Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3308/16.0T8PDL.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: NEGÓCIO JURÍDICO
ANULAÇÃO
INCAPACIDADE ACIDENTAL
NOTÁRIO
DEVER DE RECUSA DE CELEBRAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Tendo sido as declarações de parte do 1º Réu dominadas por detalhes oportunistas em seu favor, procurando o 1º Réu, sistematicamente, justificar a respetiva conduta e enaltecer o seu trabalho em prol do autor, tal centralização nestes detalhes constitui um preditor de falta de objetividade das declarações.
II. Acionam o indício Insidia, atinente à incapacidade acidental do outorgante autor, as seguintes circunstâncias: o autor ficou acamado, com paralisia do lado direito, totalmente dependente da assistência de terceiros; quem privava, diariamente e durante muito tempo (muito mais do que com a filha), com o autor, mesmo alimentando-o, era o 2º Réu, o qual trabalhava para o autor há muitos anos, sendo também motorista do autor desde o AVC; nos últimos dois anos que antecederam a morte do autor, os réus eram presença habitual na residência do autor, acompanhando-o diariamente, conhecendo os seus problemas de saúde; os réus levaram o autor várias vezes a Cartório Notarial para outorgar, com assinatura a rogo, vários atos de valor elevado cujos beneficiários foram sempre os réus, sendo estes que escolheram as testemunhas quando necessárias.
III. Entre as sequelas de um AVC avultam: problemas de discurso, perda de controlo emocional, mudanças de humor, perda de memoria e de bom senso, diminuição da capacidade de cálculo e dificuldade de resolução de problemas.
IV. Num contexto em que o outorgante em testamento e outros atos notariais padece de doença que,  no plano clínico e cientifico, implica a deterioração progressiva  das condições de perceção, compreensão, raciocínio, gestão dos atos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstrato e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e fatores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, incumbe ao  peticionante da anulabilidade dos atos jurídicos praticados pelo outorgante “provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais”. Ao Réu, que pugne pela validade de tais atos, cabe provar factos extintivos do direito invocado, nomeadamente que o outorgante/testador, no momento da outorga, se encontrava num “intervalo lúcido” do seu estado de demência.
V. O notário deve recusar a prática de atos sempre e que tenha dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais dos participantes, salvo se no ato intervierem, a seu pedido ou a instância dos outorgantes, dois peritos médicos que, sob juramento ou compromisso de honra, abonem a sanidade mental daqueles (Artigo 11º, nº2, al. b), do Estatuto do Notariado).
VI. Deverá a Ordem dos Notários apreciar a conduta do Sr. Notário ocorrida neste contexto: comparência do autor nos dias 18.12.2015, 5.1.2016, 8.1.2016, 3.2.2016 e 24.2.2016 no Cartório Notarial, sempre em cadeira de rodas, paralisado do lado direito, com dificuldades na fala, sempre acompanhado dos Réus, outorgando em vários atos que tiveram sempre como beneficiários os Réus, com assinatura a rogo; o  Sr. Notário, no âmbito do seu depoimento, foi o próprio a afirmar que, várias vezes, “achei que não seria uma coisa natural o tipo de escritura que estava a ser feita”, razão pela qual perguntou ao autor – perante essa anormalidade em termos de conteúdo, sobretudo pelos valores elevados (v.g., reconhecimento de dívida de quatro milhões de euros ) – se era aquela a sua vontade, tendo o autor sempre respondido que “sim”; “Não posso responder em termos clínicos” qual era a situação do autor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
BB, representado pelo seu curador provisório II, intentou  ação declarativa comum contra CC, atualmente com domicílio no estabelecimento prisional de (...) e EE, peticionando que se declare a anulabilidade de onze negócios jurídicos celebrados a favor dos Réus, com fundamento em incapacidade acidental ou, subsidiariamente, em usura.
Para tanto alega que, entre dezembro de 2015 e fevereiro de 2016, praticou onze negócios jurídicos, beneficiando o 1º Réu num valor não inferior a 1 200 000,00€ e o segundo Réu num valor não inferior a 8 000 000,00€. No entanto, desde março de 2014, e por força de um acidente vascular cerebral, que deixou de controlar o seu património, tendo vindo a ser declarado inabilitado por decisão judicial, com efeitos desde 10 de julho de 2015. Assim, e uma vez que os Réus bem sabiam que não apresentava a capacidade necessária para querer e entender os negócios que o convenceram a celebrar, aproveitando-se da sua vulnerabilidade em proveito próprio, deve ser declarada a anulabilidade de tais negócios jurídicos.
Apenas contestou o 1º Réu, alegando que a alienação gratuita do património do Autor resultou da sua livre vontade, querendo deixar os seus bens a quem entendeu ser merecedor dos mesmos.
Atento o óbito do Autor, foram habilitados, em substituição daquele, os seus filhos FF, GG e DD.
Tendo DD falecido no decurso do presente processo, foi habilitada, em sua substituição, HH.
Após julgamento, foi proferida sentençaque julgou a ação procedente, declarando a anulação dos negócios jurídicos enunciados sob a) a k) do dispositivo.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o 1º Réu, formulando, no final das suas alegações, as seguintes:
«CONCLUSÕES:
DA ILEGITIMIDADE DO CURADOR PROVISÓRIO PARA A PROPOSITURA DA PRESENTE ACÇÃO Da nulidade da sentença recorrida
Da impugnação da matéria de facto dada por provada nos pontos 28 e 36 dos factos provados
1a) A presente ação foi instaurada em 13 de dezembro de 2016 (cf. pi) por BB, representado por II, na qualidade de curador provisório nomeado por decisão judicial - cf. factos 26 a 30 da sentença recorrida, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
Com efeito
2a) Este curador provisório terá sido nomeado no âmbito do processo n° (...) nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 900°, n° 1 do CPC (na redação anterior à Lei n° 49/2018 de 14 de agosto) e do art. 142°, n° 1 do Código Civil
3a) Norma esta nos termos da qual " em qualquer altura do processo pode ser nomeado um tutor provisório que celebre em nome do interditando, com autorização do tribunal, os atos cujo adiamento possa causar-lhe prejuízo Acresce que
4a) Nos termos e ao abrigo do disposto no art. 1938°, n° 1, alínea e) do Código Civil, para o qual remete o art. 139° do mesmo diploma legal, para intentar ações, salvas as destinadas à cobrança de prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo, necessita o tutor de autorização do tribunal.
Sucede desde logo que
5a) Salvo melhor entendimento a prova do facto assente no ponto 28, atendo o disposto no art. 364°, n° 1 do Código Civil, apenas poderia resultar de documento autêntico - a saber, certidão do despacho judicial de nomeação daquele como curador provisório do Autor -, que não se encontra junto aos autos.
6a) Termos em que, desde logo, se deverá ter por NÃO PROVADA a factualidade constante do ponto 28 da sentença recorrida, sob pena de violação do disposto no art. 364°, n° 1 do Código Civil.
Sem conceder
7a) ainda que se tenha por provada toda a factualidade constante dos pontos 26 a 30 da sentença recorrida, da mesma não resulta nem a DATA DA NOMEAÇÃO de II como curador provisório do Autor, nem o ÂMBITO DA CURATELA (isto é, qual a extensão dos poderes que, no âmbito do suprarreferido processo, lhe terão sido reconhecidos).
8a) Encontra-se, consequentemente, por demonstrar a legitimidade daquele curador para a propositura para a presente ação, em 13 de Dezembro de 2016.
9a) Ao reconhecer legitimidade a II, para, na qualidade de curador provisório do Autor, intentar a presente ação - o que aquele fez em 13 de dezembro de 2016 -, sem que se encontre apurado em que data ocorreu (terá ocorrido) tal nomeação, incorre a douta sentença recorrida numa nulidade, a qual expressamente e para todos os efeitos aqui se invoca, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 615°, n°1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil.
Por outro lado
10a) Desconhecendo-se, de igual modo, o ÂMBITO DA CURATELA, encontra-se por demonstrar que aquele curador provisório tivesse obtido a necessária autorização do tribunal para a propositura da presente ação, (cf. art. 1938°, n° 1, alínea e) do Código Civil).
11a) Termos em que, também aqui, ao reconhecer legitimidade a II, para, na qualidade de curador provisório do Autor, intentar a presente ação, sem que se encontre apurado o âmbito da curatela e sem que se encontre demonstrada a existência da necessária autorização do tribunal para o efeito, incorre a douta sentença recorrida numa nulidade, a qual expressamente e para todos os efeitos aqui se invoca, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 615°, n°1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil.
12a) Numa eventual tentativa de ultrapassar estas dificuldades - desconhecimento quanto ao âmbito da curatela e inexistência de autorização do tribunal para a propositura da presente ação - dá o Tribunal a quo por provado quanto vem no ponto 36 dos factos provados, isto é que " o primeiro Réu intentou  ação executiva contra o Autor para pagamento de quantia certa, a correr termos neste tribunal sob o n° (...), sendo título executivo a confissão de dívida mencionada em 11 ".
13a) Deste modo, e no entender da sentença recorrida, ficariam ultrapassados aqueles obstáculos, pois que tal factualidade seria suficiente para configurar a situação de exceção prevista na parte final da alínea e) do n° 1 do art. 1938° do Código Civil, ou seja, seria suficiente para que se desse por assente ser a presente ação uma daquelas “cuja demora possa causar prejuízo Acontece, porém que
14a) Não se vê como se possa ter tal factualidade como assente.
De facto
15a) A propósito da matéria de facto dada por provada no ponto 36 da sentença recorrida, afirma o Mui Digno Magistrado da Primeira Instância o seguinte:
" Assim, desde logo e no que respeita aos factos 1° a 36° já se mostravam assentes desde a audiência prévia, conforme consta da respetiva ata, sendo que o Tribunal não deixou de analisar o longo acervo documental, nomeadamente as certidões prediais e todos os atos praticados pelo Autor no Cartório Notarial " (negrito e sublinhados nossos)
Ora
16a) a matéria de facto dada por provada no ponto 36 da sentença recorrida encontra-se alega pelo Autor nos artigos 187° e 188° da sua petição inicial. Acontece que
17a) Compulsada a ata de audiência prévia realizada no dia 12 deNovembro de 2018 facilmente se constata que a factualidade vertida para o ponto 36 da sentença recorrida - decorrente, portanto, da factualidade alegada pelo Autor nos artigos 187° e 188° da petição inicial - não consta do rol dos factos ali dados por assentes, na alínea b), nem, aliás, de qualquer documento cujo teor ali se dê por reproduzido.
18a) Não se encontrando a prova dessa factualidade suportada em qualquer outro meio probatório, deixa-se aqui expressamente impugnada a decisão sobre a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 640°, n° 1, alínea a) do Código de Processo Civil, devendo a mesma ser dada por não provada, com as legais consequências.
Sem conceder
19a) Ainda que se aceite ter resultado provada a factualidade constante do ponto 36 da sentença recorrida, a mesma - salvo o devido respeito por melhor entendimento - sempre seria insuficiente para preencher os pressupostos de aplicabilidade, in casu, do disposto na alínea e), in fine do art. 1938°, n° 1 do Código Civil.
Isto é
20a) Não tendo o curador provisório logrado obter junto do Tribunal competente autorização para a propositura da presente ação - podendo e devendo tê-lo feito - e não se destinando a mesma à cobrança de quaisquer prestações periódicas, cabia-lhe a ele, Autor, alegar e provar que a demora na instauração da mesma poderia causar prejuízo ao pupilo - o que, salvo melhor entendimento, não fez.
21a) Em cumprimento do disposto no art. 1940°, n° 3 do Código Civil, deveria, assim, o tribunal recorrido, ter ordenado oficiosamente a suspensão da instância, depois da citação, até que fosse concedida ao curador a autorização necessária.
22a) Termos em que, procedendo de forma diversa violou o Douto Tribunal recorrido o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 1938°, n°1, alínea e) e 1940, n° 3, ambas do Código Civil.
DA INCAPACIDADE ACIDENTAL
23a) Atenta a data da prática dos atos cuja anulação declara - muito anterior à da publicitação do processo de interdição - invoca-se na sentença recorrida, como fundamento para tal anulação, o instituto da incapacidade acidental, previsto e regulado no art. 257° do Código Civil.
Acontece que
24a) Pela presente ação se solicita e é declarada a anulação não de um, não de dois, não de três, mas de DOZE NEGÓCIOS JURÍDICOS consubstanciados em outras tantas DECLARAÇÕES NEGOCIAIS, celebrados e manifestadas pelo Autor em SETE MOMENTOS TEMPORAIS absolutamente distintos.
25a) A saber, e por ordem cronológica:
- em 10 de Julho de 2015, a doação do veículo automóvel da marca Mercedes, de matrícula (...), a que se alude na alínea k) da decisão recorrida;
- em 18 de Dezembro de 2015, a escritura pública de doação e o testamento público a que se alude nas alíneas a) e f), respectivamente, da decisão recorrida;
- Em 28 de Dezembro de 2015, a doação do veículo automóvel da marca Mercedes, de matrícula (...), a que se alude na alínea k) da decisão recorrida;
- em 5 de janeiro de 2016, as escrituras públicas de confissão de dívida a que se alude nas alíneas c) e g) da decisão recorrida;
- em 8 de janeiro de 2016, a escritura pública de doação a que se alude na alínea d) da decisão recorrida;
- em 3 de fevereiro de 2016, as procurações a que se alude nas alíneas b), e) e h) da decisão recorrida;
- em 24 de fevereiro de 2016, as escrituras públicas de constituição de hipotecas a que se alude nas alíneas i) e j) da decisão recorrida;
26a ) Todos os negócios jurídicos acima elencados, são, portanto, anulados nos termos da decisão recorrida, em função da incapacidade acidental do declarante, aqui Autor.
Ora
27a ) Compulsada a factualidade dada por assente na douta sentença recorrida, designadamente a que consta dos pontos 42 a 56 e 60 a 64, facilmente se constata que da mesma não resultam verificados os pressupostos da incapacidade acidental.
Clarificando
28a ) Não se dá por assente na sentença recorrida que, especificadamente e em relação a cada um dos seguintes dias, 10 de julho de 2015, 18 de dezembro de 2015, 28 de dezembro de 2015, 5 de janeiro de 2016, 8 de janeiro de 2016, 3 de Fevereiro de 2016, o Autor, declarante nos negócios jurídicos nessas datas praticados, não se encontrava lúcido, ou seja, que, em cada um desses momentos temporais, o Autor se encontrava incapaz de entender o sentido de cada uma das declarações negociais que fez, entre Julho de 2015 e Fevereiro de 2016, não se dando de igual modo por provado, por referência a cada uma dessas datas e negócios jurídicos que tal ( eventual ) incapacidade fosse notória ou conhecida dos declaratários, o que podia e devia ter feito.
29a) Incorre, deste modo, a sentença recorrida nas nulidades previstas no art. 615°, n° 1, alíneas b), c) e d), nulidades estas que, expressamente e para todos os efeitos legais aqui se deixam expressamente arguidas.
De todo o modo
30a) Decidindo da forma como o fez, violou o Meritíssimo Juiz a quo - rectius, a sentença recorrida - o disposto no art. 257° do Código Civil.
Concretizando
31 a ) Nos pontos 55 e 56 dos factos provados dá-se apenas por assente, respetivamente, que:
- o Autor não se encontrava capaz de entender o significado das confissões de dívida e das hipotecas que celebrou;
- tal como não tinha capacidade para compreender o significado das procurações que outorgou e dos poderes que nela conferia aos Réus;
( negrito e sublinhados nossos )
32a) Da sentença recorrida não resulta, assim, provado que tal acontecesse relativamente aos demais atos e negócios jurídicos, de igual modo por si praticados, mormente doações e testamento.
A saber
33a ) Não resulta provada da sentença recorrida que, no momento da prática dos seguintes atos e negócios jurídicos o Autor se encontrasse incapaz de entender o significado dos mesmos:
- doação do veículo automóvel em 10 de julho de 2015, a que se alude na alínea k) da sentença recorrida;
- doação outorgada em 18 de dezembro de 2015, a que se alude na alínea a) da sentença recorrida;
- testamento celebrado em 18 de dezembro de 2015, a que se alude na alínea f) da sentença recorrida;
- doação de um outro veículo automóvel em 28 de dezembro de 2015, a que se alude na alínea k) da sentença recorrida;
- doação celebrada em 8 de janeiro de 2015, a que se alude na alínea d) da sentença recorrida;
34a) Termos em que não podiam ter sido anulados estes negócios, designadamente o testamento e as doações outorgadas pelo Autor.
35a ) Ao declarar a anulação dos atos e negócios jurídicos elencados nas alíneas k), a), f) e d) violou a douta sentença recorrida o disposto no art. 257° do Código Civil.
Das designadas doações dos veículos automóveis
36a ) Nos pontos 21 e 22 dos factos provados dá-se por assente que:
- a 10/07/2015 foi registada em nome o 2° Réu a viatura da marca mercedes, com a matrícula (...), propriedade do autor;
- a 28/12/2015 foi registada em nome do 2° Réu a viatura da marca Mercedes, com a matrícula (...) ;
37a) Desta factualidade - e apenas esta resulta provada, no que toca aos referidos veículos automóveis - conclui o Tribunal a quo estar-se na presença de duas doações, para, na alínea k) da decisão recorrida, proceder à respetiva anulação.
Sucede que
38a) a doação é um contrato típico nos termos do qual " uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente " - cf. art. 940°, n° 1 do Código Civil.
39a ) Não se encontrando demonstrado nos autos que o Autor dispôs gratuitamente daqueles veículos automóveis, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, não poderia o Tribunal a quo ter dado como assente, primeiro, que os registos a que se alude nos pontos 21 e 22 dos factos provados refletissem um contrato de doação; não podendo de igual modo, e consequentemente, declarar a sua anulação.
40a) Trata-se, pois, de uma conclusão - de uma ilação, se quisermos - falha das indispensáveis premissas.
41a) Ao declarar a anulação daquilo que designa como doações na alínea k) da sentença recorrida violou o Tribunal a quo o disposto no art. 940, n° 1 do Código Civil.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
42a ) Acima deixou-se já impugnada, pelas razões e com os fundamentos ali expostos, a decisão quanto aos pontos 28 e 36 da matéria de facto, os quais, no entender do Apelante, deverão agora ser considerados não provados.
Acontece que
43a ) Na alínea b) dos Factos Não Provados, dá o Tribunal a quo por não provado que:
- o Autor não queria deixar nada aos seus filhos
 Sucede que 44a ) Impõe decisão em sentido oposto o auto de inquirição de fls., junto aos autos pelo Réu, aqui Apelante, em sede de audiência de julgamento, cujo teor se transcreve supra e aqui se dá por inteiramente reproduzido, para todos os efeitos legais.
Na verdade
45a) É o próprio Autor que afirma pretender deixar os seus bens aos aqui RR., e não aos seus filhos, em declarações por ele mesmo prestadas no dia 16 de Junho de 2016, no âmbito do processo de inquérito n° 1471/16.9T9PDL da 7a Secção do DIAP de (...), perante a Mui Ilustre Magistrada do Ministério Público, Dra. (…) , na presença ainda do oficial de justiça, PP, o que fez na qualidade de testemunha, para tanto tendo prestado o necessário juramento, sem que aquela se tenha apercebido de qualquer incapacidade, por parte do Autor, de entender o significado das declarações, que, à data, quis prestar e prestou.
46a) De tais declarações, prestadas pelo Autor em 16 de junho de 2016 perante uma autoridade judiciária resulta claríssimo que, à data, o mesmo:
a) manifestou a sua vontade instituir seu herdeiro pessoa que identificou como o mestre António, sendo este quem cuidava de si e lhe prestava diversos serviços no hotel;
b) identificou os bens que integrariam tal herança - dois imóveis -, sendo um deles um hotel;
c) sabia o valor deste bem imóvel: 4 (quatro) milhões de euros;
d) tinha perfeita consciência de já ter feito nessa altura, um testamento nesse sentido;
e) sabia ter efetuado ao Dr. CC, réu, aqui apelante uma doação;
f) sabia que tal doação tinha por objeto dois imóveis;
g) sabia que contra ele corria um processo de inabilitação cuja iniciativa havia partido dos seus filhos;
h) era sua convicção que tal processo teria sido intentado contra si por não quererem os seus putativos herdeiros (os seus filhos) que um terceiro ficasse com o hotel;
i) explicou a razão de ser do testamento ao mestre António e da doação ao Dr. CC: o desapontamento que sentia relativamente aos seus filhos que “não querem saber do depoente para nada e já nem o visitam à (sic) mais de dois anos
47a ) Termos em que devia o Tribunal a quo ter dado por provado e deverá agora o Tribunal ad quem dar por provado, com as legais consequências que o Autor não queria deixar nada aos seus filhos, impondo decisão nesse sentido o aludido depoimento prestado pelo mesmo no âmbito do processo de inquérito n° 1471/16.9T9PDL da 7a Secção do DIAP, na qualidade de testemunha, sob juramento e perante autoridade judiciária, constante de fls. 472/473 dos presentes autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
48a) Deu o Tribunal a quo por provado, no ponto 59 da factualidade assente que:
- o 1° Réu representou o Autor, na qualidade de advogado, em diversos processos judiciais, tendo sido pago pelos serviços prestados.
49a) Justificou a sua decisão quanto a este último segmento de frase - que aqui se coloca em crise - afirmando a fls. 17 da sentença recorrida que:
“já o facto 59 resultou da listagem de processos onde o 1° Réu consta como mandatário do Autor, sendo certo que, presumindo-se o mandato oneroso, e não tendo o Réu, nas suas declarações, mencionado qualquer dívida, nem apresentado quaisquer faturas por pagar, apenas poderíamos considerar tais serviços como pagos “.
50a) Conclusão absolutamente destituída de fundamento - salvo o devido respeito por diferente entendimento.
Assim
51a) É indiscutível que o aqui apelante é advogado de profissão, sendo igualmente inquestionável que, no exercício da sua profissão, o aqui apelante patrocinou o Autor em diversos processos, cuja listagem consta de fls. 419 e aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos.
52a ) É, de igual modo, incontestado que o mandato forense, se presume oneroso ( art. 1158, n° 1 do Código Civil).
53a) Daí a poderem-se considerar pagos os serviços prestados pelo Réu, aqui Apelante, ao Autor, vai um salto lógico inultrapassável.
Com efeito
54a) Presumindo-se o mandato forense oneroso (cf. art. 1158°, n° 1 do Código Civil), e alegando o Réu a falta de pagamento por parte do Autor dos honorários devidos pelo exercício desse mandato, então, atentas as regras de repartição do ónus da prova (cf. art. 342° e seguinte do Código Civil), caberia ao Autor fazer a prova desse pagamento.
55a) Decidindo de forma diversa violou a decisão recorrida as disposições conjugadas dos arts. 1158°, n° 1 e 324° e seguintes do Código Civil.
56a) Termos em que deverá ser retificada a decisão sobre o ponto 59 da matéria de facto, eliminando-se do mesmo a referência ao facto do aqui Apelante ter sido pago pelo serviços por si prestados ao Autor.
57a) Nos pontos 46 a 52 da matéria de facto, depois de, nos pontos 43 a 45 aludir ao acidente vascular cerebral sofrido pelo autor em Março de 2014, dá o tribunal a quo por provado que o mesmo:
- não conseguia manter uma linha de raciocínio adequada a uma pessoa da sua idade, tanto afirmando uma coisa, como, logo de seguida, o seu contrário (ponto 46);
- denotava severas falhas de memória, tanto recente como remota (ponto 47);
- mostrava-se esquecido dos seus afazeres e compromissos;
- padecia, por vezes, e durante longas horas, de uma profunda apatia, abatimento e inatividade, numa atitude de indiferença;
- deixou de controlar a gestão do seu património, nomeadamente o arrendamento dos seus espaços, o pagamento das rendas e o destino das mesmas;
- ficou a desconhecer o valor real do dinheiro, bem como o seu património;
- deixou de proceder à regularização das suas responsabilidades legais;
Ora
58a) Tais afirmações, mormente as que constam dos pontos 46 e 47 acima reproduzidos, são desmentidas pelo depoimento da Dra. AM, prestado em audiência de julgamento do dia 12 de Junho de 2019, o qual se encontra gravado no sistema em utilização nos tribunais, de 14:43:41 a 15:08:47, mais exatamente no ficheiro áudio 20190612144339 12101674 2870234.wma, e cujos trechos mais relevantes se transcrevem supra, no ponto 110 da presente peça processual e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais - o qual impõe decisão em sentido contrário, que deverá agora ser proferida pelo Tribunal ad quem, com as legais consequências.
De facto
59a) Aí esclarece a Dra. AM, médica especialista em Medina Interna do Hospital do Divino Espírito Santo, ter prestado cuidados médicos ao Autor, após o referido AVC, tanto neste hospital, como na Clínica do (...), como ainda no seu consultório médico, já após a saída daquele desta clínica e do seu regresso a casa, aí afirmando que o autor, após o AVC, pese embora as sequelas físicas, mormente as suas dificuldades de locomoção e dificuldades na fala, mantinha o seu sentido crítico, conseguindo manifestar a sua vontade, interagindo com a mesma, fazendo escolhas, tomando decisões, não se encontrando em processo demencial de evolução rápida.
Sucede ainda que
60a) Dá o Tribunal a quo por provada a factualidade supra, bem como a dos pontos 54, 55, 56 da sentença recorrida, essencialmente com base no depoimento da Dra. RM, médica psiquiatra, prestado em audiência de julgamento do dia 27 de fevereiro de 2019, o qual se encontra gravado no sistema áudio em utilização nos tribunais, de 15:41:04 a 16:14:06, bem como no dito “relatório pericial “pela mesma elaborado, o qual consiste no documento n° 38 junto com a petição inicial.
Acontece desde logo que
61 a) Pese embora apelidado por diversas vezes de relatório pericial, este documento não tem esse valor.
62a) Com efeito, tal “relatório “não resultou de qualquer exame pericial solicitado e realizado no âmbito da presente ação, tendo sido solicitado, realizado e junto aos autos de interdição do Autor (o processo n° (...), melhor identificado no ponto 26 da sentença recorrida).
Sucede que
63a) Nos termos e ao abrigo do disposto no n° 1 do art. 421° do Código de Processo Civil, " os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n° 3 do art. 355° do Código Civil ".
Ora
64a) Nos presentes e nos referidos autos de inabilitação n° (...) mencionado no ponto 26 dos factos provados as partes não são as mesmas, não sendo partes naqueles autos os aqui RR., CC, ora Recorrente e José Coelho, não tendo havido ali audiência contraditória dos mesmos, nem podendo aqui ser tal relatório pericial invocado contra estes RR.
65a) Ao valor como relatório pericial, o aludido documento, violou o Tribunal recorrido o disposto no art. 421°, n° 1 do Código de Processo Civil.
66a) Quanto ao depoimento da Dra. RM, decorre do mesmo, conjugado com o teor do doc. 38 da pi, que o primeiro e único contacto que esta médica teve com o Autor aconteceu no dia 12 de outubro de 2016, aquando da sua avaliação realizada em audiência, no Tribunal de (...) Assim
67a) Entre o último dos negócios praticados pelo Autor e o exame às faculdades mentais do mesmo levado a cabo pela Dra. RM decorreram cerca de 8 (oito) meses, tendo decorrido cerca de 10 (dez) meses entre os primeiros negócios pelo mesmo praticados e o dito exame (!!!). Acresce que
68a) De acordo com as conclusões desta testemunha, vertidas para o dito documento, o examinado sofreria de demência já desde 2010, data a que reporta o início da sua incapacidade, proferindo parecer no sentido de ser determinada a sua interdição com efeitos reportados aquela data - o que vem a acontecer, nos termos da factualidade provada no ponto 30 da sentença recorrida. Sucede que
69a) Esta conclusão e subsequente decisão são contrariadas por diversos elementos constantes dos autos, designadamente de vários negócios praticados pelo Autor, durante os anos de 2010 e de 2011, em Cartório Notarial - melhor identificados supra, nos pontos 126 a 128 da presente peça processual - sem que a sua validade tivesse sido questionada por qualquer dos intervenientes/beneficiários, mormente pelos filhos do Autor, aqui habilitados e ali outorgantes.
Diga-se por último, que
70a) Como já salientado supra, no dia 16 de junho de 2016 - cerca de 4 (quatro meses) após a prática do último daqueles atos notariais - o Autor, na qualidade de testemunha, prestou pessoalmente declarações - coerentes, lúcidas, claras - perante magistrado do Ministério Público, no âmbito do já referido processo de inquérito n° 1471/16.9T9PDL da 7a Secção do DIAP de (...).
71a ) De onde não poder o Tribunal a quo ter dado como provado quanto consta dos pontos 54, 55 e 56, devendo agora o Tribunal ad quem alterar tal decisão em sede de matéria de facto, com as legais consequências.
72a) impõe decisão diversa não apenas o depoimento já acima mencionado da Dra. AM, como, decisivamente, o depoimento do Dr. JC, Notário em (...), perante quem foram praticados os atos agora anulados, prestado em audiência de julgamento do dia 12 de junho de 2016, o qual se encontra gravado no sistema em utilização nos tribunais, de 12:49:52 a 13:10:57, mais exatamente no ficheiro áudio 20190612124951_1210674_2870234.wma, cujos trechos mais relevantes se transcrevem supra e que aqui se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais.
73a) Mais impunham que não se tivessem dados por provados tais factos os depoimentos prestados pelas testemunhas ASM e MAFSA, prestados ambos em audiência de julgamento de 12 de Junho de 2019, os quais se encontram de igual modo gravados no sistema áudio em utilização nos tribunais, mais exatamente e respetivamente, nos ficheiros áudio 201906121213939_12101674_2870234.wma e 2019061212020842_12101674_2870234.wma - que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais - mormente os concreto trechos que supra se deixam transcritos.
Com efeito
74a) As testemunhas acima referenciadas foram as testemunhas do testamento celebrado pelo Autor no dia 18 de dezembro de 2015, a que se alude no ponto 15 dos factos provados - cf. doc. 23 da petição inicial -, sendo que nesse mesmo dia 18 de dezembro de 2015, e em ato contínuo, outorgou o Autor também na escritura de doação a que se alude no ponto 9 dos factos provados - cf.- doc. 10 da petição inicial.
Ora
75a) Pese embora nos pontos 54, 55, 56 dos factos provados não se aluda especificamente nem ao testamento nem à doação - como acima já se deixou salientado - como decorre do depoimento do Notário JC - já transcrito supra - e, bem assim, do depoimento destas duas testemunhas, de igual modo acima transcritos, no dia 18 de Dezembro de 2015 o Autor encontrava-se perfeitamente capaz de entender o significado dos atos que então praticou, apresentando a necessária capacidade para querer e entender esses mesmos atos, a saber: tanto o testamento de fls., como a doação de fls.
76a) Termos em que não poderia o Tribunal a quo ter dado tal factualidade, bem como a das pontos 61 e 63 da matéria de facto assente como provados, impondo decisão de sentido contrário os supra transcritos trechos - que aqui se dão por reproduzidos -, das testemunhas JC, AMS e MAFSA, dos mesmos resultando de forma hialina encontrar-se o Autor perfeitamente capaz de entender e de expressar a sua vontade, designadamente no dia 18 de Dezembro de 2015, aquando da celebração do testamento a favor do 2° R. e da outorga da doação a favor do 1° R., aqui Recorrente.
77a) Termos em que deverão aqueles pontos da matéria de facto ser dados por não provados, com as legais consequências.
Por último
78a) Dá o Tribunal a quo por provada a matéria de facto constante dos pontos 60 a 64 da sentença recorrida.
79a) Para tanto, começa o Tribunal de primeira instância por afirmar - no que está correto - que o ponto 60 da matéria de facto foi admitido por acordo em sede de audiência prévia.
80a) Desse ponto 60 da matéria de facto consta que:
- os RR. eram presença habitual na residência do Autor nos últimos dois anos que antecederam a morte dês, acompanhando-o diariamente, conhecendo os seus problemas de saúde
81 a) Deste facto retira o Tribunal a quo a ilação de que foi esta presença constante dos RR. aliada com o estado de debilidade física e mental do Autor que o levaram a praticar os negócios em causa na presente ação, motivo pelo qual dá de seguida por provada a factualidade constante dos pontos 61° a 64° da matéria de facto (cf. pág. 17, in fine, da sentença recorrida).
82a) Partindo, então da premissa que consiste na factualidade dada por assente no ponto 60 da matéria de facto conclui o Tribunal a quo no sentido vertido para os pontos 61 a 64, no que se nos afigura um enorme e inaceitável salto lógico.
Isto é
83a) Não há qualquer raciocínio lógico de onde se possa necessariamente inferir a factualidade dada por assente nos pontos 61 a 64 da sentença recorrida, partindo apenas da factualidade dada como provada, constante do ponto 60.
84a) Termos em que, também por esta razão, se deverão dar por não provados os pontos 61 a 64 da matéria de facto, com as legais consequências.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!»
*
Contra-alegaram os apelados, propugnando pela improcedência da apelação (fls. 695-774).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidades da sentença (conclusões 9ª, 11ª, 29ª);
ii. Impugnação da decisão de facto (conclusões 1ª a 8ª, 12ª, 42ª a 84ª);
iii. Doações dos veículos (conclusões 36ª a 41ª).
iv. Da ilegitimidade do curador provisório para intentar a ação;
v. Da existência da incapacidade acidental (conclusões 23ª a 28ª, 31ª);
vi. Da conduta do Sr. Notário.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.Aquando da instauração da presente ação, o Autor tinha 79 anos de idade, sendo viúvo e reformado.
2.Desde sempre conhecido e reconhecido pela sua capacidade negocial e competência na gestão do seu património.
3.Por se haver dedicado a variados negócios ao longo da sua vida, constituiu um património de considerável dimensão, conseguindo rentabilizá-lo.
4.O Autor era proprietário do prédio urbano sito na Rua da (...), em (...), inscrito na matriz predial sob o artigo 3831, composto por um prédio em propriedade total com andares e trinta frações autónomas já em plena utilização, apesar de ainda não juridicamente divididas, cujo valor patrimonial total é superior a 2 322 890,00€.
5.Era ainda proprietário dos seguintes prédios:
a) Um prédio misto-urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 2265, composto por 3 moradias de habitação, sito na (...), n.ºs 46/48, (...), no concelho de (...), com o valor patrimonial de 27 178,02€;
b) Um prédio misto, inscrito na matriz predial sob o artigo 150, secção 3, sito na (...), (...), no concelho de (...), com o valor patrimonial de 1 989,90€;
c) Um prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 696, composto por casa de habitação, sito na (...), n.ºs 30/32, (...), no concelho de (...), com o valor patrimonial de 19 291,03€;
d) Uma fração autónoma de prédio urbano, inscrita na matriz predial sob o artigo 2175-AC, sito no (...), n°104 A, (...), concelho de (...), com o valor patrimonial de 52 523,42€;
e) Uma fração autónoma de prédio urbano, inscrita na matriz predial sob o artigo 2175-AD, sito no (...), n.°104 A, (...), concelho de (...), com o valor patrimonial de 47 271,07€;
f) Uma fração autónoma de prédio urbano, inscrita na matriz predial sob o artigo 2904-G, sito na (...), 3° andar esquerdo, (...), concelho de (...), com o valor patrimonial de 14 302,52€;
g) Uma fração autónoma de prédio urbano, inscrita na matriz predial sob o artigo 2904-H, sito na (...), 3° andar direito, (...), concelho de (...), com o valor patrimonial de 14 302,52€;
h) Um prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 517, composto por casa de habitação, sito na (...), n°104, (...), no concelho de (...), com o valor patrimonial de 76 280,16€;
i) Um prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 1691, composto por casa de habitação, sito na (...), (...), no concelho de (...), com o valor patrimonial de 33 372,52€;
j) Uma fração autónoma de prédio urbano, inscrita na matriz predial sob o artigo 2904-H, sito na (...), 3° andar direito, (...), concelho de (...), com o valor patrimonial de 14 302,52€;
k) Uma fração autónoma de prédio urbano, inscrita na matriz predial sob o artigo 2359-F, sito na (...), 1° andar esquerdo, (...), concelho de (...), com o valor patrimonial de 15 256,03€;
l) Um prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 423, composto por casa de habitação, sito na Ladeira da (...), n.°39, (...), no concelho de (...), com valor patrimonial de 23 815,92€;
m) Um prédio rústico, inscrito na matriz predial sob o artigo 40, secção G, sito em Pico do Boi, (...), no concelho de (...), com valor patrimonial de 6 484,08€;
n) Um prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 3690, composto por casa de habitação, sito na (...), n.°9, (...), no concelho de (...), com o valor patrimonial de 195 471,33€;
o) Uma fração autónoma de prédio urbano, inscrita na matriz predial sob o artigo 4398-B, sito na (...), n°14, (...), concelho de (...), com valor patrimonial de 83 684,75€;
p) Um prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 422, composto por casa de habitação, sito na Ladeira da (...), n°27, (...), no concelho de (...), com valor patrimonial de 160 632,92€;
q) Um prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 2543, composto por casa de habitação, sito na (...), n°30, (...), no concelho de (...), com o valor patrimonial de 165 875,50€.
6. Esse património, sua gestão e rentabilização sempre foi cuidado pessoalmente pelo Autor.
7. O Autor investia na compra de mais imóveis ou em outros negócios.
8. No intervalo de tempo compreendido entre os meses de dezembro de 2015 e fevereiro de 2016, o Autor praticou onze atos/negócios jurídicos, beneficiando exclusivamente os Réus.
9. No dia 18/12/2015, por escritura outorgada a fls. 145 do Livro 543-A, do Cartório Notarial de (...), a cargo do Lic. JC, o Autor doou ao 1º Réu, a nua propriedade, com reserva para si do usufruto vitalício, do prédio urbano identificado em q.).
10. Consta de tal escritura o seguinte: Foi feita aos outorgantes a leitura desta escritura e a explicação do seu conteúdo, não assinando o primeiro outorgante, por me haver declarado não o poder fazer.
11. No dia 05/01/2016, o Autor outorgou, a fls. 59 do Livro 545-A, do Cartório Notarial de (...), a cargo do Lic. JC, escritura, da qual consta o seguinte: Que, pela presente escritura, confessa-se devedor ao segundo outorgante (o 1º Réu), da quantia de QUINHENTOS MIL EUROS. Que, o referido valor deverá ser reembolsado numa ou mais prestações, em qualquer altura, no prazo máximo de um mês, a contar desta data, sem cobrança de quaisquer juros remuneratórios ou moratórios, ou quaisquer outros montantes a título de despesas.
12. No dia 08/01/2016, por escritura pública outorgada a fls. 97 do Livro 545-A, do Cartório Notarial de (...), a cargo do Lic. JC, o Autor doou, ao 1º Réu, o prédio rústico identificado em m.).
13. Consta de tal escritura o seguinte: foi feita aos outorgantes a leitura desta escritura e a explicação do seu conteúdo, não assinando o primeiro outorgante, por me haver declarado não o poder fazer.
14. No dia 03/02/2016, o Autor outorgou, no Cartório Notarial de (...), a cargo do Lic. JC, procuração, da qual consta o seguinte: constituiu seu procurador, EE (...), ao qual confere os poderes necessários para doar ao Dr. BB (...), os seguintes prédios inscritos sob os seguintes artigos:
1) Artigo urbano 2175-AD da freguesia de (...) do concelho de (...);
2) Artigo urbano 4398-B da freguesia de (...) do concelho de (...);
3) Artigo urbano 2904-H da freguesia de (...) do concelho de (...);
4) Artigo urbano 696 da freguesia de (...) do concelho de (...);
5) Artigo urbano 3690 da freguesia de (...) do concelho de (...);
6) Artigo rústico 150 secção 003 e artigo urbano 2265 ambas da freguesia de (...) do concelho de (...);
7) Artigo urbano 1691 da freguesia de (...) do concelho de (...);
8) Artigo urbano 422 da freguesia de (...) do concelho de (...);
9) Artigo urbano 423 da freguesia de (...) do concelho de (...), assinando as competentes escrituras ou documentos particulares.
Confere ainda poderes para assinar quaisquer atos de registo predial, sejam inscrições ou averbamentos, provisórios ou definitivos e representá-lo junto de quaisquer Serviços de Finanças, Câmaras Municipais, podendo requerer, praticar e assinar todos os documentos necessários aos atos constantes desta procuração.
Esta procuração é conferida no interesse do mandatário, pelo que, não poderá ser revogada sem o acordo do mesmo, conforme previsto no artigo 265°, n.°3, do Código Civil.
Foi feita ao outorgante a leitura desta procuração e explicação do seu conteúdo, tendo o outorgante declarado que não a vai assinar em virtude de não o poder fazer.
15. No dia 18/12/2015, o Autor celebrou, a fls. 33 do Livro 14, do Cartório Notarial de (...), a cargo do Lic. JC, testamento público, do qual consta o seguinte: que, pelo presente testamento, que é o primeiro que faz, deixa por conta da quota disponível de seus bens, a EE (...) os seguintes dois prédios: os identificados em 4. e 5, alínea h). (...) Foram testemunhas deste ato: Dr. ASM (...); MAFSA (...). Foi feita ao testador e às testemunhas a leitura deste testamento e a explicação do seu conteúdo, não o assinando o testador por me haver declarado não o poder fazer.
16. No dia 05/01/2016, o Autor outorgou, a fls. 58 do Livro 545-A, do Cartório Notarial de (...), a cargo do Lic. JC, escritura, da qual consta o seguinte: Que, pela presente escritura, confessa-se devedor ao segundo outorgante (o 2º Réu), da quantia de QUATRO MILHÕES DE EUROS. Que, o referido valor deverá ser reembolsado numa ou mais prestações, em qualquer altura, no prazo máximo de um mês, a contar desta data, sem cobrança de quaisquer juros remuneratórios ou moratórios, ou quaisquer outros montantes a título de despesas.
17. No dia 03/02/2016, o Autor outorgou, no Cartório Notarial de (...), a cargo do Lic. JC, procuração, da qual consta o seguinte: constituiu seu procurador, Dr. BB (...), ao qual confere os poderes necessários para doar a EE (...), os prédios identificados em 4 e 5, alínea h). Esta procuração é conferida no interesse do mandatário, pelo que, não poderá ser revogada sem o acordo do mesmo, conforme previsto no artigo 265°, n°3, do Código Civil. Foi feita ao outorgante a leitura desta procuração e explicação do seu conteúdo, tendo o outorgante declarado que não a vai assinar em virtude de não o poder fazer.
18.  No dia 24/02/2016, o Autor celebrou, a fls. 29 do Livro 550-A, do Cartório Notarial de (...), a cargo do Lic. JC, escritura pública, pela qual constituiu hipoteca sobre o prédio identificado em i), a favor do 2º Réu, constando da mesma o seguinte: Que constitui a favor do segundo outorgante, hipoteca voluntária sobre o prédio atrás identificado, livre de quaisquer ónus ou encargos, com todas as suas construções ou benfeitorias edificadas ou a edificar, para garantia do pagamento pontual: a) De todas e quaisquer responsabilidades por si assumidas ou a assumir, perante o segundo outorgante, até ao limite de QUATROCENTOS MIL EUROS, proveniente de todas e quaisquer operações em direito permitidas, designadamente as que emergem de garantias bancárias prestadas ou a prestar pelo segundo outorgante a seu pedido, empréstimos de qualquer natureza, dívidas emergentes de prestação de serviços vencidas e vincendas, sub-rogação de créditos por pagamento de dívidas a terceiros.
Que, para efeitos do disposto no artigo 693°, do Código Civil, o montante máximo do crédito assegurado, sem juros e sem despesas, conforme declaram, é de quatrocentos mil euros. Que a presente hipoteca abrange todas as construções, benfeitorias e acessões, presentes e futuras do mesmo prédio pelo que o primeiro outorgante desde já se obriga a proceder aos respetivos averbamentos. Que os documentos sejam de que natureza forem em que o primeiro outorgante figure como devedor e que porventura se encontrem em conexão com a presente escritura dela ficarão fazendo parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do artigo 707°, n°2, do Código do Processo Civil. Que o segundo outorgante, sempre que o julgue necessário pode mandar avaliar à custa do primeiro outorgante o prédio hipotecado, para o efeito do artigo 701° do Código Civil, ficando as respetivas despesas cobertas pela garantia ora prestada. Que a presente hipoteca pode ser executada quando vencida qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura ou quando não for cumprido qualquer dos deveres do primeiro outorgante perante o segundo outorgante emergentes do presente contrato. Que, se o prédio ora hipotecado vier a ser objeto de penhora, arresto ou qualquer outra forma de indisponibilidade decretada pelos meios judiciais; se, sem autorização expressa do segundo outorgante vier o mesmo prédio a ser dado de exploração ou locado; se vier a ser alienado, total ou parcialmente, ou por qualquer forma onerado, ou, de um modo geral, vier a ser prejudicada a sua livre disposição, designadamente por promessa de alienação, de oneração ou por constituição de qualquer dos direitos acima referidos, ou ainda, se, por qualquer outra causa a presente hipoteca vier a diminuir de valor, pode o segundo outorgante: a) Exigir imediatamente o cumprimento das obrigações que a presente hipoteca assegura, podendo esta ser executada; ou, b) Exigir a sua substituição ou reforço da hipoteca e, se o primeiro outorgante o não fizer no prazo que o segundo outorgante para o efeito lhe conceder, exigir, então, o imediato cumprimento das obrigações. Que o primeiro outorgante se obriga a manter seguro contra incêndio o prédio ora hipotecado em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do segundo outorgante, a pagar atempadamente os respetivos prémios, a fazer inserir na respetiva apólice a existência desta hipoteca, para efeito de, em caso de sinistro e vencida alguma das obrigações asseguradas por este contrato, o segundo outorgante receber a respetiva indemnização, assim como a trazer pontualmente pagas as contribuições que incidirem sobre o prédio hipotecado, autorizando, desde já, o segundo outorgante a efetuar na sua falta e por sua conta o pagamento dos prémios e das contribuições em dívida, casos em que os correspondentes recibos ficarão a constituir elementos referidos a esta escritura, para efeitos da sua exequibilidade. Que ficam da conta do primeiro outorgante todas as despesas deste contrato, do seu registo e distrate. (...) Foi feita aos outorgantes a leitura desta escritura e a explicação do seu conteúdo, tendo esta escritura sido elaborada segundo minuta apresentada pelas partes, não a assinando o primeiro outorgante por me haver declarado não o poder fazer.
19. No dia 24/02/2016, o Autor celebrou, a fls. 25 do Livro 550-A, do Cartório Notarial de (...), a cargo do Lic. JC, escritura pública, pela qual constituiu hipoteca sobre o prédio identificado em 4, a favor do 2º Réu, constando da mesma o seguinte: (...) Que, ainda sobre o indicado prédio encontra-se registada uma penhora em que o exequente é a STA, Lda.;(...) Que constitui a favor do segundo outorgante, hipoteca voluntária sobre o prédio atrás identificado, livre de quaisquer ónus ou encargos, exceto a penhora atrás indicada, com todas as suas construções ou benfeitorias edificadas ou a edificar, para garantia do pagamento pontual: a) De todas e quaisquer responsabilidades por si assumidas ou a assumir, perante o segundo outorgante, até ao limite de UM MILHÃO E QUINHENTOS MIL EUROS, proveniente de todas e quaisquer operações em direito permitidas, designadamente as que emergem de garantias bancárias prestadas ou a prestar pelo segundo outorgante a seu pedido, empréstimos de qualquer natureza, dívidas emergentes de prestação de serviços vencidas e vincendas sub-rogação de créditos por pagamento de dívidas a terceiros. Que, para efeitos do disposto no artigo 693° do Código Civil, declaram que o montante máximo do crédito assegurado sem juros e sem despesas é de um milhão e quinhentos mil euros. Que a presente hipoteca abrange todas as construções, benfeitorias e acessões, presentes e futuras do mesmo prédio pelo que o primeiro outorgante desde já se obriga a proceder aos respetivos averbamentos. Que os documentos sejam de que natureza forem em que o primeiro outorgante figure como devedor e que porventura se encontrem em conexão com a presente escritura dela ficarão fazendo parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do artigo 707°, n°2 do Código do Processo Civil. Que o segundo outorgante, sempre que o julgue necessário pode mandar avaliar as custas do primeiro outorgante o prédio hipotecado, para o efeito do artigo 701° do Código Civil, ficando as respetivas despesas cobertas pela garantia ora prestada. Que a presente hipoteca pode ser executada quando vencida qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura ou quando não for cumprido qualquer dos deveres do primeiro outorgante perante o segundo outorgante emergentes do presente contrato. Que, se o prédio ora hipotecado vier a ser objeto de penhora, arresto ou qualquer outra forma de indisponibilidade decretada pelos meios judiciais; se, sem autorização expressa do segundo outorgante vier o mesmo prédio a ser dado de exploração ou locado; se vier a ser alienado, total ou parcialmente, ou por qualquer forma onerado, ou, de um modo geral, vier a ser prejudicada a sua livre disposição, designadamente por promessa de alienação, de oneração ou por constituição de qualquer dos direitos acima referidos, ou ainda, se, por qualquer outra causa a presente hipoteca vier a diminuir de valor, pode o segundo outorgante: a) Exigir imediatamente o cumprimento das obrigações que a presente hipoteca assegura, podendo esta ser executada; ou, b) Exigir a substituição ou reforço da hipoteca e, se o primeiro outorgante o não fizer no prazo que o segundo outorgante para o efeito lhe conceder, exigir, então, o imediato cumprimento das obrigações. Que o primeiro outorgante se obriga a manter seguro contra incêndio o prédio ora hipotecado em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do segundo outorgante, a pagar atempadamente os respetivos prémios, a fazer inserir na respetiva apólice a existência desta hipoteca, para efeito de, em caso de sinistro e vencida alguma das obrigações asseguradas por este contrato, o segundo outorgante receber a respetiva indemnização, assim como a trazer pontualmente pagas as contribuições que incidirem sobre o prédio hipotecado, autorizando, desde já, o segundo outorgante a efetuar na sua falta e por sua conta o pagamento dos prémios e das contribuições em dívida, casos em que os correspondentes recibos ficarão a constituir elementos referidos a esta escritura, para efeitos da sua exequibilidade. Que ficam da conta do primeiro outorgante todas as despesas deste contrato, do seu registo e distrate (...) Foi feita aos outorgantes a leitura desta escritura e a explicação do seu conteúdo, tendo esta escritura sido elaborada segundo minuta apresentada pelas partes, não a assinando o primeiro outorgante por me haver declarado não o poder fazer.
20. Ainda no dia 24 de fevereiro de 2016, no Cartório Notarial suprarreferido, foram outorgadas pelo Autor mais duas procurações, estas não irrevogáveis, dando totais poderes aos referidos Dr. CC e Sr. EE para que cada um deles, por si, represente e possa dispor, como entender, do património do Autor.
21. A 10/07/2015 foi registada em nome do 2ª Réu a viatura da marca mercedes, com a matrícula (...), propriedade do Autor.
22. A 28/12/2015 foi registada em nome do 2ª Réu a viatura da marca mercedes, com a matrícula (...), propriedade do Autor.
23. O Autor tinha a correr contra si execuções fiscais para pagamento de quantias que ascendem perto de 400 000,00€.
24. Era executado no processo nº 1483/08.7TBPDL, a correr termos neste Tribunal, onde massa insolvente da  STA, reclama o pagamento de mais de 500 000,00 pela construção do edifício referido em 4.
25. Tais dívidas têm vindo a vencer juros, a que acrescem despesas judiciais. *
26. A 07/03/2016 deu entrada ação declarativa especial de inabilitação contra o Autor, dando origem ao processo nº (...), que correu termos no Juízo Local Cível de (...).
27. No âmbito de tal processo, o Autor foi declarado provisoriamente inabilitado, com anúncio oficial a 15/03/2016, publicado em jornal de âmbito regional nos dias 17 e 18 de março.
28. Foi nomeado para curador provisório II, seu sobrinho, a quem foi entregue a totalidade da administração do património do Autor.
29. Foi provisoriamente fixado pelo Tribunal o dia 10 de julho de 2015 como a data de início da sua incapacidade.
30. Por sentença transitada em julgado a 17/05/2017, foi decretada a interdição definitiva do Autor, por anomalia psíquica, com início no ano de 2010, tendo sido nomeada como tutora a sua filha FF.
31. O Réu José Coelho era funcionário do Autor, com a função de efetuar diversos serviços juntos dos prédios da sua propriedade, auferindo uma remuneração pelo trabalho que prestava.
32. Os Réus são conhecidos e amigos entre si.
33. O 1º Réu apresentou duas queixas-crime contra os três filhos do Autor, uma datada de 26/05/2016 por crime de abandono de idoso e outra a junho de 2016 por tentativa de homicídio do Autor pelos próprios filhos.
34. Consta da segunda queixa apresentada que a pretensão dos filhos é a de que o Autor morra o mais rápido possível, pelo que deveriam ser deserdados.
35. Nenhum dos Réus emprestou dinheiro ou outros bens ao Autor.
36. O 1º Réu intentou ação executiva contra o Autor, para pagamento de quantia certa, a correr termos neste Tribunal sob o nº (...), sendo o título executivo a confissão de dívida mencionada em 11.
37. Com os rendimentos prediais, juntamente com a sua reforma, o Autor provia ao seu sustento e acumulava poupanças para novos investimentos.
38. Sempre foi pessoa parcimoniosa e extremamente economizadora, não sendo dado a ofertas, benemerências ou donativos.
39. A partir do ano de 2010, o Autor começou a adotar comportamentos irrefletidos e inconsequentes, em consequência de diversas doenças de que foi padecendo do foro psiquiátrico.
40. A 08/01/2001, o Autor foi internado na Casa de Saúde (…), com diagnóstico de perturbação depressiva major com sintomas psicóticos.
41. Voltou a ser internado a 29/07/2010, já apresentando dificuldades de memória.
42. Desde o início do ano de 2010 que sofre de demência.
43. Em março de 2014 foi vítima de um acidente vascular cerebral, seguido de uma embolia pulmonar.
44. Esteve cerca de um mês e meio em estado de coma, internado na UTIC do Hospital do Divino Espírito Santo de (...).
45. Em consequência, ficou definitivamente paralisado do lado direito do corpo.
46. Não conseguia manter uma linha de raciocínio adequada a uma pessoa da sua idade, tanto afirmando uma coisa, como, logo de seguida, o seu contrário.
47. Denotava severas falhas de memória, tanto recente como remota.
48. Mostrava-se esquecido dos seus afazeres e compromissos.
49. Padecia, por vezes, e durante longas horas, de uma profunda apatia, abatimento e inatividade, numa atitude de indiferença.
50. O Autor deixou de controlar a gestão do seu património, nomeadamente o arrendamento dos seus espaços, o pagamento das rendas e o destino das mesmas.
51. Ficou a desconhecer o valor real do dinheiro, bem como o seu património.
52. Deixou de proceder à regularização das suas responsabilidades fiscais.
53. O Autor passou a necessitar de terceiros para se mover, vestir, lavar e comer.
54. O Autor não apresentava explicação para a realização dos atos jurídicos praticados, nem tem consciência de que os praticou da forma e com o conteúdo como o foram.
55. O Autor não se encontrava capaz de entender o sentido das confissões de dívida e das hipotecas que celebrou.
56. Tal como não tinha capacidade para compreender o significado das procurações que outorgou e dos poderes que nela conferiu aos Réus.
57. Por decisão dos seus filhos, o Autor ficou entregue aos cuidados do 2º Réu, durante os períodos do dia, sendo remunerado por tal.
58. O 2º Réu acompanhava o Autor às consultas e tratamentos médicos.
59. O 1º Réu representou o Autor, na qualidade de advogado, em diversos processos judiciais, tendo sido pago pelos serviços prestados.
60. Os Réus eram presença habitual na residência do Autor nos últimos dois anos que antecederam a morte deste, acompanhando-o diariamente, conhecendo os seus problemas de saúde.
61. Os atos, tal como as escrituras de doação e o testamento, foram praticados por força da insistência dos Réus.
62. Os Réus conheciam o estado de saúde, físico e psíquico, do Autor.
63. Sabiam que o mesmo não apresentava a capacidade necessária para querer e entender os negócios que o convenceram a celebrar.
64. Estavam cientes da ascendência que exerciam sobre este, aproveitando-se da sua vulnerabilidade em proveito próprio.
65. Com a celebração de tais negócios jurídicos, o Autor colocou em risco a sua própria subsistência.
66. O 1º Réu deixou ter contacto com o Autor a 24/07/2016, altura em que foi preso.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nulidades da sentença (conclusões 9ª, 11ª, 28ª e 29ª).    
O apelante argui a existência de três nulidades nestes termos:
9) Ao reconhecer legitimidade a II, para, na qualidade de curador provisório do Autor, intentar a presente ação - o que aquele fez em 13 de dezembro de 2016 -, sem que se encontre apurado em que data ocorreu (terá ocorrido) tal nomeação, incorre a douta sentença recorrida numa nulidade, a qual expressamente e para todos os efeitos aqui se invoca, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 615°, n°1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil.
11) Termos em que, também aqui, ao reconhecer legitimidade a II, para, na qualidade de curador provisório do Autor, intentar a presente ação, sem que se encontre apurado o âmbito da curatela e sem que se encontre demonstrada a existência da necessária autorização do tribunal para o efeito, incorre a douta sentença recorrida numa nulidade, a qual expressamente e para todos os efeitos aqui se invoca, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 615°, n°1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil.
28 ) Não se dá por assente na sentença recorrida que, especificadamente e em relação a cada um dos seguintes dias, 10 de julho de 2015, 18 de dezembro de 2015, 28 de dezembro de 2015, 5 de janeiro de 2016, 8 de janeiro de 2016, 3 de Fevereiro de 2016, o Autor, declarante nos negócios jurídicos nessas datas praticados, não se encontrava lúcido, ou seja, que, em cada um desses momentos temporais, o Autor se encontrava incapaz de entender o sentido de cada uma das declarações negociais que fez, entre Julho de 2015 e Fevereiro de 2016, não se dando de igual modo por provado, por referência a cada uma dessas datas e negócios jurídicos que tal ( eventual ) incapacidade fosse notória ou conhecida dos declaratários, o que podia e devia ter feito.
29) Incorre, deste modo, a sentença recorrida nas nulidades previstas no art. 615°, n° 1, alíneas b), c) e d), nulidades estas que, expressamente e para todos os efeitos legais aqui se deixam expressamente arguidas.
Apreciando:
A propósito da arguição frequente e infundada de nulidades das decisões, afirma-se em Geraldes, Abrantes/Pimenta, Paulo/Sousa, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, p. 736. «É verdadeiramente impressionante a frequência com que, em sede de recurso, são invocadas nulidades da sentença ou de acórdãos, denotando um número significativo de situações em que o verdadeiro interesse da parte não é propriamente o de obter uma correta apreciação do mérito da causa, mas de “anular” a toda a força a sentença com que foi confrontada. / É claro que certas decisões poderão estar eivadas de nulidades, mas ainda assim seria bom que se interiorizasse que, atento o disposto no art. 665º, nº1, que regula os poderes da Relação no âmbito do recurso de apelação, a sua verificação não determina necessariamente a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, antes implica a substituição imediata por parte da Relação, a não ser que alguma questão tenha sido considerada prejudicada e haja necessidade de recolher outros elementos.»
Nos termos do Artigo 615º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil  , é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Ensinava a este propósito ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil  Anotado, V Volume, p. 140, que
«Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»[3]
Nas palavras precisas de Tomé Gomes, Da Sentença Cível, p. 39, «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»
Conforme se refere de forma lapidar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, Raul Mateus, CJ 1995 – II, p. 58, “ (...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.” O mesmo Tribunal precisou que a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final (Acórdão de 15.12.2011, Pereira Rodrigues, 2/08). Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do Artigo 615º, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Fernanda Isabel Pereira, 781/11.[4] «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.»[5]
Dispõe o Artigo 615º, nº1, alínea c), que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição.[6] Trata-se de um erro lógico-discursivo nos termos do qual o juiz elegeu determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio mas decide em colisão com tais pressupostos. A nulidade em questão ocorre quando a fundamentação  aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente[7]. Conforme se clarifica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.2.2020, Rosário Morgado, ECLI:PT:STJ:2020:3294.11.2TBBCL.G1.S1, a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º  sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos – cf. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, 2000, p. 298. Por outras palavras, o acerto ou desacerto da decisão é uma questão diversa, que não cabe no campo dos vícios geradores da nulidade, mas no domínio do eventual erro de julgamento.[8]
Nos termos do Artigo 615º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o Artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Vol., p. 143, “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.[9] «O juiz não tem que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou.»[10]
Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e exceções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.[11]  A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Deste modo, não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da ação.[12] Nas palavras precisas de Tomé Gomes, Da Sentença Cível, p. 41, «(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.»
Feita esta explanação, é manifesto que a arguição feita não integra qualquer das apontadas nulidades.
O apelante insurge-se contra o julgamento, de facto e de direito, feito pelo tribunal a quo, designadamente no que tange à legitimidade do curador provisório para intentar a ação, bem como sobre a verificação concreta da situação de incapacidade do autor aquando da prática dos sucessivos atos. O que o apelante questiona é o mérito do julgamento de facto e de direito feito pelo tribunal a quo mas não imputa, em concreto, a prática de qualquer das apontadas nulidades.
Ora, o inconformismo perante o julgamento de facto e de direito expressa-se, respetivamente, mediante a impugnação da decisão de facto (Artigo 640º do Código de Processo Civil) e pelo recurso quanto à decisão de mérito, não dando – de per si – azo à existência de nulidades.
Improcede a arguição de nulidades.
Impugnação da decisão de facto (conclusões 1ª a 8ª, 12ª, 42ª a 84ª).
O apelante pretende que os seguintes factos provados sejam revertidos para não provados:
28. Foi nomeado para curador provisório II, seu sobrinho, a quem foi entregue a totalidade da administração do património do Autor.
36.  O 1º Réu intentou ação executiva contra o Autor, para pagamento de quantia certa, a correr termos neste Tribunal sob o nº (...), sendo o título executivo a confissão de dívida mencionada em 11.
46. Não conseguia manter uma linha de raciocínio adequada a uma pessoa da sua idade, tanto afirmando uma coisa, como, logo de seguida, o seu contrário.
47. Denotava severas falhas de memória, tanto recente como remota.
54.  O Autor não apresentava explicação para a realização dos atos jurídicos praticados, nem tem consciência de que os praticou da forma e com o conteúdo como o foram.
55.  O Autor não se encontrava capaz de entender o sentido das confissões de dívida e das hipotecas que celebrou.
56.  Tal como não tinha capacidade para compreender o significado das procurações que outorgou e dos poderes que nela conferiu aos Réus.
61.  Os atos, tal como as escrituras de doação e o testamento, foram praticados por força da insistência dos Réus.
62.  Os Réus conheciam o estado de saúde, físico e psíquico, do Autor.
63.  Sabiam que o mesmo não apresentava a capacidade necessária para querer e entender os negócios que o convenceram a celebrar.
64.  Estavam cientes da ascendência que exerciam sobre este, aproveitando-se da sua vulnerabilidade em proveito próprio.
Pretende o apelante que o facto não provadoo Autor não queria deixar nada aos seus filhos” seja revertido para provado.
No que tange ao facto provado sob 59 (“O 1º Réu representou o Autor, na qualidade de advogado, em diversos processos judiciais, tendo sido pago pelos serviços prestados”), sustenta o apelante que o segmento final (“tendo sido pago pelos serviços prestados”) deve ser revertido para não provado.
Fundamentando estas pretensões, o apelante estriba-se designadamente nesta argumentação: o facto 28 teria de ser prova por certidão judicial do despacho de nomeação do curador provisório; não está apurada a data da nomeação do curador provisório; o facto 36 não foi dado como assente na audiência prévia; o Autor afirmou em declarações prestadas em processo de inquérito que queria deixar os seus bens aos Réus e não aos seus filhos; não pode ser relevado o relatório pericial realizado no processo de interdição, no qual os Réus não foram partes;  no teor dos depoimentos prestados por AM, médica, JC, notário, bem como por AMS, médico, MAFSA; existe um hiato temporal entre os atos realizados e o exame realizado, em 12.10.2016, pela Dra. RM; os factos provados sob 61 a 64 constituem um “enorme e inaceitável salto lógico” face ao facto provado 60.
Apreciando:
O tribunal a quo fundamentou a resposta aos factos 28 e 36 nestes termos:
«Assim, desde logo e no que respeita aos factos 1º a 36º já se mostravam assentes desde a audiência prévia, conforme consta da respetiva ata, sendo que o Tribunal não deixou de analisar o longo acervo documental, nomeadamente, as certidões prediais e todos os atos praticados pelo Autor no Cartório Notarial.»
O facto provado 28 deriva, diretamente, da alegação do autor feita nos artigos 107º e 108º da petição inicial, factos esses expressamente aceites pelo Réu no seu artigo 77º da contestação. Posteriormente, em sede de audiência prévia, o Mmo. Juiz considerou em ata que estava assente diversa factualidade, entre a qual os artigos 107º a 112º da petição (fls. 297 v.).
Note-se que o 1º Réu teve intervenção profissional no processo de interdição em causa, conforme resulta de fls. 136, onde consta cópia de despacho proferido no referido processo, no qual se dá conta que o Dr. CC apresentou contestação em representação de BB.
Assim sendo, o facto 28 está provado por acordo das partes (cf. Artigo 567º, nº1, do Código de Processo Civil), sendo certo que não tem aplicação o disposto na al. d), do Artigo 568º do Código de Processo Civil – cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2020, 2ª ed., Almedina, pp. 658-659.
O facto 36 deriva, diretamente, da alegação dos artigos 187º e 188º da petição inicial. Sobre tal matéria, pronunciou-se o Réu nestes termos na contestação: «136º- É falso o alegado no art. 187º da pi que se impugna. A execução da suprarreferida escritura em nada dissipa o património do Autor, dado que nenhuma garantia será recebida pelo ora Réu (em vida do autor). 137º- O alegado no art. 188º da pi é conclusivo, tendo em conta o acima referido
Ou seja, o Réu não negou propriamente a pendência da execução e o título executivo em causa, limitando-se a impugnar que a pendência de tal execução conduzisse à dissipação do património do autor, conforme alegado na petição.
Assim sendo, o facto 36 encontra-se provado por acordo, nos termos já analisados. Acresce que, no âmbito das suas declarações de parte, o 1ª Réu reconheceu que instaurou a referida execução, muito mal se compreendendo que agora pretenda impugnar o que o próprio verbalizou nas suas declarações de parte.
No que tange ao estado de saúde física e mental do autor, aquando da realização dos atos dispositivos e de oneração em causa, bem como ao conhecimento que os Réus tinham de tal estado, há que aquilatar vários meios de prova.
A testemunha VS conheceu o autor em 2012, aquando de negociações para arrendar uma loja ao autor. Posteriormente, arrendou um andar do autor onde passou a viver, o qual ficava por cima do apartamento onde o autor passou a viver, acamado, em data posterior ao AVC que sofreu. Atenta esta proximidade, visitava o autor uma ou duas vezes por semana, apercebendo-se que o mesmo tinha um raciocínio que não era lógico, não se percebendo nada do que o autor dizia. O autor não estava orientado no tempo e no espaço, estava acamado, algaliado, sendo notório que não estava bem. Via lá o 2º Réu a dar comida ao autor, tendo vista também a filha Ana lá muitas vezes. Considera o autor uma pessoa muito avarenta.
A testemunha AMS é médico com a especialidade de cirurgia geral. Conhece o 1º Réu por terem sido contemporâneos na Universidade de Coimbra, tendo sido convidado pelo 1ª Réu para ser testemunha aquando do testamento de 18.12.2015. Assim, considera que “fui fazer um favor ao Dr. CC”. Nunca tinha visto o autor. Afirma que o autor estava num estado pós-AVC com sequelas motoras e na fala, “do ponto de vista cognitivo não notei anomalia nenhuma” ao autor, embora declare também que o AVC pode dar sequelas cognitivas e alterações do comportamento, as quais são flutuantes. Não notou hesitação ao autor, embora o mesmo tivesse dificuldade na fala. O autor respondeu às perguntas do notário, embora com a voz “um bocadinho arrastada e com alguma dificuldade na fala”. No fim, o notário perguntou ao autor se concordava e este respondeu que sim. Em termos de diálogo, a diligência foi “sucinta”. No seu entender, a especialidade médica mais adequada para aferir das consequências de um AVC é a psiquiatria. Entende que não foi testemunhar o ato por ser médico, sendo que o notário não o tratou como médico. O “Dr. Jorge [notário] não achou necessário colocar outras questões” ao autor porque aquilo é um ato que ele costumava fazer.
A testemunha MAFSA foi inquilina do autor a partir de 2008, tendo também sido testemunha aquando do testamento de 18.12.2015. Foi levada para o ato notarial e trazida pelo 2º Réu, sendo que declara que foi testemunhar a pedido do próprio autor. Esta testemunha vivia no mesmo piso que a testemunha VS, afirmando que, de vez em quando, ia dar o lanche ao autor e, às vezes, media-lhe a tensão. Via o 2º Réu a tomar conta do autor. Depois do AVC, passou a pagar a renda ao 2ª Réu e antes pagava-a ao autor. O marido da testemunha também teve um AVC, sendo que, ao contrário do seu marido, “nunca notei naquele Sr. Que tivesse perdido a lucidez”, percebendo-se bem o que ele dizia. O autor baixou-lhe a renda em € 100 após o AVC do marido para ajudar nos medicamentos. Não achou estranho que o autor fizesse testamento ao 2ª Réu porquanto não há filhos que tomem conta dos pais com o carinho que o 2º Réu tomava conta do autor, sendo que o autor afirmava “eu vou-lhe recompensar isto tudo”, sendo que o autor tinha confiança e amizade pelo 2º Réu.  O 2º Réu é que a transportou o autor para o ato notarial.
A testemunha JC é o notário que interveio nos aos em causa.  Conhece o autor e o 1º Réu pelo seu exercício profissional. A metodologia que seguiu nestes atos foi a que segue em todas as escrituras: lê a escritura, pergunta se há dúvidas, o autor respondeu sempre que sim e que não tinha dúvidas sobre os atos que estava a praticar. O autor vinha em cadeira de rodas, estando paralisado “apenas fisicamente”, “mentalmente, o Sr. estava bem, essa foi a minha convicção nessa altura.” Fisicamente, “estava sem dúvida” debilitado. Várias vezes, achei que não seria uma coisa natural o tipo de escritura que estava a ser feita”, razão pela qual perguntou ao autor – perante essa anormalidade em termos de conteúdo, sobretudo pelos valores elevados – se era aquela a sua vontade, tendo o autor sempre respondido que “sim”. “Achei estranho”, mas a resposta era sempre a mesma. Mais à frente no seu depoimento, afirmou que ficou surpreendido quando leu alguns dos atos, mas a resposta do autor era sempre a mesma. O autor estava acompanhado sempre das mesmas pessoas, designadamente os Réus. O autor expressava-se bem, mas “notava-se que tinha alguma dificuldade”. Não posso responder em termos clínicos” qual era a situação do autor. Normalmente, cada ato notarial não demora mais de meia hora. Não chegou a perceber “quais os motivos das escrituras porque, de facto, eram coisas estranhas”. “Acho que não tenho de saber”. No ato do testamento, só podem estar na sala as testemunhas, sendo que não pergunta nada às testemunhas. “Parto do princípio que se a pessoa diz que sim” é porque percebe o conteúdo do ato. Não aprofundou no sentido de saber se o autor tinha noção do valor dos atos em euros.
A testemunha AM é médica de medicina interna, tendo acompanhado o autor como doente no Hospital, em clínica e em consultório, sendo que esse acompanhamento cessou em 2014. Não se recorda se o AVC do autor foi isquémico ou hemorrágico, sendo que as sequelas do AVC dependem da área cerebral que é afetada, sendo que o autor ficou com “sequelas motoras bastante acentuadas, inclusive na fala”. O autor ia ao consultório acompanhado do 2º Réu. Acha que o autor “ainda tinha alguma crítica das vezes que foi, mas já era muito difícil deslocar-se”. Os diabéticos como era o autor, com sequelas de AVC, ficam logo afetados e evoluem, rapidamente, para um quadro demencial, não lhe parecendo que foi o caso porque “conseguia comunicar com o Sr.”, sendo a comunicação dele “básica”. Conseguia interagir com o autor, mas “não posso dizer o que aconteceu a seguir”. As pessoas como o autor podem ter períodos de maior lucidez e outros de menor, havendo oscilações de humor e de consciência. Num curto espaço de tempo, uma pessoa que estivesse em contacto com autor podia não dar-se conta dessas alterações. Essa deteção de alterações é mais fácil para quem estivesse em contacto com o autor, no dia a dia. Era impossível o autor ser autónomo, após o AVC.  O autor tinha dificuldade na articulação. “É inevitável que, no tempo, evoluísse para demência.” Instada sobre se o autor tinha capacidade para fazer doações e outros negócios similares, respondeu que “para uma coisa dessas tão avançada, teria que ser avaliado por psiquiatra ou neurologista.
A testemunha RM é médica psiquiatra, perita no Gabinete Médico-Legal de (...), tendo realizado exame médico ao autor no âmbito do processo de interdição, o qual deu azo ao relatório pericial que se mostra junto a fls. 138-139, datado de 25.10.2016.  O único contacto que teve com o autor foi para efeitos da realização de tal exame. Na altura, teve acesso à documentação médica que lhe foi facultada pelo tribunal. Relatando o que se apercebeu, declara que o autor estava num estado de debilitação muito grande, tanto física como psiquicamente, apresentando um “estado avançado de um processo demencial”. O autor fazia um discurso muito pobre, completamente desorientado no tempo, conhecendo o dinheiro, mas não sabendo o seu valor, sendo incapaz de dizer qual o seu património. Estava completamente dependente de terceiros para tudo. Esclareceu que o episódio depressivo que o autor teve em 2010, tendo sido internado em casa de saúde, é comum como o primeiro episódio de demência. Em 90% ou mais dos casos, a primeira manifestação de demência é um episódio depressivo. No início do processo demencial, só quem conhece muito bem o doente é que pode detetar alguma alteração.  O AVC que o autor sofreu foi bastante extenso, estando centrado no tálamo, zona muito sensível do cérebro, que processa toda a informação. O tálamo é como se fosse a “central telefónica do cérebro”, passando a informação para todas as áreas do cérebro, sendo a zona mais sensível do cérebro. Na altura, localizou a incapacidade do autor com início em 2010, atenta a informação clínica da casa de saúde, nomeadamente face ao teste do relógio que aí foi feito ao autor, o qual é muito sensível na deteção da demência. Tal demência já condicionava o autor, em 2010, em coisas do dia a dia com pequenas falhas de memória. Com o AVC sofrido em 2014, o autor ficou muito afetado, perdendo a capacidade de pensamento abstrato, de memória executiva, bem como a capacidade de fazer associação de ideias. Face às lesões detetadas no AVC, “é muito pouco provável que ele continuasse a funcionar de forma normal no dia a dia, em termos também psíquicos.” Ficou dependente no dia a dia para tudo, incluindo comer, lavar-se, vestir-se, contas e dinheiros. “À data que eu o vi, a capacidade de discernimento era muito pouca”, “zero”. Não sabe se ocorreu um agravamento na situação do autor entre o início de 2016 e outubro de 2016, mas já antes a base já era a de “uma pessoa com funcionamento cognitivo inferior”. Reportando-se ao período de dezembro de 2015 e início de 2016, “a 100% não posso garantir, mas, com grande probabilidade, não tinha capacidade de discernimento”. “A partir do AVC, acho pouco provável “que existissem intervalos em que o autor tivesse juízo crítico. A evolução do processo demencial foi normal, tendo em conta o número de anos passados. Questionada quanto à existência de períodos de lucidez, afirmou que desde o inicio do processo demencial, o doente não tem noção das consequências que os seus atos acarretam. “A partir de 2014 para a frente, a capacidade diminuiu para um nível muito básico de funcionamento”, não conseguindo o autor ter um funcionamento cognitivo normal. É impossível recuperar de um AVC desta natureza com a idade do autor. “Não consigo compreender como é que um notário não terá compreendido isso” [estado do autor], “não entendo”.
A testemunha JMA foi rendeiro do autor desde 1996, de prédio rústico que depois foi formalmente transmitido pelo autor ao 1º Réu. Retrata o autor como uma pessoa muito agarrada ao dinheiro. Em 2017, foi chamado pelo 1º Réu ao escritório deste, tendo o 1º Réu mostrado documento nos termos do qual o autor tinha doado o prédio arrendado ao 1º Réu. Quando saiu do escritório do 1º Réu, foi falar com o autor, que já se encontrava acamado, pedindo-lhe para pagar a renda em duas vezes. Perguntou ao autor “A terra ainda é sua?”, tendo o autor respondido “é, ´é”. Perguntou ao autor se queria vender a terra e ele disse que a vendia por três mil contos. Não teve coragem de dizer ao autor que esse valor era incorreto por muito baixo porque o autor estava doente. Na altura, o autor disse que o terreno era seu. Achou “estranho” que o autor tivesse doado o terreno ao 1º Réu porque o autor era muito agarrado às suas coisas.
FF, filha do autor, prestou declarações de parte nos seguintes termos. O autor foi tendo várias depressões, ao longo da vida, tendo estado internado na casa de saúde em 2001 e 2010. A partir de 2010, o autor não se orientava bem, deixando rendas por receber e tinha dívida de IRS, sendo que antes era uma pessoa muito rigorosa com as suas contas, ao ponto de tirar móveis a inquilinos que não pagavam a renda. Em 2013, o pai pediu-lhe € 70.000 para pagar dívida nas finanças, sendo que a postura do autor era a de que não devia vender nada para pagar essa dívida. A partir de 2010, o autor já não conduzia, o que era feito pelo 2º Réu. Quando o autor teve o AVC, foi visitá-lo sempre ao hospital e, depois, colocou-o na clinica, onde o ia visitar todos os dias e lhe dava o lanche. Cerca de dois meses depois de estar na clínica, colocou o autor no apartamento porque ele queria ir para casa e não estar na clínica. O autor estava muito confuso, “muitas vezes, eu era a mãe dele”, outras vezes ele dizia “a tua mãe devia estar aqui”. Tinha alturas em que ao autor “dizia coisas bem, outras tudo ao contrário”. O autor nunca sabia em que ano estava.  O autor não dizia grandes frases, dizendo mais sim e não. Outras vezes, dizia à filha que o 2º Réu não tinha ido trabalhar, quando a filha acaba de se cruzar com o 2º Réu a sair. Um dia quando chegou ao apartamento, estava a decorrer uma conversa agitada entre o 1º Réu e o autor, em que o 1º Réu dizia “Queres deserdar os teus filhos?”, “não queres deixar tudo ao Mestre A?” e o autor respondeu que sim. Depois, a filha perguntou-lhe “Tu queres deserdar-nos?” e ele respondeu que não. Foi a declarante que encarregou o 2º Réu de estar todos os dias com o autor no apartamento, dando-lhe almoço, bem como encarregou-o de arranjar senhoras para o lavarem, sendo também o 2º Réu encarregue de ir com o autor às consultas médicas. O 2ª Réu ficava o dia todo a acompanhar o autor e a trabalhar. O 2º réu fazia-se pagar pelas rendas que recebia dos prédios do autor. Antes de 2014, só conhecia do 2º Réu como empregado do pai. Em 26.1.2016, recebeu um telefonema do 1º Ré, pedindo-lhe para ir ao escritório. A declarante foi tendo-lhe o 1º Réu dito que era portador de confissão de dívida do autor, sendo que o autor havia revogado a procuração passada à filha, todavia, o 1º Réu disse-lhe que tinha possibilidade de conseguir nova procuração do autor para a filha porque “o seu pai faz o que eu quiser”. Em contrapartida, o 1º Réu queria ficar com o que lhe fora dado pelo autor. Para prestar estas informações à filha do autor, o 1º Réu exigiu-lhe que ela lhe desse dinheiro, indo a declarante levantar € 200 ao multibanco. O autor gostava dos filhos: quando a declarante teve o seu filho, o autor deu-lhe uma casa nova; o autor tinha uma adoração pelo neto, o qual estava frequentemente em casa do autor, antes deste sofrer o AVC; o irmão da declarante esteve preso e o pai foi sempre visitá-lo.  A herança do autor tem uma dívida de € 300.000 às Finanças e outra de € 650.000, a qual está a ser paga pelos herdeiros, faseadamente, com recurso ao pouco património do autor que não foi abrangido pelos negócios em causa nestes autos.
Nas suas palavrosas declarações de parte, o 1º Réu afirmou designadamente o seguinte. Afirma que o autor era o seu principal cliente como advogado, remontando os contactos com o autor a 1994. No que tange aos pagamentos dos seus serviços, afirma que nunca foi uma avença. O autor emprestava-lhe dinheiro e chegou a ser avalista do declarante. O autor “era como um pai para mim”.  “Um filho não pede a um pai honorários”. Às vezes, passava umas faturas, mas “eu não queria abusar dele”. “Se, de repente, precisasse de € 15.000, ele emprestava-mos.”  “Às vezes, fazíamos um acerto de contas e ficava tudo bem.” O autor dizia-lhe “no fim da minha vida, não me vou esquecer de ti”. O autor era conhecido como um banqueiro, emprestado dinheiro a várias pessoas.  Todavia, mais à frente declarou que “ele não emprestava dinheiro a ninguém”. Acha que o autor “nunca perdeu a lucidez”, “claro que ficou um bocado abatido” após o AVC. “Ele não era um homem com aquela rapidez de raciocínio que tinha anteriormente”, mas “não deixava de ser lúcido”. No “cartório notarial estava lúcido que parecia que não tinha nada”. “Havia dias que ele estava mais abatido, mas havia dias que estava muito lúcido”. Afirmou que a testemunha Dr. António Medeiros foi ver o autor várias vezes e, posteriormente, esteve presente no ato do testamento. É que teve a iniciativa de o chamar porque “já sabia que ia acabar assim”, no sentido de que seria proposta uma ação como a presente. Espraiou-se em detalhes pícaros, ao ponto de afirmar que o autor teve o AVC durante um ato sexual com uma senhora que identificou… O autor não se lavava ou vestia sozinho, usando fraldas. O 2º Réu esteve presente na sala aquando da feitura do testamento a seu favor, frisou.  Pagou alguns atos notariais, embora ficassem em nome do autor. O autor doou dois veículos Mercedes ao 2º Réu, sendo que o declarante é que assinou a rogo do autor para se passar o segundo veículo, em 2015, para o 2º Réu. Acha que o primeiro veículo valeria cerca de € 2.000 e o segundo € 15.000.
Posto isto, há que analisar criticamente a prova.
Em primeiro lugar, há que realçar que-  embora a prova pericial realizada na ação de interdição não seja transportável para estes autos na medida em que os Réus não foram aí partes (Artigo 421º, nº1, do Código de Processo Civil) - foi ouvida nestes autos como testemunha a médica psiquiatra que fez tal perícia. Nada obsta a tal inquirição porquanto se trata de processo distinto (cf. Artigos. 115º, nº1, al. h) e 470º, nº1, do Código de Processo Civil).
O depoimento da médica psiquiatra foi particularmente incisivo e claro no que tange à situação clínica do autor, a partir de 2010 até outubro de 2016. É certo que a testemunha só observou o autor uma vez, mas fê-lo com profundidade, com interação com o autor, bem como com análise da documentação clínica disponibilizada pelo tribunal. Esta testemunha foi a única médica psiquiatra a observar o autor, sendo que as testemunhas AMS (médico cirurgião) e AM (medicina interna) afirmaram, expressamente, que a especialidade mais adequada para avaliar da capacidade de discernimento do autor era, precisamente, um médico psiquiatra. E do depoimento da médica psiquiatra resulta que o autor, sobretudo a partir do AVC que sofreu em 2014, ficou muito afetado, perdendo a capacidade de pensamento abstrato, de memória executiva, bem como a capacidade de fazer associação de ideias, sendo uma “uma pessoa com funcionamento cognitivo inferior”. Reportando-se a dezembro de 2015 e início de 2016, período da ocorrência dos atos notariais, afirmou que “a 100% não posso garantir, mas, com grande probabilidade, não tinha capacidade de discernimento”. “A partir do AVC, acho pouco provável “que existissem intervalos em que o autor tivesse juízo crítico.
Este juízo técnico-científico da Dra. RM não se mostra infirmado pela restante prova, muito pelo contrário. O depoimento do Dr. AMS não infirma, desde logo porque teve um contacto muito fugaz com o autor (cerca de meia hora), nem sequer interagindo com o mesmo, sendo certo que a sua especialidade nem é psiquiátrica. O depoimento da Dra. AM também não tem essa virtualidade porque, além de não ter a especialidade adequada, a mesma cessou os seus contactos profissionais com o autor logo em 2014, ano em que o autor teve o AVC.  A circunstância do exame feito pela Dra. RM ter ocorrido em 12 de outubro de 2016, sendo os atos notarias de dezembro de 2015 a 24 de fevereiro de 2016, não diminui a pertinência e consistência do seu depoimento na medida em que o processo demencial é progressivo (RM e AM) e foi acelerado pelo AVC ocorrido em março de 2014, seguido de embolia pulmonar. Entre o AVC e o início dos atos dispositivos decorreram 21 meses e entre o fim de tais atos e a apresentação do relatório pericial decorreram apenas oito meses. Mais: em 14.3.2016, no âmbito da diligência para citação do autor na interdição, foi lavrada certidão negativa com este teor: «No local encontrei o requerido, o qual se encontra acamado paralisado dos mesmo do lado direito. / De seguida, confrontei-o com o conteúdo da petição inicial, tendo o mesmo mostrado muitas dificuldades em fazer a conversão de euros para escudos e vice-versa, relativamente aos montantes em causa nas diversas operações daquela (disse por exemplo que quinhentos mil euros eram cinco mil contos) e, concretamente, em relação à confissão de dívidas, por ele foi dito que as dívidas não são dele, mas sim do EE e de BB para com ele, pelo que não leve a efeito a citação do requerido por o mesmo não estar em condições de a receber” (fls. 135 v.). Note-se que esta diligência é de 14 de março e o último ato dispositivo notarial foi outorgado poucos dias antes, em 24 de fevereiro. Trata-se de um documento autêntico, com o valor de prova plena quanto aos factos atestados com base nas perceções do seu autor, ou seja, que o autor proferiu tais declarações e deu tais respostas – cf. Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pp. 113 e 136; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2020, 2ª ed., Almedina, p. 539. Se dúvidas houvesse, este documento autêntico indica que, com muita proximidade aos atos dispositivos, o autor apresentava uma notória falta de discernimento, não havendo elementos probatórios para afirmar que ocorreu um parêntesis no processo demencial do autor, nos dias de dezembro a fevereiro em que o mesmo foi ao notário outorgar diversos documentos dispositivos.
O juízo técnico-científico emitido pela Dra. RM é também corroborado pelo conhecimento médico-científico consolidado sobre as sequelas do AVC. A título meramente exemplificativo, relevamos os seguintes textos extraídos de site científico e trabalhos académicos:
§ «As consequências dependem da área do cérebro em que ocorreu e da sua extensão, mas existem efeitos comuns, independentemente da área cerebral. O lado esquerdo do cérebro controla o lado direito do corpo, e vice-versa. Quando o AVC ocorre, as complicações neurológicas vão afetar a parte do corpo que esse lado do cérebro comanda, como explica a The Dana Foundation.
– Consequências do AVC no lado esquerdo do cérebro
- Paralisia do lado direito do corpo
- Problemas de discurso
- Perda do controlo emocional e mudanças de humor
- Comportamento mais lento e cauteloso
- Problemas de visão (perda da visão periférica)
- Problemas com a perceção visual
- Disartria (dificuldades na fala)
- Perda de memória
- Mudanças cognitivas (problemas de memória e de bom senso, dificuldade de resolução de problemashttps://www.prevenir.pt/saude/doencas/tudo-o-que-tem-de-saber-sobre-o-avc/
§ «Os AVCs hemorrágicos são, normalmente, caracterizados por maior volume de lesão e maior pressão intracranial do que os AVCs isquémicos, apresentando geralmente lesões cerebrais mais severas (Corraini et al., 2017)» - Cristiana Daniela Neves José, Demência após Acidente Vascular Cerebral, 2018, p. 15.
§ «As funções mais afetadas são a consciência, temperamento e personalidade, resistência ao esforço, tónus e força muscular, memória, atenção, sono, função cognitiva, visão, articulação de palavras, deglutição, disfunção urinária, vesical e sexual, os reflexos, o controle de movimentos involuntários, a mobilidade, equilíbrio e marcha. As atividades mais afetadas são a comunicação e a linguagem, a leitura, escrita e capacidade de cálculo e de resolução de problemas, capacidade de transferir-se, manter a postura corporal, andar, mover-se, auto cuidar da sua higiene, vestir-se, rodar, usar o braço e mão, comer e beber, preparação de refeições, uso de carro, participar em atividades de lazer e fazer o trabalho doméstico. A hemiplegia é o défice mais comum provocado pelo AVC, definida como a paralisia total de um lado do corpo, a par da hemiparesia, que é a perda parcial da força muscular, sendo um destes o sinal mais óbvio e mais frequente de existência de AVC, e o que é mais sensível à obtenção de ganhos com a reabilitação (Ryerson S. e Levit K., 1997)» - Maria Teresa Lima Mendes Julião Barbosa, Custos E Efectividade Da Reabilitação Após Acidente Vascular Cerebral Uma Revisão Sistemática, UC, 2012, p. 20.
§ «Segundo a Organização Mundial de Saúde (2003, p.13 e 14), existem uma série de dificuldades e perdas experimentadas pelas vítimas de AVC, estando estas sujeitas a: • Perda do controle voluntário dos movimentos normais; • Dificuldade para engolir; • Incontinência; • Problemas sensoriais • Problemas psicológicos e emocionaisProblemas de compreensão • Consequências sociais do AVC» - Pedro José Neves Antunes,  Impacto do AVC no estado de Saúde do Indivíduo, 2012, p. 24 (bolds nossos).
Em suma, o conhecimento científico consolida o depoimento prestado pela Dra. RM, sendo certo que o AVC sofrido pelo autor foi hemorrágico, sendo este que tem consequências mais severas, precisamente.
Conforme se refere pertinentemente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.4.2013, Gabriel Catarino, 1565/10:
«(…) ao peticionante da anulabilidade do ato jurídico testamentário, por incapacidade acidental, compete provar que o testador sofria de doença, que no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente. Tratando-se de uma doença que no plano clínico e cientifico está comprovada a degenerescência evolutiva e paulatina das condições de perceção, compreensão, raciocínio, gestão dos atos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstrato e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e fatores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, o peticionante da anulabilidade de um ato jurídico praticado por uma pessoa portador deste quadro patológico apenas estará compelido a provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais» (bold nosso).
Os problemas de discurso, falta de orientação, de discernimento do autor, também resultam evidenciados pelos depoimentos das testemunhas VS, JMA e da filha/declarante FF. O depoimento de MAFSA e as declarações de parte do 1º réu, neste circunspecto, estão solidamente infirmados pela prova acabada de analisar. Em especial, no que tange aos episódios relatados por FF (conversa agitada e chamada do 1º Réu ao seu escritório) bem como por JMA (visita ao autor após ida ao escritório do 1º Réu), tais episódios emprestam particular credibilidade às declarações/depoimentos prestados porquanto assumem as características: quantidade de detalhes, contextualização do relato, descrição de interações, descrição de complicações inesperadas (cf. Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, 2ª ed., 2020, pp. 144.146 e 360-361).
Em relação às declarações de parte do 1º Réu, é de notar que o mesmo ora diz algo, ora diz o seu contrário, como constitui exemplo o facto de relatar que o autor era conhecido como banqueiro para, mais tarde, afirmar que o mesmo não emprestava nada a ninguém. Também afirmou que a testemunha AMS viu várias vezes o autor, quando esta foi taxativa no sentido de que só o viu no cartório notarial, indo ali fazer um favor o 1º Réu… As declarações de parte do 1º Réu devem ser, em grande parte, desconsideradas, demonstrado que está que o 1º Réu nem consegue manter consistência interna nas suas declarações. Acresce que as declarações de parte do 1º Réu foram dominadas por detalhes oportunistas em seu favor (cf. Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, 2ª ed., 2020, pp. 370-371), procurando o 1º Réu, sistematicamente, justificar a respetiva conduta e enaltecer o seu trabalho em prol do autor, ao ponto de relatar diligências que terá efetuado junto de solicitador de execução para anular citação do autor. A centralização das declarações nestes detalhes constitui um preditor de falta de objetividade das declarações.
Noutra linha de argumentação, há que atentar que, consoante resulta da prova produzida, o autor ficou acamado, com paralisia do lado direito, totalmente dependente da assistência de terceiros. Quem privava, diariamente e durante muito tempo (muito mais do que com a filha), com o autor, mesmo alimentando-o, era o 2º Réu, o qual trabalhava para o autor há muitos anos, sendo também motorista do autor desde o AVC. É certo que o 2º Réu atuava juridicamente como empregado do autor e por indicações da filha. Está provado que “60. Os réus eram presença habitual na residência do autor nos últimos dois anos que antecederam a morte deste, acompanhando-o diariamente, conhecendo os seus problemas de saúde”. Do ponto de vista do relacionamento com o autor, este contexto factual (derivado de factos-base carreados pelas testemunhas e da matéria provada) aciona o indício Insídia. Conforme se refere em Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed, p. 244,
«Este indício tem particular acutilância na captação da vontade de formar uma liberalidade ou de formular testamento. Neste contexto, a insídia pode revelar-se por dois tipos de manobras: isolamento da vítima e “agressão suave”. O isolamento facilita a ação do agressor porque coloca a vítima em estado de indefesa e porque modula a vítima para uma resposta que favorece quem aparentemente lhe fornece companhia. Nas palavras de SABATÉ, “A “agressão suave” consiste num latente e prolongado processo estimulatório de conteúdo variado. (…) Estudos psicológicos demonstraram que o acesso à conduta sugerida relaciona-se inversamente com a intensidade do temor que se causava. Um temor de intensidade leve ou moderada produz muitas mais mudanças de comportamento que um temor intenso, sugerindo-se que a razão que explica a ineficácia de um temor muito intenso não é mais do que o facto de que a ansiedade produzida cria uma agressividade face ao emissor, o que conduz à rejeição da mensagem”. [13]
Quem acolhe o futuro testador pode adotar, ao longo de um período prolongado de tempo, um comportamento de suaves pressões psicológicas, de manifestações insinceras de afeto de molde a que aquele o designe como beneficiário.»
Como exemplo da atuação deste indício, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.12.2012, Ana Azeredo Coelho, 18/07, nos termos do qual:
«Perante a situação de uma pessoa de idade, com problemas graves de saúde decorrentes da trombose, que depende exclusivamente no seu bem estar de uma única pessoa, a sua filha, Ré nos autos, que vai criando um isolamento do pai dos restantes afetos familiares, sobretudo das netas, tendo o testador referido, em vida, a sua determinação em que a morte do filho em nada as prejudicasse na herança e considerando ainda que a Ré dominava a vida afetiva e patrimonial de seu pai, que o levou ao cartório notarial para a celebração do testamento, e que este foi testemunhado por pessoas da amizade pessoal da Ré, fica demonstrada a ausência de liberdade a que alude o artigo 2199.º do CC.»
Existe forte similitude com o caso em apreço, sendo que os Réus (mormente o 1º) é que proporcionavam o bem-estar do dia a dia ao autor, quando este estava acamado, tinham a confiança deste, geriam a vida patrimonial do autor ao ponto de o 1º Réu se fazer pagar pelas rendas que recebia diretamente, sendo os réus que levaram o autor ao cartório notarial e escolheram como testemunhas pessoas da sua confiança. Havia um ascendente psicológico dos Réus sobre o autor em função das circunstâncias pessoais do autor. As declarações prestadas pelo autor, em sede de inquérito e no dia 16.6.2016, não são mais do que um episódio desta instrumentalização do autor pelos Réus, da expressão do seu ascendente, frisando o 1º Réu que esteve presente em tais declarações. É de duvidar da bondade de tais declarações quando, já em 24.2.2016, o estado de confusão mental do autor era o acima retratado na certidão de citação. Não deixa de ser curioso que o apelante demonstrou estar ciente do regime do Artigo 421º quanto à prova pericial, mas já se esqueceu do mesmo regime no que tange a estas declarações que, mesmo que fossem genuínas, só poderiam valer como princípio de prova (nº1 do Artigo 421º do Código de Processo Civil).
Por todo o exposto, nada há a alterar aos factos provados sob 28, 36, 46, 47, 54, 55, 56, 61 a 64, sendo de manter o juízo probatório assumido pelo tribunal de 1ª instância, mesmo no que tange ao facto não provado “o autor não queria deixar nada aos seus filhos”.
No que tange ao segmento final do facto 59 (“O 1º Réu representou o Autor, na qualidade de advogado, em diversos processos judiciais, tendo sido pago pelos serviços prestado”), há que considerar o seguinte. Essa factualidade deriva da alegação dos artigos 146º e 147º da petição, sendo que, no artigo 104º da contestação, o 1º Réu se pronunciou nestes termos: «É falso o referido no art. 147º da pi, que se impugna. Com efeito, cumpre referir que o Réu na maioria das vezes não era pago pelo seu trabalho e, outras vezes, recebia muito pouco, pois que o Autor (também seu amigo) sempre lhe dizia que no fim da sua vida não se esqueceria do ora Réu e fazer-lhe-ia, seguramente, através da doação de alguns imóveis, até porque não pretendia deixar absolutamente nada aos seus filhos.»
Ora, na suas declarações de parte, o 1º Réu – conforme recapitulado supra – foi evasivo mas, no que mais interessa, não se assumiu concretamente credor do autor pelo pagamento de honorários porquanto, em primeiro lugar, não apresentou qualquer sequer conta-corrente com saldo favorável a si, não reclamou honorários nem neste processo nem noutro que esteja pendente, afirmando que o autor o beneficiava também de outras formas,  incluindo a prestação de aval, referindo que, de vez em quando, faziam acertos e ficava tudo bem. Ou seja, não resulta das próprias declarações de parte do 1º Réu que este se assuma credor de honorários, sendo que – considerando que o autor era uma pessoa abonada e que as relações entre ambos se prolongaram por muitos anos – resulta das regras da experiência que os serviços do 1º Réu, num contexto dessa natureza, foram pagos. Doutra forma, não se vê como se prolongaria a relação entre ambos.
Assim sendo, nada há a alterar à redação do facto 59.
Das doações dos veículos
Nas conclusões 36ª a 41ª, o apelante insurge-se com o dispositivo da alínea k) da sentença porquanto, no seu entender, da factualidade provada sob 21 e 22 não resulta que o autor tenha disposto gratuitamente dos veículos em causa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, razão pela qual os factos em causa são insuficientes para dar como provada a existência de contrato de doação.
Nos artigos 50º a 53º da petição, alegou o autor:
«50- Embora possa ainda parecer irrisório, já havia sido transmitido e registado em nome do Sr. EE, duas viaturas que eram propriedade do autor, da marca Mercedes.
51. Sendo que a viatura com a matrícula (...) foi registada em nome daquele a 10.7.2015 (…)
52.  E a viatura com a matrícula (...) foi registada a 28.12.2015 (…). Em súmula
53.BB, aqui Autora, dispôs de cerca de nove milhões e duzentos mil euros a favor dos aqui Réus.»
No pedido formulado, o autor peticionou a anulação das «k) Duas doações efetuadas ao Réu EE, referentes a viaturas marca Mercedes, matrícula (...), em 10 de julho de 2015 e (...), em 28 de dezembro de 2015» (fls. 41 v.).
Ora, nos termos do Artigo 940º do Código Civil, a doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente. A doação é um conceito jurídico (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.1.2016, Teresa Pardal, 1486-09). No que tange à cisão entre matéria de facto e de direito, conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2020, 2ª ed., Almedina, p. 29, «Se este [objeto da ação], no todo ou em parte, estiver precisamente dependente do significado real daquelas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito, pois o significado a atribuir-lhe será determinante para o desfecho da causa.» É esse o caso precisamente. Todavia, o autor não alegou a factualidade total atinente à existência de um contrato de doação, sendo o articulado omisso quanto a factos concretos evidenciadores do “espírito de liberalidade”, ficando-se o autor por uma alegação truncada. Trata-se de facto essencial que teria de ser alegado pelo autor, nos termos do artigo 5º, nº1, do Código de Processo Civil, não podendo tal alegação ser suprida pela prova em audiência. Nas suas declarações de parte, o 1º Réu reportou-se a tais registos em nome do 2º Réu como sendo “doações”, confirmando-as, sendo o 1ª Réu que assinou a rogo pelo autor no segundo registo.
Pelas razões aduzidas, deve proceder nesta parte a apelação.
Da ilegitimidade do curador provisório para intentar a ação
Sustenta o apelante que:  o curador provisório necessitava de autorização do tribunal para intentar esta ação; da factualidade provada não resulta a data da nomeação do curador provisório, nem o âmbito da curatela. Razões pelas quais entende  que está por demonstrar a legitimidade do curador para a propositura desta ação.
Sobre esta matéria, pronunciou-se o tribunal a quo nestes termos:
«A presente ação foi instaurada por BB, representado por II, na qualidade de curador provisório nomeado por decisão judicial.
Tendo sido invocada a ilegitimidade do mesmo para propor a presente ação, e por tal se mostrar prejudicial ao conhecimento do mérito da decisão, teremos de iniciar a nossa apreciação por esta questão.
A 07/03/2016 deu entrada ação declarativa especial de inabilitação contra o Autor, dando origem ao processo nº (...), que correu termos no Juízo Local Cível de (...).
No âmbito de tal processo, o Autor foi declarado provisoriamente inabilitado, com anúncio oficial a 15/03/2016, publicado em jornal de âmbito regional nos dias 17 e 18 de março.
Foi nomeado para curador provisório II, seu sobrinho, a quem foi entregue a totalidade da administração do património do Autor.
A nomeação de II como curador provisório fundamentou-se no disposto no artigo 900º, nº1 do Código de Processo Civil (na redação anterior à Lei nº 49/2018, de 14 de agosto), o qual dispunha que em qualquer altura do processo, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento do autor ou do representante do requerido, proferir decisão provisória, nos termos previstos no artigo 142º do Código Civil.
Por seu turno, dispunha o artigo 142º, nº1 do Código Civil, na redação já referida, que em qualquer altura do processo pode ser nomeado um tutor provisório que celebre em nome do interditando, com autorização do tribunal, os autos cujo adiamento possa causar-lhe prejuízo, acrescentando o nº2 de tal artigo que pode também ser decretada a interdição provisória, se houver necessidade urgente de providenciar quanto à pessoa e bens do interditando.
Assim, e tendo o 1º Réu intentado ação executiva contra o interditando, para pagamento da quantia expressa na confissão de dívida celebrado em benefício daquele, e que serve de título executivo, temos a urgência na instauração da presente ação justificada. Aliás, tal urgência justificou-se ainda pelo teor das procurações passadas a favor dos Réus, pelas quais aqueles poderiam dar o pouco património que restou ao Autor após as escrituras de doação.
Pelo exposto, e tendo o curador provisório legitimidade para intentar ações cuja demora possa causar prejuízo [artigo 1938º, nº1, alínea e) do Código de Processo Civil por remissão do artigo 139º do Código Civil], o que no presente caso era iminente, teremos de concluir pela legitimidade do curador provisório em instaurar a presente ação.
No entanto, e mesmo que assim não se entendesse, há que ter em atenção que, por sentença transitada em julgado, os filhos do Autor foram habilitados para prosseguirem a presente ação, em substituição daquele, tendo sido junta a respetiva procuração forense (fls. 280 a 281), pelo que, ao admitir-se qualquer ilegitimidade, há muito que se mostraria sanada.»
Afigura-se-nos que não merece reparo a fundamentação adotada pelo tribunal a quo.
Esta ação foi intentada em 14.12.2016.
Em 14.3.2016, foi lavrada a já referida certidão negativa de citação do autor, no âmbito da ação de interdição. Nos termos do 894º do Código de Processo Civil (na redação então vigente), cabia ao juiz designar de imediato curador provisório.
Em 10.5.2016, foi proferido despacho no referido processo em que se dá conta que já foi determinada a inabilitação provisória de BB, tendo sido nomeado como curador provisório o seu sobrinho, II, mencionando-se que tal nomeação precedeu a diligência de citação de 14.3.2016 (fls. 136-137), sendo que o 1º Réu não deduziu qualquer impugnação específica contra tais documentos.
Nos termos do Artigo 1938º, nº1, al. e), do Código Civil, o tutor necessita da autorização do tribunal para intentar ações, salvas as destinadas à cobrança de prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo.
Num contexto (reportado a 14.12.2016) em que o 1º Réu já havia intentado ação executiva contra o autor (36) e em que réus eram portadores de procurações irrevogáveis, desde 24.2.2016, dando-lhes poderes para dispor, como entendessem do património do autor, é manifesto que a  demora na propositura desta ação seria idónea a causar prejuízo ao autor, estando dispensada a autorização do tribunal.
Desta factualidade emerge que a nomeação do curador provisório data, inequivocamente, de período anterior à propositura da ação. No que tange ao “âmbito da curatela”, caberia ao 1ª Réu fazer a prova dos factos modificativos ou impeditivos do direito do autor (art. 342º, nº2, do Código Civil), ou seja, caber-lhe-ia demonstrar que os poderes do curador provisório foram objeto de restrição, inicial ou subsequente, o que não logrou fazer. Na ausência dessa prova específica,  e estando provado que foi entregue ao curador provisório a totalidade da administração dos bens do autor (28), nada impedia o curador provisório de intentar esta ação, como o fez.
Da existência da incapacidade acidental (conclusões 23ª a 28ª, 31ª)
Argui o apelante que esta ação visa a anulação de doze negócios jurídicos, celebrados pelo autor em sete momentos temporais distintos, não estando demonstrado que, nos dias 10.7.2015, 18.12.2015, 28.12.2015, 5.1.2016, 8.1.2016 e 3.2.2016, o autor não se encontrava lúcido nesses concretos dias, não estando – assim – demonstrado a incapacidade por referência a cada uma dessas datas. Razão pela qual entende que não podem ser anulados estes negócios, designadamene o testamento e as doações outorgadas pelo autor.
No que tange à incapacidade acidental, o tribunal a quo fundamentou a decisão nestes termos:
«Assim, e tendo o Autor sido declarado provisoriamente inabilitado, com anúncio oficial a 15/03/2016, publicado em jornal de âmbito regional nos dias 17 e 18 de março, e tendo os negócios jurídicos sido praticados nos três meses anteriores a tal data, estamos perante a terceira hipótese, pelo que há que atender ao regime da incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257º do Código Civil.
Dispõe o artigo 257º, nº1 do Código Civil que a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o fato seja notório ou conhecido do declaratário. Acrescenta o nº2 de tal artigo que o fato é notório quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.
O Código Civil prevê e regula a incapacidade acidental, não na sede legal das incapacidades (artigos 122º e seguintes), mas sim em sede de falta e vícios da vontade (artigos 240º e seguintes), considerando o fato de a incapacidade acidental não se tratar de uma afetação permanente do declarante, mas antes de um desvio no processo formativo da sua vontade, em relação à sua normal conduta e perceção do mundo.
A incapacidade acidental exige, assim, para a anulabilidade do ato, que, no momento da prática do ato, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; e que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário), assim se tutelando a boa-fé deste último e a segurança jurídica (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Ed., Coimbra, p. 454/455). Não bastará demonstrar um estado habitual de insanidade de espírito na época do negócio, tornando-se antes necessário provar a existência de uma perturbação psíquica no momento em que a declaração de vontade foi emitida.
Ainda a este propósito, escreveu Castro Mendes que do artigo 257º do Código Civil resulta que o ato é anulável se a incapacidade era notória – no sentido de manifesta a uma pessoa de normal inteligência – ou conhecida da outra parte. Se a contraparte não conhecia a incapacidade nem se devia ter apercebido dela, o ato é válido... Se um maior demente, não interditado nem inabilitado, vende um objeto a outra pessoa, há que ver se ele no momento do ato estava lúcido ou não. Se estava, o ato é válido; se não estava: a) ou o comprador sabia que o vendedor não estava lúcido, ou, então, dever-se-ia ter apercebido dessa circunstância e, nestes dois casos, o ato é anulável; b) ou o comprador não sabia nem tinha que saber que o vendedor não estava lúcido e, então, o ato é válido. A anulabilidade está sujeita às regras gerais do artigo 287º (Teoria Geral de Direito Civil, Vol. I, Coimbra, 1978, pg. 341/359).
Por último, e no que tange ao regime da anulabilidade, há que lançar mão do disposto no artigo 287º e seguintes do Código Civil, ou seja, terá legitimidade para requerer a anulação do ato a pessoa que se encontrava em situação de incapacidade ou, caso o haja, o seu representante legal, o que poderá ser feito no prazo de um ano a contar da cessação da incapacidade, se o negócio já tiver sido cumprido, ou, na hipótese contrária, invocada a todo o tempo, por via de ação ou de exceção.
Revertendo ao caso em análise, inexistem dúvidas que o Autor, no momento da prática do ato, mostrava-se incapaz de entender o sentido da declaração negocial, faltando-lhe ainda o livre exercício da vontade, tendo resultado ainda provado que os Réus conheciam o estado de saúde, físico e psíquico, do Autor, sabiam que o mesmo não apresentava a capacidade necessária para querer e entender os negócios que o convenceram a celebrar e estavam cientes da ascendência que exerciam sobre este, aproveitando-se da sua vulnerabilidade em proveito próprio.
Assim, no quadro factual provado, e de acordo com critérios de perceção do homem médio uma pessoa de normal diligência a que se reporta o nº 2 do artigo 257º do Código Civil, concluímos que a incapacidade era conhecida dos Réus, pelo que as declarações negociais são anuláveis.»
A argumentação adotada pelo Tribunal a quo é clara, consistente e corretamente fundamentada, não merecendo reparo, nem justificando desenvolvimentos adicionais por serem tautológicos, sem prejuízo do que segue.
A objeção levantada pela apelante, exigindo uma prova da incapacidade reportada expressamente a data ato dispositivo, não colhe.
Conforme se refere pertinentemente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.4.2013, Gabriel Catarino, 1565/10 (já citado supra):
«(…) ao peticionante da anulabilidade do ato jurídico testamentário, por incapacidade acidental, compete provar que o testador sofria de doença, que no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente. Tratando-se de uma doença que no plano clínico e cientifico está comprovada a degenerescência evolutiva e paulatina das condições de perceção, compreensão, raciocínio, gestão dos atos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstrato e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e fatores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, o peticionante da anulabilidade de um ato jurídico praticado por uma pessoa portador deste quadro patológico apenas estará compelido a provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais» (bold nosso).
Em sentido confluente, com recensão de doutrina e jurisprudência, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9.4.2019, Margarida Sousa, 1146/17, www.colectaneadejurisprudencia.com, de que extratamos estes passos:
«Mediante o recurso à mencionada regra id quod plerum accidit se decidiu, no Acórdão do STJ, de 05.07.2001, relatado por Garcia Marques (CJ, Ano IX, Tomo II, páginas 151 a 164), no sentido de que, sendo certo que "a permanência da situação de incapacidade não é incompatível com a existência de intervalos lúcidos por parte da pessoa demente", cabe "ao interessado na manutenção do acto jurídico em causa a prova dessa lucidez aquando da realização do acordo".
Fê-lo, citando em seu apoio o Prof. Galvão Teles (R.T., ano 72, página 268): "Provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez".
(…)
Igual orientação se encontra no Acórdão do STJ de 24.05.2011 (Relator Marques Pereira), assim sumariado:
"IV- Se, à data do testamento, o testador sofria de esquizofrenia paranóide, em contínua actividade e progressão, tendo entrado numa fase crónica e irreversível, encontrando-se num verdadeiro estado de demência paranóide, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquele se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária;
V-Naquela hipótese, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do testamento, apesar da esquizofrenia paranóide de que sofria, o testador não foi influenciado pelo concreto estado demencial em que se encontrava."
E no Acórdão da RC de 30.6.2015 (Relator Jaime Ferreira) :
"IV - Provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando - testamento -, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.
V - Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez.
VI - No entanto, sempre recai sobre o interessado na anulação o ónus de alegar e provar o estado de doença em período que abrange o acto anulado e que essa doença pela sua natureza e características impede o testador de entender o sentido da sua declaração ou o livre exercício da sua vontade.
Por último, baseando-se em todos os referidos arestos, o Acórdão desta Relação de 04.10.2017 (Relator Pedro Damião da Cunha), onde, perante uma situação em que a testadora padecia de doença de alzheimer com anterioridade ao período abrangente do testamento, se ponderou "bem se poderia afirmar, com recurso à máxima "id quod plerum accidit", que aquele estado de demência se manteve sem interrupções daí por diante, passando por sua vez à ré ilidir esta presunção natural, demonstrando em juízo que o testamento foi outorgado num intervalo de lucidez", acabando por, também ali, se concluir que "nestes casos, provando-se a referida situação de demência, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do mesmo, apesar da referida doença de que sofria, a testadora não foi influenciada pelo concreto estado demencial em que se encontrava".»
Em sentido confluente, pronunciou-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.3.2019, Acácio Neves, 3637/16, www.colectaneadejurisprudencia.com:
«I - O ónus da prova da incapacidade do testador no momento da outorga do testamento recai, por regra, sobre o autor, que invoca tal incapacidade e decorrente efeito invalidante (art. 342.º, n.º 1, do CCiv.).
II - Porém, apresentando o testador, aquando da outorga do testamento, um estado de doença tal (medicamente comprovado) que, em condições de normalidade, era susceptível de afectar as suas capacidades ao nível da consciência, incumbe ao beneficiário do testamento (réu) a prova de que, apesar daquele estado, o testador outorgou num período lúcido e consciente.
III - Não tendo o beneficiário logrado fazer tal prova, deve ter-se como verificado o fundamento de anulação a que alude o art. 2199.º do CCiv..»
De igual modo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019, Graça Trigo, 1146/17, entendeu-se que «Ao entender que aos autores cabia fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado (a incapacidade do testador no ato de testar) e à ré cabia fazer a prova dos factos extintivos do direito invocado (encontrar-se o testador, no momento da outorga do testamento, num “intervalo lúcido” do seu estado de demência), respeitou a Relação os princípios normativos relativos à distribuição do ónus da prova consagrados no art. 342º, nºs 1 e 2, do CC».
Em suma, padecendo o autor de demência (factos 39 a 42), agravada pela ocorrência de um AVC em março de 2014, sendo que tais patologias se agravam com o decurso do tempo (cf. supra), está feita prova suficiente do quadro de incapacidade mental do autor para fazer os atos de dispostição a favor dos Réus entre dezembro de 2015 e fevereiro de 2016, cabendo aos réus fazer prova de que os concretos atos dispositivos ocorreram num intervalo de lucidez do autor, prova essa que não lograram fazer.
A circunstância de alguns atos em causa terem sido outorgado em documento autêntico com intervenção notarial, em nada bule com o que fica dito. Conforme se refere em Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, p. 138, «A força probatória pelna do documento autêntico não abrange a veracidade e/ou sinceridade das declaraçoes prestads perante a autoridade documentadora nem demonstra a inexistência de víciso de vontade. Dito de outra forma, o documento autêntico não prova a veracidade das declarações dos outorgantes, mas apenas que elas foram feitas. As declaraçoes incorporadas no documento autêntico podem, nos termos gerais, estar inquinadas por vícios do consentimento, ser simuladas, ou estar afetadas por circunstâncias que se reflitam na sua eficácia jurídica.»
Da conduta do Sr. Notário
No final da sentença a quo, o Mmo Juiz determinou que: «Após trânsito, e atenta a anulação dos negócios jurídicos outorgados sempre no mesmo cartório notarial, remeta-se certidão da presente sentença a tal cartório, bem como à Ordem dos Notários, para averiguação de eventual ilícito disciplinar
Tendo em consideração que é requerida a revogação da sentença impugnada, justifica-se que se aprecie esta questão.
Nos termos do Artigo 67º, nº4, do Código do Notariado, «Podem intervir nos atos peritos médicos para abonarem a sanidade mental dos outorgantes, a pedido destes ou do notário.» Por sua vez, o Artigo 11º, nº2, al. b), do Estatuto do Notariado, dispôe que: «O notário deve recusar a prática de atos: b) Sempre que tenha dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais dos participantes, salvo se no ato intervierem, a seu pedido ou a instância dos outorgantes, dois peritos médicos que, sob juramento ou compromisso de honra, abonem a sanidade mental daqueles
Ora, consoante resulta dos factos provados e da análise da prova efetuada supra, nos dias 18.12.2015, 5.1.2016, 8.1.2016, 3.2.2016 e 24.2.2016, o autor compareceu no Cartório Notarial sempre em cadeira de rodas, paralisado do lado direito, com dificuldades na fala, sempre acompanhado dos Réus, outorgando em vários atos que tiveram sempre como beneficiários os Réus. O Sr. Notário, no âmbito do seu depoimento, foi o próprio a afirmar que, várias vezes, achei que não seria uma coisa natural o tipo de escritura que estava a ser feita”, razão pela qual perguntou ao autor – perante essa anormalidade em termos de conteúdo, sobretudo pelos valores elevados (v.g., reconhecimento de dívida de quatro milhões de euros – facto 16) – se era aquela a sua vontade, tendo o autor sempre respondido que “sim”. “Achei estranho”, mas a resposta era sempre a mesma. Mais à frente no seu depoimento, afirmou que ficou surpreendido quando leu alguns dos atos, mas a resposta do autor era sempre a mesma.  O autor expressava-se bem, mas “notava-se que tinha alguma dificuldade”. Não posso responder em termos clínicos” qual era a situação do autor, afirmou o Sr. Notário.
Neste contexto, cabe perguntar se o Sr. Notário cumpriu, devidamente, os seus deveres profissionais à luz do quadro factual repetido, das dúvidas do próprio e do regime legal acima enunciado.
Caberá à Ordem dos Notários fazer essa aferição e daí retirar ilações.
Custas
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
Considerando o valor da ação (€ 9.200.000 – fls. 297), e atento o escasso valor do vencimento do apelante (valor dos dois Mercedes, que o próprio 1º Réus estimou como valendo € 17.000), o decaimento do apelante é de 99,8% e o dos apelados é de 0,20%.
Nos termos do Artigo 6º, nº7, do Regulamento das Custas Processuais, “Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerando na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta das partes, dispensar o pagamento”.
O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 421/2013 de 15.7.2013, Fernandes Cadilha, pronunciou-se no sentido de que: são “inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”.
Atualmente, os parâmetros aferidores da complexidade das ações estão consignados no Artigo 530º, nº7, do Código de Processo Civil, segundo o qual se consideram de especial complexidade as ações que: contenham articulados ou alegações prolixas; digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Considerando que o julgamento deste recurso não excedeu a dificuldade mediana, não englobou a análise de questões jurídicas complexas, sendo o número de testemunhas ouvidas normal, haverá que dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida (incluindo a remessa de certidão à Ordem dos Notários), com ressalva apenas da alínea k) do dispositivo que é revogada.
Custas pelo apelante e pelos apelados, na vertente de custas de parte, na proporção de 99,8% para o apelante e de 0,20% para os apelados, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 10.11.2020
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14.
[3] No mesmo sentido, vejam-se Acórdão da Relação de Coimbra de 14.4.93, Ruy Varela, BMJ nº 426, p. 541, Acórdão da Relação do Porto de 6.1.94, António Velho, CJ 1994- I, p. 197, Acórdão da Relação de Évora de 22.5.97, Laura Leonardo, CJ 1997-II, p. 266, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2004, Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj , RODRIGUES BASTOS,  Notas ao Código de Processo Civil  , III Vol., LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil  Anotado, II Vol., 2001, p. 669.
[4] No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.5.2015, Granja da Fonseca, 460/11, de 10.5.2016, João Camilo, 852/13, de 20.11.2019, Oliveira Abreu, 62/07, de 9.9.2020, Júlio Gomes, 1533.17, ECLI.
[5] Luís Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, p. 116.
[6] Cf. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160.
[7] Acórdão da Relação do Porto de 2.5.2016, Correia Pinto, 1556/14.
[8] Cf., entre outros, os Acórdãos do STJ de 8.3.2001, Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.jstj/pt, de 5.5.2020, Maria João Vaz Tomé, 4011/16.
[9] Cf. também os Acórdãos do STJ de 6.1.2020, Bernardo Domingos, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:189.18.2.T8GRD.C1.S1/, de 7.7.94, Miranda Gusmão, BMJ nº 439, p. 526 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 161, da Relação de Lisboa de 10.2.2004, Ana Grácio, CJ 2004 – I, p. 105, de 4.10.2007, Fernanda Isabel Pereira, de 6.3.2012, Ana Resende, 6509/05, acessíveis em www.dgsi.pt/jtrl.
[10] Acórdão do TCAS de 16.1.2020, Sofia David, 615/15.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.12.2005, Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt/jstj
[12] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.4.2015, Ondina Alves, 185/14.
[1 ] muñoz sabaté,Tratado de Probática Judicial, La Prueba del Hecho Psíquico, Tomo I, Bosch, Barcelona, 1992, p. 278.