Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9424/2004-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
VIOLAÇÃO
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – “A lei não prevê que a possibilidade de definição ou de alteração da qualificação jurídica dos factos tenha de ser feita uma única vez no processo e apenas na fase de julgamento”.

II - Ao aplicar o artº 359º do C.P.P. o tribunal cumpriu os requisitos legais, qualificando como violação na forma tentada p. e p. nos artºs 164º, nº 1, 177, nº 4, 22º nºs 1 e 2, al c) e 23º, nº 2, os factos que a acusação enquadrara na figura do crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 22º, 23º e 172º. Nºs 1 e 2 do C.P., dando satisfação ao nº 3 daquela norma processual penal, o tribunal cumpriu os requisitos legais.

III – Nada impede, também, o tribunal de, nos termos do artº 358º do C.P.P., dar como provados factos, e enquadrar de forma diversas factos descritos na acusação, o que constitui, relativamente ao referido em II, realidades processuais diferentes.

IV – É de manter a indemnização atribuída, quer por danos materiais quer por danos morais pelo sofrimento, com repercussões futuras na vida familiar, afectiva, sexual, etc., que afectaram aquele menor em virtude dos actos praticados pelo arguido.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. No processo comum n.º 303/01.7 GCTVD do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras foi julgado, pelo tribunal colectivo, N., acusado pelo MºPº da prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 22º, 23º, 172º nºs 1 e 2 do CP, com fundamento nos factos descritos na acusação de fls. 285 a 289 dos autos.
O menor, representado por seus pais, constituiu-se assistente nos autos e deduziu contra o arguido pedido cível de indemnização, peticionando a final a condenação do demandado no pagamento da quantia de 10 000 euros a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial sofridos e 1309,33 euros por danos de natureza patrimonial.
O arguido não apresentou contestação.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com gravação da prova vindo o Tribunal a qualificar diversamente os factos constantes da acusação, em ordem a imputar ao arguido a autoria material de um crime de violação agravado, na forma tentada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 164 nº1, 22, nºs 1 e 2, al. c) 23, 73 e 177 nº 4, todos do CP, conforme despacho proferido em audiência em 6.7.2004 ( cfr. fls.442).


Após o julgamento foi proferido acórdão que :
- Condenou o arguido N. pela prática, como autor material e na forma tentada, de um crime de violação agravada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 164º n.º 1, 177 nº 4, 22º nºs 1 e 2, al. c), 23 nº 2 e 73, todos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- Condenou o mesmo arguido a pagar ao ofendido R.., a título de indemnização, a quantia de 6 309,33 euros (seis mil, trezentos e nove euros e trinta e três cêntimos);
- Foi ainda o arguido condenado em 5 Ucs de taxa de justiça, fixando-se a procuradoria em ¼ da referida taxa, e ainda no pagamento de 1% da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 423/91 de 30.10 e determinou-se que as custas do pedido cível seriam suportadas por demandantes e demandado, na proporção dos respectivos decaimentos.

1.1. Inconformado com esta decisão interpôs recurso o arguido que motivou, concluindo:
- O Tribunal a quo ao conhecer de factos novos que integram o crime p.p. pelos art.ºs 164 nº1, 22, al. c) 23º, 1 e 2, e 177 nº 4, todos do CP, diferente daquele por que o arguido vinha acusado – o dos artºs 22º, 23º, 172º nºs 1 e 2 do CP, punido em mais três anos nos seus limites mínimo e máximo, sem dar ao arguido a possibilidade de se defender eficazmente e de exercer o princípio do contraditório, violou o disposto nos art.ºs 358º e 359º CPP e o art.º 32º CRP;
- Ao dar como provado que o arguido agarrou o menor por um braço com bastante força, violou claramente o disposto no art.º 410º, n.º2 c) CPP, incorrendo assim em erro notório na apreciação da prova;
- Ao condenar o arguido no pagamento de indemnização no montante de € 6.309,33 euros, violou o disposto nos art.ºs 483º e 563º CC;
- Deve revogar-se a decisão e substituir-se por outra que absolva o arguido ou, quanto muito, condene pelos factos de que vinha acusado com pena de prisão suspensa por dois anos, absolvendo-se do pedido de indemnização.

1.2.Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, respondeu o MºPº pugnando pela improcedência do recurso por, em síntese:
- O tribunal limitou-se a fazer uma alteração da qualificação jurídica dos factos que já constavam todos da acusação, tendo usado do mecanismo previsto no art.º 358º, n.ºs 1 e 3 CPP sem que o recorrente tivesse requerido prazo para preparar a defesa, dele prescindindo expressamente;
- Quanto ao alegado facto que entende não se ter provado, o recorrente não cumpre minimamente o ónus do art.º 412º,n.º 3 e 4 CPP, não alegando razões para a sua discordância nem podendo ela configurar o erro notório que alega;
- A decisão também não merece censura quanto à determinação do montante indemnizatório sendo clara e estando devidamente fundamentada.

1.3. E responderam os assistentes concluindo igualmente pela improcedência do recurso por entender “não se verificar qualquer das situações condensadas nas Conclusões do Recorrente (nem alteração substancial dos factos, nem quebra do princípio do contraditório, nem erro notório na apreciação da prova, nem excesso no quantum indemnizatório), e bem assim por não se encontrar violada qualquer das normas legais indicadas pelo Recorrente” pelo que conclui “deverá negar-se provimento ao recurso”.

1.4. Neste Tribunal, o Exm.º Sr Procurador Geral Adjunto relegou para audiência a sua alegação oral.
Colhidos os vistos legais procedeu-se a audiência.


2. O objecto do recurso, perante a delimitação dele feita a partir das conclusões de recurso, reporta-se à apreciação :
- da violação do princípio do contraditório, por ter o tribunal conhecido e condenado por factos novos daqueles por que o arguido vinha acusado, impossibilitando ao arguido o exercício do seu direito de defesa;
- do erro notório na apreciação da prova face ao facto dado como provado relativamente a ter o arguido agarrado no menor por um braço, com bastante força
- da condenação no montante indemnizatório de 6.309,33 euros em violação dos art.ºs 483º e 563º CC

2.1.
É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:

“Fundamentação
De facto
Da discussão da causa e com relevo para a decisão da mesma resultaram apurados os seguintes factos:
1- No dia 22 de Agosto de 2001, cerca das 21:00 horas, o menor R., nascido em 15/7/1990, encontrava-se junto à sede da Associação Cultural da B., a brincar, circulando numa bicicleta, quando se abeirou de si o arguido, também tripulando um velocípede.
2- Na ocasião o menor, porque se encontravam presentes outras pessoas, nada receou, tanto mais que conhecia o arguido como sendo o marido de uma das suas educadoras no ATL.
3- Deste modo o menor logo aceitou o convite e desafio feitos pelo arguido para fazerem uma corrida de bicicleta, logo referindo o N. que a meta seria o “Forte Velho”.
4- Na sua credulidade infantil o menor R. aceitou, na convicção de que a proposta do arguido era apenas para fazerem uma corrida de bicicletas, o que lhe agradava.
5- Todavia, mais não pretendia o arguido do que levar o menor consigo para um local isolado onde pudessem permanecer a sós, tencionando já aliciar o R. para práticas sexuais, bem sabendo que o mesmo contava seguramente menos de 14 anos de idade.
6- O menor R. de nada suspeitou aquando da conversa inicial que manteve com o arguido, razão pela qual acedeu a participar na corrida de bicicleta que lhe fora proposta até ao local indicado pelo arguido e apenas na companhia deste.
7- O arguido e o menor dirigiram-se então, tripulando as respectivas bicicletas, em direcção ao Forte Velho e aí chegados encontraram a testemunha F..
8- Uma vez no “Forte Velho”, local isolado e sem iluminação, se bem que na ocasião ainda existisse claridade, e após ter mantido com o referido F. breve conversa, o arguido afastou-se com o menor do local onde aquele se encontrava.
9- Já fora do alcance das vistas da referida testemunha o arguido agarrou o menor pelo braço, assim o fazendo descer da bicicleta, e levou-o para o interior do mato ali existente.
10- Aqui, em local rodeado por eucaliptos, encontrando-se os dois e apenas eles, o arguido começou a acariciar as costas e nádegas do menor, introduzindo as mãos sob a t-shirt e calções que este na altura vestia.
11- O arguido procurava com este comportamento a sua própria excitação e prazer sexual, que aumentava à medida que continuava a apalpar e acariciar o menor.
12- Porque o menor, com tais actos, começou a assustar-se, pois que os tinha para si como ultrapassando a simples amizade, procurou esquivar-se e fugir, do que o arguido se apercebeu, razão pela qual agarrou o R. com força por um braço, assim o impedindo de sair daquele local e da sua proximidade e de evitar o seu contacto físico, uma vez que continuou a agarrá-lo.
13- Ao mesmo tempo, e já deitado de costas no chão, e com recurso apenas a uma das mãos, o arguido desapertou a sua própria braguilha e, continuando sempre a agarrar o menor, que entretanto tentava libertar-se, tentou desapertar com a mão que mantinha livre o cinto das calças que vestia.
14- Sentindo-se receoso o menor R. pediu ao arguido para parar, dizendo que queria ir-se embora, ao que este retorquiu que tinha ali uma nota de 500$00, que exibiu, dizendo ao menor que era para ele, com a condição de o deixar “meter a sua pilinha no rabo dele”, acrescentando que tinha muito dinheiro para lhe dar.
15- Simultaneamente o arguido puxava o menor para si, o que provocou no R. completo terror, por não querer relacionar-se sexualmente com o arguido, nem mesmo a troco de dinheiro, e temer não ter forças para o impedir de concretizar os seus intentos.
16- Então o arguido, não tendo ainda conseguido desapertar o cinto das suas próprias calças com recurso apenas a uma das mãos, largou momentaneamente o braço do menor, ocasião que este aproveitou para se libertar, correndo com a velocidade que as suas forças e medo lhe permitiam em direcção à sua bicicleta.
17- O menor montou então a bicicleta e rodou apressadamente, afastando-se do local, tendo-se dirigido para a residência do namorado da irmã, por ser a mais próxima, onde de imediato, soluçando e tremendo, declarou a este que “o N. lhe queria ir ao cu”, não querendo dirigir-se à sua própria morada de família e encarar os seus pais.
18- A conduta do arguido provocou no menino um medo e desequilíbrio tais que o R., nos dias seguintes, teve necessidade de pernoitar numa outra casa, em Lisboa, para conseguir conciliar o sono.
19- A partir da referida ocasião não mais o menor conseguiu adormecer sem se encontrar acompanhado, recusando-se, a partir desse momento, a dormir sozinho, dormindo até hoje no quarto de sua irmã.
20- Na sequência da descrita conduta do arguido o menor voltou a frequentar com regularidade a consulta da especialidade de psicologia, porque passou a revelar grande ansiedade, mormente quando se encontrava só, caindo em enorme sofrimento psíquico.
21- A nível escolar a actuação do arguido desencadeou no menor alteração do comportamento, que voltou a ser alvo de reparos, quer ao nível da desatenção, quer ao nível do relacionamento com os colegas
22- A conduta do arguido atentou frontalmente contra a liberdade e intimidade corporal, sexual, e de relacionamento humano do menor, que foi por aquele colocado propositadamente numa situação de isolamento, pressão, temor, e inferioridade, para com ele manter contacto corporal com vista a obter excitação e prazer sexual, determinado que estava a introduzir o seu pénis no ânus do menino, tudo logrando conseguir à excepção do coito anal, que não concretizou por motivos alheios à sua vontade.
23- O arguido escolheu o menor para com ele manter coito anal, não obstante ser do seu conhecimento que aquele contava idade inferior a 14 anos, tendo-se aproveitado para tanto da ingenuidade e credulidade infantil do Rui.
24- Actuou o arguido de modo livre, voluntário e consciente, sendo altamente censurável a sua conduta, atenta a confiança que o menor em si depositara e a afronta física e psíquica que lhe infligiu, passando o R. a ser uma criança frágil, medrosa e triste, dependente dos pais e, durante algum tempo, do clínico assistente, tendo vivenciado sentimentos de vergonha e terror.
25- Com a sua descrita conduta o arguido atentou intencionalmente contra a liberdade e intimidade do menor, afectando o seu processo de crescimento, como o arguido adivinhava e acreditava que fosse consequência da sua actuação, não se abstendo, ainda assim de agir como o intentou e executou.
26- Conhecia o arguido a censura penal da sua conduta e as consequências nefastas ao nível do crescimento que com toda a certeza ia causar no desenvolvimento do Rui.
27- O arguido só não consumou coito anal completo com o ofendido, por motivos alheios à sua vontade, apesar de tudo ter feito para tal.
28- Como consequência da conduta do arguido o menor sofreu terrível choque emocional e grande abalo psicológico.
29- Era um jovem alegre, convivendo normalmente com os colegas e amigos, jogando à bola e outros jogos próprios da sua idade.
30- Frequentava a escola com interesse, apresentando razoável aproveitamento escolar.
31- Após a conduta do arguido o menor passou a viver triste e receoso, deixando de ser o jovem descontraído que era anteriormente.
32- Deixou de conviver com os colegas e amigos, refugiando-se em casa.
33- A perturbação do menor atingiu proporções tais que a própria mãe caiu em depressão, recorrendo a partir de Setembro a ajuda médica especializada.
34- Também o menor voltou a ser assistido pelo psicólogo Dr. J..
34- No imediato a seguir aos factos o menor recusou-se a permanecer em Torres Vedras e só aqui se deslocava acompanhado da mãe para frequentar as consultas médicas.
35- O seu rendimento escolar diminuiu, apresentando o menor desconcentração e isto não obstante o pessoal escolar ter em atenção a situação que o menor vivenciara.
36- Só decorridos alguns meses de acompanhamento e apoio psicológico o menor começou a recuperar do choque sofrido que, contudo, ainda hoje perdura.
37- Em consultas da especialidade de psicologia frequentadas pelo menor despenderam seus pais a quantia de 1 309, 33 euros.
38- O arguido negou a prática dos factos.
39- Não tem antecedentes criminais.
40- É casado, vivendo com a mulher e tem dois filhos, um dos quais ainda estudante e a seu cargo.
41- O agregado vive dos rendimentos do trabalho de ambos os membros, sendo modesta a sua situação económica.
*
Factos não provados
- chegados ao “Forte Velho” o arguido tenha sugerido ao R. que parqueassem as bicicletas no solo e fossem até ao mato, dar um passeio a pé, no que obteve a inocência, confiança e acordo do menino;
- na ocasião estivesse escuro;
- o arguido tenha chegado a desapertar o cinto das próprias calças e as tenha baixado;
- a muito custo o menor tenha conseguido desferir um empurrão contra o arguido, assim libertando o seu bracinho;
- o arguido se tenha feito valer da circunstância de ser vizinho do menino;
- o arguido sinta prazer sexual na manutenção de relações sexuais anais com crianças da idade do ofendido;
- o menor tenha pernoitado nos dias seguintes com os avós na Amadora;
- a conduta do arguido tenha provocado no menor receio no relacionamento com os colegas e vergonha perante os professores;
- o menor sinta ter uma mancha negra no seu passado infantil ligada ao desporto que maior prazer lhe trazia e que a partir de tal ocasião piores pensamentos lhe acarretava;
- o menor fosse uma criança comunicativa antes da ocorrência dos factos aqui em causa;
- tivesse bom aproveitamento escolar;

Motivação
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos assentes e que, como tal, se deixaram consignados, alicerçou-se de forma essencial no depoimento consistente do menor que, não obstante a emoção que não conseguiu claramente evitar, depôs com coerência e espontaneidade, dissipando qualquer dúvida quanto à existência de confabulação. Aliás, a credibilidade do menor foi de algum modo garantida pelo parecer do médico que o acompanhou, Dr. J., da especialidade de psicologia, que, referindo-se ao R., mencionou tratar-se de criança muito “terra-a-terra”, não imaginativa. Aliás, constava já do relatório antes elaborado pelo mesmo clínico que consta de fls. 44 a 47 e de que aqui nos permitimos transcrever uma passagem “Conhecendo-se o R. de modo bastante consistente, foi fácil avaliar a veracidade dos factos contados por ele. O seu sentido de justiça, a sua rigorosa avaliação do quotidiano, bem como o seu sentido de observação permiti observar a existência de um estado de grande sofrimento psíquico, que dadas as suas características psicológicas (que nunca apresentaram quaisquer nuances de confabulações, histórias inventadas ou, no sentido mais popular, qualquer tipo de mentiras) não indiciou a colocação de dúvidas face à veracidade dos factos por si vividos”. E realçar que este clínico já havia acompanhado o menor em momento anterior, dada a dificuldade sentida pelo R. na adaptação a outra escola, a outro grupo de amigos, situação que no entanto, e com referência à data da prática dos factos, se encontrava já ultrapassada.
Por outro lado o depoimento do menor, que relatou os factos tal como se deixaram consignados, foi corroborado pelos testemunhos de NR., namorado da irmã junto de quem se refugiou logo após, e ainda de M., tia do referido NR, que abriu a porta ao menor quando este se dirigiu à residência do sobrinho procurando auxílio.
Tendo o Tribunal acreditado sem reserva no depoimento do menor aceitou a versão dos factos por ele narrada. Assim relatou o R. que, encontrando-se a brincar, andando de bicicleta, foi abordado pelo arguido –a quem conhecia por ser marido de uma das suas educadoras do ATL de nome L., uma vez que este já ali se havia deslocado algumas vezes a buscar comida- que, tripulando igualmente um velocípede, o convidou para uma corrida de bicicleta, sendo a meta o Forte Velho. O menor acedeu mas chegados ao local em causa, o arguido encaminhou o menor para um caminho em terra batida situado do lado direito, seguindo ambos de bicicleta. Aqui avistaram a testemunha F., ainda parente do arguido, pelo que este desmontou e se dirigiu àquele, permanecendo ambos em conversa durante alguns minutos, aguardando o menor mais atrás, sempre montado na bicicleta. O arguido encaminhou-se então novamente na direcção do menor e fora das vistas do aludido F., agarrou no braço do R.., fazendo-o descer da bicicleta e encaminhando-o para o meio do mato e dos eucaliptos, onde os acontecimentos se sucederam conforme relatou e consta da factualidade dada como assente. O menor referiu ainda que após o ter tirado da bicicleta o arguido lhe mencionou que tinha uma arma mas que não tivesse receio, que não lhe fazia mal, referindo ainda que ele, R., iria ver dois homens a fazer amor. De realçar que o menor, segundo o seu relato, só ficou verdadeiramente assustado, tentando libertar-se, após o arguido ter desapertado a sua braguilha, tendo então exacta noção do perigo que corria. Coerentemente, descreveu que o arguido, que o agarrava pelo braço, desapertou a braguilha com uma das mãos mas não tendo conseguido desapertar o cinto da mesma forma o libertou simultaneamente, aproveitando então o menor para fugir. Referiu ainda, relevantemente, que em consequência da pressão exercida pelo arguido no seu braço este ficou vermelho. O pânico e o terror que se apoderaram do menor foram constatados pela já referida testemunha M. que, encontrando-se de férias em casa de sua irmã, mãe da testemunha N.R., relatou que tendo ouvir bater à porta a foi abrir, tendo-se-lhe deparado o menor, a chorar e a tremer, de forma que até pensou que lhe tivessem batido. Quando indagou do menor o que é que se passava este pediu para falar com o N.R. e, tendo este surgido, logo lhe disse que o arguido “lhe tinha querido ir ao cu”. Esta testemunha relatou que o menor R. tremia e chorava, quase não conseguindo falar e não querendo ir para casa, pelo que se dirigiu ele próprio à residência do menor, aí relatando aos pais o que o menor contara A testemunha narrou ainda um episódio, ocorrido durante a sua infância –contaria então 12/13 anos de idade- em que estando presente, juntamente com um companheiro de nome E. e outros miúdos, o arguido colocou uma nota no chão e quando o referido E. se dispunha a apanhar o dinheiro o arguido disse “Só se me deixares ir-te ao cu”, repetindo por diversas vezes tal “brincadeira” que, não obstante o tom ligeiro do arguido, a testemunha não esqueceu. De realçar, quanto a este depoimento, a sua absoluta isenção, tendo tido a testemunha a preocupação de, a cada momento, referir apenas os factos que recordava e tal qual os recordava.
A assistente B., que a nada assistiu, relatou ter sido advertida pela testemunha N.R. de que o N. teria querido fazer mal ao filho, o que aconteceu pelas 9:45 h do dia em que os factos ocorreram, pelo que logo saiu ao encontro do menor, tendo na altura constatado que o braço deste se encontrava vermelho. O menor relatou sumariamente os factos, narrando que o arguido o havia convidado para uma corrida de bicicleta e que chegados ao local combinado como sendo a meta o tinha desviado para um caminho à direita e que num local isolado lhe tinha mostrado uma nota de 500$00, que lhe daria se ele lhe deixasse pôr a pilinha no rabo. Relatou ainda à mãe, aqui assistente, que o arguido lhe havia mexido nas costas e no rabo por debaixo das roupa. Tendo perguntado ao filho porque motivo não tinha logo fugido o menor respondeu que não tinha força nas pernas. Impressivamente relatou que após os factos o menor, durante cerca de 1 ano, não consentiu que ninguém lhe colocasse as mãos nas costas.
Quanto às repercussões que os factos tiveram no comportamento do menor a assistente confirmou que no dia seguinte o menor foi para Lisboa e não queria voltar a Torres Vedras, passou a ter reacções de agressividade que anteriormente não se registavam e viu afectado o seu rendimento escolar, para lá do facto de nunca mais, até aos dias de hoje, ter conseguido dormir sozinho, manifestando ainda medo quando encontra alguém cuja fisionomia lhe recorde a do arguido. Retomou ainda as consultas no Dr. J., primeiro com uma periodicidade tri-semanal e depois mais espaçadamente, acompanhamento que perdurou durante meses.
F. disse que quando retornava a sua casa após o dia de trabalho passou, como habitualmente, no Forte Velho onde, próximo de uns depósitos ali existente, avistou um veículo Parou, para observar os seus ocupantes, quando apareceram o arguido e o menor, ambos de bicicleta. Permaneceu ali durante alguns minutos, após o que foi embora, tendo-se o arguido afastado igualmente. Referiu que enquanto trocou algumas palavras com o arguido o menor se encontrava a cerca de 30 mt de distância, tendo-se apercebido que o Natalino seguiu na mesma direcção, uma vez que a criança se tinha afastado primeiro. Depois do arguido e do menor se terem afastado o depoente ainda voltou ao mesmo local mas não já não os avistou.
Embora sem conhecimento directo dos factos foi relevante o testemunho de L.M., de 21 anos de idade. A testemunha, que conhece o arguido desde criança, narrou que, contando então a idade do menor R., cerca das 10:00 horas da noite e quando andava de bicicleta pela rua, o N. o abordou, pedindo-lhe que o transportasse até à paragem, distante cerca de 500 mt, que lhe daria 500$00. O depoente aceito, aliciado pela quantia oferecida, e predispôs-se a transportar o arguido como passageiro. Logo então notou com desagrado que o arguido o agarrou pelas ancas e quando chegaram ao destino pediu ao menor que com ele praticasse sexo oral. Amedrontada e envergonhada a testemunha não narrou a ninguém o sucedido, excepto à sua irmã, mas após ter-lhe constado que o arguido tentara abusar do menor R. sendo amigo da testemunha N.R., entendeu que deveria ter a coragem de narrar o sucedido, razão pela qual acedeu a depor em tribunal. De referir que também este depoimento, prestado de forma serena, não suscitou qualquer dúvida quanto à veracidade dos factos relatados.
P., vizinha dos assistentes à data da prática dos factos, referiu-se ao menor como sendo uma criança sossegada e educada, que costumava ver na brincadeira com as outras crianças. Após a ocorrência dos mesmos factos o menor ficou triste e “parado”, passando a fazer-se acompanhar permanentemente pela mãe que passou, ela própria, a mostrar-se deprimida.
V., também vizinha dos assistentes à data, referiu-se ao facto de a sua filha, colega d escola do menor, se ter queixado, depois dos factos terem ocorrido, que o R. se apresentava nervoso, chorando por tudo e por nada e com reacções inusuais, tais como atirar fora objectos que tinha na mão.
Da conjugação de todos estes depoimentos resulta que o menor R. foi efectivamente alvo de tentativa de violação por banda do arguido. Com efeito, não só a criança merece toda a credibilidade- é indesmentível e foi corroborado pelas já referidas testemunhas N.R.. e M. o terror de que estava tomado e o facto de logo ter explicitado o que é que o arguido pretendia fazer- como são incontornáveis as efectivas alterações de comportamento que apresentou após os factos e compatíveis com o ataque de que foi alvo. Por outro lado, se consideramos os testemunhos insuspeitos do N.R. e do L.M., é possível surpreender um padrão de comportamentos tendencialmente abusivos e direccionados a menores do sexo masculino por banda do arguido.
Resta acrescentar que a versão do arguido, que negou a prática dos factos, não mereceu qualquer credibilidade, não tendo sequer beliscado a demais prova produzida e a que se fez referência. Reconheceu o arguido apenas ter dirigido ao menor o convite para efectuar a corrida de bicicletas e que este se terá assustado muito ao visionar uma arma que se encontraria em poder do elemento masculino do casal que se encontrava no veículo também observado pela testemunha F.. Segundo o arguido tal indivíduo teria saído da viatura empunhando a dita arma, o que teria provocado o pânico do menor e tanto assim que veio atrás dele para o sossegar, admitindo que o tenha tocado nesta ocasião mas apenas para o tranquilizar. Admitiu ainda ter oferecido à criança a quantia de 500$00 mas apenas para garantir que estivesse quieto, uma vez que se encontrava em pânico, a tremer, receando por isso que denunciasse as suas posições – segundo o arguido, face à visão do tal indivíduo empunhando a arma, ambos se tinham escondido atrás de uns eucaliptos. Note-se que a testemunha F., aludindo de facto à existência de uma arma, que segundo referiu se encontraria em cima do “tablier” da tal viatura em cujo interior se encontrava um casal, negou que o indivíduo tivesse saído para o exterior, empunhando-a. Por outro lado, esta testemunha declarou ainda que, enquanto ele próprio e o arguido observavam o casal, o menor se encontrava e manteve a cerca de 30 metros de distância, caindo por terra a versão do arguido quando pretende que o pânico do menor foi motivado pela visão do indivíduo empunhando a arma.
De resto logo a conduta do arguido, homem de 55 anos de idade, ao convidar uma criança para uma corrida de bicicleta em direcção a local isolado, surge como manifestamente inadequada e suspeita, tal como suspeito é o oferecimento de uma quantia em dinheiro. Em suma, a versão do arguido não mereceu qualquer credibilidade, não constituindo qualquer surpresa a sua obstinada negação dos factos que mais não é do que a demonstração daquilo que estatisticamente já se encontra demonstrado: os autores de abusos sexuais sobre menores nunca confessam os seus crimes.
Quanto às condições de vida do arguido depuseram as testemunhas R1., que o conhece há mais de 30 anos e ao mesmo se referiu como homem sério e R2., que também o conhece há mais de 20 anos. Considerou ainda o Tribunal o teor da certidão do assento de nascimento do menor junta a fls. 62, relatório clínico de fls. 44, docs. de fls. 48 a 56 e recibos cujas cópias constam de fls. 307, 309, 311, 313, 315 e 317.
Foi ainda atendido o teor do CRC de fls. 291.
Quanto aos factos que mereceram menção de não provados tal ficou a dever-se à circunstância do menor os não confirmado, designadamente quanto a ter dado um empurrão ao arguido para se libertar, sendo certo ainda que o Dr. J. não confirmou tratar-se o mesmo de criança comunicativa, antes o tendo descrito como algo reservada. Quanto aos demais não foram sustentados pela prova produzida, daí a sua inclusão no elenco dos não provados.

3.
3.1.
Com vista a uma melhor compreensão de algumas considerações tecidas pelo recorrente na motivação dir-se-á que resulta dos autos que inicialmente fora deduzida acusação contra o arguido pelo crime de abuso sexual de crianças p.p. pelo art.º 172º, n.º3 al. b) CP tendo na audiência de julgamento de 25.10.2002 sido suspensa a instância e devolvidos os autos ao MºPº para proceder a novo inquérito, por se entender então que os factos referidos pelo ofendido e que não constavam dessa acusação poderiam configurar um crime mais grave, o de abuso sexual de menor p.p pelos art.ºs 172º, n.º 2 e 22º e 23º CP. Após novo inquérito veio a ser deduzida a acusação que ora define o objecto do processo (fls. 285 e ss.) e pela qual se imputa ao arguido a prática do crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 22º, 23º, 172º nºs 1 e 2 do CP.
Na audiência que veio entretanto a ser realizada, perante esta última acusação, o Tribunal, antes de publicar a leitura da sentença, proferiu despacho em que, alegando qualificar diversamente os factos constantes da acusação, em ordem a imputar ao arguido a autoria material de um crime de violação agravado, na forma tentada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 164º nº1, 22º, nºs 1 e 2, al. c), 23º, 73º e 177º n.º 4, todos do CP, conforme despacho proferido em audiência em 6.7.2004 ( cfr. fls.442).
É o seguinte o teor desse despacho “ Analisada a factualidade imputada ao arguido, designadamente quanto à sua intenção de manter cópula anal com o ofendido, menor à data com 11 anos de idade ,e ainda a circunstância de, para tal, o ter agarrado por um braço com bastante força, é nosso entender que os factos imputados ao arguido, tal como descritos na acusação pública, integram antes a prática pelo mesmo, e na forma tentada, de um crime de violação garavada p.p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 22º,n.º1, e 2al. c), 23º, n.ºs 1 e2 e 164º,n.º1 e 177º, n.º4 CP. Tal diversa qualificação jurídica dos mesmos factos importa a sua comunicação ao arguido nos termos e para os efeitos do preceituado nos n.ºs 1 e 3 do art.º 358º CPP, comunicação que agora se faz.”
Seguidamente tendo sido dada a palavra ao MºPº e mandatário do assistente disseram nada terem a opor ou a requerer e aos mandatários do arguido por estes foi dito prescindirem do prazo de defesa.

3.1.1. A decisão da primeira questão suscitada importa a apreciação da matéria fáctica que era imputada ao arguido na acusação .
Da referida peça processual consta que :
“...
No dia 22 de Agosto de 2001, cerca das 21:00 horas, R., nascido em 15/7/1990, encontrava-se junto à sede da Associação Cultural da B., a brincando alegremente.
Rodava montado numa bicicleta, no momento em que de si se abeirou de si o arguido, também tripulando um velocípede.
Na ocasião o menor, porque se encontravam presentes outras pessoas, nada receou.
Nem mesmo o convite e desafio que o arguido lhe fez para fazerem uma corrida de bicicleta.
Referindo o N. que o destino e meta seria o “Forte Velho”.
Na sua credulidade infantil o menino aceitou, na convicção de que a proposta do arguido não passava apenas de uma simples corrida de bicicletas, o que lhe agradava.
Todavia, já nessa altura, mais não pretendia o arguido do que conseguir levar o menino para um local isolado onde pudessem permanecer a sós consigo.
E com vista ao aliciamento para práticas sexuais que o arguido pretendia manter com o R., bem sabendo que o mesmo contava seguramente apenas 11 anos de idade.
Coisa de que o menino não suspeitou aquando da conversa inicial que manteve com o arguido.
Razão pela qual acedeu a participar na referida corrida de bicicleta até ao local indicado pelo arguido e apenas na sua companhia..
Como veio a acontecer e no que foram avistados já no Forte por F..
Chegados ao “Forte Velho”, local isolado e escuro, o arguido sugeriu ao R. que parqueassem as bicicletas no solo e fossem até ao mato dar um passeio a pé.
No que obteve a inocência(sic), confiança e acordo do menino.
Perto do dito mato, encontrando-se os dois e apenas eles, o arguido começou a fazer festas e carinhos com as mãos, percorrendo o corpo do menino até às e nádegas e traseiro do menor, que massajava e acariciava
O arguido procurava com este comportamento a sua própria excitação e prazer sexual, o que conseguiu de imediato e que aumentava à medida que continuava a apalpar o menino.
Porque este, entretanto, com tais actos, começou a assustar-se, pois que os tinha para si como ultrapassando a simples amizade, procurou esquivar-se e fugir.
Atitude de que o arguido se apercebeu, razão pela qual agarrou o R. por um braço, com bastante força, impedindo-o de sair daquele local e da sua proximidade e de evitar o seu contacto físico que nunca deixou de manter com o corpo do menino.
Ao mesmo tempo, hábil e agilmente, o arguido desapertou o cinto das suas próprias calças, baixou-as, deitou-se no chão e puxou o menino contra si, pressionando-o física e psicologicamente.
Sentindo-se totalmente receoso, o menor R. disse ao arguido para parar e que queria ir-se embora.
Ao que o arguido respondeu que tinha ali uma nota de 500$00, que tirou do bolso, mostrou ao R. e disse que era para ele.
Com a condição de o deixar “meter a sua pilinha no rabo do menino”, e que “tinha muito dinheiro para lhe dar”.
Em simultâneo, o arguido puxava o menor para si.
O que provocou o completo terror no R., por não tencionar relacionar-se sexual e intimamente com o arguido, nem mesmo a troco de dinheiro, e temer não ter forças para o impedir de concretizar os seus desejos.
Po isso, a muito custo, conseguiu desferir um empurrão contra o arguido, “deslargar-se” (sic) dele, libertar o seu bracinho (sic) e começou a correr a toda a velocidade que as suas forças e medo lhe permitiam em direcção à sua bicicleta.
Aí subiu para o selim e rodou apressadamente, afastando-se.
Amedrontado, atordoado, tremendo, o menino dirigiu-se para a residência do namorado da sua irmã mais velha, por ser a mais próxima, onde procurou refúgio e à chegada disse que “o N. lhe queria ir ao cu”.
Só após, o menino conseguir dirigir-se à sua própria morada de família e encarar os seus pais, já que soluçava, tremia e receava a reacção paternal.
.A conduta do arguido provocou no menino um medo e desequilíbrio tais que o R., nos dias seguintes, teve necessidade de pernoitar com os avós, na Amadora para tentar e conseguir conciliar o sono.
Que a partir da referida ocasião não mais encontrou com tranquilidade, a não ser dormindo no quarto com a sua irmã, recusando-se, a partir desse momento, a dormir sozinho.
Passou a frequentar com regularidade a consulta da especialidade de psicologia, porque passou a revelar grande ansiedade, mormente quando se encontrava só, caindo em enorme sofrimento psíquico.
A nível escolar a actuação do arguido desencadeou no menor uma desconcentração relativamente aos estudos e ao decorrer das aulas, receio no relacionamento com os colega, vergonha perante professores e desequilíbrio emocional .
A conduta do arguido atentou frontalmente contra a liberdade e intimidade corporal, sexual, e de relacionamento humano do menor.
Que foi por aquele colocado propositadamente numa situação de isolamento, pressão, temor, e inferioridade, para com ele manter contacto corporal com vista a obter excitação e prazer sexual, determinado que estava a introduzir o seu pénis no ânus do menino, quantas vezes a criança lho permitisse.
Tudo logrando obter à excepção do coito anal, por motivos alheios à sua vontade.
Fazendo-se o arguido valer da ingenuidade e credulidade infantil na simples e sadia amizade, na circunstância de ser vizinho do menino e de este desconhecer os seus maléficos intentos que conseguiu ocultar durante quase todo o tempo e manobra convidativa.
O arguido escolheu deliberadamente o R. para com ele manter coito anal, por sentir prazer sexual na manutenção de relações sexuais anais com crianças da idade do ofendido.
O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, sendo altamente reprovável a sua conduta, atenta a confiança que o menor depositara em si e a afronta física e psíquica que infligiu, para sempre ao menino.
Que passou a ser uma criança frágil, medrosa e triste e altamente dependente dos pais e clínico assistente.
E que deixou nele sentimentos de vergonha e terror, uma mancha negra no seu passado infantil ligada ao desporto que maior prazer lhe trazia e que a partir de tal ocasião piores pensamentos lhe acarretava. .
Magoando-o intencionalmente na liberdade e intimidade do menor e em todo o seu processo de crescimento, como o arguido adivinhava e acreditava que fosse consequência dos seus actos obscenos, maléficos e crueis.
Não se abstendo, pese embora, de agir como o intentou e executou.
Sabia o arguido da censura penal da sua conduta e as consequências nefastas ao nível do crescimento que com toda a certeza ia causar no desenvolvimento do R..
Só não tendo consumado coito anal completo com o ofendido, por motivos alheios à sua vontade, apesar de tudo ter feito, com êxito, para tal”.

Foi pelo cometimento de tais factos que o MºPº imputou ao arguido o crime de abuso sexual de crianças na forma tentada p.p. pelos art.ºs 22º, 23º e 172º, n.º1 e 2 CP.
Da confrontação desta peça processual com a matéria de facto constante da decisão recorrida haverá que concluir que nesta última se não inclui qualquer facto com interesse para a decisão que não constasse já daquela, nomeadamente do facto expressamente referido pelo recorrente e que será tratado no ponto 3.2. desta decisão.
O acórdão apenas retirou de tal descrição os factos não provados que especificou na decisão e deu relativamente a certos aspectos pontuais uma redacção menos adjectivada e emotiva à descrição dos factos, decerto na procura de uma descrição mais rigorosa e correcta do ponto de vista linguístico, eliminando algumas imprecisões ortográficas e sintácticas ou reduzindo a carga de emoção vertida na acusação, norteado decerto por razões de estética literária, para além das evidentes preocupações em definir, com rigor e maior precisão factual, os detalhes que interessavam à descrição dos factos, susceptíveis de integrarem o tipo legal em análise e de definirem a conduta em apreço.
Porém, tal ajustamento não envolveu qualquer alteração substancial, mesmo que de pouco significado, quanto à matéria de facto descrita na acusação.
Aliás, o próprio recorrente não indica quais são os factos novos relativamente ao circunstancialismo fáctico imputado na acusação e que o tribunal, ao apreciar de forma a produzir surpresa no recorrente e a inviabilizar o exercício pleno do seu direito de defesa, terá conhecido de forma a violar de forma intolerável esse seu direito. Apenas parece considerar que tal alteração respeita não somente à alteração da qualificação jurídica mas sim à própria descrição substancial dos factos.
Ora, a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave não constitui alteração substancial dos factos para os fins dos art.ºs 1º f), 129º, 284º, n.º1, 303º, n.º3, 309º, n.º2 e 359º 1 e 2 e 379º b) CPP”, conforme Assento n.º2/93 de 27.7 (DR 1ª série-A de 10.3.93).
Já a definição dada no art.º 1º al. f) se reporta a alteração substancial de factos como sendo aquela alteração de factos – e não da sua diversa qualificação - que implique a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites da sanção aplicável e não a mera alteração da qualificação de factos que se mantiveram imutáveis.
O actual n.º 3 do art.º 358º CPP foi introduzido pela Lei 59/98 de 25.8, distinguindo claramente o diverso tratamento a dar a situações de diversa qualificação jurídica de factos descritos na pronúncia que não se confunde com a alteração substancial de factos.
A definição da qualificação jurídica feita perante a indiciação não pode naturalmente ser vinculativa sob pena de o juiz de julgamento não poder deixar de a seguir, o que não foi querido pelo legislador. Em julgamento, pode o juiz considerar que a factualidade apurada, mesmo sendo ela a que já constava da pronúncia ou acusação, deverá ser subsumida a outra qualificação jurídica, desde que use dos mecanismos legais para o efeito.
De todo o modo, o que resulta da apreciação concreta da situação vertida nos autos é que o julgador perante a mesma factualidade que já constava da acusação entendeu que esta integrava qualificação jurídica diversa da que resultava da acusação, o que deu a conhecer aos demais sujeitos processuais, através do mecanismo a que alude o art.º 358º, n.º3 por referência ao seu n.º 1 CPP, podendo este ter usado de prazo para preparar a sua defesa, o que só não aconteceu por o arguido dele ter prescindido num momento em que não tendo ainda terminado a audiência poderia ter aproveitado para retirar os possíveis efeitos da alteração anunciada, quer através de eventual possibilidade de produção de prova suplementar que se impusesse perante a alteração e que infirmasse a factualidade tida por essencial a tal discussão quer alegando a insuficiência dos factos provados para a integração do crime de violação tentado, ou discutindo a medida da pena tida por razoável. Constata-se que mesmo nesta sede de recurso, o recorrente não discute o enquadramento jurídico dos factos tidos por assentes, o que coloca este Tribunal na impossibilidade de o fazer e teria, porventura, algum interesse.
Assim, as razões de surpresa e de violação do contraditório invocadas pela defesa não podem ter a nossa aceitação, posto que, por um lado, não foi surpreendida por qualquer factualidade nova que justificasse a preparação de outra forma de defesa tendo-se limitado o tribunal “a quo” a decidir com base nos factos provados de entre os descritos na acusação e, por outro lado, perante a nova qualificação jurídica, com a consequente possibilidade de imputação de crime com moldura penal mais elevada, poderia o recorrente ter beneficiado de tal alargamento de prazo se o tivesse requerido ou se dele não tivesse prescindido, como fez expressamente.
Também não tem razão ao pretender que pelo facto de em audiência de 25.10.2002 o tribunal já ter usado da faculdade de que agora fez de novo uso.
A lei não prevê que a possibilidade de definição ou de alteração da qualificação jurídica dos factos tenha de ser feita uma única vez no processo e apenas na fase de julgamento.
Pensamos que, embora legalmente viável, só em situações de maior certeza jurídica seja razoável fazê-lo em fase de saneamento, sob pena de eternização de situações de sucessivas alterações jurídicas dos factos, ao sabor das interpretações e entendimentos dos aplicadores da lei que intervêm nas várias fases processuais. Daí que o legislador tenha pensado a possibilidade da alteração dos factos ou da sua qualificação, preferencialmente em sede de julgamento, perante uma definição mais definitiva dos factos provados.
De todo o modo, em 25.10.2002, o tribunal usou do mecanismo do art.º 359º CPP por ter constatado uma alteração da factualidade a imputar ao arguido com reflexos na definição da competência funcional do tribunal. Agora usou o mecanismo do art.º 358º, n.º3 por entender que o enquadramento dos factos feito pela acusação não estaria em conformidade com esses mesmos factos, o que constitui realidade processual diversa.
Improcede, pois, esta argumentação


3.2.
3.2.1.
Refere o recorrente que o tribunal ao concluir que o arguido “agarrou o menor por um braço com bastante força “ se baseou em meras conclusões sem qualquer suporte factual sério. Deverá ainda estar a referir-se ao momento em que o tribunal produziu o despacho de 6.7.2004. Ao contrário do que afirma o recorrente, esta descrição do facto corresponde à descrição constante da acusação ( leia-se a mesma atrás transcrita, em 3.1.1, na parte sublinhada) que, com, efeito foi invocada pelo tribunal para justificar a alteração da qualificação jurídica proposta.
De todo o modo, o que resulta da matéria de facto constante da decisão é que: “Porque o menor, com tais actos, começou a assustar-se, pois que os tinha para si como ultrapassando a simples amizade, procurou esquivar-se e fugir, do que o arguido se apercebeu, razão pela qual agarrou o R. com força por um braço, assim o impedindo de sair daquele local e da sua proximidade e de evitar o seu contacto físico, uma vez que continuou a agarrá-lo”.
De todo o modo, a censura do recorrente parece centrar-se no facto de essa descrição factual nunca ter chegado ao processo anteriormente, nem na denúncia nem nas anteriores declarações do ofendido, nem na acusação proferida inicialmente nos autos. Porém, tendo sido realizada nova investigação, após a decisão de 25.10.2002, que conduziu a nova acusação por factos diversos dos anteriormente imputados o que importa é verificar se da audiência de julgamento resulta a prova do referido facto, imputado ao arguido na acusação, como se viu.
Este facto mostra-se enquadrado na seguinte descrição que no essencial, relativamente à actuação objectiva do arguido é a seguinte, relembre-se:
“10- Aqui, em local rodeado por eucaliptos, encontrando-se os dois e apenas eles, o arguido começou a acariciar as costas e nádegas do menor, introduzindo as mãos sob a t-shirt e calções que este na altura vestia.
11- O arguido procurava com este comportamento a sua própria excitação e prazer sexual, que aumentava à medida que continuava a apalpar e acariciar o menor.
12- Porque o menor, com tais actos, começou a assustar-se, pois que os tinha para si como ultrapassando a simples amizade, procurou esquivar-se e fugir, do que o arguido se apercebeu, razão pela qual agarrou o R. com força por um braço, assim o impedindo de sair daquele local e da sua proximidade e de evitar o seu contacto físico, uma vez que continuou a agarrá-lo.
13- Ao mesmo tempo, e já deitado de costas no chão, e com recurso apenas a uma das mãos, o arguido desapertou a sua própria braguilha e, continuando sempre a agarrar o menor, que entretanto tentava libertar-se, tentou desapertar com a mão que mantinha livre o cinto das calças que vestia.
14- Sentindo-se receoso o menor R. pediu ao arguido para parar, dizendo que queria ir-se embora, ao que este retorquiu que tinha ali uma nota de 500$00, que exibiu, dizendo ao menor que era para ele, com a condição de o deixar “meter a sua pilinha no rabo dele”, acrescentando que tinha muito dinheiro para lhe dar.
15- Simultaneamente o arguido puxava o menor para si, o que provocou no R. completo terror, por não querer relacionar-se sexualmente com o arguido, nem mesmo a troco de dinheiro, e temer não ter forças para o impedir de concretizar os seus intentos.
16- Então o arguido, não tendo ainda conseguido desapertar o cinto das suas próprias calças com recurso apenas a uma das mãos, largou momentaneamente o braço do menor, ocasião que este aproveitou para se libertar, correndo com a velocidade que as suas forças e medo lhe permitiam em direcção à sua bicicleta.
As considerações que o recorrente fez porém, não visam em ponto nenhum da sua motivação ou das conclusões impugnar a prova desse facto, não se indicando quaisquer razões concretas referentes à produção da prova em audiência susceptíveis de infirmar essa factualidade e a convicção que esteve na base na sua fixação pelo tribunal “ a quo”.
Não sendo essa questão trazida à apreciação concreta deste Tribunal, apenas se haverá que conhecer da alegada existência do erro notório na apreciação da prova que o recorrente invoca, ainda a propósito do referido facto, nas conclusões, embora sem que tenha concretizado de que modo a decisão terá incorrido em tal vício, no caso concreto para além da sua perplexidade e desconfiança perante o facto de tal referência a “bastante força” só ter aparecido nos autos, três anos após os factos.

3.2.2.

De todo o modo, e sendo oficioso o conhecimento por este Tribunal dos vícios do art.º 410º,n.º2 CPP, dir-se-á que essa apreciação não permite concluir que tenha sido violada alguma regra de produção da prova, nomeadamente das referidas no art.º 127º e seguintes do CPP, instituto probatório privativo do processo penal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.


Erro notório na apreciação da prova é aquele que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja , quando o homem médio facilmente dele se dá conta ( Simas Santos e Leal Henriques, C.P.P. Anotado, I, 554) e traduz uma desconformidade do facto apurado com a prova.
Verifica-se este erro "quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser desmontado a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum ."(Ac. do S.T.J. de 17/12/97, B.M.J. 472, 407).
Assim, esta análise deverá resultar da própria decisão sem recurso a elementos a ela estranhos.
Da análise do texto relativo à matéria de facto, globalmente considerado, não se pode concluir que, ao fixar tal matéria, o tribunal “a quo” deveria ter apreciado a prova de outra forma e que essa conclusão se imporia de forma manifesta a qualquer cidadão de capacidade e entendimento médios.
Não resulta, pois, manifesto da mera leitura do texto da decisão, sem recurso a quaisquer elementos a ela estranhos, que a decisão tenha notoriamente errado ao fixar a matéria de facto, nomeadamente ao dar como não provado o facto referenciado pelo recorrente.

Do próprio texto da decisão, mesmo que conjugada com as regras da experiência comum, não resulta que a sentença contenha algum erro notório na apreciação da prova nem resulta que esta tenha notoriamente violado regras da apreciação da prova ou que as tenha valorado ao arrepio de princípios como o “in dubio pro reo”.

Também não resulta da decisão que esta contenha contradição insanável entre a decisão e a fundamentação ou que seja insuficiente para a decisão que foi proferida (art.º 410º, n.º1 e 2 CPP), vícios de conhecimento oficioso.


3.3.
Discorda, por ultimo o recorrente da atribuição de indemnização ao ofendido e do respectivo montante porque o menor já anteriormente aos factos tinha tratamento psicológico pelo que não é possível averiguar se houve agravamento e em que medida do estado de saúde do ofendido e se tal agravamento, a ter existido, justifica o montante atribuído.
Da decisão, com interesse para essa decisão resulta que :
28- Como consequência da conduta do arguido, o menor sofreu terrível choque emocional e grande abalo psicológico.
29- Era um jovem alegre, convivendo normalmente com os colegas e amigos, jogando à bola e outros jogos próprios da sua idade.
30- Frequentava a escola com interesse, apresentando razoável aproveitamento escolar.
31- Após a conduta do arguido o menor passou a viver triste e receoso, deixando de ser o jovem descontraído que era anteriormente.
32- Deixou de conviver com os colegas e amigos, refugiando-se em casa.
33- A perturbação do menor atingiu proporções tais que a própria mãe caiu em depressão, recorrendo a partir de Setembro a ajuda médica especializada.
34- Também o menor voltou a ser assistido pelo psicólogo Dr. João Lima.
34- No imediato a seguir aos factos o menor recusou-se a permanecer em Torres Vedras e só aqui se deslocava acompanhado da mãe para frequentar as consultas médicas.
35- O seu rendimento escolar diminuiu, apresentando o menor desconcentração e isto não obstante o pessoal escolar ter em atenção a situação que o menor vivenciara.
36- Só decorridos alguns meses de acompanhamento e apoio psicológico o menor começou a recuperar do choque sofrido que, contudo, ainda hoje perdura.
37- Em consultas da especialidade de psicologia frequentadas pelo menor despenderam seus pais a quantia de 1 309, 33 euros.
38- O arguido negou a prática dos factos.
39- Não tem antecedentes criminais.
40- É casado, vivendo com a mulher e tem dois filhos, um dos quais ainda estudante e a seu cargo.
41- O agregado vive dos rendimentos do trabalho de ambos os membros, sendo modesta a sua situação económica.

E foram os seguintes os fundamentos da decisão a este propósito:

O direito que o demandante pretende fazer valer, inscrevendo-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual, impõe a verificação cumulativa de cinco pressupostos, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade (cfr. art. 483 do CC).
A obrigação de reparar um dano supõe assim a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, tomada esta expressão no sentido de dano real. Rege esta matéria o disposto o art. 563 CC, disposição que consagrou a nominada teoria da causalidade adequada, isto é, o autor do facto será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido (cfr. A. Varela, Manual das Obrigações em geral, 6ª Ed. pág. 869). Assim sendo, estão abrangidos pela obrigação de indemnizar os danos causados ao demandante, compreendendo não só o prejuízo causado nos bens existentes na sua titularidade - danos emergentes- como também os benefícios que deixou de obter por causa do facto ilícito, embora ainda não integrados na sua esfera à data da lesão - lucros cessantes (cfr. art. 564, nº 1).
No caso em apreço resultou demonstrado com meridiana clareza que o assistente sofreu danos em consequência da conduta do arguido, quer na sua vertente patrimonial, quer na modalidade de danos não patrimoniais.
Quanto aos primeiros apurou-se que o menor teve de recorrer a apoio específico, na área da pedopsicologia, a fim de superar trauma causado pela conduta do arguido, tendo os seus pais despendido em consultas médicas a quantia de 1 309,33 euros que aqui reclamam. Tratando-se de gasto com inequívoca origem no facto danoso encontra-se o arguido obrigado ao seu ressarcimento.
Quanto aos danos de natureza não patrimonial, há que referi-lo, a indemnização não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado, contendo ainda uma componente sancionatória da conduta do lesante.
Na fixação do “quantum” indemnizatório manda a nossa lei atender, através da remissão para o disposto no art. 494, ao grau de culpa do lesante, situação económica de lesante e lesado, flutuações do valor da moeda, etc., devendo ser proporcionada à gravidade do dano e tomando em conta, na sua fixação, “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida” (vide A. Varela e Pires de Lima, CC anotado, 4º Ed., pág. 501).
No caso vertente resultou demonstrado que a conduta do arguido teve na vida do menor repercussões gravíssimas, deixando sequelas que ainda hoje se revelam, sendo indesmentível que a evocação dos factos provoca no Rui grande comoção, o que o Tribunal pôde constatar aquando do seu emocionado depoimento. Para além do sofrimento infligido ao Rui são ainda imprevisíveis as consequências no seu processo de crescimento, designadamente na área da sexualidade, tudo danos com indiscutível relevo, a justificar a tutela do direito.
Ponderando ainda o elevado o grau de culpa do lesante, por um lado e, por outro, a modéstia da sua situação económica, encontra-se como adequado, em juízo de equidade, o arbitramento do montante de 5 000 (cinco mil) euros a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial sofridos pelo menor, já actualizado com referência à data da presente decisão. Por não terem sido peticionados juros não serão os mesmos fixados, por a tal obstar o disposto no art. 661 nº 1 do CPC.

A decisão recorrida determinou a factualidade apurada que não foi posta em causa no presente recurso e perante a qual é possível concluir que o valor indemnizatório atribuído se mostra fixado de forma equitativa e tendo por base os critérios definidos na lei.
Como salienta o acórdão, o ofendido sofreu danos em consequência da conduta do arguido, quer na sua vertente patrimonial, quer na modalidade de danos não patrimoniais.
Relativamente aos danos patrimoniais há que reconhecer a obrigação de indemnizar os danos causados ao demandante, compreendendo estes o prejuízo causado nos bens existentes na sua titularidade e de que se viu provado pela actuação ilícita e culposa do agente do crime - danos emergentes - e também os benefícios que deixou de obter por causa do facto ilícito, embora ainda não integrados na sua esfera à data da lesão - lucros cessantes (art. 564º, n.º 1) e que decorram causalmente do facto ilícito culposo cometido pelo lesante..
Da matéria de facto apurada, apreciada na sua globalidade, resulta que o valor despendido pelos pais do menor em consultas de pedopsiquiatria pela situação provocada pela conduta do arguido foi de 1.309,33 euros. Será esse o valor decorrente das consultas a que o menor foi sujeito após o crime de que foi vítima. Embora possa o menor ter sido objecto de outras consultas da mesma especialidade anteriormente aos factos, não resulta da matéria de facto apurada que o valor de 1309,33 referido abrangesse qualquer consulta anterior à situação dos autos. Da matéria de facto apurada devidamente apreciada na sequência em que se descrevem os factos relevantes, é possível concluir que o referido valor foi o que foi gasto pelos pais do menor nas consultas em que voltou a ser assistido pelo psicólogo, Dr. J., o que afasta a inclusão nesse valor de outro acompanhamento e apoio psicológico que não o decorrente da situação emocional e do choque sofrido com o crime que o vitimou.

Também há que ressarcir o menor pelos danos não patrimoniais sofridos em virtude do facto criminoso e que mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito.
Na fixação do seu valor haverá que ponderar as circunstâncias e critérios definidos no art.º 496º, n.º3 ou seja deverá o respectivo montante ser fixado equitativamente tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494º C.Civil, a saber o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo causado.
Embora a lei não defina o que são os danos merecedores de tutela, tem sido entendido unanimemente que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que é vítima de crime além do sofrimento actual que perdura mesmo depois do facto criminosos mas também do sofrido durante o tempo de em que o crime foi cometido, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação, o medo da sua repetição, o reviver de uma situação geradora de angústia e sofrimento.
Como se refere no acórdão desta secção, no recurso 1731/03, relatado pelo Exm.º Desembargador Vasques Diniz, referindo-se ao dano não patrimonial nele distinguindo como mais significativos e importantes além de outros “... o prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral... ”, aqui avultando o dano da dor e o défice do bem-estar, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima (...) , o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida”.

Considerando as circunstâncias supra descritas, ainda assim entende-se que será adequado, de acordo com os critérios definidos e com os fins de compensação moral do menor, o montante definido na 1ª instância, nomeadamente se comparado com outras decisões dos nossos tribunais.

4. Pelo exposto, acordam os juízes em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com t. j. fixada em 9 UC.

Lx., 18 de Janeiro de 2005

Elaborado, revisto e assinado pela relatora Filomena Lima e assinado pelos Desembargadores Adjuntos Ana Sebastião e Vieira Lamim, sob a presidência do Exm.º Desembargador C. Sousa Nogueira.