Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
735/17.9T8LSB-A.L1.L1-6‏
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: REGIME LEGAL DO MAIOR ACOMPANHADO
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
MEIOS DE PROVA
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Ainda que formalmente o processo de acompanhamento de maiores não possa ser considerado um processo de jurisdição voluntária, certo é que em termos substanciais passa a sê-lo, razão porque, podendo o Juiz investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, é-lhe igualmente conferida a prerrogativa de apenas admitir as provas que considere necessárias para a boa decisão da causa ( cfr. art.º 986.º, n.º 2, do CPC ).

2 - Por outra banda, em consonância com o referido em 1., o próprio o art.º 897.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe de “Poderes instrutórios”, passa dispor que “ Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos
.
3 -  Em face do referido em 1. e 2., realizada que se mostra nos autos uma perícia médica ao interditando, com conclusões claras/assertivas sobre a capacidade do requerido, pertinente se mostra o indeferimento pelo Exmº Juiz de requerimento - deduzido já na vigência das alterações introduzidas no CPC com a Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto ,  diploma que aprova o regime jurídico do maior acompanhado - a solicitar a sujeição do “Beneficiário” a um novo exame pericial
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de LISBOA
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1.- Relatório                           
Em acção ESPECIAL DE INTERDIÇÃO que A move a B, e na qual peticiona que seja decretada a interdição do Requerido, nomeando-se tutora a Requerente , foi a requerente [ em 10/2/2019 e após a realização do exame pericial e do interrogatório do requerido, e no seguimento da prolação de despacho saneador tabelar ] notificada para, querendo, em 10 dias alterar o requerimento probatório .
1.1 – No seguimento da notificação supra indicada, veio a requerente A, em 18/2/2019, atravessar nos autos um requerimento probatório, sendo o respectivo conteúdo do seguinte teor:
a) Renova os meios de prova apresentados nos articulados;
b) Uma vez que o exame médico realizado nos autos não chegou a uma conclusão segura sobre a capacidade ou incapacidade do requerido, requer-se a realização de perícia médico-psiquiátrica colegial ao Requerido B.
Para integrar o colégio de peritos, a requerente indica a Sra. Dra. Maria ……., médica psiquiatra, com domicílio na Rua D..., n.º 38, Q… da V…, 2…-6… S….
Os senhores peritos deverão responder aos seguintes quesitos:
1- O Requerido sofre de doença ou anomalia psíquica? E, em caso afirmativo, qual/quais e em que medida afecta(m) a sua capacidade se governar a sua pessoa e bens?
2- O Requerido toma medicação para doença/s do foro metal? Quais e quais os seus efeitos?
3- O Requerido conhece a moeda em curso?
4- O requerido consegue fazer operações de cálculo simples?
5- O requerido sabe o valor do dinheiro? Sabe o preço de bens essenciais?
6- O requerido sabe qual o seu património e qual o valor do mesmo?
7- O requerido sabe o montante dos seus rendimentos mensais e das suas despesas correntes mensais?
8- O Requerido tem capacidade para decidir os seus investimentos e para alienar património?
9- O Requerido sabe onde vive e onde vivem os familiares e amigos mais próximos?
10- O requerido sabe situar-se e orientar-se no espaço, no sentido de saber o percurso e/ou o meio de transporte para se deslocar de um lugar para outro?
11- O Requerido sabe/sabia cozinhar e em caso afirmativo sabe descrever a receita de um cozinhado simples?
c) Em cumprimento da notificação para o efeito, indica a matéria factual sobre a qual pretende produzir a prova testemunhal arrolada na PI:
Factos alegados nos artigos 3.º a 41.º da PI
d) Quanto à junção da certidão de nascimento do requerido, ordenada no despacho de 04/02/2019, a Requerente requer a prorrogação do prazo concedido para o efeito, por mais 10 dias, uma vez que, não obstante já ter requerido e pago a dita certidão (cfr. Docs. 1 e 2), a mesma ainda não lhe foi disponibilizada.
1.2. – Apreciando e pronunciando-se sobre o requerimento probatório indicado em 1.1., veio o tribunal a quo a decidir – em 4/4/2019 -nos seguintes termos :
“(…)
A Requerente requer, ainda, a realização de perícia médico-psiquiátrica colegial ao Requerido.
O Requerido pronunciou-se no sentido de discordar da pretendida diligência.
Nos presentes autos teve lugar exame pericial ao Requerido, cujo Relatório se encontra junto a fls. 201 e seguintes, que foi notificado às partes e quanto ao qual não houve qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento.
Com o devido respeito por opinião diversa, não se afigura que o exame médico realizado não tenha chegado a uma conclusão segura sobre a capacidade ou incapacidade do Requerido, como alega a Requerente, constando expressamente do mesmo, além do mais, que o Requerido “apresentava um envelhecimento cerebral esperado para a idade que (...) não parece sequer atingir um défice cognitivo ligeiro/perturbação neuro cognitiva ligeira” e “na avaliação clínica realizada não se consubstanciou a existência de uma anomalia psíquica que determine incapacidade para governar a sua pessoa c bens".
Entendemos, assim, desnecessário e injustificado proceder à realização de novo exame médico ou perícia colegial, pelo que se indefere o requerido.
Notifique.”
1.3.- Da decisão identificada em 1.2., porque da mesma discordando, e inconformada, apelou então a Autora A , alegando e formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1 - Por entender desnecessário e injustificado, o tribunal a quo indeferiu a perícia medico- psiquiátrica colegial ao Requerido, requerida pela autora no seu requerimento probatório do dia 18/02/2019.
2 - A presente acção deu entrada e foi tramitada até 09/02/2019 como acção de interdição.
3 - A partir de 10/02/2019, passou a aplicar-se à acção o regime jurídico do maior acompanhado, criado pela Lei n.° 49/2018, de 14/08/2018.
4 - Ainda no regime da acção de interdição foram ordenados e realizados ao Requerido exame médico pericial e interrogatório.
5 - A perícia médica já realizada teve em vista aferir se o requerido padece de anomalia psíquica que o impeça de gerir a sua pessoa e os seus bens, ou seja, se no caso estão preenchidos os requisitos para o decretamento da interdição do requerido.
6 - Nessa perícia, o Sr. perito entendeu que Requerido não padece de doença mental que justifique a sua interdição, mas não e peremptório nessa conclusão, referindo nomeadamente que não teve conhecimento/acesso a exames complementares de diagnóstico e/ou da especialidade de Neurologia ou Psiquiatria.
7 - Mas mais, faz menção de que, por prescrição do médico psiquiatra que acompanha o Requerido desde 23/01/2013 o Requerido toma Lorazepam 3mg (uso cronico), Venlafaxina 37,5 mg e Doncpezilo 5mg - o primeiro e um medicamento para ajudar a tratar a ansiedade, o segundo e um antidepressivo e o Donnepezilo e um medicamento utilizado no tratamento sintomático da demência e da doença de Alzheimer.
8 - A toma de medicação anti demencial por parte do Requerido, por prescrição do medico psiquiatra que o assiste e contraditória com a conclusão de que o Requerido não padece de qualquer demência, pois, como resulta das bulas de todas as farmacêuticas, a toma de Donnepezilo não se faz para efeitos de prevenção da demência, mas para o seu tratamento e a sua toma sem demência pode levar ao desenvolvimento de efeitos secundários graves, nomeadamente ao nível da saúde mental do medicado.
9 - No relatório pericial, concluiu-se, também, que o Requerido tem apenas uma "noção geral do seu património actual'' e que precisara de ser "assistido nas tarefas de maior complexidade cognitiva" - apesar de não dizer em quais tarefas e em que termos deve ser assistido o que e, desde logo, contrario a capacidade do Requerido para gerir a sua pessoa e bens de forma autónoma.
10 - Assim, apenas se pode entender que a perícia já realizada, para além de contraditória com a medicação tomada pelo requerido, não é conclusiva no que respeita a sanidade mental do Requerido e a capacidade deste gerir a sua pessoa e bens de forma totalmente autónoma.
11 - Do interrogatório feito ao requerido resulta, pelo menos, que o mesmo não tem noção específica do seu património, nem do valor do mesmo, do prédio que tem em Benfica, nem das jóias, nem mesmo de bens essenciais como o leite.
12 - Da perícia medica e do interrogatório feitos ao Requerido não e possível aferir, assim, com suficiente certeza e segurança, as doenças ou anomalias psíquicas de que sofre o requerido, nem em que medida o mesmo e capaz de gerir a sua pessoa e os seus bens de forma autónoma.
13 - Com a entrada em vigor do regime jurídico do maior acompanhado, o acompanhamento do maior limita-se ao necessário e em função de cada caso, sendo as medidas desse acompanhamento determinadas caso a caso, cabendo ao tribunal definir os tipos de actos para cuja pratica valida o maior, considerado capaz de gozo e de exercício, necessita da intervenção de um acompanhante, porque, por razoes de saúde, de deficiência ou de comportamento, não esta em condições de exercer devidamente, por si só, os seus direitos ou deveres.
14 - A perícia já realizada não se debruçou sobre a afecção de que sofre o requerido, as suas consequências e meios de apoio de tratamento aconselháveis à luz do novo regime do maior acompanhado que ora se aplica ao caso.
15 - Mostra-se, portanto, justificada a realização - de outra perícia, colegial conforme requerido pela Autora, que dissipe as dúvidas quanto ao estado de saúde mental do requerido e as suas repercussões na capacidade do mesmo gerir a sua vida e os seus bens, de forma autónoma, nomeadamente a luz do regime em vigor do maior acompanhado, identificando as afecções de que sofre o Requerido, os actos nos quais o Requerido precisará de ser acompanhado e quais os termos desse acompanhamento.
16 – O Tribunal a quo interpretou erradamente e violou o disposto no artigo 145.° do Código Civil e no artigo 899.° do Código de Processo Civil, violando em toda a linha o direito da Autora ver produzida a sua prova, nos termos dos artigos 413.° e 487.°, n.° 1 do CPC.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se o despacho recorrido, no sentido de ser ordenada a realização da perícia médico-psiquiátrica colegial ao Requerido nos termos requeridos pela Autora. ASSIM FAZENDO V. EX.AS A COSTUMADA JUSTIÇA!
1.4.- Tendo o requerido apresentado contra-alegações, veio no âmbito das mesmas impetrar a confirmação do julgado, para tanto aduzindo as seguintes CONCLUSÕES:       
1ª- Ao contrário do que pretende a Recorrente, o perito que realizou o exame médico dos autos, e peremptório na conclusão de que o Requerido, ora, Recorrido, não padece de doença mental que justifique a sua interdição, afirmando expressamente que a presente acção deve improceder.
2ª- Os medicamentos que o Recorrido toma têm objectivo meramente preventivo, como refere o Dr. Moraes …., que conhece muito bem o Recorrido e o acompanha há alguns anos, sendo que, ao contrário do que pretende a Recorrente, as bula dos medicamentos tem caracter orientador, e são os médicos que orientam o tratamento, caso a caso, e a forma e a toma dos mesmos, inexistindo qualquer contradição.
3ª- A Recorrente bem sabe que o Recorrido não padece de qualquer doença mental, visando a presente acção o património do Recorrido e constituindo um ataque a propositura da acção de divórcio.
4ª - A Recorrente pretende substituir-se aos médicos e peritos (que atestam que o Recorrido não padece de qualquer demência ou doença demencial ), e afirmar, a todo o transe, a demência do Recorrido, sendo que tal não passa de um seu desejo, sem contornos com a realidade.
5ª- O perito refere que o Recorrido tem uma noção geral do seu património actual, e não, apenas, uma noção geral.
6ª- O relatório pericial não é contraditório nem inconclusivo no que respeita a saúde mental do Recorrido, sendo que a Recorrente, no momento processual próprio, não reclamou nem pediu qualquer esclarecimento, sendo a alegação em sede do presente recurso sobre contradições ou inconclusões do referido relatório, manifestamente, extemporânea.
7ª - O relatório pericial diz e que o Recorrido "...para alguns actos contratuais de maior complexidade...poderá necessitar de apoio de uma terceira pessoa no sentido de o aconselhar e esclarecer de todas as implicações e alcance face a determinado contrato ou acto jurídico, pese embora que de uma forma genérica, tal acontece com uma grande parte das pessoas.", mais afirmando que o Recorrido esta medico- legalmente capaz de escolher quem quer para o assistir.
8ª - Não saber o preço do leite nem o valor global do seu prédio, não significa que o Recorrido não seja capaz de governar a sua vida e os seus bens.
9ª - Aliás, na acção de divórcio, o Recorrido foi ouvido durante mais de três horas consecutivas, não mostrando qualquer indício de demência ou doença incapacitante; antes pelo contrário, o Mmo. Juiz na sentença do divórcio refere que o Recorrido se encontra, em termos das suas capacidades, muito melhor do que muitas pessoas bem mais novas, sendo que só a Recorrente não quer ver isso, porque não lhe convém, e, claro, por razoes estritamente patrimoniais.
10ª - O Recorrido também foi ouvido nos presentes autos (cerca de uma hora), sendo que a Mma. Juiz não detectou qualquer necessidade de realização de novo relatório pericial
11ª - A Recorrente faz referenda a um pequeno excerto das declarações do Recorrido que não indiciam nem provam que o mesmo padeça de demência ou Alzheimer, ou que não tenha noção especifica do seu património, nem do seu valor, ou mesmo do preço do leite, fazendo tabua rasa” das restantes declarações do Recorrido, que, aferidas, por forma global, atestam, sem sombra de duvida, a sua capacidade para governar a sua vida e os seus bens.
 12ª - Assim, quando a Mma. Juiz lhe pergunta se o nome Marcelo Rebelo de Sousa lhe diz alguma coisa, o Recorrido responde que é o Presidente da Republica, e descreve a família, os netos, bisnetos, incluindo os que vão nascer, chegando a afirmar que ia ao Jardim da Estrela encontrar-se e falar com colegas reformados, onde falavam sobre o que era útil para eles e que aprendiam uns com os outros, afirmando que tais encontros eram benéficos, punham-nos em dia e era melhor do que isolar-se.
13ª - Ora, não restam quaisquer dúvidas de que o discurso do Recorrido e o discurso de uma pessoa na plenitude das suas capacidades, revelando-se a perícia colegial requerida absolutamente desnecessária, tal como decidiu o douto despacho recorrido, que não merece censura.
14ª - E, ao contrário do que pretende a Recorrente, inexistem razoes de saúde, deficiência ou comportamento que determinem a necessidade da intervenção de um acompanhante para o Recorrido, que se encontra na plena posse das suas faculdades e capacidades, quer físicas, quer mentais.
15ª - Inexistem, objectivamente, quaisquer contradições no relatório pericial, no relatório do Dr. Moraes …..e na medicação do Recorrido ou na ponderação destes, sendo que tais contradições e dúvidas quanto ao estado de saúde mental do Recorrido apenas existem e persistem, como desejo, na cabeça da Recorrente .
 16ª - Assim, não se justifica a realização de segunda perícia, pois a primeira não avaliou mal os factos, nem emitiu sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, para além de que foi plenamente aceite pelas partes.
17ª - Deste modo, o douto despacho recorrido não interpretou erradamente nem violou o disposto no artigo 145º do Código Civil, nem os artigos 413º, 487º, n.º 1, e 899º, do Código de Processo Civil
Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se o douto despacho recorrido na Ordem Jurídica, com o que se fara a costumada e inteira JUSTIÇA
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1.5. - Thema decidendum
 Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal de recurso possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir resume-se à seguinte :
a) Se deve a decisão apelada ser revogada, impondo-se ao invés o deferimento do requerido pela Apelante com referência aos meios de prova solicitados/requeridos, máxime de natureza pericial ;
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2. - Motivação de Facto.
Para além da matéria a que se alude no relatório que antecede, no que à tramitação dos autos concerne, nada mais importa ainda atentar que seja pertinente para o conhecimento/apreciação do objecto recursório, a não ser que :
2.1.- No âmbito do Despacho/Saneador identificado em 1, proferido a 4/2/2019, foi considerada ASSENTE a seguinte factualidade :
1 - Requerente e Requerido casaram entre si em 10 de Janeiro de 1959 (documento de fls. 50 a 52).
2 – O Requerido instaurou acção de divórcio sem consentimento contra a Ré, tendo sido proferida sentença em 20 de Dezembro de 2018, não transitada em julgado ( fls. 228 a 264).
3 - Anabela ……, nascida em 16 de Agosto de 1951, é filha do Requerido e de Ercília ….. (documento de fls. 20 a 22).
4 - Ana ……., nascida em 9 de Fevereiro de 1963, é filha do Requerido e da Requerente (documento de fls. 23 a 25).
5 - O Requerido toma regularmente Venlafaxina, Lexotan e Donepezilo (admitido por acordo e documento de fls. 157, cujo teor se dá por reproduzido).
6 - O Requerido é regularmente seguido em consulta de psiquiatria desde 23/01/2013 por quadro de ansiedade controlado, sendo entendimento do médico Dr. Moraes ……., que o acompanha, que este “está na plena posse das suas capacidades intelectuais e cognitivas (…) Não existe quadro de compromisso cognitivo o que é notável dada a idade do paciente”, mais declarando que o paciente “não sofre de quadro demencial, Alzheimer ou outro. O único diagnóstico de apresenta é distúrbio de ansiedade controlado…” (documentos de fls. 157 a 161, cujo teor se dá por reproduzido).
7 - Em 11 de Julho de 2018, data da realização do exame pericial do Requerido, o mesmo mostrava-se vigil, calmo e colaborante, orientado em todas as referências, com um discurso espontâneo, discretamente circunstanciado, mas lógico e coerente (Conteúdo do Exame Pericial, de fls. 201 a 205, cujo teor se dá por reproduzido).
8 - Em 11 de Julho de 2018, data da realização do exame pericial do Requerido, o mesmo apresentava um envelhecimento cerebral esperado para a idade que não parece sequer atingir um défice cognitivo ligeiro/perturbação neuro cognitiva ligeira (Conteúdo do Exame Pericial, de fls. 201 a 205, cujo teor se dá por reproduzido).
9 – Na avaliação clínica realizada não se consubstanciou a existência de uma anomalia psíquica que determine incapacidade para governar a sua pessoa e bens ( Conteúdo do Exame Pericial, de fls. 201 a 205, cujo teor se dá por reproduzido ).
2.2.- No âmbito do Despacho/Saneador identificado em 1, foi especificado como integrando os TEMAS de PROVA aferir se :
1 – O Requerido sofre de depressão nervosa e desde quando.
 2 - O Requerido padece de demência senil e desde quando.
 3- A demência senil incapacita o Requerido de governar a sua pessoa e os seus bens.”
2.3. – Designada – por despacho de 4/7/2017 - a realização de exame pericial ao requerido, nos termos e para efeitos do disposto no artº 896º, do CPC , e realizado [ pelo Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa ] o mesmo, foi junto aos autos o competente Relatório pericial, datado de 19/9/2018, e do mesmo constando em sede de CONCLUSÕES o seguinte:
“(…)
 [1] DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
À data [ 11/7/2018 ] da avaliação pericial o Examinando apresentava um envelhecimento cerebral esperado para a sua idade que, de acordo com a avaliação realizada com o MMSE, não parece sequer atingir um Défice Cognitivo Ligeiro (DCL)/Perturbação Neuro cognitiva Ligeira (CID-10: F06.7, OMS, 1997), que por sua vez, em rigor, não constitui anomalia psíquica funcional grave
A extensão das suas dificuldades, observadas na perícia, não nos parecem atingir, do ponto de vista estritamente médico-legal, uma real incapacidade funcional — em termos cognitivos e intelectivos - que integre (medicamente) os pressupostos previstos para situações de interdição e/ou inabilitação. Nesse sentido, é possível afirmar, com razoável segurança médica, que relativamente ao seu comportamento, pensamento e afectividade, existe apenas ligeiro compromisso funcional, que na prática apenas dificulta, também ligeiramente, tarefas especialmente complexas, para as quais, estamos em crer, o Examinando está médico-legalmente capaz de escolher quem quer para a assistir.
Importa salientar que a presença de DCL (ou até de demência ligeira) não constitui motivo para incapacitar um indivíduo de testar, da mesma forma que não será claramente motivo para uma interdição. Apesar de não parecer ser esse o caso, mas admitindo-se a possibilidade de existir já um DCL, importa referir que, relativamente às capacidades civis, os indivíduos com DCL apresentam alterações num conjunto de capacidades (cognitivas) que ainda assim permitem habitualmente a gestão financeira dos seus bens, bem como a celebração de contratos lato senso. específica. No caso em concreto, importa determinar até que ponto os eventuais défices cognitivos afectam directamente a capacidade de decisão, ou seja, de conceber e levar a cabo um determinado plano.
A capacidade contratual, que se refere à capacidade de o indivíduo chegar a, e/ou fazer um acordo pode variar ao longo do tempo; contudo, no caso em concreto, e apesar da idade, não é de antever uma evolução negativa rápida, nomeadamente para um quadro demencial. Acresce, que a capacidade contratual também varia em função da natureza e complexidade do contrato em causa. Nesse sentido, consideramos que à data da avaliação o Examinando possuía as capacidades cognitivas necessárias para avaliar o sentido, alcance e consequências de determinados actos, como por exemplo o de contrair matrimónio (ou de se divorciar), perfilhar ou testar, ou por exemplo de fazer escritura de compra e venda de património próprio. Para alguns actos contratuais de maior complexidade, é nossa convicção que o mesmo poderá necessitar do apoio de uma terceira pessoa, no sentido de o aconselhar e esclarecer de todas as implicações e alcance face a determinado contrato ou acto jurídico, pese embora que de uma forma genérica, tal aconteça com grande parte das pessoas.
Na avaliação clinica realizada não se consubstanciou a existência de uma anomalia psíquica que determine incapacidade para governar a sua pessoa e bens. Não temos conhecimento de exames complementares de diagnóstico e/ou a relatórios da especialidade de Neurologia ou Psiquiatria que aventassem a hipótese diagnóstica de qualquer quadro (neuro)psiquiátrico que o justificasse, sendo que a declaração do psiquiatra assistente é no sentido da capacidade. Com efeito, estamos em crer, de acordo com o regime legal substantivo, previsto e regulado nos artigos no Código Civil, que o instituto da interdição e inabilitação trata essencialmente de suprir ou reduzir a capacidade de exercício de um determinado individuo, sendo que a presunção da manutenção da capacidade jurídica constitui a regra geral e a excepção será, pois, a inexistência da capacidade. Constituindo a interdição e a inabilitação uma restrição da liberdade individual, as causas previstas na lei devem considerar-se taxativas e insusceptíveis de aplicação analógica, sendo que na impossibilidade de prova objectiva de incapacidade, deve presumir-se a capacitação.
Nesse sentido, cremos que o instituto a decretar pelo Tribunal deverá ser aquele que tendencialmente respeitar o máximo de autonomia da Pessoa, que porventura tenha uma qualquer diminuição mais ou menos visível, e que menor a desestabilize do seu quotidiano diário ou possa arriscar a sua saúde mental e agravar a incapacitação que justamente se visa proteger. Pelas razões atrás aduzidas, estamos em crer que, salvo melhor opinião e devido respeito, a decisão tomada deverá ser no sentido da não procedência da Acção, tanto mais que uma solução alternativa e que cumpre as mesmas finalidades de protecção, sempre será o Examinando indicar/nomear alguém para a ajudar em tarefas de maior complexidade cognitiva (como por exemplo, gerir um vasto património), decisão para o que o próprio nos parecia estar médico-legalmente (cognitiva, volitiva e intelectualmente) capaz à data da avaliação.
Sem prejuízo do atrás afirmado, e face à idade do Examinando, conjugado com o conhecimento de que grosso modo 10% dos casos de DCL podem (em abstracto) evoluir anualmente para síndrome demencial, deve ser feita uma vigilância clínica, o que aliás já vem acontecendo, em consulta de psiquiatria/neurologia e/ou com o seu médico de família.
 Lisboa, 19 de Setembro de 2018        “.
2.4. – Notificados do relatório pericial indicado em 2.3., não foi o mesmo objecto de qualquer reclamação deduzida por qualquer das partes e ao abrigo do disposto no artº 485º, do CPC.
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3. - Motivação de direito.
3.1.- Se deve a decisão apelada ser revogada, impondo-se ao invés o deferimento do requerido pela Apelante com referência ao meio de prova solicitado/requerido
Pretende-se, na presente apelação, saber se ao tribunal a quo se impunha o deferimento do requerido pela ora apelante A, através do requerimento probatório que atravessou nos autos a 18/2/2019, e na parte em que requereu a realização de perícia médico-psiquiátrica colegial ao Requerido B.
 O requerido pela Autora/apelante, recorda-se, foi pelo tribunal a quo indeferido com o fundamento de estar em causa um meio de prova desnecessário e injustificado , máxime porque o exame médico já realizado nos autos está longe de não ter chegado a uma conclusão segura sobre a capacidade ou incapacidade do Requerido, como alega a Requerente.
 Ora Bem.
Tem a apelação ora em apreciação por objecto uma decisão de rejeição de meio de prova, logo, em causa está um despacho interlocutório susceptível de imediata impugnação autónoma ( cfr. artº 644º,nº2, alínea d) , do CPC ) .
A prova, como é sabido, integra a actividade que se destina à formação da convicção do juiz em sede de julgamento dos factos necessitados de prova, porque controvertidos ( cfr. artº 410º, do CPC) , actividade que recai sobre a parte onerada, tal como o dispõe o artº 342º, do CC, e sob pena de, não a logrando efectuar/produzir, inevitável é que não possa o facto – que lhe aproveita – ser julgado provado ( cfr. artºs 341º a 344º, e 346 º, todos do Código Civil , e artº 516 do CPC ).
É assim que, nos termos do referido artº 410º, do CPC, sob a epígrafe de “Objecto da instrução”, se dispõe que “ A instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova “.
Já sob a epígrafe de Provas atendíveis”, diz-nos o artº 412º do CPC que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado” .
Em todo o caso, por força do disposto no artº 415º,nº1, do CPC, e salvo disposição em contrário, “ (…) não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas “.
Finalmente, no que ao momento e local de indicação da prova pelas partes diz respeito, resulta dos artºs 552º, nº2 e 572º, alínea d), ambos do CPC, que os meios de prova são e devem pelas partes ser indicados logo nos respectivos articulados ( petição, contestação e réplica ), podendo porém o requerimento probatório ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar, ou nos termos do disposto no nº3 do artº 593º (cfr. artº 598º,nº 1 ,do CPC).
Cumprindo as partes o respectivo ónus processual de oferecerem a competente prova, e porque em razão do preceituado nos artºs 6º, nº1 [ “ Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável” ] e 130º [“ Não é lícito realizar no processo actos inúteis” ], ambos do CPC, e em sede da actividade de admissão da prova, não se impõe ao Juiz do processo um papel passivo,obrigado” está o julgador titular do processo a sindicar, quer a respectiva pertinência, quer outrossim a sua admissibilidade.
É que, e desde logo porque a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova , e porque em rigor hão-de os temas da prova incidir sobre os factos essenciais a que alude o nº1, do artº 5º, do CPC, inquestionável é que não deve o Julgador permitir que o processo judicial seja o “vazadouro” de prova que, manifestamente, nenhuma relevância tem para a decisão da causa, quer porque indicada com referência a factos não controvertidos, quer porque ainda que tendo por objecto factualidade impugnada, não é a mesma relevante/essencial para a boa decisão da causa, não servindo de todo e designadamente para a solução das questões a que alude o nº 2, do artº 608º, do CPC.
Neste conspecto, importa porém não olvidar que, em sede de valoração da pertinência do concreto requerimento de prova, não importa aferir se é à parte que a indica que incumbe, ou não, o ónus da prova do facto que prima facie visa a mesma comprovar ( cfr. artº 342º, do CC ), e isto porque, ainda assim , pode a mesma ser idónea e de todo pertinente para desempenhar o papel da contraprova ( cfr. artº 346º, do CC) de factos essenciais, tarefa esta última que incumbe outrossim às partes levar a cabo, designadamente para efeitos do disposto no artº 414º, do CPC.
É que, como refere Anselmo de Castro (1), “ A parte não onerada com a prova do facto cabe apenas um ónus de contraprova quando se proponha abalar a certeza em que o tribunal tenha ficado ou possa ficar da realidade do respectivo facto através da sua prova. Visa, assim, a neutralizar a prova ( prova principal), repondo o juiz no estado de dúvida ou incerteza inicial, não necessitando de ir ao pinto de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro ( convicção positiva)” .
Em conclusão, em principio só devem ser objecto de prova os factos pertinentes , ou seja , os que interessem à solução do pleito (2), e , de entre eles, aqueles que tenham sido articulados pelas partes, ou , excepcionalmente, os que alude o nº 2, do artº 5º, do CPC .
Ou seja, os actos relativos à produção da prova, como de resto qualquer outro acto processual, estão também sujeitos ao princípio plasmado no artº 130º, do CPC, a saber, o da pertinência/utilidade ou de economia, sendo portanto não admissível a prática no processo de actos inúteis, porque de todo desnecessários para a tutela da situação jurídica invocada.
Finalmente, importa referir que, diz-nos a “jurisprudência das cautelas” que, existindo alguma dúvida sobre a pertinência ou relevância de concreto meio de prova requerido, deve a mesma ser resolvida em favor da sua admissão , e isto porque, de preferência não se devem criar em sede de gestão do processo judicial quaisquer “rabos de palha“, os quais, apenas servem para, ainda que mais tarde, contribuírem em última instância para obstar ao andamento célere do processo, prejudicando sempre a desejável composição do litígio em prazo razoável.
É que, não raro, a procedência de uma apelação interposta de decisão interlocutória de não admissão de meio de prova, vai implicar forçosamente a invalidação de todo o processado após o requerimento do meio de prova rejeitado, devendo portanto e designadamente a sentença final entretanto proferida considerar-se igualmente como anulada/inutilizada, impondo-se a repetição de processado.
Acresce que, porque o fim primordial de um qualquer processo judicial é a composição justa de um litígio, o que implica a procura da verdade ( cfr. art.ºs 2º, 6º e 7º, todos do CPC ], e porque o direito à prova encontra-se consagrado constitucionalmente [ cfr art.º 20º da Constituição da República ], importa que os poderes do juiz e aos quais se refere designadamente o nº1, do artº 476º, do CPC, alusivo à Prova Pericial [ “ Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição “] não seja exercido de forma discricionária, máxime não conferindo à parte a possibilidade de provar os factos constitutivos do direito do qual se arroga titular.
É que, como é consensual na doutrina (3) e jurisprudência constitucional (4), o direito à tutela jurisdicional efectiva contido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) implica o direito à prova, que engloba a possibilidade de propô-la e produzi-la.
Postas as referidas considerações relacionadas com matéria probatória civil adjectiva e pertinentes para a globalidade dos processos judiciais, importa de seguida recordar as especificidades que relativamente à mesma matéria emergem da regulamentação do processo especial de interdição [ artºs 891º a 905º, do CPC, com a redacção vigente à data da propositura da acção ] e, bem assim, do REGIME DO MAIOR ACOMPANHADO, EM SUBSTITUIÇÃO DOS REGIMES DA INTERDIÇÃO E DA INABILITAÇÃO , aprovado pela LEI N.º 49/2018, DE 14 DE AGOSTO.
Ora, com relevância para o thema decidendum da apelação, diziam-nos os artºs 896º, 898º e 899º, todos do CPC, com a redacção vigente à data da propositura da acção , que :
 Artº 896º
 Prova preliminar
Quando se trate de acção de interdição, ou de inabilitação não fundada em mera prodigalidade, procede-se, findos os articulados, à realização do exame pericial ao requerido e, tendo havido contestação, ao seu interrogatório
 Artº 898º
 Exame pericial
1 - Quando se pronuncie pela necessidade da interdição ou da inabilitação, o relatório pericial deve precisar, sempre que possível, a espécie de afecção de que sofre o requerido, a extensão da sua incapacidade, a data provável do começo desta e os meios de tratamento propostos.
2 - Não é admitido segundo exame nesta fase do processo, mas quando os peritos não cheguem a uma conclusão segura sobre a capacidade ou incapacidade do requerido, é ouvido o requerente, que pode promover exame numa clínica da especialidade, pelo respectivo director, responsabilizando-se pelas despesas; para este efeito, pode ser autorizado o internamento do requerido pelo tempo indispensável, nunca excedente a um mês.
3 - Quando haja lugar a interrogatório, o exame do requerido deve ter lugar de imediato, sempre que possível; podendo formar imediatamente juízo seguro, as conclusões da perícia são ditadas para a ata, fixando-se, no caso contrário, prazo para a entrega do relatório.
4 - Dentro do prazo marcado, pode continuar-se o exame no local mais apropriado e proceder-se às diligências que se mostrem necessárias
Artº 899º
Termos posteriores ao interrogatório e exame
1 - Se o interrogatório, quando a ele haja lugar, e o exame do requerido fornecerem elementos suficientes e a acção não tiver sido contestada, pode o juiz decretar imediatamente a interdição ou inabilitação.
2 - Nos restantes casos, seguem-se os termos do processo comum, posteriores aos articulados; sendo ordenado na fase de instrução novo exame médico do requerido, aplicam-se as disposições relativas ao primeiro exame.
Dos aludidos normativos, verifica-se assim que o regime adjectivo especial da acção de interdição ou inabilitação que se mostra neles espelhado, dividia o processo especial aludido em duas fases distintas, caracterizando-se a primeira, que se mostra prevista, fundamentalmente, nos artigos 891º a 899.º, número 1, por um conjunto de actos e procedimentos próprios e específicos desta forma processual, em pouco ou nada reconduzíveis à normal tramitação da vulgar acção declarativa com processo comum e, a segunda, posterior aos articulados, pela observância da tramitação adjectiva aplicável ao processo comum, sendo que, caso nesta segunda fase e no âmbito da instrução seja ordenado um novo exame médico do requerido, aplicar-se-ão as disposições relativas ao primeiro exame.
Mais se constata que, não sendo por regra admitida a realização de um segundo exame no decurso da primeira fase, excepcionalmente poderia o mesmo ter lugar ainda na primeira fase desde que que, não tendo os peritos chegado a uma conclusão segura sobre a capacidade ou incapacidade do requerid, e , ouvido o requerente, viesse este último a promover um exame numa clínica da especialidade, pelo respectivo director, responsabilizando-se pelas respectivas despesas.
Ou seja, porque in casu o exame médico pela apelante requerido é para ter lugar já no decurso da segunda fase – de instrução - do processo, mostra-se o mesmo sob a alçada do artº 899º, nº2, do CPC, dispositivo este que para todos os efeitos não sujeita [ como o faz o nº2, do artº 898º, do CPC ] a respectiva admissibilidade à verificação do pressuposto de no exame médico realizado na fase da prova preliminar ( exame a que alude o artº 896º, do CPC ) não terem os peritos chegado a uma conclusão segura sobre a capacidade ou incapacidade do Requerido.
Destarte, o Exmº Juiz a quo só poderia indeferir o exame médico pela apelante requerido com fundamento no disposto no artº 476º, nº1,do CPC, aplicável ex vi do artº 549º, nº1, do mesmo diploma legal, ou seja, por considerar [ com total pertinência e adequação ] tratar-se de diligência de prova impertinente e/ou dilatória , que o mesmo é dizer, por incidir vg sobre matéria de facto que, de uma maneira ou de outra, não contenha em si qualquer virtualidade de contribuir para a decisão/resolução da controvérsia do processo, ou , então que seja requerida apenas com o propósito subjacente de obstar a que a justa composição do litigio seja alcançada em prazo razoável.
Neste conspecto, recorda-se que, como refere MICHELE TARUFFO (5) , “ a relevância é um padrão lógico segundo o qual os únicos meios de prova que devem ser admitidos e tomados em consideração pelo julgador são aqueles que mantêm uma conexão lógica com os factos em litígio, de modo que possa sustentar-se neles uma conclusão acerca da verdade de tais factos”.
Ora, se atendermos às questões que o próprio tribunal a quo considerou que justificam integrar os TEMAS de PROVA [ 1 – O Requerido sofre de depressão nervosa e desde quando ? ; 2 - O Requerido padece de demência senil e desde quando ; 3- A demência senil incapacita o Requerido de governar a sua pessoa e os seus bens.” ] , logo , devem todas elas ser objecto de instrução ( cfr. artº 410º, do CPC ) e, bem assim, à respectiva natureza e especificidade [ as quais exigem que sejam apreciadas com base em juízos técnicos emitidos por peritos que apreciam e apreendem factos relativamente aos quais são exigidos conhecimentos técnico/científicos específicos dos quais o julgador está por rega arredado ], prima facie não se descortina como considerar que o meio de prova rejeitado pelo tribunal a quo de diligência de prova se trata que manifestamente não se revela pertinente, sendo também dilatória .
Acresce que, devendo é certo o princípio da relevância da prova operar como um filtro para a admissão das provas no processo, DEVE porém em caso de dúvida sobre a relevância final da prova, atento o direito constitucional à prova e as consequências [ acima aludidas ] “ gravosas da eventual procedência de recurso sobre o despacho que rejeite o meio de prova, ser adoptado o princípio pró-admissão da prova ou princípio de inclusão, o qual propiciará uma decisão mais fundamentada, mais segura e mais célere “. (6)
 Isto dito, ocorre porém que no decurso dos presentes autos, com a aprovação da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, é criado o regime jurídico do maior acompanhado [ que entrou em vigor no dia 10 de Fevereiro de 2019, cfr. artº 25º ], o qual elimina os institutos da interdição e da inabilitação e, procedendo à alteração de vários diplomas, introduz alterações processuais de enorme relevância no Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, modificando a redacção dos seus artigos 16.º, 19.º, 20.º, 27.º, 164.º, 453.º, 495.º, 891.º a 904.º, 948.º a 950.º, 1001.º, 1014.º e 1016.º [ além de revogar outrossim o n.º 3 do artigo 20.º, o artigo 905.º, e a alínea d) do artigo 948.º,todos do CPC ].
 Porque do Artigo 26.º da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, com a epigrafe de “Aplicação no tempo”, decorre [ máxime dos respectivos nºs 1,2 e 3 ] que “A presente lei tem aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor”, que “ O juiz utiliza os poderes de gestão processual e de adequação formal para proceder às adaptações necessárias nos processos pendentes” e que, “ Aos actos dos requeridos aplica-se a lei vigente no momento da sua prática“, importa inevitavelmente aferir do mérito da apelação em razão da aplicação ao thema decidendum do regime jurídico do maior acompanhado.
É que, não se olvidando que o exame pericial é in casu requerido ( em 18/2/2019, ou seja, já na vigência das alterações ao CPC introduzidas pelo regime jurídico do maior acompanhado ) pela requerente/autora, e que como se dispõe no art.º 26.º, n.º 3, da Lei nº 49/2018, aos actos do requerido se aplica a lei vigente no momento da sua prática [ Pretendeu-se salvaguardar o requerido - porque normalmente, será o beneficiário – quanto aos actos já praticados e a praticar em processos ] , certo é que, de acordo com a regra tempus regit actus, há que entender que a aplicação imediata do novo regime vale para qualquer das partes (7) .
Logo, todos os actos a praticar, depois da entrada em vigor do regime do acompanhamento de maiores, em processos de interdição ou de inabilitação pendentes devem ser realizados de acordo com a lei decorrente do regime jurídico do maior acompanhado. (8)
Ora, à data do requerimento de prova da apelante, rezava já o Artigo 891.º, nº1, do CPC, sob a epígrafe de “ Natureza do processo e medidas cautelares”, que “ O processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.”.
Tal equivale a dizer que, ainda que formalmente [ porque não inserido no Título XV do Livro V do Código de Processo Civil e outrossim porque nenhuma disposição legal o qualifique como tal ] o processo de acompanhamento de maiores não possa ser considerado um processo de jurisdição voluntária, certo é que em termos substanciais passa a sê-lo, razão porque, podendo o Juiz investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, é-lhe igualmente conferida a prerrogativa de apenas admitir as provas que considere necessárias para a boa decisão da causa ( cfr. art.º 986.º, n.º 2, do CPC ).
 Por outra banda, passa a rezar o art.º 897.º, n.º 1, do CPC, sob a epigrafe de “Poderes instrutórios”, que “ Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos.
Em última instância, em face do que passa a dispor no n.º 1 , do art.º 899º, do CPC sob a epígrafe de “Relatório pericial” [ “Quando determinado pelo juiz, o perito ou os peritos elaboram um relatório que precise, sempre que possível, a afecção de que sofre o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e de tratamento aconselháveis“ ], há quem admita inclusive que o juiz não determine a realização de exame pericial. (9)
Por último, rezando o nº2, ainda do artº 899º, do CPC, que “ Permanecendo dúvidas, o juiz pode autorizar o exame numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do director respectivo, ou ordenar quaisquer outras diligências “, e , atendendo ao carácter urgente do processo, tudo aponta para que tenha o legislador querido introduzir no processo de acompanhamento de maior uma clara simplificação de procedimentos, reduzindo-os inclusive, sendo a regra a realização no mesmo de apenas um exame pericial e ainda assim por determinação do Juiz .
Aqui chegados, e analisando o processado nos autos, a verdade é que , aquando da prolação do despacho recorrido, mostrava-se já realizado um exame pericial ao requerido/beneficiário e, tendo presente as conclusões que do respectivo Relatório constam, não se descortina que seja o mesmo de todo inconclusivo, não respondendo assertivamente ao objecto do processo.
Consequentemente, tendo presente os poderes instrutórios que o “ novo” artº 897º,nº1, do CPC lhe confere, a natureza urgente dos presentes autos e o disposto no nº2, do artº 986º, do CPC [ só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias ], tudo visto e ponderado, é nossa convicção que o despacho recorrido não é merecedor de censura, máxime não se mostra que tenha o mesmo sido proferido no uso de poderes discricionários ou de arbítrio, logo, infundadamente, bem pelo contrário.
A apelação, portanto, improcede.
                                               *
4.- Concluindo ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
4.1 - Ainda que formalmente o processo de acompanhamento de maiores não possa ser considerado um processo de jurisdição voluntária, certo é que em termos substanciais passa a sê-lo, razão porque, podendo o Juiz investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, é-lhe igualmente conferida a prerrogativa de apenas admitir as provas que considere necessárias para a boa decisão da causa ( cfr. art.º 986.º, n.º 2, do CPC ).
4.2 - Por outra banda, em consonância com o referido em 4.1., o próprio o art.º 897.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe de “Poderes instrutórios”, passa dispor que “ Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos.
4.3 - Em face do referido em 4.1. e 4.2., realizada que se mostra nos autos uma perícia médica ao interditando, com conclusões claras/assertivas sobre a capacidade do requerido, pertinente se mostra o indeferimento pelo Exmº Juiz de requerimento - deduzido já na vigência das alterações introduzidas no CPC com a Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto , diploma que aprova o regime jurídico do maior acompanhado - a solicitar a sujeição do “Beneficiário” a um novo exame pericial .
                                               *
5. - Decisão
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, em , não concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pela Autora A:
5.1- Manter a decisão apelada .
Custas pela apelante.
                                               ***
(1) In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 346.
(2) Cfr. João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil, Vol. III, aafdl, 1982, pág. 187.
 (3) In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 346.
(4) Cfr. João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil, Vol. III, aafdl, 1982, pág. 187.
 (5) In La Prueba, Marcial Pons, 2008, pág. 38.
 (6) Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, em “ AS DECLARAÇÕES DE PARTE. UMA SÍNTESE“, página 19, e estando acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/As%20declaracoes%20de%20parte.%20Uma%20sintese.%202017.pdf.
(7) Cfr. MIGUEL TEIXERA DE SOUSA, in “O NOVO REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO, O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais, em texto correspondente à apresentação realizada no Centro de Estudos Judiciários, em 11 de Dezembro de 2018, no âmbito da acção de formação "O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado" e acessível em CEJ, Colecção Formação contínua FEV 2019, págs 46/47
(8) Cfr. MIGUEL TEIXERA DE SOUSA,ibidem, pág. 48.
(9) Cfr. Nuno Luís Lopes Ribeiro, in O MAIOR ACOMPANHADO – LEI Nº 49/2018, DE 14 DE AGOSTO, acessível em CEJ, Colecção Formação contínua FEV 2019, págs 103.
***
LISBOA, 26/9/2019
António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator)
Ana de Azeredo Coelho ( 1ª Adjunta)
Eduardo Petersen Silva ( 2º Adjunto)