dias de descanso seguidos, podendo, no entanto, ser separados desde que se juntem aos dias de descanso das semanas anterior e posterior, e isto em cada período de 7 semanas.
II- O descanso semanal deve coincidir com o Domingo.
III- De 8 em 8 semanas, os dias de descanso hão-de coincidir com o Sábado e o Domingo.
– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/6/2000, Processo n.º 0073094, relatora: Manuela Gomes, publicado em ECLI:PT:TRL:2000:0073094.C0, com o seguinte Sumário:
I- O regime de laboração contínua não é compatível com o gozo do descanso semanal em dias fixos, designadamente ao domingo.
II- Assim, sendo o trabalho prestado em consonância com o horário estabelecido, o mesmo ainda que prestado aos Sábados e aos Domingos, não constitui trabalho suplementar, exceto se o mesmo ocorrer para além do respetivo horário.
III- Se o trabalhador aceitou cumprir o horário que lhe foi determinado e se estava vinculado ao regime de laboração continua por turnos, o mesmo goza apenas do direito a que lhe seja concedido um dia de descanso em cada semana do calendário, que deverá coincidir com o Domingo sempre que o horário o permita.
IV- É certo que a prestação de trabalho, em regime de turnos sem descanso ao domingo e a sujeição à variabilidade de horário, comporta para o trabalhador uma maior penosidade, mas essa penosidade é compensada pelo denominado de turno e não por qualquer outra retribuição.
V- Compete à entidade empregadora, no âmbito dos seus poderes de direção, fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho e estabelecer o horário de trabalho, desde que observados os condicionalismos legais.
Sendo assim, pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o recurso de Apelação da Requerida e, nessa medida, confirma-se a bem elaborada sentença recorrida. 

IV–DECISÃO 
               
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 613.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de Apelação interposto por GGG, confirmando-se, nessa medida, a decisão impugnada.
Custas a cargo da Requerida nos termos do artigo 527.º, número 1 do NCPC.
Registe e notifique.


Lisboa, 18 de dezembro de 2019 

    
(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)


[1]As providências cautelares não especificadas pressupõem uma ameaça de um direito a que o requerente se arroga, visam prevenir a lesão de eventuais direitos, afastar um perigo efetivo, mas não visam a reparação de lesões já ocorridas ou danos já consumados”, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.12.2006, Proc. n.º 810/2006-4, in www.dgsi.pt» - NOTA DE RODAPÉ DA OPOSIÇÃO ACIMA TRANSCRITA
[2]Em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª Edição, Almedina, páginas 53 e 54.
[3]No seu “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, págs. 668 a 671.
[4]Em “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, Coimbra Editora, 1981, página 141.
[5]Em “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2.º, Coimbra Editora, pág. 670.
[6]Cfr., entre outros, os seguintes texto e acórdãos:
- CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, «Trabalho por turnos e descanso semanal: novos contributos para velhas questões», estudo publicado a páginas 315 a 365 do PRONTUÁRIO DE DIUREITO DO TRABALHO, Tomo II, ano de 2017, responsabilidade do Centro de Estudos Judiciários, editado por Almedina;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5/2/2018, relator: Jerónimo de Freitas, Processo n.º 1284/15.5T8MTS.P1, publicado em ECLI:PT:TRP:2018:1284.15.5T8MTS.P1.D8;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/11/2018, relator: Júlio Gomes, Processo n.º 1181/15.4T8MTS.P1.S1, publicado em ECLI:PT:STJ:2018:1181.15.4T8MTS.P1.S1.40.      
[7]Cf., neste mesmo sentido, os seguintes autores e obras:
- PAULO SOUSA PINHEIRO, «Curso Breve de Direito Processual do Trabalho», 2.ª Edição Revista e Atualizada, junho de 2014, Coimbra Editora, páginas 92 a 95, com indicação de alguma doutrina e jurisprudência pertinentes;
- JOANA VASCONCELOS, «Direito Processual do Trabalho», Coleção «Manuais de Direito», 2017, Universidade Católica Portuguesa, páginas 39 e seguintes, também com indicação de muita doutrina e alguma jurisprudência relevantes;
- ALCIDES MARTINS, «Direito do Processo Laboral – uma síntese e algumas questões», 2.ª Edição, 2017, Almedina, página 105.       
[8]Importa mencionar, quanto a esta matéria, que as Requerentes foram pouco prolixas na alegação concreta de tais prejuízos, ao contrário do que aconteceu com o Sindicato Requerente que, para o efeito, articulou os seguintes factos:
«c) Dos prejuízos imediatos e irreparáveis na vida dos trabalhadores
33-Nunca a requerida laborou aos sábados e domingos. E assim
34-Com a imposição aos trabalhadores do novo horário de trabalho em regime de laboração continua estes viram a sua vida pessoal completamente alterada.
35-Na verdade, a maior parte dos trabalhadores é pai/mãe de menores de idade.
36-Na nossa sociedade os fins-de-semana são os dias por excelência dedicados família e amigos, pois são por norma coincidentes com dias de descanso.
37-Com a implementação deste novo horário, que não foi aceite pela grande maioria dos trabalhadores, estes viram-se privados do convívio com os seus cônjuges e filhos, porquanto
38-Durante a semana o resto da família trabalha e os filhos estão na escola.
39-Sendo que os trabalhadores, em clara violação do preceituado na Cláusula 34.ª do CCT, apenas gozam um fim-de-semana de sete em sete semanas.
40-O que como é óbvio lhes causa profundo transtorno pessoal e familiar, pois quando estão de folga por norma os seus familiares estão ausentes durante o dia.
41-Pelo que se viram, de um momento para outro, com a sua vida transformada num verdadeiro pesadelo, pois muitos dos trabalhadores/as nem têm com quem deixar os filhos, socorrendo-se de familiares e amigos até para acompanharem os mesmos às atividades extracurriculares.
42-Sendo este distanciamento da família e amigos completamente desnecessário face às necessidades da requerida que facilmente resolvia o seu problema de violação dos limites máximos do trabalho com a contratação de mais trabalhadores.
43-Por outro lado, impõem-se uma decisão célere pois a não atuação imediata levará, necessariamente a graves lesões e de difícil reparação nos direitos dos trabalhadores, e designadamente na obrigarão ilegítima de trabalhar aos fins-de-semana, pois a autorização de laboração contínua da requerida não cumpre os pressupostos nela estabelecidos, e
44-Os novos horários estabelecidos pela requerida violam o preceituado na cláusula 34.ª do CCT aplicável. Pelo que
45-Não existindo, nenhum outro procedimento especial regulado na lei processual civil ou laboral a requerente lança mão do presente procedimento.»
[9]Foram dados como não assentes os seguintes Pontos de Facto:
«3.-Que os abaixo assinados tenham sido subscritos por mais de 500 trabalhadores da requerida.
(…)
5.-As escalas de turnos implementadas em 2-1-2019 foram escolhidas por maioria dos trabalhadores.
6.-Os filhos da maioria dos trabalhadores da requerida são menores de idade e os mesmos não têm com quem os deixar, quando estão a trabalhar, tendo necessidade de solicitar a familiares e terceiros que os acompanhem às atividades extracurriculares.»
[10]As Requerentes, no seu Requerimento Inicial e nos artigos 27.º a 38.º reproduzem um texto de natureza científica que nos fala dos riscos psicossociais provocados pelo regime de turno rotativos:
«27.º-É que conforme exposto foi no Documento denominado «O Trabalho Noturno e por Turnos enquanto Riscos Psicossociais» da iniciativa do Gabinete de Estudos da Ordem de Psicólogos Portugueses, são imensos os riscos e danos psicossociais para os trabalhadores e seus familiares que daqueles resultam. Segundo o texto citado:
28.º-“Os riscos psicossociais constituem, hoje em dia, uma das maiores ameaças à Saúde Física e Mental dos trabalhadores, ao bom funcionamento e produtividade das organizações (sejam elas públicas ou privadas). Correspondem aos aspetos da organização e da gestão do trabalho, dos contextos sociais e ambientais relativos ao trabalho que têm potenciais efeitos negativos do ponto de vista psicossocial.
29.º-Dentre estes riscos, em termos gerais, é possível enumerar o stresse ocupacional, o assédio (moral e sexual), a violência no trabalho, a síndrome de burnout, a adição ao trabalho, a fadiga e carga mental no trabalho, assim como o trabalho noturno e o trabalho por turnos.
30.º-O stresse ocupacional ocorre quando alguém sente que as exigências do seu papel profissional são maiores do que as suas capacidades e recursos para realizar o trabalho. Também é possível experienciar stresse ocupacional quando, pelo contrário, as exigências e expetativas sobre o desempenho são poucas ou nenhumas (BHESHIFAR & NAZARIAN, 2013).
31.º-Os sinais típicos de stress no trabalho incluem sintomas físicos (como cansaço, aperto no peito, indigestão, dor de cabeça, dores músculo-esqueléticas, alterações do apetite e do peso, alterações do sono e da vigília, acidentes de trabalho) e psicológicos (irritabilidade, ansiedade, indecisão, desmotivação, dificuldades de concentração, isolamento ou agressividade, alterações de humor, alterações nas funções executivas com dificuldades em tomar decisões, bem como diminuição da capacidade para o trabalho) (WHO, 2010, BICKFORD, 2005).
32.º-Embora nem sempre o stresse seja algo negativo (por exemplo, quando temos um trabalho para entregar o stresse pode manter-nos alerta e focados), só é algo positivo quando dura pouco tempo. Embora o stresse não seja uma doença, quando o stresse se prolonga longos períodos de tempo, 0podem desenvolver-se problemas de saúde psicológica como a depressão ou a ansiedade.
33.º-Diversas situações podem provocar stresse no trabalho, entre as quais o trabalho noturno ou por turnos (BICKFORD, 2005).
34.º-O stresse ocupacional explica mais de metade das faltas ao trabalho e é o segundo problema de saúde relacionado com o trabalho mais reportado na Europa, afetando quase 1 em cada 3 trabalhadores (EUROPEAN COMISSION, 2002). De acordo com o EUROBAROMETER (2014) o stresse laboral é considerado o principal risco psicossocial, sendo indicado por 53% dos trabalhadores europeus. Um estudo publicado em 2013 – EUROPEAN OPINION POLL ON OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH – revela que “Portugal está classificado como o terceiro país europeu com a maior proporção de trabalhadores que diz que o stresse relacionado com o trabalho é “muito comum” (28%), quase o dobro da média na Europa (16%).
35.º-Atualmente, ganham particular relevância os riscos psicossociais associados à ausência de fronteiras entre o trabalho e o lazer, assim como a dificuldade em equilibrar a vida pessoal, familiar e profissional, como é o caso do trabalho noturno e do trabalho por turnos. É que,
36.º-Nas últimas décadas assistimos ao desenvolvimento de novas tecnologias e à extensão dos serviços à população que requerem uma assistência humana contínua e o controlo dos processos de trabalho durante as 24h do dia. Este fenómeno também está associado à crescente competitividade económica e à globalização do mercado de trabalho.
37.º-As estatísticas recentes indicam que grande parte da população ativa tem horários de trabalho irregulares, que incluem o trabalho noturno e por turnos. Esta diversificação do horário de trabalho devia contribuir para o aumento da qualidade de vida, sem interferir com a saúde e o bem-estar dos colaboradores. No entanto, em muitas situações, não é este o caso.
38.º-O trabalho noturno e por turnos interfere, negativamente, com o bem-estar dos colaboradores (Costa, 2010):
- Alterações nos ritmos circadianos e perturbações do sono. A alteração forçada daquele que é o ritmo natural diurno do ser humano, pode causar grande stresse fisiológico e problemas de saúde, nomeadamente, fadiga, sonolência, insónia, problemas digestivos, irritabilidade, dificuldades cognitivas e perturbações no sono (que sofre em quantidade e em qualidade).
- Problemas de Saúde Psicológica. Constituem queixas frequentes entre os colaboradores que trabalham à noite ou por turnos a irritabilidade, a ansiedade, a depressão e as dificuldades em equilibrar a vida profissional com a vida familiar e social, nomeadamente com a parentalidade. A existência destes ou de outros Riscos Psicossociais pode contribuir para o desenvolvimento de problemas de Saúde Psicológica no trabalho, É frequente presumir-se que os problemas de Saúde Psicológica dos colaboradores se desenvolvem fora do local de trabalho. No entanto, um Local de Trabalho pouco saudável causa níveis consideráveis de stresse que exacerbam ou provocam o desenvolvimento de problemas de Saúde Psicológica. Os problemas de Saúde Psicológica podem afetar a forma como os colaboradores sentem, pensam e agem, interferindo na sua capacidade de realizar algumas tarefas ou manter relações com os outros. Existem diferentes graus de gravidade e tipos problemas de Saúde Psicológica. Alguns dos mais conhecidos e mais comuns entre os colaboradores das diversas organizações são a Depressão e a Ansiedade. Por exemplo, ANGERER et al. (2017) realizaram uma revisão sistemática de estudos concluindo que entre colaboradores que faziam turnos noturnos o risco de depressão aumentava 42%. Se assumirmos que, numa empresa, a prevalência da Depressão é equivalente à da população portuguesa, ou seja 6,8% (Almeida & Xavier, 2013) e tomarmos como pressuposto que, em média, cada colaborador a tempo inteiro, com uma depressão que não seja tratada, custa à organização € 8794, por ano (Hilton, 2004), então uma empresa com 250 colaboradores pode ter 17 colaboradores com uma Depressão que, se não for tratada, custará à empresa cerca de € 149 500, por ano».