Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
335/14.5TBFUN-C.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O regime da remuneração dos Agentes de Execução está atualmente contemplado na Portaria 282/2013 de 29 de agosto, diploma que regulamenta vários aspetos das execuções cíveis e que prevê como componentes da sua remuneração uma parte fixa e uma parte variável, tal como consta do seu Estatuto.
2. A componente da remuneração adicional destina-se a premiar a eficiência e eficácia do Agente de Execução, o que revela a intenção do legislador em associar a sua conduta a um resultado da mesma, não esquecendo que diversos atos praticados pelo Agente de Execução no âmbito do processo executivo já são alvo de uma remuneração fixa autónoma, estando também por essa via assegurado o pagamento do trabalho por si desenvolvido.
3. Os pagamentos devidos ao Agente de Execução representam um custo do processo executivo, tal como prevê expressamente o art.º 541.º do CPC, sendo que a obrigação da parte em suportar os custos do processo tem de ser razoável, proporcionada e adequada, o que se traduz também numa exigência constitucional de acesso ao direito.
4. No caso de resolução extrajudicial do litígio pelas partes, que vai extinguir a execução, o direito do Agente de Execução à remuneração adicional variável só existe na medida em que o mesmo possa ter tido uma concreta intervenção ou atividade que tenha dado causa à sua efetivação.
5. A condenação da parte como litigante de má fé nos termos do art.º 542.º n.º 2 al. a) do CPC exige que a mesma tenha deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, na verificação de uma conduta processual da parte gravemente censurável e por isso dolosa ou pelo menos gravemente negligente, não se confundindo com a improcedência do pedido formulado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.  Relatório
A execução inicial, que veio a ser apensa ao processo de insolvência da primitiva executada, veio a ser extinta.
Nesta execução a Sr.ª AE veio apresentar a sua nota de honorários e despesas, aí reclamando o seu direito à remuneração adicional.
Tal direito não lhe foi reconhecido por decisão transitada em julgado proferido em 12/04/2019 no âmbito do proc. …/….
O credor reclamante Construsolution – Construção Civil, Ldª, veio requerer o prosseguimento da instância executiva contra a Executada Funchalbaimair – Projetos e Investimentos Imobiliários, Ld.ª.
A AE notificou as partes da decisão de renovação da execução, atento o pedido formulado pela credora reclamante habilitada na qualidade de exequente.
A 28/01/2022 a AE notificou as partes para se pronunciarem sobre a modalidade e valor de venda do imóvel penhorado, tendo as mesmas requerido a suspensão a execução por 60 dias referindo estar em negociações com vista ao pagamento da quantia exequenda, tendo vindo mais tarde a requerer a extinção da execução por terem chegado a um entendimento.
Na sequência da extinção da execução veio a AE notificar a Exequente da conta final do processo por si elaborada nos termos do anexo que apresenta.
Em anexo a AE apresenta a conta corrente discriminada da execução, com liquidação das suas despesas e honorários, constando o seguinte do quadro relativo aos honorários e despesas do processo:



A Exequente notificada da Nota de Honorários e Despesas apresentada pela AE e não concordando com a mesma vêm dela reclamar para o tribunal, nos termos do art.º 46º da Portaria nº 282/2013, de 29 de agosto, referindo não ser devido o valor peticionado a título de remuneração adicional, tendo sido extinta a execução por acordo das partes, requerendo que o tribunal determine que a AE reformule a sua nota de honorários, anulando da mesma o valor da remuneração adicional a que não tem direito.
Notificada a AE para se pronunciar, a mesma veio referir, em síntese, que sem as diligências por si realizadas no processo, designadamente com a penhora do imóvel, as partes não teriam chegado a acordo e que foram observados os critérios legais na elaboração da liquidação, concluindo que deve ser indeferida a reclamação da nota apresentada.
Sobre esta questão da reclamação da nota discriminativa elaborada pela AE foi proferido despacho a 26/10/2022 que julgou procedente a reclamação da nota discriminativa final apresentada pela Exequente e determinou que a Sr.ª AE retire da mesma a remuneração adicional.
É com este despacho que a Exma. AE não se conforma e dele vem interpor recurso pedindo a sua revogação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. Ora a ora recorrente não pode aceitar o teor do despacho proferido pelo tribunal a quo, por o mesmo carecer de fundamento de facto e de direito, pois entende que há direito á remuneração adicional nos termos previstos pelos nºs 1, 5, 6 e 9 do artigo 50º da portaria 282/2013, de 29 de agosto.
B. Da análise do teor do despacho aqui posto em crise resulta que o tribunal a quo considera como provado a matéria relevante para o caso, que corresponde efetivamente a atos praticados, mas os factos enumerados são-nos enumerados de forma incompleta, deficiente e obscura, omitindo factos invocados pela exequente na sua reclamação e pela ora recorrente na sua resposta, que por estarem documentados no processo e aceites por ambos, deveriam constar como factualidade assente e não estão, e que teriam se ter sido dados como provados e tidos em consideração para a boa decisão da causa e que não foram
C. O fundamento invocado do tribunal a quo para julgar procedente a reclamação da exequente, é o de que nos presentes autos a Sra. AE não contribuiu com a sua atividade para a celebração do acordo que determinou a extinção da execução, e como tal não existindo um nexo causal entre a atividade desta e o acordo das partes não é devida a remuneração variável.
D. Tal não corresponde á verdade, como se pode constatar da análise dos autos, que iniciaram-se no ano de 2014, e onde foram efetuadas várias diligências de penhora pela Sra. AE.
E. Posteriormente, a credora reclamante, atualmente exequente, decidiu renovar a instância executiva e prosseguir esta com os autos contra a executada, mantendo-se a penhora já antes efetuada pela ora recorrente sobre um bem imóvel da executada e sobre o qual a exequente tem garantia real.
F. Do despacho de renovação da instância foram notificados exequente e executada, mas da matéria de facto dada como assente pelo tribunal a quo, para resultar que entre o dia 21/05/2021, quando foi renovada a instância executiva e o dia 10/02/2022, data em que exequente e executada requereram a suspensão da instância nada aconteceu o que não corresponde á verdade!
G. Em 22-06-2021, foi preferida sentença de reclamação de créditos, onde foi reconhecido o crédito da exequente, com base num contrato de mútuo com hipoteca, sobre o prédio rústico sito Piornais, freguesia de S. Martinho, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob o nº … da mesma freguesia, hipoteca esta registada sob a AP 16 de 2005/07/15, prédio este penhorado no âmbito dos presentes autos pela aqui recorrente no dia 22/7/2014, pela AP …, tudo conforme resulta do teor da sentença de reclamação e graduação de créditos proferida em 21-06-2021, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.
H. Em 28 janeiro de 2022, a recorrente notificou a exequente e a executada, para nos termos do disposto no artigo 812º do C. P. Civil virem indicar aos autos, relativamente ao imóvel já referido, qual a modalidade da venda pretendida e o qual o valor base que atribuíam ao bem penhorado, para se avançar para fase da venda do mesmo, tal facto consta dos autos e é expressamente admitido pela exequente no seu requerimento de reclamação da nota de despesas e honorários, no artigo 5º da mesma,
I. Assim resulta claro que o tribunal a quo tinha de dar como provado pelo menos este facto, pelo que consequentemente daqui resulta um nexo causal direto e necessário entre a atividade da ora recorrente ao acordo firmado nos autos!
J. Em 10 de Fevereiro de 2022, vieram os mesmo pedir a suspensão da instância por um prazo de 60 dias, para negociarem um acordo, e declararam que por agora, prescindiam de indicar o valor base a modalidade da venda do bem penhorado, que garantia o pagamento da quantia exequenda.
K. Em 19 de Abril de 2022, a ora recorrente notifica a exequente e a executada para virem informar se chegaram a acordo, não obteve resposta, e em 4 de Maio a ora recorrente insistiu para que a exequente e a executada se pronunciassem acerca da existência ou não de acordo;
L. Em 5 de Maio de 2022, a recorrente é informada pela exequente que esta e a executada chegaram a um acordo e por isso requerem a extinção da execução;
M. Desconhecendo o teor do mesmo, e devendo este ser junto aos autos, veio a recorrente solicitar por notificação datada de 06 de Maio de 2022, que viesse a exequente juntar o referido acordo aos autos;
N. Em 16 de Maio, veio desta vez a executada confirmar a existência de um acordo com a exequente, no âmbito dos referidos autos, com vista á extinção da instância executiva.
O. Continuando as mesmas, exequentes e executada, a afirmar a existência de um acordo, mas recusando-se a juntar o mesmo, ocultando-o dos autos, pelo que a recorrente em 17 de Maio, formula um requerimento ao tribunal a quo, a solicitar que ordenasse á exequente e á executada que viesse aos autos juntar o referido acordo, para posteriormente se proceder á extinção da execução, documento que também conta do processo e cujo teor não foi tido em consideração pelo tribunal a quo e que deveria ter sido, devendo ser dado também como provado e não o foi.
P. A 25 de Maio a exequente vem informar a ora recorrente que o acordo sobre o diferendo das partes era verbal e como tal não se poderia juntar aos autos e face a tal resposta a ora recorrente, notifica no mesmo dia 25-05-2022 a exequente, para vir indicar aos autos qual o acordo verbal alcançado e nessa sequência que surge a resposta data no porto G dos factos dados como provados.
Q. Todos estes factos invocados nas conclusões G a P. ora são aceites pela exequente que expressamente os invoca na sua reclamação, ou estão expressamente estão documentados no processo, nas datas indicadas, e também são invocados pela recorrente na sua reclamação.
R. Assim tais factos têm de ser dados como provados, e em consequência a decisão da reclamação que tem forçadamente de ser diferente da que foi!
S. Resulta com efeito que a exequente e a executada fizeram um acordo para acabar com os presentes autos, cujo teor, por opção própria decidiram, voluntariamente e conscientemente omitir.
T. A omissão da junção dos termos do acordo, foi feito com único propósito de se eximirem ao pagamento do montante de honorários correto á ora recorrente, pois sabiam que se o indicassem duvidas não haveria que teriam de pagar na íntegra o valor peticionado por esta, com expediente visaram transformar um acordo de pagamento celebrado entre estes, numa suposta desistência da instância executiva.
U. O tribunal a quo fundamenta o facto de não haver fundamento para o pagamento da referida remuneração adicional no facto de que a atividade da recorrente não conduziu á celebração do acordo, não há nexo causal entre a atividade desta e o acordo.
V. Resulta dos autos e das regras da experiência comum o contrário, pois foi por via da penhora realizada pela aqui recorrente e posteriormente por esta ter iniciado as diligências de venda, com as notificações do artigo 812º do C. P. Civil, conforme notificação efetuada em 28 de janeiro de 2022, facto aceite pela exequente, que as partes chegaram a um acordo, tivesse este sido qual fosse.
W. Sem tal atuação da recorrente não tinha havido qualquer acordo, pois só quando houve eminencia da venda do bem, é que iniciaram as supostas diligencias de acordo, e certo é que se pretendessem chegar a um acordo sem tais diligências, podê-lo-iam ter feito antes, pois a exequente tinha hipoteca sobre o bem da executada e era titular de um titulo executivo contra a executada.
X. Resulta assim claro, que foi graças à atuação da recorrente, e das suas diligências no sentido de promover a venda do bem penhorado que “forçaram”, pelo menos a executada a chegar ao acordo com a exequente e por isso se conclui que a mesma contribuiu para o acordo, se não de forma direta, mas de forma indireta com a sua intervenção processual, tendo assim o tribunal a quo decido mal ao julgar procedente a reclamação da nota discriminativa, baseado no facto de não ter existido nexo causal entre a atividade da recorrente e o acordo das partes.
Y. O argumento de que a recorrente não conduziu a celebração do acordo é falaciosa no sentido de que a agente de execução não tem obrigação de conhecer os termos do acordo entres os intervenientes processuais, nem tem de participar em negociações para acordos, sobre direitos disponíveis das partes.
Z. independentemente do acordo por eles firmado, certo é que o valor já assegurado ou garantido, neste caso por penhora efetuada pela recorrente, até ao momento do acordo, terá sempre de ser considerado no cálculo da remuneração adicional do agente de execução.
AA. O que determina o direito á remuneração adicional não é o facto da recorrente ter tido ou não intervenção direta nas negociações entre a exequente e a executada, mas sim no facto da existência ou não de produto recuperado ou garantido, na sequência das diligências desta, o que aponta para o nexo de causalidade entre a atividade do agente de execução e o resultado da execução, nomeadamente o acordo entre exequente e executado.
BB. No caso dos autos existe esse nexo de causalidade, a penhora do imóvel e consequente início das diligências de venda do mesmo, foram atos praticados pela recorrente determinantes e essenciais para atingir o acordo nos autos.
CC. Resultam dos autos factos inequívocos da contribuição da recorrente, não tendo sido alheia a sua atividade, quer a de penhora do imóvel que garantia o pagamento, quer posteriormente a de dar inicio do procedimento de venda do bem, e que só não foi vendido, porque exequente e executada nessa fase solicitaram a suspensão da instância para chegar a acordo, como vieram a fazer.
DD. Pese embora a mesma não tenha tido qualquer intervenção direta no acordo, ou como se diz no despacho recorrido, não tenha mediado o mesmo, a verdade é que só em consequência direta dos atos praticados por esta, exequente e executada chegaram a um acordo, pelo que é devida a remuneração adicional.
EE. Por outro lado, falece de todo o argumento do tribunal a quo, quando faz referência ao caso julgado, nesta matéria decidido antes, por decisão datada de 12 de abril de 2019, porquanto, tal decisão foi proferida no âmbito de uma situação de facto e de direito completamente diferente, tal decisão tinha como exequente outra entidade, que já não faz parte dos presentes autos, pois face a esta foram extintos.
FF. Tal decisão apenas pode vincular a recorrente naquela situação em concreto e não nesta, a questão de facto e de direito não é a mesma, pois se o fosse como o tribunal a quo bem sabe, nem poderia estar agora ser discutida.
GG. A exceção do caso julgada é uma exceção dilatória, como tribunal a quo reconhece, prevista no artigo 577º, alínea f), exceção que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, nºs 1 e 2 do C.P. Civil.
HH. Com esta invocação o próprio tribunal a quo que está em contradição, pois invoca uma exceção dilatória que lhe impediria de conhecer o mérito da causa, mas ele decide do mérito da causa na mesma, tal é falta de fundamento desse argumento.
II. E porquê? Porque o tribunal a quo tenta justificar o seu despacho com um fundamento que sabe que não existe, porque a existir obstava a que o mesmo decide o mérito da causa.
JJ. O despacho posto em crise, ao invocar como fundamento inadmissibilidade da remuneração adicional no facto de que não haver nexo causal entre a atividade da ora recorrente e o acordo das partes, o que é falso, e já se demonstrou, viola o disposto no artigo 50º, nºs 5 e 6 da portaria 282/2013, tal como nos ensina o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2021, no processo nº 3252/17.3T8OER-E.L1.S1, 7ª secção, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que nos ensina que : I – Nas execuções de pagamento de quantia certa, é devida ao agente de execução a remuneração adicional prevista na portaria nº 282/2013, desde que haja produto recuperado ou aprendido, nos termos do artigo 50º, nºs 5 e 6, sempre que se evidencie que para o resultado contribuíram as diligencias promovidas pelo agente de execução; II – O direito do agente de execução àquele pagamento não depende de ter tido intervenção direta nas negociações entre o exequente e o executado que levaram a uma transação, na qual foi acordado o valor
da divida e as condições de pagamento.”
KK. A decisão de que se recorre é violadora do artigo 721º do C. P. Civil, dos nºs 1 e 2 do artigo 173º do Estatuto dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, e da alínea o) do nº 1 do artigo 1º, os números 1,5,6 e 9 do artigo 50º, e as tabelas dos anexos VII e VIII todos da portaria nº 282/2013 de 29 de Agosto.
LL. Pelo que deve o despacho em causa ser revogado e substituído por outro que determine a inclusão na nota discriminativa dos honorários do processo …/… – Juízo de Execução do Funchal – Juiz 2, Tribunal da Comarca da Madeira, apresentada pela recorrente agente de execução, de €14.250,23 (catorze mil duzentos e cinquenta euros e vinte três cêntimos) correspondentes á remuneração adicional calculada de acordo com a tabela do anexo VIII e os número 1,5,6 e 9 do artigo 50º da portaria 282/2013 de 29 de Agosto.
A Executada veio responder ao recurso pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida. Mais requer a condenação da Recorrente como litigante de má fé no pagamento de multa e indemnização, alegando, em síntese, que a Sr.ª AE já havia visto negada na execução a sua pretensão à remuneração adicional por decisão transitada em julgado, não se tendo inibido de vir reclamá-lo de novo sem qualquer justificação.
A Recorrente vem responder, referindo que se limita a exercer um direito legítimo quando interpõe recurso de uma decisão com a qual não concorda, concluindo que não litiga de má fé.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- do aditamento dos factos provados;
- da (in)devida remuneração adicional reclamada pela AE;
- da litigância de má fé da Recorrente.
III. Fundamentos de Facto
- do aditamento dos factos provados
Alega a Recorrente que os factos enunciados como provados na decisão da 1ª instância são incompletos ou deficientes, devendo levar-se em conta outros factos que se reportam à tramitação processual da execução que resultam do próprio processado e que são relevantes para a decisão.
Verificando-se que a decisão sob recurso não faz contemplar nos factos provados toda a atividade desenvolvida nos autos pela AE que a mesma considera relevante para fundamentar a remuneração adicional que reclama, designadamente aquela que teve lugar no âmbito da execução renovada, procede-se à sua alteração, aditando-se novos factos que resultam da tramitação da execução, renumerando-se os factos provados de forma a observar a sua ordem temporal, e fazendo-se menção aos factos que são aditados.
1. Em 12/04/2019, o tribunal julgou procedente uma reclamação da nota discriminativa apresentada pela MASSA INSOLVENTE DA HERANÇA ABERTA POR MORTE DE MCS e ordenou à Sr.ª AE que reformasse a nota discriminativa final, retirando da mesma os valores calculados a título de remuneração adicional.
2. O Banco de Investimento Imobiliário, S.A. entretanto substituído pela Construsolution – Construção Civil, Ld.ª reclamou na execução um crédito global de € 575.685,61 correspondente a capital e juros, acrescido de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, referente a um contrato de mútuo com hipoteca celebrado a 04/08/2005 com a executada Funchalbaimar – Projectos e Investimentos Imobiliários, Ld.ª, o qual foi alvo de aditamento a 04/08/2010. (aditado)
3. O prédio com hipoteca a favor do Reclamante foi penhorado pela Sr.ª AE na primitiva execução em 22/07/2014. (aditado)
4. Em 05/03/2020 a execução foi declarada extinta pela Sr.ª AE.
5. O credor reclamante veio requerer o prosseguimento da instância executiva. (aditado)
6. Em 21/05/2021, a Sr.ª AE renovou a instância executiva
7. A 21/05/2021 a AE notificou as partes da decisão de renovação da execução, atento o pedido formulado pela credora reclamante habilitada na qualidade de exequente. (aditado)
8. O crédito reclamado identificado em 2) foi reconhecido por sentença proferida a 21/06/2021. (aditado)
9. A 28/01/2022 a AE notificou as partes para se pronunciarem sobre a modalidade e valor de venda do imóvel penhorado. (aditado)
10. Em 10/02/2022, a exequente e a executada requereram a suspensão da execução (60 dias), por estarem a negociar um acordo de pagamento.
11. Mais indicaram, no mesmo requerimento, não pretender indicar a modalidade da venda nem o valor do imóvel penhorado.
12. A 19/04/2022 a AE solicita às partes informação sobre se foi alcançado acordo, o que veio a insistir por notificação de 04/05/2022. (aditado)
13. Em 05/05/2022, a exequente informou a Sr.ª AE de que foi alcançado acordo e requereu à Sr.ª AE a extinção da execução.
14. A 17/05/2022 a AE veio requerer que fosse junto aos autos o acordo de pagamento realizado entre as partes. (aditado)
15. Em 03/06/2022, a exequente comunicou à Sr.ª AE: «Os sujeitos processuais (Exequente e Executada), afortunadamente tem uma relação de confiança, e por via desse facto, o [ú]nico acordo alcançado, como expressamente já comunicado a V. Exa., em requerimento anterior, foi proceder a extinção da instância executiva, ficando totalmente na disponibilidade da Exequente cobrar o crédito no momento em que considerar mais oportuno, ou seja, a Exequente não tem interesse em prosseguir com a presente instância executiva [.] Pelo que, renova-se o que foi requerido a V. Exa., em requerimento anterior, ou seja, a extinção da presente instância executiva.»
16. A Sr.ª AE elaborou a nota discriminativa final, imputando à exequente/reclamante a quantia de 14 250,23 € a título de «remuneração adicional», e notificou-a em 14/06/2022.
IV. Razões de Direito
- da (in)devida remuneração adicional reclamada pela AE
Alega a Recorrente que lhe é devida a remuneração adicional que reclama, por entender que foi por via da penhora que realizou e pelo facto de ter iniciado as diligências para a venda do imóvel que foi possível o acordo das partes, concluindo que pelo menos de forma indireta contribuiu para o mesmo.
A decisão recorrida entendeu não ser devida a remuneração adicional reclamada por não existir nexo causal entre a atividade da AE e o acordo alcançado pelas partes, determinando a reformulação da nota.
Por opção do legislador, a tramitação do processo executivo está hoje atribuída, em primeira linha, ao Agente de Execução, estabelecendo o art.º 719.º do CPC: “Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”.
O Agente de Execução que venha a ser chamado a exercer funções no âmbito de um processo executivo está sujeito às regras regulatórias das funções e deveres previstos para os Agentes de Execução no Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pelo DL 154/2015 de 14 de setembro, que prevê que as competências específicas de agente de execução podem ser exercidas por solicitador, como decorre do art.º 89.º de tal diploma.
De acordo com o estabelecido no art.º 162.º deste Estatuto: “Agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em actos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios».
Com respeito à remuneração devida ao AE por força da sua intervenção e atividade desenvolvida no processo executivo, com a epígrafe “pagamento de quantias devidas ao agente de execução” dispõe o art.º 721.º do CPC:
“1– Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541.º.
2– (…)
3– (…)
4– O agente de execução informa o exequente e o executado sobre as operações contabilísticas por si realizadas com a finalidade de assegurar o cumprimento do disposto no n.º 1, devendo tal informação encontrar-se espelhada na conta-corrente relativa ao processo.
5– A nota discriminativa de honorários e despesas ao agente de execução da qual não se tenha reclamado, acompanhada da sua notificação pelo agente de execução ao interveniente processual perante o qual se pretende reclamar o pagamento, constitui título executivo”.
Também o art.º 173.º do Estatuto referido, aludindo à remuneração dos serviços do AE, determina no seu n.º 1 que o mesmo aplique as tarifas aprovadas por Portaria, prevendo o n.º 2 deste artigo que: “As tarifas previstas no número anterior podem compreender uma parte fixa, estabelecida para determinados tipos de atividade processual, e uma parte variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a atuação do agente de execução.”
 O regime da remuneração dos AE está atualmente contemplado na Portaria 282/2013 de 29 de agosto, que entrou em vigor a 01.09.2013, diploma que regulamenta vários aspetos das execuções cíveis e que prevê como componentes da remuneração do AE, uma parte fixa e uma parte variável, tal como consta do seu Estatuto.
Com interesse para a questão que aqui se discute, importa atentar no que se diz no preâmbulo desta Portaria, elemento revelador do que foi pretendido pelo legislador ao regular a remuneração dos AE: “No que respeita à remuneração do agente de execução pelo exercício das suas funções, plasma-se na presente portaria o regime aprovado pela Portaria n.º 225/2013, de 10 de julho, o qual opera um conjunto de alterações numa matéria especialmente sensível, não só para os próprios profissionais que desempenham as funções de agente de execução, como também para as partes que terão de suportar tais custos. Pretende-se que o regime seja tão simples e claro quanto possível. Só assim poderão quaisquer interessados avaliar, com precisão, todos os custos de um processo e decidir quanto à viabilidade e interesse na instauração do mesmo, sobretudo, quando esteja em causa o cumprimento coercivo de uma obrigação não satisfeita voluntária e pontualmente, na maioria dos casos, a cobrança coerciva de uma dívida. Previsibilidade e segurança num domínio como o dos custos associados à cobrança coerciva de dívidas são, reconhecidamente, fatores determinantes para o investimento externo na economia nacional e para a confiança dos cidadãos e das empresas.
Clarificam-se os momentos e a forma como os honorários e despesas devem ser adiantados ou pagos pelos respetivos responsáveis, no intuito de evitar conflitos entre o agente de execução e as partes, tantas vezes surgidos nesta matéria. Nos termos deste novo regime, deixam de existir montantes máximos até aos quais o agente de execução pode acordar livremente com as partes os valores a cobrar. Passam, ao invés, a existir tarifas fixas quer para efeitos de adiantamento de honorários e despesas, quer para honorários devidos pela tramitação dos processos, quer ainda pela prática de atos concretos que lhes caiba praticar.
Precisa-se melhor a estrutura de fases do processo executivo, para efeitos de adiantamento de honorários e despesas, reduzindo-se o valor da fase 1.
Ao adotar um regime de tarifas fixas, procura-se estimular a sã concorrência entre agentes de execução, baseada na qualidade do serviço prestado e não em diferentes valores a acordar, caso a caso, entre agente de execução e exequente, autor ou requerente.
Por outro lado, com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação.
Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução. Este regime visa, em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização da atividade dos agentes de execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida ação em caso de atuações desconformes.”
Sobre os honorários do AE e em concretização do referido no preâmbulo, regula especificamente o art.º 50.º da Portaria mencionada:
1- Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 a 4, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos.
2 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que não haja lugar a citação prévia do executado e se verifique após a consulta às bases de dados que não existem bens penhoráveis ou que o executado foi declarado insolvente, caso o exequente desista da instância no prazo de 10 dias contados da notificação do resultado das consultas apenas é devido ao agente de execução o pagamento de 0,75 UC.
3 - Quando o exequente requeira a realização de atos que ultrapassem os limites previstos nos pontos 1 e 2 da tabela do anexo VII da presente portaria, são devidos pelo exequente pela realização dos novos atos os seguintes valores:
a) 0,25 UC por citação ou notificação sob forma de citação por via postal, efetivamente concretizada;
b) 0,05 UC por notificação por via postal ou citação eletrónica;
c) 0,5 UC por ato externo concretizado (designadamente, penhora, citação, afixação de edital, apreensão de bem, assistência a abertura de propostas no tribunal);
d) 0,25 UC por ato externo frustrado.
4 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, quando haja lugar à entrega coerciva de bem ao adquirente, o agente de execução tem direito ao pagamento de 1 UC, a suportar pelo adquirente, que poderá reclamar o seu reembolso ao executado.
5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
6- Para os efeitos do presente artigo, entende-se por:
a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente;
b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
7 - O agente de execução tem ainda direito a receber dos credores reclamantes uma remuneração adicional pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor.
8 - Em caso de incumprimento do acordo de pagamento em prestações ou do acordo global, a comunicar pelo exequente, o agente de execução elabora a nota discriminativa de honorários e despesas atualizada tendo em consideração o valor efetivamente recuperado, afetando o excesso recebido a título de pagamento de honorários e despesas ao pagamento das quantias que venham a ser devidas, sem prejuízo de, no termo do processo, restituir ao exequente o saldo a que este tenha direito.
9 - O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
10 - Nos casos em que, na sequência de diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante.
11 - O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
12 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.
13 - Havendo lugar à sustação da execução nos termos do artigo 794.º do Código de Processo Civil e recuperação de montantes que hajam de ser destinados ao exequente do processo sustado, o agente de execução do processo sustado e o agente de execução do processo onde a venda ocorre devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado nos respetivos processos.
14 - Nos casos de delegação para a prática de ato determinado, e salvo acordo em contrário entre os agentes de execução, o agente de execução delegado tem direito ao pagamento, a efetuar pelo agente de execução delegante, de 0,75 UC por ato externo realizado.
15 - Havendo substituição do agente de execução, que não resulte de falta que lhe seja imputável ou de delegação total do processo, o agente de execução substituído e o substituto devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado no processo.
16 - Em caso de conflito, entre os agentes de execução, na repartição do valor da remuneração adicional, a Câmara dos Solicitadores designa um árbitro para a resolução do mesmo.”
Constatamos que o legislador consagrou neste artigo o que pode apelidar-se de um sistema de remuneração misto, prevendo nos n.ºs 1 a 4 o estabelecimento de uma remuneração fixa que é em qualquer caso devida ao AE pela concreta prática de atos no processo, e a partir do n.º 5 alude a uma remuneração adicional variável que apenas pode ter lugar no fim do processo.
A respeito deste regime de remuneração, evidencia-se no Acórdão do TRP de 02/06/2016 no proc. 5442/13.9TBMAI-B.P1 in www.dgsi.pt : “Como se vê desta exposição de motivos e resulta do próprio texto da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, o sistema de remuneração do agente de execução combina remuneração fixa, por acto ou lote de actos praticados, com remuneração variável, só devida a final e cujo cálculo está intimamente ligado ao sucesso da execução. Um sistema assim serve dois objectivos fundamentais: assegurar uma remuneração mínima que constitua em qualquer dos casos incentivo suficiente à realização dos actos e diligências do processo executivo e proporcionar uma remuneração adicional que estimule a eficiência e celeridade na realização desses actos e diligências, sendo por isso tão mais reduzida quanto mais demorado for o processo e tardio o seu resultado.”
De acordo com o disposto no art.º 50.º n.º 1 da Portaria 282/2013, a remuneração fixa é calculada nos termos da tabela do anexo VII, enquanto a remuneração variável é calculada nos termos da tabela do anexo VIII para a qual remete o n.º 9 deste artigo.
De salientar, que no n.º 5 do art.º 50.º são fixados os fatores em função dos quais vai variar a remuneração adicional do AE, e que são: o valor recuperado ou garantido (al. a)); o momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido (al. b)); a existência, ou não, de garantia real prévia sobre os bens (al. c)).
Nestes autos, o que está na base da discordância dos Recorrentes é a remuneração adicional que a AE fez constar da liquidação da conta que apresentou, pelo que temos de nos socorrer do anexo VIII da Portaria 282/2013 que estabelece as taxas e os escalões aplicáveis para o seu cálculo, que importa ter em conta.
Diz-se neste anexo VIII da Portaria: “O valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.”
No que se refere ao cálculo da remuneração adicional em função do valor recuperado ou garantido pelo AE, a taxa prevista na tabela deste anexo estabelece dois escalões, consoante este valor seja inferior ou superior a 160 UC, variando também a taxa ou percentagem aplicável com referência ao momento processual em que o valor é recuperado ou garantido: antes da primeira penhora, depois da penhora e antes da venda ou após a venda, permitindo-se que a remuneração seja tanto maior quanto mais cedo se verificar a recuperação ou garantia da quantia exequenda, o que pretende concretizar a expressa intenção do legislador em premiar a eficácia e eficiência do AE na sua atividade, dando-se ainda relevância ao facto de existir ou não garantia prévia sobre os bens.
É o n.º 6 do art.º 50.º da Portaria 282/2013 que nos vem dizer o que entender por valor recuperado e garantido, aí se definindo o “valor recuperado” como o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente e como “valor garantido” o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro, ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
A controvérsia que tem vindo a manifestar-se na jurisprudência e levado à sua divisão, está em saber se havendo transação ou acordo das partes que põe termo ao processo executivo, sem que tenha havido um pagamento ao exequente resultante dos bens penhorados, o AE tem ainda assim e sem mais direito a uma remuneração adicional ou antes se é exigível para o efeito a verificação de um nexo de causalidade entre a atividade concreta do AE e a obtenção ou garantia do crédito exequendo por via desse acordo.
No entendimento de que o legislador não exigiu tal nexo de causalidade pronunciaram-se, designadamente, os Acórdãos do TRP de 2 de junho de 2016 no proc. 5442/13.9TBMAI-B.P1 e de 11 de janeiro de 2018 no proc. 3559/16.7T8PRT, os Acórdãos do TRL de 9 de fevereiro de 2017 no proc. 24482/05.0YYLSB-F.L1-2 e de 7 de novembro de 2019 no proc. 970/17.0T8AGH-A.L1-6, todos disponíveis in www.dgsi.pt
Diz-se no citado Acórdão do TRP de 2 de junho de 2016: “O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que na sequência dessas diligências, realizadas pelo agente de execução, se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento, sendo certo que neste último caso o sucesso depende (da medida) do cumprimento do acordo (n.º 8). O legislador apenas excluiu a remuneração adicional nos casos em que a citação antecede a realização as penhoras e o executado efectua o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução, por presumir que nessa situação, não tendo ainda sido realizadas penhoras e devendo estas realizar-se apenas após a concessão de prazo para o pagamento voluntário, a actuação do agente de execução foi totalmente indiferente para a obtenção do pagamento e não gerou qualquer expectativa em relação à remuneração devida pelo seu envolvimento do processo. Em todas as demais situações em que haja valor recuperado ou garantido, a remuneração adicional é devida, ainda que a extinção da execução decorra de acto individual do devedor (pagamento voluntário), de acto conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um acto do próprio credor (desistência da execução, cf. n.º 2 do artigo 50.º).”
De salientar que, neste acórdão, não obstante a posição seguida no sentido de, em abstrato, o AE poder reclamar um pagamento adicional em execução extinta na sequência de acordo de pagamento em prestações celebrado pelas partes sem o seu envolvimento, é depois, em concreto, recusado o pagamento do valor adicional reclamado pelo AE, por inconstitucional, no entendimento de que está em causa “a adequação desse valor àquilo que é exigível que um executado deva suportar a título de custas da execução, sendo certo que essa exigibilidade tem de ser aferida segundo critérios de razoabilidade, adequação, equidade e justa medida, de forma a concretizar uma justa distribuição dos custos do funcionamento judicial pelas pessoas que a ele recorrem, sem descurar que se trata do acesso à justiça e aos tribunais.
Em sentido contrário,  exigindo a verificação de um nexo de causalidade, como pressuposto do direito à remuneração adicional, decidiram, entre outros, os Acórdãos do TRP de 10 de janeiro de 2017 no proc. 15955/15.2T8PRT.P1 e de 5 de junho de 2019 no proc. 130/16.7T8PRT, o Acórdão do TRC de 11 de abril de 2019 no proc. 115/18.9T8CTB-G.C1, os Acórdão do TRL de 26 de setembro de 2019 no proc. 6186/15.2T8LSB-A.L1-2 e de 25 de fevereiro de 2021 no proc. 22785/19.0T8LSB-A.L1-2 e o Acórdão do STJ de 18 de janeiro de 2022 no proc. 9317/18.7T8PRT.P1.S1 todos também disponíveis in www.dgsi.pt 
Naquele Acórdão do TRP de 10 de janeiro de 2017 refere-se: Com efeito, ao especificar o caso de incumprimento do acordo de pagamento em prestações ou do acordo global, o legislador (artigo 50º, n.º 8, da predita portaria) preceitua que a remuneração adicional tem em consideração o valor efetivamente recuperado. (…) A terminologia do preâmbulo «a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas» aponta para a exigência desse nexo de causalidade entre o resultado e a atuação do Agente de Execução. (…) Na verdade, “sequência” tem o significado de “seguimento, sucessão, série” e “seguimento”, por seu turno, tem o conteúdo semântico de “acompanhamento, prosseguimento, continuidade, continuação, consequência”. Daí que se considere que o valor recuperado ou garantido no processo executivo tenha de derivar da atividade do Agente de Execução, mas essa interpretação não permite inferir que qualquer mecanismo de resolução extrajudicial advenha, per se stante, da sua atuação, a impor sempre a remuneração adicional.”.
Esta mesma posição já foi também seguida no Acórdão deste TRL de 6 de fevereiro de 2020 no proc. 3421/16.T8FNC.L1, também disponível em www.dgsi.pt relatado pela atual relatora e subscrito pela aqui 2ª adjunta e que aqui seguimos de perto.
Contrariamente ao que alega a Recorrente no seu recurso, o Acórdão do STJ de 2 de junho de 2016 no proc. 3252/17.3T8OER-E.L1.S1 que cita, não considera que é dispensável a existência de um nexo causal entre atividade do AE e o acordo das partes, o que conclui é que, no caso concreto que aprecia, esse nexo causal existiu de modo a fundamentar a remuneração adicional reclamada pelo AE.
A avaliação que fazemos do regime legal, que se expôs sinteticamente e apenas nos seus pontos mais relevantes, aproxima-nos deste último entendimento, evidenciando-se o que foi pretendido pelo legislador ao prever a componente de uma remuneração variável adicional ao AE no final do processo: premiar a sua eficiência e eficácia, o que revela a intenção de associar uma conduta a um resultado dessa mesma conduta, não esquecendo que diversos atos por ele praticados no âmbito do processo executivo já são alvo de uma remuneração fixa autónoma, estando também por essa via assegurado o pagamento do trabalho por si desenvolvido.
A necessária associação do valor da remuneração adicional variável ao valor recuperado ou garantido pela concreta atividade do AE decorre ainda da menção feita no preâmbulo da Portaria “quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas”, expressão que indicia que o legislador pretendeu como pressuposto daquela remuneração adicional, que tenha sido uma determinada atividade em concreto da AE que dá causa à recuperação ou garantia da quantia exequenda.
 Subscrevemos assim a conclusão vertida a este propósito no já citado Acórdão do TRP de 6 de maio de 2019 quando refere: “(…) o critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que, em consequência ou fruto das diligências realizadas pelo agente de execução, se consiga recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou, pelo menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou firmar um acordo de pagamento, sendo certo que neste último caso o sucesso depende da medida do efectivo cumprimento.”
Tal como nos diz também com clareza o Acórdão deste TRL de 26 de setembro de 2019 anteriormente mencionado: “Deste modo, constitui-se o direito a tal acréscimo remuneratório quando, existindo, por um lado, sucesso nas diligências executivas (recuperação ou entrega de dinheiro ao credor exequente; liquidação dos bens; adjudicação ou consignação de rendimentos; ou, pelo menos, concreta penhora de bens; ou estabelecimento de um acordo de pagamento), este decorra ou provenha em consequência, decorrência ou como fruto da actividade ou diligências realizadas pelo agente de execução. O que implica, necessariamente, não dever inferir-se ou concluir-se no sentido de que um qualquer mecanismo de resolução extrajudicial, obtido entre o exequente e o executado (com eventual participação de terceiros), tenha por fonte ou causa a actuação ou as diligências praticadas pelo agente de execução. O que surge com maior acuidade, nomeadamente, quando estas se limitam à realização dos actos ou diligências normais ou previstos na regular tramitação do processo executivo, englobados na remuneração fixa prevista no Anexo VII da citada Portaria. Ademais, não se olvide, nos termos já expostos, que a remuneração do agente de execução deve ser proporcional e adequada, eivada de um juízo de razoabilidade e de adequação à sua actividade concretamente desenvolvida, empenho revelado, diligência evidenciada e real contributo para o resultado obtido no respectivo processo executivo.”
Importa ainda ter presente que os pagamentos devidos ao AE representam um custo do processo executivo, tal como prevê expressamente o art.º 541.º do CPC, sendo que a obrigação da parte em suportar os custos do processo tem de ser razoável, proporcionada e adequada, o que também por esta via somos levados a concluir que a contribuição efetiva do AE com a sua atividade para o resultado do processo tem de estar associada à remuneração adicional por ele reclamada.
Não podemos deixar de evidenciar aqui o que com clareza é exposto no já referido Acórdão do TRP de 2 de junho de 2016, em avaliação da remuneração adicional reclamada por um AE: “No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 608/99, afirmou-se que em matéria de custas judiciais, “o princípio da proporcionalidade reveste, “pelo menos, três sentidos: o de «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; o da responsabilização de cada parte pelas custas «de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; e o do ajustamento dos «quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes»”. (…) A solução da Portaria n.º 282/2013 para a remuneração variável do agente de execução sai fora deste modelo e permite que o seu valor escape ao controle jurisdicional da sua adequação e proporcionalidade ao não prever um limite máximo para a remuneração adicional e consentir que a mesma seja obtida e possa atingir valores significativos ainda que a acção executiva tenha tido uma tramitação muito simples e a actuação do agente de execução tenha sido escassa e muito pouco relevante para o desfecho da execução. Repete-se que o que está em causa não é a adequação desse valor às regras de mercado ou aos usos correntes sobre margens dos agentes envolvidos na comercialização de bens em sectores liberalizados. O que está em causa é a adequação desse valor àquilo que é exigível que um executado deva suportar a título de custas da execução, sendo certo que essa exigibilidade tem de ser aferida segundo critérios de razoabilidade, adequação, equidade, justa medida, de forma a concretizar uma justa distribuição dos custos de funcionamento do sistema judicial pelas pessoas que a ele recorrem, sem descurar que se trata do acesso a uma função soberana do Estado e do exercício do direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais.”
Conclui-se, por tudo o que fica exposto, que no caso de resolução extrajudicial do litígio pelas partes, que vai extinguir a execução, o direito do AE à remuneração variável só existe na medida em que o mesmo possa ter tido uma concreta intervenção ou atividade determinante ou pelo menos relevante na sua efetivação.
É à luz deste entendimento que será avaliado o caso concreto em discussão nos autos.
A AE reclamou, apenas a título de remuneração adicional, a quantia de €14.250,23 mais IVA, estando em causa na presente execução renovada o crédito reclamado pelo Exequente e reconhecido de €575.685,61 correspondente a capital e juros, acrescido de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, referente a um contrato de mútuo com hipoteca.
O imóvel da Executada que já havia sido penhorado nos autos quando da execução inicial, corresponde precisamente ao imóvel hipotecado à atual Exequente, para garantia do pagamento do mútuo.
Prosseguindo a execução os seus termos, as diligências realizadas pela AE com vista à venda do imóvel penhorado já no âmbito da extinta execução na qual reclamou o pagamento dos seus serviços, corresponderam apenas à notificação das partes para se pronunciarem sobre a modalidade e valor da venda do imóvel nos termos legais, após o que veio a ser requerida a suspensão da instância com vista a um entendimento entre elas, o que veio mais tarde a concretizar-se e que culminou no pedido de extinção da execução.
Não se apurou que a AE tivesse tido qualquer participação nas negociações ou que a sua atividade tivesse influenciado o acordo a que as partes chegaram, ou que de algum modo lhe tivesse dado causa.
Não podemos esquecer que pelos atos que foram realizados pela AE no processo, que correspondem aliás à normal tramitação do processo executivo, a mesma é paga no âmbito da remuneração fixa legalmente estabelecida, constituindo a remuneração adicional um prémio acrescido, pela sua eficácia e eficiência, que apenas tem lugar quando é a sua conduta que dá causa à recuperação ou garantia da quantia exequenda. Como evidencia o mencionado Acórdão do TRP de 06/05/2019 : “resultando do anexo VIII da citada Portaria n.º 282/2013 que «o valor da remuneração adicional do agente de execução (é) destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50º», seria desvirtuar a finalidade desse acréscimo na remuneração do agente de execução proceder ao cálculo e pagamento da mesma a partir de um resultado que não emerge, que não decorre das diligências concretas por si levadas a cabo no âmbito do processo executivo, e a que o mesmo seja alheio, no sentido de que nelas não teve intervenção ou participação e, portanto, não lhes deu causa.”
No caso dos presentes autos, a penhora do imóvel já havia sido realizada no âmbito da execução que foi extinta e na qual foi reclamado o crédito pela atual Exequente; não houve recuperação da quantia exequenda para a Exequente na sequência do acordo realizado e a garantia do pagamento do seu crédito continua assegurada com a hipoteca que a mesma já detinha sobre o imóvel, informando a mesma não ter interesse em prosseguir com a execução e continuando com a disponibilidade de futuramente cobrar o crédito.
Não pode por isso dizer-se, como se afirmou na decisão recorrida, que estamos perante um acordo das partes em pôr fim à execução que decorreu da atividade da AE, ou que esta lhe deu causa, não se vislumbrando um beneficio concreto resultante para a Exequente da atividade da AE no processo, não havendo por isso lugar ao pagamento da remuneração adicional prevista no art.º 50.º n.º 5 da Portaria 282/2013.
E não se diga, como pretende a Recorrente, que tem de entender-se que a mera realização da penhora ou demais atos regulares à tramitação do processo executivo por si praticados são o bastante para que se considere a existência da causalidade exigida para o pagamento da remuneração adicional. Em abstrato, parece razoável considerar que, por norma, o conhecimento pelo executado da existência de uma penhora sobre os seus bens pode constituir uma “pressão” para que o mesmo faça um acordo de pagamento, mas isso é insuficiente para que possamos presumir que é sempre assim, ou que é a existência da penhora ou de diligências de venda que vão determinar a realização desse acordo - a causalidade tem de ser aferida em concreto e existe apenas se a conduta do AE determinou a cobrança da dívida ou contribuiu para a realização do acordo.
É que, também é normal acontecer que “a pressão” sentida pelo executado resulte do mero conhecimento de que foi intentado um processo executivo contra si, por já poder prever as diligências que se podem seguir e que podem afetar o seu património, além de que são múltiplos os fatores que levam as partes a pôr termo a um processo com um acordo.
É a atividade desenvolvida e o contributo efetivo do AE para o resultado da execução que determina o pagamento de uma remuneração adicional que não pode por isso também deixar ser adequada, proporcional e razoável.
Não podemos assim deixar de concluir que, no caso, resultando dos autos que o acordo foi feito pelas partes à margem da atividade da AE, não tendo esta contribuído para a sua realização, diligenciado nesse sentido, ou influenciado o mesmo, não é devida remuneração adicional.
Impõe-se, assim, a manutenção do despacho recorrido.
- da litigância de má fé
Vem a Recorrida requerer a condenação da Sr.ª AE como litigante de má fé, nos termos do art.º 542.º n.º 2 al. a) e d) do CPC, referindo que a mesma vem de forma reiterada pugnar pelo pagamento de uma remuneração adicional a que não tem direito, o que já lhe foi negado por decisão transitada em julgado em momento anterior neste mesmo processo, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar e fazendo um uso manifestamente reprovável do processo com o presente recurso.
A Recorrente vem responder concluindo pela improcedência do pedido, por considerar não estarem verificados os pressupostos da litigância de má fé, por estar a exercer no processo um direito legítimo, não se confundindo a atual situação com a anteriormente verificada na execução que foi extinta na qual lhe foi negado o pagamento da remuneração adicional.
O acesso ao direito é constitucionalmente protegido e vem consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Por seu turno o art.º 2.º do CPC faz eco de tal princípio, com a epígrafe “garantia de acesso aos tribunais”, e vem estabelecer, no seu nº 1: “A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito a obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie com a força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.”
Contudo, o exercício destes direitos tem como corolário a existência de deveres de conduta para as partes que exercem o direito a propor uma ação ou o direito de defesa. Pode falar-se de abuso de direito quando a parte deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
O DL 329-A/95 de 12 de Dezembro veio introduzir alterações ao código de processo civil, com significativa relevância ao nível do instituto da litigância de má fé, impondo uma colaboração mais estreita aos intervenientes processuais, nomeadamente com a nova redação que deu ao art.º 266.º relativo ao princípio da cooperação, com a introdução do art.º 266.º-A respeitante ao dever de boa fé processual e ainda com a alteração ao art.º 456.º ao passar a sancionar a litigância de má fé da parte não só quando o seu comportamento é doloso, mas também quando revela negligência grave.
O atual Código de Processo Civil segue essa mesma orientação, mantendo, no essencial, a previsão daquelas normas.
Desde logo os art.º 7.º e 8.º do CPC vêm impor um dever de colaboração estreita aos diversos intervenientes processuais, que devem agir de boa fé, sendo que o art.º 542.º n.º 2 do CPC, tal como o anterior art.º 456.º sanciona a litigância de má fé não só quando a mesma é dolosa, mas também quando a conduta das partes revela negligência grave.
O instituto da litigância de má fé pretende levar as partes a cumprirem tais deveres, sancionando quem não o faça, na prossecução do que não pode deixar de considerar-se “uma boa administração da justiça”.
O art.º 542.º do CPC diz-nos no seu n.º 1: “Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”; acrescenta o n.º 2: “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Naturalmente que a litigância de má fé não se confunde com a manifesta improcedência da pretensão formulada pela parte, para isso antes se exige que a conduta processual da parte seja dolosa, ou pelo menos gravemente negligente.
A este propósito refere o Acórdão do STJ de 18 de fevereiro 2015 no proc. 1120/11.1TBPFR.P1.S1 in www.dgsi.pt : “Não basta, assim, para que se conclua pela litigância de má fé por alguma das partes no processo, a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta: tal pode ter ocorrido por a parte se encontrar, embora incorretamente, convencida da sua razão ou de que os factos se verificaram da forma que os descreve, hipótese em que inexistirá má fé. Impõe-se, pois, para que haja litigância de má fé, que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada ou ao afirmar factos não ocorridos, tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.”
Quanto ao elemento subjetivo da litigância de má fé, diz-nos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol II, pág 341: “o legislador deixou ainda clara a desnecessidade quanto à prova da consciência da ilicitude do comportamento e da intenção de conseguir objectivos ilegítimos (actuação dolosa), bastando que seja possível formular um juízo de censurabilidade”.
Importa então saber se podemos dizer que a Recorrente tem um comportamento doloso ou pelo menos gravemente negligente, elemento subjetivo necessário, como se viu, para a sua condenação como litigante de má fé, nos termos do art.º 542.º n.º 2 do CPC, ao pedir na execução o pagamento de uma remuneração adicional cuja falta de fundamento podia ignorar e ao recorrer da decisão que não deferiu o seu pedido, assim fazendo um uso manifestamente reprovável do processo.
Não pode deixar de levar-se em consideração, como manifestamente decorre da fundamentação apresentada na avaliação da questão que constitui o principal objeto do presente recurso, que não tem merecido solução inteiramente pacífica, designadamente se levarmos em conta a nossa jurisprudência, a questão de saber as circunstâncias em que o AE tem direito ao pagamento de uma remuneração adicional na execução. Embora se avalie que a jurisprudência tem vindo maioritariamente a exigir a verificação efetiva de um nexo causalidade entre a conduta do AE e o resultado no processo, a verdade é que tal questão ainda se apresenta como algo controvertida.
Em segundo lugar, não obstante tenha havido uma anterior decisão na execução que correu termos por apenso ao processo de insolvência, que não deu acolhimento à anterior pretensão da AE em haver a remuneração adicional que ali peticionou, a verdade é que com a renovação da execução extinta e o seu prosseguimento, estamos perante uma nova realidade, onde aquela anterior decisão não se impõe, sendo certo que nada obstaria à concessão de uma remuneração adicional na execução renovada caso a AE tivesse exercido uma atividade processual considerada causal para as partes chegarem a um acordo e porem termo à execução.
Afigurando-se que, sabendo da posição que havia já sido seguida pelo juiz do processo, a AE podia abster-se de reclamar o pagamento de tal remuneração adicional, a verdade é que não estava obrigada a conformar-se com tal entendimento no futuro e perante uma nova realidade.
O pedido de remuneração adicional ou a interposição de recurso da decisão que o indeferiu, não representa uma conduta dolosa da Sr.ª AE, nem tão pouco gravemente negligente, antes correspondendo ao legítimo exercício de um seu direito, como o é também o direito a recorrer das decisões que lhe são desfavoráveis.
Não pode por isso dizer-se que a AE, com o pedido de remuneração adicional que formula e com o recurso que intenta por não se conformar com a decisão que não o defere, vem de forma dolosa ou gravemente negligente deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, ou faz um uso reprovável do processo, tratando-se de uma questão que não tem vindo a ter uma resposta pacífica ou unânime, concluindo-se que não estão verificados os pressupostos do art.º 542.º n.º 2 al. a) ou d) do CPC da litigância de má fé, sob pena de se estar a cercear o seu direito de pugnar pelo acolhimento da sua pretensão. 
Neste contexto, não obstante a Recorrente já anteriormente tenha visto negada um pedido idêntico neste processo, num quadro processual e factual diverso, a sua conduta não pode ser qualificada de gravemente reprovável nem com um elevado grau de censurabilidade, não configurando uma ofensa ao princípio da boa fé que a mesma está obrigada a observar.
Em conclusão, não podendo dizer-se que a Sr.ª AE atuou com dolo ou pelo menos com negligência grave, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, nem tão pouco que faz um uso reprovável do processo ao interpor recurso de decisão que não lhe é favorável, julga-se improcedente o pedido da sua condenação como litigante de má fé nos termos do art.º 542.º n.º 1 e n.º 2 al. a) e d) do CPC, absolvendo-se a mesma de tal pedido.
V. Decisão:
Em face do exposto julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida, mais se julgando improcedente o pedido de condenação da Recorrente como litigante de má fé.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 11 de maio de 2023
Inês Moura
Higina Castelo
Laurinda Gemas