Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2018/07.3TBBRR-A.L2-6
Relator: EDUARDO PETERSON SILVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
PENSÃO DE ALIMENTOS
MÁ-FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - A rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se confunde com a irrecorribilidade.      
II - Não deve proceder-se à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto quando inútil para a decisão da causa.
III - A fixação, acordada entre os progenitores e anteriormente homologada, de pensão alimentar de base variável em função da própria variabilidade e incerteza de despesas médicas e medicamentosas apresenta-se em conformidade com o artigo 2005º do Código Civil e serve o superior interesse do menor, não devendo ser alterada oficiosamente pelo tribunal.
IV - Não cabe também ao tribunal alterar o factor de actualização anual acordado entre os progenitores, quando estes não hajam suscitado a questão e quando não se evidencie que o factor em vigor não seja suficiente para compensar a erosão da pensão.
V. Litiga de má-fé, violando o dever geral de probidade e economia e portanto de parcimónia na utilização dos recursos da organização do sistema de justiça pública, o progenitor que requer a diminuição da pensão a que está obrigado omitindo elementos de facto relevantes que desmentem a situação económica deficitária que alega para obter a alteração da pensão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Em 28.5.2013, C… veio requerer, por apenso ao processo n.º 2018/07.3TBBRR, de regulação das responsabilidades parentais do menor M…,, nascido em 22 de Janeiro de 2005, e contra a respectiva progenitora, S…, um pedido de alteração da regulação exclusivamente quanto ao valor da pensão de alimentos, inicialmente fixada em €275,00 e actualizável anualmente na proporção de 2,5%, e quanto ao ponto 2 segundo o qual “O pai pagará metade despesas médicas e medicamentosas que a mãe venha a efectuar, mediante a entrega de documentos comprovativos, devendo o pai proceder ao pagamento no prazo de 30 dias após a entrega do respectivo comprovativo”.
Sustentou o requerente, muito sinteticamente, que as despesas do menor diminuíram, em concreto porque já não frequenta nem precisa frequentar infantário particular com um custo de €250,00 mensais, frequentando antes o ensino básico com um custo de €59,30 mensais - apesar da requerida o ter voltado a inscrever em infantário ao custo mencionado – e porque a situação económica do requerente sofreu uma “enorme alteração e abalo” já que a sua actividade profissional se insere na área da construção civil, usufruindo como seguro apenas o vencimento que recebe na empresa que detém, no valor de €550,00, valor este com o qual tem de fazer face a todas as suas despesas, e ainda foi posteriormente pai de uma menina à qual ficou obrigado a pagar pensão de alimentos no valor de €150,00 mensais.
Citada, a requerida, e muito em síntese, invocou que as despesas do menor não diminuíram, que não inscreveu de novo o menor num infantário mas sim num ATL para cobrir o período da tarde, e particular porque o oficial não apresentava condições de segurança. Mais invocou que a situação económica do requerente não é a que foi alegada, sendo este pelo contrário dono de várias empresas, tendo realizado os respectivos capitais sociais, simultaneamente construiu a sua própria casa – uma moradia com piscina – é herdeiro de sua mãe relativamente a vários prédios, é dono de automóveis, e foi dono de vários que foram entretanto colocados em nome das suas empresas, e que nunca pagou despesas médicas nem medicamentosas. Mais discriminou a requerida os seus próprios rendimentos e despesas, concretamente, assim respondendo a alegações vagas do requerente sobre a sua boa situação económica.
Concluiu pelo arquivamento da pretensão deduzida, e, considerando as alegações do requerente sobre a sua própria situação económica, que são falsas, o que o mesmo bem sabe, requereu a sua condenação como litigante de má-fé, em multa e em indemnização, liquidando esta no valor de €877,29, correspondente a €317,29 de despesas com certidões e documentação que teve de solicitar para responder ao requerimento inicial, e o restante ao tempo de trabalho despendido, calculado pelo valor hora do seu trabalho como advogada, em causa própria.
Frustrada a conferência de pais realizada em 7.4.2014, foram requerente e requerida notificados para alegarem. O requerido alegou insistindo pela alteração superveniente, quer de diminuição das despesas do menor, quer de diminuição dos seus rendimentos, e aqui concretamente negando que tenha realizado o capital social das empresas com recurso a meios próprios, invocando ainda que muito trabalho e sacrifício construiu a sua casa como investimento para poder oferecer ao filho um lar condigno, invocou que nada recebeu por herança por inviabilidade de seu pai para a partilha. Concretizou melhor as suas despesas mensais (artigos 31º e 32º), insiste nos meios de melhor situação económica da requerida e invoca alternativas menos dispendiosas relativamente a ATL, e conclui que, realizada audiência de julgamento, pela “eliminação do ponto 2 do acordo celebrado” e pela “redução do valor dos alimentos a prestar pelo Rte. constante do ponto 8 do referido acordo, para o montante de €150,00 (…) mensais”. A requerida alegou renovando os termos da sua contestação. 
Os autos seguiram em instrução documental profusa, sustentando a requerida, por requerimento de 9.4.2015, a necessidade de uma perícia às contabilidades das sociedades detidas pelo requerente, para determinação da imputação de custos pessoais deste naquelas contabilidades, assim aumentando as despesas das sociedades e diminuindo os encargos pessoais dos sócios/trabalhadores.
O requerente respondeu requerendo do mesmo modo. (fls 434 e seguintes).
Iniciada a audiência de discussão e julgamento em 12.5.2015, o tribunal deferiu à perícia requerida pela requerida.
Seguiu-se a nomeação de perito, com compromisso de honra e início de diligência em 18.4.2016, que nada tendo realizado nem tendo respondido aos pedidos de informação do tribunal, veio a ser substituído por despacho de 19.1.2017, seguindo-se a indicação de mais peritos que acabaram por não exercer funções, e finalmente foi nomeado perito que concluiu e apresentou o relatório pericial singular, em 1.9.2017.
Por requerimento de 2.3.2018, a requerida ampliou o pedido de condenação do requerente como litigante de má-fé, pelo valor de €20,00 relativo a duas certidões que teve de custear – passando o valor da indemnização a ser de €897,29 – e invocando ainda para fundamentar a litigância de má-fé por falsidade das afirmações do requerente e deliberada omissão de factos relevantes, designadamente porque à data de entrada do requerimento inicial o requerente não vivia sozinho, mas com a mãe da sua filha e portanto não lhe pagava pensão de alimentos, e porque o requerente/suas empresas não se encontravam em dificuldades.
Prosseguiu então a audiência de julgamento, em 19.3.2018, com declarações do requerente e da requerida, e produção de prova testemunhal, gravadas, com continuação no dia 5.4.2018, tendo a final sido decidido ordenar-se uma verificação judicial não qualificada da casa de habitação do requerente, cujo relatório pericial foi junto aos autos, vindo a audiência a concluir-se em 20.9.2018,com as alegações das partes.
Seguidamente foi proferida sentença, da qual foi interposto recurso, sendo que por acórdão 11.04.2019 foi decidido “Anular a sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra a proferir no Tribunal a quo que, além do mais, aprecie o pedido de condenação do Apelado como litigante de má-fé formulado nos autos pela Apelante.
Ordenada, no tribunal recorrido, a notificação das partes e do MP para se pronunciarem e pronunciando-se, veio então a ser proferida nova sentença de cuja parte dispositiva consta:
Em face de todo o exposto, e nos termos conjugados dos artigos 1905.º e 1906.º, ambos do Código Civil e 40.º e 42.º, ambos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, decido alterar o regime de exercício das responsabilidades parentais relativo ao menor M… nos seguintes termos:
1.ª - O valor da pensão de alimentos passa a ser objecto de actualização anualmente, de acordo com a variação positiva do índice de preços no consumidor (total geral) ocorrido no ano anterior, verificando-se a próxima actualização em Outubro de 2019;
2.ª - É eliminada a cláusula relativa à pensão de alimentos de base variável (divisão das despesas médicas e medicamentosas).
Não se vislumbram indícios seguros de litigância de má fé por parte do requerente ou da requerida.
Vencidos ambos nas pretensões formuladas, são devidas custas, em partes iguais, a cargo do requerente e da requerida a que acrescem os respectivos encargos (artigos 537.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Valor da causa: trinta mil euros e um cêntimo (artigos 303.º, n.º 1 e 306.º, ambos do citado Código).
Registe e notifique, sendo o requerente nos termos e para os efeitos do artigo 15.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais”.
Inconformada, a progenitora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais deduzido pelo requerente e por este limitado ao montante da prestação de alimentos de base fixa e variável.
II. O requerente, na petição inicial, requereu a alteração da prestação de alimentos fixada em sede de acordo, homologado por sentença, em 7 de Maio de 2009.
III. Para tanto, alegou em concreto o recorrido, na respectiva petição inicial, de entre inúmeras generalidades e inverdades, que:
a) Se via forçado a recorrer à ajuda familiar para cumprir as suas obrigações;
b) Auferia um salário de € 550,00 mensais com os quais tinha de fazer face a todas as suas despesas [cf. artigo 24.º];
c) Que pagava € 150,00 mensais de pensão de alimentos à filha menor Maria Inês Lucas Silva, dado não coabitar com a respectiva progenitora – Vera Isabel Correia Lucas [cf. artigo 25.º da PI]
d) Que a requerente tinha, além da sua habitação, outro apartamento do qual recebia uma renda cujo montante mensal se desconhecia [cf. artigo 30.º da PI]
IV. A 2 de Maio de 2014, o recorrido apresentou as suas alegações que, na essência, mais não são do que uma vã tentativa de vexar e humilhar a recorrente.
V. Porquanto, e no que tange aos factos que consubstanciariam a alteração de circunstâncias supervenientes que justificava a necessidade de alteração da prestação de alimentos ao filho menor, reduzem-se a:
a) O requerente tem neste momento como única fonte de rendimento relativamente segura o produto do seu vencimento mensal, que ascende a €550.00, com o que tem de fazer face a todas as suas despesas [cf. artigo 23.º das alegações do requerente];
b) A este valor acrescem regularmente os subsídios de férias e de natal [cf. artigo 24.º das alegações do requerente];
c) Pagamento de prestação de alimentos à filha I… [cf. artigo 31.º das alegações do requerido].
VI. Desde logo, nas alegações, o recorrido vem contradizer-se pois afirma ganhar € 550,00 mensais e a soma das despesas relacionadas no artigo 31.º das alegações ascende a € 974,17 mensais, a que acresce a média mensal de € 666,55 relativos à soma das despesas elencadas no artigo 32.º das alegações, num total mensal de € 1.640,82.
VII. Uma das primeiras falsidades que o recorrido trouxe aos autos foi a de que não coabitava com V…, mãe da sua filha menor I…, e por essa razão pagava a esta uma pensão de alimentos de € 150,00 mensais.
VIII. Tanto assim que o douto tribunal a quo deu como provado que o recorrido vive com a companheira (…) e a filha I… numa casa própria, construída por si (…) – cf. n.º 9 dos factos provados.
IX. Todavia, por relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa [mormente quanto ao pedido de condenação do recorrido como litigante de má-fé], o douto tribunal a quo deveria ter dado como provado que o recorrido vive com a companheira (…) e a filha I… desde, pelo menos, Abril do ano de 2013.
X. Pois é o que resulta da prova produzida em audiência de julgamento, quer das declarações do recorrido [depoimento registado no sistema integrado de gravação digital com a referência 20180319100539_896967_2871167, dos 7m45s aos 9m e dos 23m30s aos 25m30s] quer das declarações da testemunha P… [depoimento registado no sistema integrado de gravação digital com a referência 20180319115700_896967_2871167, dos 18m20s aos 20m30s].
XI. Assim como os documentos juntos pelo recorrido a fls. 391 e 392 permitem dar como provado que o recorrido só pagou prestação de alimentos à filha I… em Janeiro de 2013 [fls. 391 os talões estão duplicados], Fevereiro de 2013 e Março de 2013 [fls. 392 os talões estão duplicados], o que permite concluir que a partir desse momento reatou a vida em comum com a companheira e a filha menor.
XII. Termos em que o facto provado sob o n.º 9 deve ser alterado passando a ter a seguinte redacção “9 – Vive com a companheira (…) e a filha I…, pelo menos desde Abril de 2013, numa casa própria, construída por si, onde funciona igualmente a sede das empresas de que é sócio-gerente.”
XIII. Igualmente relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, designadamente para efeitos do pedido de condenação por litigância de má-fé, são os rendimentos de capitais auferidos pelo recorrido.
XIV. Do teor da declaração de rendimentos do recorrido referente ao ano de 2014, a fls. 467 a 471, resulta que este auferiu, nesse ano, € 10.000,00 a título de rendimentos de capitais.
XV. Do depoimento da testemunha F…, sócio do recorrido na sociedade K… Lda, resulta que todos os sócios, incluindo o recorrido receberam lucros no valor de € 10.000,00 no ano de 2017 e de € 22.500,00 no ano de 2016, afirmando, sem margem para dúvidas que este valor era para cada um dos sócios e pago em cheque [depoimento registado no sistema integrado de gravação digital com a referência 20180319105931_896967_2871167, dos 26m aos 29m], pese embora o recorrido tenha afirmado que esta sociedade distribuía lucros muito baixos [depoimento registado no sistema integrado de gravação digital com a referência 20180319100539_896967_2871167, dos 13m10s aos 13m 36s].
XVI. O recorrido ainda tentou justificar que tais rendimentos de capitais eram integralmente canalizados para pagamento de dívida à sociedade K…Lda, da qual é sócio, por conta da aquisição de materiais de construção, que necessariamente implicaria a conclusão de que a actividade do recorrido não se encontra em crise pois as quantias recebidas a título de rendimentos de capital são elevadas.
XVII. Sucede que a testemunha F… [também ele sócio da empresa K…] explicou que, em rigor, o recorrido tem, junto da aludida firma, uma conta-corrente, ou seja, adquire materiais cujo pagamento é efectuado quando vai adquirir outros materiais [depoimento registado no sistema integrado de gravação digital com a referência 20180319105931_896967_2871167, dos 14m aos 14m50S].
XVIII. Donde, impõem-se a alteração da matéria de facto provada sob os números 26 e 28, acrescentando-se aos rendimentos aí elencados os rendimentos de capitais referentes ao ano de 2014, no valor de €10.000,00, e ao ano de 2016 no valor de € 22.500,00.
XIX. Impõe-se, ainda, aditar à matéria de facto provada os rendimentos de capitais auferidos pelo requerido no ano de 2013, no valor de €6.000 [cf. fls. 395 a 399] e 2017, no valor de € 10.000,00, o que resulta do depoimento da testemunha Francisco Mão de Ferro.
XX. Por relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa deveria o tribunal a quo ter dado como provado que a habitação do recorrido não tem quaisquer ónus ou encargos [[depoimento registado no sistema integrado de gravação digital com a referência 20180319100539_896967_2871167, dos 7m05s aos 7m16s], pelo que se requer o aditamento deste facto à matéria de facto provada.
XXI. O apelado intentou a presente acção alegando, de modo sintético, que após o acordo de regulação das responsabilidades parentais a sua situação económica se alterou, auferindo um salário mensal de € 550,00, vivendo sozinho e tendo de pagar prestação de alimentos a uma outra filha, entretanto, nascida e que as necessidades do filho menor, em comum com a requerida, tinham diminuído – cf. PI e alegações do requerente a fls. ___.
XXII. Em consequência, pediu o requerente que se eliminasse a cláusula relativa à comparticipação nas despesas médicas e medicamentosas e que se fixasse a prestação de alimentos mensal a favor do menor em € 150,00.
XXIII. O requerente não logrou provar os factos por si alegados; ao invés, resultou provado o inverso [cf. matéria de facto provada e § 24, 25 e 26 da fundamentação].
XXIV. Concluindo o douto tribunal a quo pela inexistência de prova sobre as circunstâncias supervenientes que justificassem a alteração peticionada [cf. § 28 da fundamentação],
XXV. Não obstante, o douto tribunal a quo, em sede de decisão alterou o acordo alcançado por entre a recorrente e a recorrida e eliminou a cláusula relativa à repartição das despesas médicas e medicamentosas, tal como peticionado pelo requerido.
XXVI. E alterou o mesmo acordo, procedendo à alteração do critério de actualização da prestação de alimentos, cuja alteração não foi requerida por nenhuma das partes.
XXVII. A decisão com recurso a critérios de conveniência e oportunidade [que não de legalidade estrita] não pode violar normas processuais imperativas.
XXVIII. Em matéria de alteração da regulação das responsabilidades parentais a lei processual prevê um critério a que o tribunal não pode deixar de atender: a existência de circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; e a lei substantiva impõe que cabe àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
XXIX. Ou se faz prova da existência de circunstâncias supervenientes que justificam a alteração e o tribunal altera o acordo ou a decisão anterior, podendo lançar mão dos critérios de conveniência ou não se faz prova da existência de circunstâncias supervenientes que justificam a alteração e o tribunal não pode alterar o acordo ou decisão anterior, por falta de verificação de um pressuposto processual essencial.
XXX. No caso dos autos, tendo em conta o elenco dos factos provados bem como a fundamentação da decisão, o douto tribunal a quo julgou inexistir prova sobre as circunstâncias supervenientes que justificavam a alteração peticionada pelo requerente – cf. § 6 da página 9 da douta sentença -, porém em sede de decisão, alterou o critério de actualização da prestação de alimentos fixado por acordo, em 2009, e eliminou a cláusula relativa à pensão de alimentos de base variável, relativa à divisão das despesas médicas e medicamentosas.
XXXI. Ora, não pode, in casu, o tribunal a quo dizer que não se provaram alterações supervenientes que justifiquem a alteração do regime fixado e, ao mesmo tempo, alterar esse regime, ainda que parcialmente, sob pena de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
XXXII. Tanto mais que o artigo 42.º, n.º 2 do RGPTC determina que o requerente da alteração está obrigado a expor os fundamentos do pedido; e se os tem de expor é porque tem de os provar e, só nesse caso, o tribunal pode alterar o regime fixado.
XXXIII. Ao decidir como decidiu, o douto tribunal a quo violou o disposto no artigo 42.º, n.º 2, do RGPTC, artigo 342.º, n.º 1 do CC e artigo 988.º, n.º 1 do CPC, devendo a douta sentença ser revogada nesta parte e substituída por outra que indefira o pedido do requerente, atendendo a que dos autos constam os elementos necessários para o efeito.
XXXIV. Na sequência do pedido de condenação do recorrido como litigante de má-fé, pela recorrente, tanto na resposta à petição inicial como nas alegações e, ainda, em requerimento de ampliação do pedido, o douto tribunal a quo entendeu não existirem indícios seguros da litigância de má-fé por parte do recorrido, com o que não se concorda e resulta evidente do confronto da petição inicial e alegações do recorrido e da matéria de facto provada.
XXXV. O recorrido afirmou, em sede de petição inicial [Maio 2013] e alegações [Maio de 2014] que vivia sozinho e pagava prestação de alimentos à filha menor, …, que tem em comum com V….
XXXVI. Da prova produzida em audiência de julgamento resulta provado que o recorrido, pelo menos desde Abril de 2013, vive com V… e a filha menor e, consequentemente não paga a esta qualquer pensão de alimentos.
XXXVII. Bastando analisar as declarações de IRS do recorrido referentes aos anos de 2012 [fls. 200 a 208, em especial fls. 206], 2013 [fls. 395 a 399, em especial fls. 398], 2014 [fls. 490 a 497, em especial fls. 496] para concluir que a única prestação de alimentos declarada pelo recorrido é a que foi paga ao filho menor M…, o que reforça as declarações do requerido e da testemunha P… sobre esta matéria e que supra identificámos.
XXXVIII. Pelo que o recorrido alterou a verdade dos factos quanto a esta matéria.
XXXIX. O recorrido afirmou, em sede de petição inicial, alegações e depoimento em audiência de julgamento, que vivia do seu salário de € 550,00, com o qual fazia face a todas as suas despesas.
XL. Da prova documental constante dos autos [fls. 467 a 471] e da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento ficou provado que o recorrido desde, pelo menos, 2014 aufere rendimentos de capitais.
XLI. Da matéria de facto provada resulta, ainda, que além dos rendimentos do salário de gerente, desde 2009 a 2015 auferiu, ainda, rendimentos da categoria B, enquanto trabalhador por conta própria.
XLII. Resulta, ainda, dos documentos de fls. 351 a 359, excluindo as transferências bancárias entre contas do recorrido, a entrada do salário do requerente, as entradas provenientes do município do M… e o crédito de reembolso de IRS, que no período de 1 ano e três meses [2013/2014] entraram nesta conta do recorrido cheques e depósitos em numerário no valor global de €20.105,90, incluindo um cheque de € 7.200 correspondente aos lucros distribuídos pela sociedade K…. [cf. documento de fls. 467 a 471].
XLIII. Mais resulta do extracto da referida conta bancária que o recorrido, entre 12/12/2014 e 01/01/2015, entre levantamentos em dinheiro e compras, gastou a quantia de € 1.442,07 em 18 dias.
XLIV. Tais movimentos bancários [quer a crédito quer a débito] desmentem, de forma evidente, a alegação do requerido de que vivia exclusivamente do salário de gerente, no valor de € 550,00 mensais.
XLV. Donde se retira que o recorrido alterou a verdade dos factos quando afirmou que vivia com dificuldades económicas e fazia face a todas as suas despesas com esse salário.
XLVI. O requerido omitiu a generalidade da sua situação económica, designadamente quanto à sua habitação, sem encargos [cf. factos provados sob os números 9 e 15 a 19] e que o próprio tribunal reconhece não ser consentânea com um rendimento de € 550,00 mensais [cf. § 27 da fundamentação] bem como a circunstância de ter herdado bens imóveis pela morte da sua Mãe em 27 de Abril de 2013 [documentos de fls. 322 a 334], omitindo um património imobiliário com um valor patrimonial tributário [regra geral inferior ao valor de mercado] de € 421.610,93 pelo qual pagou de IMI, em 2013, a quantia de € 1.756,17 [documento de fls. 276].
XLVII. Assim como a circunstância de ter adquirido um veículo automóvel para uso particular, a crédito, em 23 de Julho de 2013, um mês depois da entrada da presente acção, pelo qual paga uma prestação de € 185,47 [cf. documentos de fls. 62 e 271].
XLVIII. Todos os factos supra expostos eram pessoais do recorrido e foram por este alterados ou omitidos com o evidente intuito de obter vencimento de causa quanto à requerida alteração da prestação de alimentos a favor do filho menor.
XLIX. Em matéria de litigância de má-fé chamamos à colação o Acórdão do STJ de 18 de Fevereiro de 2015, o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, de 5 de Julho de 2012, o Acórdão do STJ, de 18/10/2018 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20/10/2009, todos disponíveis em dgsi.pt.
L. Do que supra ficou dito conclui-se que a conduta processual do requerente não se limitou a uma diferente interpretação do Direito a aplicar aos factos.
LI. O recorrido resumiu os factos que fundamentavam o seu pedido à circunstância de viver sozinho, pagando pensão de alimentos à filha menor e de viver com um ordenado de € 550,00 mensais, alegando genericamente sérias dificuldades económicas devido à crise do sector onde trabalha [cf. petição inicial e alegações do recorrido].
LII. E, nessa medida, alterou a verdade dos factos quanto à circunstância de viver com a companheira e a filha menor, a quem não pagava qualquer pensão de alimentos bem como quanto aos seus verdadeiros rendimentos por conta de outrem, empresariais e de capital e omitiu factos essenciais à (im)procedência da acção que intentou.
LIII. Com tal conduta obrigou a recorrente a obter documentação que comprovava a falsidade do alegado pelo recorrido, a perícia às sociedades do recorrido [cf. Doc. de fls. __] bem como obrigou o douto tribunal a quo, já em sede de julgamento, a lançar mão da verificação não judicial qualificada a fim de aferir das reais condições da habitação do recorrido [cf. relatório de fls. __].
LIV. Pelo que dúvidas não podem subsistir que o recorrido litigou de má-fé devendo ser condenado nos termos requeridos em sede de alegações e de requerimento de ampliação do pedido.
Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio
LV. Em matéria de condenação em custas o douto tribunal a quo considerou que quer o requerente quer a requerida saíram vencidos nas suas pretensões, tendo condenado ambos em custas, em partes iguais, com fundamento no disposto no artigo 537.º, n.º 1 e 2 do CPC.
LVI. Antes de mais, a fundamentação de direito da condenação em custas enferma de, evidente, erro de direito na medida em que, no caso dos autos, não houve confissão, desistência ou transacção.
LVII. Em matéria de responsabilidade por custas, rege, antes de mais, o disposto no artigo 527.º do CPC que determina a condenação em custas da parte que lhe tiver dado causa [n.º 1], considerando-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
LVIII. Ora, o requerente veio pedir a alteração da prestação de alimentos de base fixa para menos de metade do valor que se encontrava em vigor à data da propositura da acção e requereu a eliminação da prestação de alimentos de base variável, relativamente à comparticipação nas despesas médicas e medicamentosas.
LIX. A decisão [admitindo, por mera hipótese académica, que o douto tribunal a quo podia alterar o acordo inicial mesmo julgando não provadas circunstâncias supervenientes que o justifiquem] manteve inalterável a prestação de alimentos de base fixa e eliminou a prestação de alimentos de base variável.
LX. Em bom rigor, a prestação de alimentos de base variável não tem valor certo, sendo uma prestação acessória da prestação de alimentos fixa, a liquidar apenas se e quando existir necessidade.
LXI. Pelo que, em bom rigor, a requerida não ficou vencida na sua pretensão ou, pelo menos, não é mensurável, nessa parte, em que proporção a requerida ficou vencida e o requerido ficou vencedor.
LXII. Por outro lado, o requerente ficou claramente vencido na sua principal pretensão na medida em que o douto tribunal a quo julgou improcedente o pedido de alteração da prestação de alimentos mensal de €303,55 para €150,00, pelo que sempre deveria o requerido ter sido julgado vencido e condenado, integralmente, nas custas do processo a que deu causa.
LXIII. Admitindo-se ser possível considerar que, face à decisão proferida, não se consegue determinar quem seja o vencido e o vencedor, devido, precisamente, à impossibilidade de atribuir um valor à prestação de alimentos de base variável, tendo em vista determinar a proporção em que cada um ficou vencido.
LXIV. Nestes casos, e na senda do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Janeiro de 2011, disponível em www.dgsi.pt, “é a quem tomou a iniciativa de desencadear o funcionamento da máquina judiciária – em regra, o autor – que se deve reconhecer a dívida de custas.” [itálico nosso].
LXV. Ainda que se considere que a requerida ficou vencida, parcialmente, na sua pretensão, sempre se impunha que a douta sentença posta em crise, determinasse a proporção do vencimento de cada uma das partes, o que não sucedeu; o que não configura, de todo, justiça, é condenar requerente e requerida, em custas, em partes iguais.
LXVI. Ao decidir como decidiu, em matéria de custas, o douto tribunal a quo violou o disposto no artigo 527.º do CPC.
LXVII. Devendo o recorrido ser condenado nas custas do presente processo ou, assim não se entendendo, em proporção substancialmente superior à da recorrente.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais
consequências, (…)”.
Contra-alegou o requerente, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1ª - Não devem ser alterados ou aditados novos factos aos Factos Provados da sentença, devendo antes, na parte em que é impugnada a matéria de facto, o recurso ser rejeitado, por falta de interesse processual, pois o Tribunal deu como provados os factos que a Rte. pretende por em crise, pressuposto que não foi respeitado, não sendo assim invocada razão atendível para a interposição do recurso ou, quando assim porventura se não entenda, desatendido o pedido de alteração aos Factos Provados, pois a sentença não enferma, nesta parte, de erro de julgamento ou de qualquer outro vício ou deficiência;
2ª - De acordo com o disposto no artigo 631º nº 1 “… os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”;
3ª - Acontece que a decisão não foi desfavorável à Rte. na parte posta em crise: pontos 9, 26 e 28 dos Factos Provados;
4ª - Não o tendo sido, estava vedado à Rte. o acesso nesta parte ao recurso;
5ª - Em todo o caso, não foi alegada ou feita qualquer prova sobre o facto constante do ponto 9 dos Factos Provados que permita ou justifique a sua alteração ou aditamento, designadamente que o Rdo. vive com a companheira (…) e a filha I… desde, pelo menos, Abril do ano de 2013;
6ª - Se se tratava de informação relevante (factos essenciais) deveria necessariamente ter sido articulada em sede e tempo próprios (artº 573º do CPC). Mas tal não se verificou.
7ª - Na verdade, também não se justifica qualquer alteração ou aditamento aos pontos 26 e 28 dos Factos Provados, uma vez tratar-se de pormenores constantes de documentação junta aos autos, não impugnada pela Rte., devidamente ponderada e tida em conta pelo Tribunal na sua decisão. É da avaliação global da situação económica do Rdo., que não só o Estado vai tributar o sujeito passivo fiscal, como o Tribunal determinar a sua capacidade económica perante o dever de prestação de alimentos ao filho;
8ª - De igual ausência de fundamento enferma a pretensão da Rte. no aditamento de um novo facto como provado: que a habitação do Rdo. não tem quaisquer ónus ou encargos. Não só constitui também um facto não alegado, como elemento actual algum indicador do mesmo constatará dos autos. Nem se alcança a sua pertinência ou relevância para a boa decisão da causa;
9ª - O Tribunal não pode, oficiosamente, suprir a insuficiência da diligência das partes, carreando para o processo factos por elas não alegados, fundamento que se estende a todas as questões levantadas no recurso e que aos mesmos apelem;
10ª - O tribunal é não só livre na investigação e apreciação da prova (artºs 411º e 607º nº 5 do CPC), como neste tipo de processos não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (artº 987º do CPC); foi o que fez relativamente ao critério de actualização da prestação alimentícia, dentro assim do que lhe é lícito decidir;
11ª - Diligenciou desta forma pela recolha dos elementos que entendeu por convenientes com vista a decidir, devendo por conseguinte ser desatendido qualquer pedido de aditamento de factos que não só não foram alegados, como não foram reconhecidos como pertinentes ou importantes à decisão;
12ª - É por demais consabido que o facto do Tribunal não ter considerado provados certos factos alegados pelo Rdo. não significa ter sido provado o seu contrário. Apenas, na sua análise, não terá sido feita prova bastante sobre os mesmos. A contingência da prova é isso mesmo: imprevisível. Não obstante a Rte., “altera“ candidamente em seu proveito o texto da decisão, pretendendo colher indevidos benefícios com o recurso;
13ª - Tanto as partes, no acordo inicialmente firmado, como o tribunal, não só na sua homologação, como na decisão posta em crise, relevaram duas situações distintas quanto aos alimentos: uma obrigação de alimentos de base fixa e uma obrigação de alimentos de base variável;
14ª - Se a decisão não acolheu a pretensão do Rdo., na redução da obrigação de alimentos de base fixa, outro tanto não terá acontecido relativamente à obrigação de alimentos de base variável, que legitimamente foi reconhecida, eliminando-a das obrigações do R.do;
15ª - Não existe assim qualquer contradição, mas alguma tendenciosa e intencional falta de atenção por parte da Rte., que deliberadamente “retira“ do texto da decisão a parte que não lhe convém;
16ª – Não houve por conseguinte qualquer violação de disposições legais imperativas, mormente do artº 42º nº 2 do RGPTC, artº 342º nº 1 do CC e artº 988º, nº 1 do CPC, pois a decisão está, de acordo com o seu legítimo entendimento, em perfeita consonância não só com a matéria alegada e/ou provada como dentro dos poderes conferidos por Lei ao juiz;
17ª - A sentença apelada não enferma neste contexto da nulidade vertida no nº 1, al. c) do artº 615º do CPC, nem os factos impugnados impõem, através do recurso, decisão diversa.
18ª - Não colhe razão à Rte. ao entender dever o Rdo. ser condenado como litigante de má-fé, bem como na indemnização peticionada. Lamentavelmente, a única evidência manifestada nos autos é a cega apetência da Rte. por uma indemnização que menorize os seus gastos.
19ª - Não faltou o Rdo. à verdade quando intentou a acção, não se manifestando no seu discurso quaisquer factos indiciadores de má-fé processual, uma vez que apesar de ter em parte decaído, a má-fé só existirá quando a lide seja manifestamente dolosa, o que não acontece
20ª - A excessiva morosidade do processo, aliada às dinâmicas da vida e evoluir dos factos subjacentes ao pedido poderão, em algum momento, ter alterado em parte a sua essência, mas são circunstâncias a que o Rdo. é alheio, não lhe podendo ser imputadas;
21ª - É assim impoluta a conduta do Rdo. no processo, insusceptível de qualquer censura processual;
22ª - Pecou porventura o Tribunal, necessariamente que por erro de escrita ou lapso manifesto, na identificação da norma que tutela a repartição das custas. Nem outra conclusão se poderá tirar do texto da decisão, a reconhecer parcialmente o pedido formulado pelo Rdo., e a morosidade do processo, geradora do evoluir dos factos e pertinência dos argumentos apresentados pelo Rdo., uma vez ser o artº 536º e não o 537º que cobre a situação. O que é perfeitamente superável, nos termos do disposto no artº 614º nº 1 do CPC;
Face ao exposto, deve a sentença ora apelada ser mantida in totum, por não padecer de qualquer erro ou vício, negando-se, por isso, provimento ao recurso. (…)”
Respondeu o Ministério Público ao recurso, formulando a final as seguintes conclusões:
“1- Ao contrário do alegado pela recorrente, a matéria de facto constante da sentença recorrida foi corretamente julgada.
2- Com efeito, no elenco dos factos provados (e não provados) apenas deve constar factualidade relevante para o objeto do litígio.
3- Por esse motivo, o facto 9 não está incompleto, assim como factos relativos a rendimentos de capitais auferidos pelo recorrido ou relacionados com ónus e encargos da sua habitação não se afiguram ter pertinência processual para presente processo, que se destina à alteração da regulação das responsabilidades parentais.
4- No que concerne à oposição entre a fundamentação e a decisão, igualmente não assiste razão à recorrente, uma vez que a eliminação da cláusula relativa à pensão de alimentos de base variável operada na douta sentença recorrida não teve que ver com a prova relativa às circunstâncias supervenientes.
5- Tal alteração resultou de a referida cláusula “não estar de acordo com o regime legal, não acautelar o interesse da criança nem dos progenitores, introduzindo um factor de conflito e de indefinição que deve ser reduzido ou mesmo suprimido”.
6- No que tange à litigância de má fé, acompanhamos a douta sentença recorrida, pois, não tendo resultado dos autos prova suficiente e segura que demonstre que o recorrido atuou com consciência de não ter razão, não é possível a sua condenação por má fé processual.
7- Por fim, está igualmente correta a douta sentença recorrida no que concerne à condenação em custas, na medida em que, tendo a recorrente e o recorrido sido ambos vencidos nas pretensões formuladas, devem os dois ser condenados em custas, em partes iguais, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (e não, como por mero lapso é referido na douta sentença, o artigo 537.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
8- Face à prova produzida e devidamente fundamentada, o Tribunal a quo fixou, de forma rigorosa, os factos provados e elencou de forma pertinente o direito aplicável.
9- Tendo, de igual modo, o Tribunal a quo efetuado o correto enquadramento fáctico-jurídico, afigura-se que não merece reparo a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais relativo ao menor M…, no sentido de o valor da pensão de alimentos passar a ser objeto de atualização anual, de acordo com a variação positiva do índice de preços no consumidor ocorrido no ano anterior; e ser eliminada a cláusula relativa à pensão de alimentos de base variável (divisão das despesas médicas e medicamentosas), não tendo sido violada qualquer norma jurídica”.       
Enviados os autos a esta Relação, e distribuídos ao ora relator, pelo mesmo foi determinada a remessa à distribuição para cumprimento do artigo 218º do CPC, vindo posteriormente a secção de processos informar que o relator do acórdão anterior (Exmº Senhor Desembargador José António Moita) já não exerce funções nesta Relação, estando colocado na Relação de Évora.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
- previamente, da irecorribilidade em matéria de facto por falta de interesse;
- da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão;
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- da falta de fundamento para a alteração decidida, quer no toca ao critério de actualização da pensão de base fixa, quer à eliminação da pensão de base variável;
- da condenação do requerente, ora recorrido, como litigante de má-fé;
- da indevida condenação da requerente, ora recorrente, em custas.
III. Matéria de facto
A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto é a seguinte:
“III - I - FACTOS PROVADOS
Da instrução e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) - O menor M… nasceu em 22 de Janeiro de 2005, na freguesia e concelho do M…, e é filho de C… e de S… (documento de fls. 21 do processo principal, cujo teor dou por integralmente reproduzido).
2) - No âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais n.º 2018/07.3TBBRR, foi proferida em 07/05/2009 decisão homologatória de acordo de regulação das responsabilidades parentais relativo ao menor ficando este a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas em conjunto, estabelecendo-se ainda que o pai se obrigava ao pagamento de uma pensão de alimentos no valor mensal de duzentos e setenta e cinco euros, a entregar até ao dia oito do mês a que respeita, quantia essa que seria actualizada anualmente na proporção de dois por cento, ocorrendo a primeira actualização em Maio de 2010 (fls. 409 a 411 do processo principal, cujo teor dou por integralmente reproduzido).
3) - Mais ficou acordado que o pai pagaria metade das despesas médicas e medicamentosas que a mãe viesse a efectuar com o menor, mediante a entrega de documentos comprovativos, devendo o pai proceder ao pagamento no prazo de trinta dias após a entrega do respectivo comprovativo (fls. 409 a 411 do processo principal, cujo teor dou por integralmente reproduzido).
4) - Mercê das actualizações ocorridas, o valor actual da pensão de alimentos é o seguinte:
- em Maio de 2010 - € 280,50;
- em Maio de 2011 - € 286,11;
- em Maio de 2012 - € 291,83;
- em Maio de 2013 - € 297,67;
- em Maio de 2014 - € 303,62;
- em Maio de 2015 - € 309,68;
- em Maio de 2016 - € 315,88;
- em Maio de 2017 - € 322,20;
- em Maio de 2018 - € 328,64.
5) - Aquando da regulação do exercício das responsabilidades parentais, o menor frequentava o Jardim de Infância do M…, no Agrupamento de Escolas do M… (fls. 7 a 9)
6) - Em 1 de Outubro de 2010, o requerente foi pai de I…, filha de V… (documento de fls. 12 a 14).
7) - No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais n.º 2213/12.3TBBRR, foi proferida em 08/10/2012 decisão homologatória de acordo de regulação das responsabilidades parentais da menor I… ficando esta a residir com a mãe, obrigando-se o pai a pagar a importância mensal de cento e cinquenta euros, a título de alimentos a favor da filha, até ao dia oito de cada mês, acrescido de metade das despesas médicas e medicamentosas não comparticipadas (documento de fls. 16 e 17, cujo teor dou por integralmente reproduzido).
8) - O requerente exerce a actividade de empreiteiro da construção civil.
9) - Vive com a companheira (…) e a filha I… numa casa própria, construída por si, onde funciona igualmente a sede das empresas de que é sócio gerente.
10) - A companheira exerce a profissão de administrativa na Câmara Municipal do M… auferindo uma remuneração de cerca de € 800,00/€ 900,00.
11) - A filha frequenta a Escola J…, no M….
12) - Os contratos de água e electricidade da casa estão em seu nome enquanto que os telefones e combustíveis são facturados em nome da empresa.
13) - O requerente foi ou é sócio das seguintes empresas (fls. 97 a 103):
- C… Unipessoal Lda.;
- C… A…. J… S…. Lda.;
- K… Lda.;
- N… P… Lda.;
- C… 1…. Unipessoal Lda.;
- D… Lda.
14) - O requerente recebe da empresa C. A. J. S. Lda. uma remuneração de sócio-gerente no valor de cerca de seiscentos euros.
15) - O imóvel onde o requerente reside é constituído por quatro divisões assoalhadas, cozinha, garagem na cave e arrumos no sótão, onde funciona igualmente a sede das empresas de que o requerente é sócio-gerente.
16) - As três divisões assoalhadas são quartos dispondo cada um deles de instalações sanitárias próprias no interior (suite) existindo ainda no piso térreo espaços
comuns de circulação, uma sala de estar, uma cozinha, instalação sanitária social, bem como um pequeno espaço destinado ao tratamento de roupa e um pequeno escritório.
17) - A cave destina-se a arrumos e garagem automóvel, existindo apenas dois compartimentos destinados a instalações técnicas (equipamento de bombagem da piscina e sistema de aquecimento da casa) estando o sótão inacabado e em espaço amplo sem compartimentações.
18) - No espaço exterior, existe um edifício de apoio com uma zona de estar e um barbecue, existindo ainda a tardoz do terreno um espaço de armazenagem, onde se desenvolve uma actividade profissional e com alguns anexos inacabados, estando a zona habitacional delimitada e individualizada através de muro de alvenaria.
19) - A habitação principal e o edifício de apoio junto ao barbecue estão equipados com equipamentos de climatização, dispondo ainda a moradia de sistema de aquecimento central, estando as zonas de espaço verde tratadas e com boas condições.
20) - O requerente teve registados a seu favor os seguintes veículos automóveis:
- veículo automóvel de marca Peugeot de matrícula … (fls. 111);
- veículo automóvel de marca Toyota de matrícula … (fls. 121);
- veículo automóvel de marca Mitsubishi de matrícula … (fls. 122);
- veículo automóvel de marca Mitsubishi de matrícula … (fls. 124);
- veículo automóvel de marca Iveco de matrícula … (fls. 126).
21) - Em 2009, o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 212 a 217):
- Lucro tributável - € 12.352,21;
- Vendas ou prestações de serviços - 473.253,89;
- Abatimentos (pensões) - € 3.212,50;
- Despesas - € 605,30.
22) - Em 2010, o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 218 a 225):
- Lucro tributável - € 10.850,96; - Vendas ou prestações de serviços - 497.945,56;
- Abatimentos (pensões) - € 3.073,15;
- Deduções e outras despesas - € 1.318,24.
23) - Em 2011, o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 191 a 199):
- Lucro tributável - € - 26.595,21;
- Vendas ou prestações de serviços - 200.418,12;
- Rendimentos de capitais - € 1.000,00;
- Abatimentos (pensões) - € 3.467,04;
- Deduções e outras despesas - € 1.429,68.
24) - Em 2012, o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 200 a 208):
- Trabalho dependente - € 5.917,77;
- Lucro tributável - € 17.450,13;
- Vendas ou prestações de serviços - 64.615,00;
- Abatimentos (pensões) - € 3.495,96;
- Deduções e outras despesas - € 1.368,15.
25) - Em 2013, o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 363 a 368):
- Lucro tributável - € 19.003,56;
- Vendas ou prestações de serviços - 198.060,45.
26) - Em 2012[1], o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 200 a 208):
- Trabalho dependente - € 5.917,77;
- Lucro tributável - € 17.450,13;
- Vendas ou prestações de serviços - 64.615,00;
- Abatimentos (pensões) - € 3.495,96;
- Deduções e outras despesas - € 1.368,15.
27) - Em 2015, o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 745 a 753):
- Trabalho dependente - € 7.699,92;
- Rendimentos categoria B - € 4.714,80;
- Abatimentos (pensões) - € 3.840,53;
- Deduções e outras despesas - € 1.830,29.
28) - Em 2016, o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 754 a 757):
- Trabalho dependente - € 7.599,92;
- Abatimentos (pensões) - € 3.884,94;
- Deduções e outras despesas - € 965,68.
29) - Por óbito de F…, o requerente é herdeiro dos seguintes bens (fls. 321 a 334):
- Prédio urbano inscrito sob o artigo …º da freguesia e concelho do M…;
- Prédio urbano inscrito sob o artigo ...º da freguesia e concelho do…;
- Prédio rústico inscrito sob o artigo …º da freguesia do A…, concelho do M…;
- 5/12 avos de um prédio rústico inscrito sob o artigo … da freguesia do P…, concelho de P…;
- Veículo automóvel de marca Toyota modelo Hiace de matrícula ….
30) - As empresas de construção civil de que o requerente é sócio realizam essencialmente trabalhos para a Câmara Municipal do M… tendo atravessado situações económicas difíceis em face da redução dos contratos (documento de fls. 336 a 347).
31) - Da análise das duas empresas em que o requerente intervém, não foram detectados custos com habitação do requerente bem como despesas pessoais imputadas às referidas sociedades, sendo a única verba saída de uma delas (C. A. J. S. Lda.) para benefício do requerente (remuneração na qualidade de sócio-gerente) (fls. 631 a 653).
32) - Os lucros auferidos pelas empresas detidas pelo requerente e pela testemunha P… durante os anos de 2013 a 2014 não foram distribuídos ou foram afectados ao pagamento de empréstimos.
33) - A requerida exerce a profissão de advogada em prática individual há cerca de dezassete anos partilhando o escritório com outra advogada.
34) - Não dispõem de funcionários suportando as despesas do escritório no valor de cerca duzentos euros de electricidade, bem como telefone e internet de montante não apurado.
35) - Encontra-se colocada no escalão de CPAS no valor mensal de € 265,00 a que acresce uma prestação adicional de oitenta euros, suportando ainda a quota mensal da Ordem dos Advogados no valor mensal de € 37,50.
36) - Vive em casa própria (apartamento com quatro assoalhadas) com o filho, suportando uma prestação de cerca de trezentos e sessenta euros, suportando ainda cerca de cento e noventa e cinco euros relativa a despesas com veículo automóvel próprio.
37) - A requerida declara um nível mensal de facturação médio no âmbito da prestação de serviços como advogada entre € 1400,00/€ 1.500,00.
38) - A requerida vive com um companheiro (L…) o qual trabalha no ramo de venda e aplicação de papel de parede por conta própria e tendo um rendimento médio anual de cerca de dez mil ou onze mil euros.
39) - O companheiro da requerida tem dois filhos, com as idades de 19 e 17 anos, suportando uma pensão de alimentos de cem euros para cada um, acrescida da divisão das despesas médicas.
40) - O M… frequenta o 7.º ano na Escola J…, no M…, sendo um bom aluno.
41) - Frequenta o Centro de Estudos pelo qual suporta uma prestação mensal de €135,00 e pratica futebol no Clube Olímpico do M…, na posição de central, suportando cerca de €27,50 na mensalidade a que acrescem as despesas com o equipamento.
III - II - MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal alicerçou a sua convicção no conteúdo dos documentos a que se faz expressa referência, conjugados com os relatórios realizados pela segurança social, depoimentos das testemunhas, exames periciais e relatório da verificação judicial não qualificada.
Particularizando a convicção:
- os factos 1.º a 3.º e 6.º e 7.º resultam exclusivamente do conteúdo dos documentos a que se faz expressa referência, os quais não foram infirmados por outros meios de prova;
- os factos 8.º a 12.º e 14.º e 15.º resultaram essencialmente do conteúdo das declarações prestadas pelo requerente, confirmadas pelos depoimentos das testemunhas A…, P… e V…, as quais não foram infirmadas por outros meios de prova;
- o facto 13.º resultou dos documentos a que se faz expressa referência, conjugados com as declarações do requerente o qual esclareceu que algumas das empresas foram constituídas apenas para concursos de obras durante algum tempo;
- os factos 16.º a 19.º resultaram exclusivamente do teor do relatório da verificação judicial não qualificada constante de fls. 936 a 963, a qual não foi contrariada por outros meios de prova;
- os factos 20.º a 30.º resultam exclusivamente do conteúdo dos documentos a que se faz expressa referência;
- o facto 31.º resulta apenas do conteúdo da avaliação pericial mencionada a qual não foi infirmada por outro meio de prova;
- o facto 32.º resultou do depoimento da testemunha P…, sócio de duas sociedades com o requerente (C. A. J. e D…) o qual referiu que os lucros de 2013 (€ 26.037,12), 2014 (€ 36.294,20), 2015 (€ 30.681,90) e 2016 (€6.582,57) não foram distribuídos ou foram afectados ao pagamento de empréstimos contraídos pelas sociedades;
- os factos 33.º a 41.º resultam exclusivamente das declarações da requerida, as quais não foram infirmadas por outros meios de prova”.
IV. Apreciação
Questão prévia: - sustenta o recorrido que fenece interesse à recorrente para recorrer, e consequentemente que deve ser rejeitado o recurso.
Tal invocação baseia-se na pretensão de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, concretamente no aditamento de factos que não servem ao recurso porquanto a recorrente neles não ficou vencida, ou dito de outro modo, não tendo o tribunal alterado a pensão alimentar (de base fixa) não dando como provados os factos da diminuição de rendimento do recorrido, a recorrente acabou a ganhar e não a perder, sendo indiferente estar a pretender consagrar ainda mais factos sobre as possibilidades económicas do recorrido.
Com o devido respeito, o recurso não se sustenta assim: - o requerente começou por invocar a diminuição dos seus rendimentos e das despesas do menor, o que recebeu a oposição da requerida. O tribunal não considerou que as receitas do requerente tivessem diminuído de modo a justificar a alteração da pensão fixada. Mas, independentemente de se ter fundado noutra razão, o tribunal acabou por alterar parcialmente o acordo anteriormente homologado, e do mesmo passo julgou improcedente o pedido de litigância de má-fé que a recorrente havia deduzido contra o recorrido, e ainda a condenou parcialmente em custas. Ora, nestas partes, sempre assistiria legitimidade, por interesse, à recorrente para recorrer, porque ficou vencida.
Questão diversa é saber se é inútil, e portanto proibida, por via do artigo 130º do CPC, o aditamento pretendido, o que implica rejeição da reapreciação pedida em matéria de facto, mas não rejeição do recurso em si.
Nada obsta portanto à admissibilidade do recurso.
1ª questão - da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão: - Cremos que a recorrente não invocou expressamente esta nulidade enquanto tal, mas como erro de direito, pela contradição entre defender que só pode haver alteração mediante alegação e prova dos factos constituintes, pela conclusão de que não está provada alteração, e no entanto decidir-se afinal alterar (parcialmente).             Como bem sustenta o MPº, não ocorreria em qualquer caso nulidade porque o argumento do qual procede a decisão de alteração não resulta duma alteração real provada da capacidade económica do recorrido, mas sim duma consideração autónoma do Mmº Juiz relativamente à desconformidade da fixação de uma pensão de base variável com o disposto no artigo 2005º do Código Civil.
2ª questão: - da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
A recorrente pretende que se altere/adite à matéria de facto provada:
- No facto nº 9, que “Vive com a companheira (…) e a filha I…, pelo menos desde Abril de 2013, numa casa própria, construída por si, onde funciona igualmente a sede das empresas de que é sócio-gerente.
- Nos factos 26 e 28, se acrescentem ainda os rendimentos de capitais referentes ao ano de 2014, no valor de €10.000,00, e ao ano de 2016 no valor de € 22.500,00, auferidos pelo recorrido.
- Relativamente ao ano de 2013 (facto 25) que se aditem os rendimentos de capitais auferidos no ano de 2013, no valor de €6.000, e ainda que se aditem relativamente a 2017 os mesmos rendimentos, no valor de € 10.000,00.
Finalmente, que se adite que a habitação do recorrido não tem quais ónus ou encargos.
Ora, é bem verdade que nada disto tem qualquer interesse para a questão principal dos autos, ou seja, para a pretensão de alteração da pensão de alimentos, em parte porque tal pretensão improcedeu, e na parte em que procedeu, porque essa procedência não teve relação com o nível de despesas/rendimentos do recorrido, mas simplesmente uma razão que o tribunal recorrido sustentou ser de desconformidade com a lei.
Porém, há que apurar os factos que dentro dos invocados pretendidos aditar, possam relevar para a questão da litigância de má-fé do recorrido, e isto independentemente dela não ter sido consequente, nem interessando saber se parte da consequência pretendida pelo litigante veio afinal a ser concedida pelo tribunal, por razões diversas. Com efeito, o sancionamento da litigância de má-fé é autónomo da consecução dum resultado.
Basta com efeito que, com dolo ou negligência grave, se altere a verdade dos factos ou se omitam factos relevantes para a decisão da causa - artigo 542º nº 1 e 2 al. b) do CPC.
Recorde-se que o fundamento da petição de alteração da pensão de alimentos foi, em parte, a diminuição das possibilidades económicas do obrigado, neste caso, do recorrido. O que resulta do preceito citado, e de resto atrás dele, dum dever de respeito à efectivação genérica do direito de acesso à justiça – que implica portanto o dever de não ocupar os tribunais com questões falsas, dispensando-os para o restante exercício da sua missão – é que as partes não devem invocar factos que não são verdadeiros nem omitir factos relevantes, o que, nesta pura essência, não se confundido com a dificuldade probatória ou com o insucesso probatório, se limita mesmo à invocação de factos não verdadeiros que se sabe que assim o são.
Portanto, apreciaremos a impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas nesta perspectiva dos factos relevantes para caracterizar a falta de verdade e o conhecimento dessa falta de verdade na alegação com que o requerente fundou a sua pretensão de alteração. Mas, a consequência desta perspectivação é também a de que apenas nos interessam os factos contemporâneos da alegação, ou dito de outro modo, é absolutamente indiferente para apurar se alguém alegou falsamente que só ganhava o rendimento mínimo mensal garantido, saber se depois da data dessa alegação passou a ganhar muito mais, só nos interessa saber se na data em que alegou ganhava mais do que alegou, porque é aí precisamente que reside a falta de verdade que é sancionada com a litigância de má-fé.
Passemos pois os factos pretendidos aditar por este crivo inicial:
Quando o requerente afirmou no requerimento inicial que tinha tido uma filha em 2010, isso foi aceite pela requerida. Ficou provado que o tribunal regulou o exercício das responsabilidades parentais quanto a esta filha, e isso não está em causa. E portanto é puro facto que o requerente estava obrigado a pagar a pensão à filha. Se porém o requerente, mesmo à data em que apresentou o requerimento inicial, já se tinha reconciliado com a mãe da filha e estava a viver com ambas, isso é a alteração da verdade dos factos, admite-se, mas não é uma alteração relevante, porque daí não resulta que não tivesse afinal despesa com a filha – é que, cessada a relação conjugal ou equiparada de vida em comum, impõe-se regular a contribuição financeira do progenitor à guarda do qual o menor não fica, mas na pendência dessa relação a regra é a da contribuição de ambos os progenitores. E é este o facto relevante no enquadramento da causa de pedir: “tenho mais despesas portanto tenho de pagar menos para o meu filho”. Embora a al. b) do nº 2 do artigo 542º do CPC não contenha a menção à relevância da alteração da verdade, deve obter-se esta relevância desde logo a partir da segunda parte do preceito, e por outro lado porque o que não é essencial nem instrumental não acaba a ocupar a justiça por mais do que a leitura para descarte. Tivesse o tribunal recorrido considerado que deveria alterar a pensão, para menos, ou em amputação de partes dela, por via da diminuição do rendimento disponível do requerente, o que consideraria nesse caso não era o valor concreto da pensão, mas o facto de se ter sido pai de mais uma criança. Aliás até, porque o tribunal bem deu como provado que, além de ter sido fixada pensão, por outro lado o requerente afinal vive com a companheira e a filha, sendo que a companheira é administrativa na Câmara Municipal do M… e aufere remuneração de cerca de €800,00/€900,00 por mês (factos 9 e 10), o que significa que o tribunal não atenderia, como aliás não atendeu, ao valor concreto da pensão, mas sim à questão de haver mais uma criança e ainda assim nem isso relevar para uma diminuição de receitas do requerente.
Donde, com o devido respeito, é indiferente saber se à data do requerimento inicial o requerente já meses antes estava a viver com a companheira e a filha para demonstrar que não pagando já a pensão, afinal tinha mais rendimento disponível para o filho, e que “mentia” portanto ao dizer o contrário.
Considera-se assim inútil e por isso proibido, como já referido, a pretendida alteração, rejeitando-se a reapreciação nesta parte.
Considerando outrossim que o requerimento inicial deu entrada em 28.5.2013 e que o requerente produziu alegações já em 2014, após a frustração da conferência de pais, em que insistiu no alegado no requerimento inicial, são estes os anos relevantes para ponderar, na perspectiva de descobrir se nestes momentos de alegação, contemporaneamente a eles, o requerente alterou a verdade ou omitiu factos relevantes da sua situação económica. Tudo o mais é irrelevante, como já explicámos. Igualmente irrelevante é saber se a habitação do recorrido não tem, para ele, ónus e encargos, pela simples razão que ele não alegou tê-los, e não o tendo feito, o tribunal não iria considerar que os tivesse.
Portanto, não admitimos a reapreciação pretendida pela recorrente senão quanto à invocada questão dos rendimentos de capitais relativos aos anos de 2013 e 2014.
Em coerência com a própria motivação do tribunal recorrido, que para os factos provados sob 20 a 30 considerou apenas a prova documental que os revelava, o que se verifica então, como alegado pela recorrente, é que do anexo E – rendimentos de capitais – da declaração de IRS do requerente relativa ao ano de 2013 (fls. 397), está inscrita a verba de €6.000,00, e do mesmo anexo relativamente à mesma declaração relativa ao ano de 2014 (fls. 469 vº) está inscrita a verba de €10.000,00, o que se adita portanto aos factos provados 25 e 26, que passam a ter a seguinte redacção:
“25) - Em 2013, o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 363 a 368):
- Lucro tributável - €19.003,56;
- Vendas ou prestações de serviços - €198.060,45;
- Rendimentos de capitais - €6.000,00.
26) - Em 2014, o requerente declarou os seguintes rendimentos fiscais (fls. 200 a 208):
- Trabalho dependente - €5.917,77;
- Lucro tributável - €17.450,13;
- Vendas ou prestações de serviços -€64.615,00;
- Rendimentos de capitais – €10.000,00;
- Abatimentos (pensões) - €3.495,96;
- Deduções e outras despesas - €1.368,15”.
Procede pois nesta parte a pretendida reapreciação, nada mais se alterando ou aditando à decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido.
3ª questão: - da falta de fundamento para a alteração decidida, quer no toca ao critério de actualização da pensão de base fixa, quer à eliminação da pensão de base variável.
Na fundamentação jurídica da sentença recorrida lê-se, e citamos:
“Estabelece o artigo 42.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (anterior artigo 182.º da Organização Tutelar de Menores) que quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o regime do exercício das responsabilidades parentais estabelecido, qualquer dos progenitores pode requerer ao tribunal nova regulação das responsabilidades parentais.
Com efeito, tratando-se de processos de jurisdição voluntária, as decisões tomadas podem sempre ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes que justifiquem essa alteração (artigos 988.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
O poder inquisitório do tribunal, neste tipo de jurisdição, é complementar do dever de fundamentação do pedido, que cabe às partes, significando, deste modo, que o juiz não fica sujeito apenas aos factos invocados por estas, na fundamentação da decisão que vier a proferir, podendo utilizar factos que ele próprio capte e descubra (Ac. RL de 19/10/1999 in CJ, tomo IV, p. 129).
É afirmado, desta forma, um princípio de modificabilidade das decisões de regulação das responsabilidades parentais mas estas modificações devem ser excepcionais a fim de não ser prejudicada a necessidade da criança relativamente à estabilidade do ambiente em que vive e à continuidade das suas relações pessoais.
Assim, o artigo 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível deve ser interpretado restritivamente no sentido de que só alterações de circunstâncias que tenham uma repercussão grave na saúde, segurança, educação ou vida da criança servirão de fundamento para alterar a regulação inicial.
Ponderando todos estes pressupostos, deve prevalecer o interesse da criança ou do jovem, zelando para que a organização da sua vida e o seu desenvolvimento se processem com um mínimo de normalidade e organização.
Efectuadas estas considerações gerais, impõe-se apenas averiguar no âmbito dos presentes autos se se verificam os pressupostos exigidos para a requerida alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais na vertente de alimentos.
Cabe a ambos os progenitores, no interesse dos filhos, prover ao seu sustento (artigo 1878.º, n.º 1 do Código Civil).
Por seu turno, estabelece o artigo 2004.º do Código Civil que os alimentos são fixados em função das necessidades do alimentando, possibilidades do alimentante e possibilidades do alimentando prover à sua subsistência.
Por alimentos, entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo, ainda, os alimentos, a instrução e a educação do alimentado no caso deste ser menor (artigo 2003.º do Código Civil).
Para definir a medida dos alimentos, nomeadamente a necessidade daquele que houver de os receber, atenderá o tribunal ao valor dos bens e dos rendimentos do alimentado, se os tiver, às necessidades específicas da sua saúde, à sua idade e condição social.
Assim, a medida da prestação alimentar determina-se pelo binómio possibilidades do devedor e necessidades do credor, devendo aquelas possibilidades e estas necessidades serem actuais, ou seja, devem corresponder às possibilidades do obrigado e às necessidades do alimentado no momento em que são fixados ou alterados (Ac. STJ de 07/05/1980 in BMJ 297.º-342).
Na determinação das necessidades da criança que é destinatária da obrigação de alimentos, deverá atender-se ao seu padrão de vida, à ambiência familiar, social, cultural, económica a que está habituado e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos (Ac. RP de 25/03/1993 in CJ, tomo II, p. 199).
A “possibilidade do obrigado deve, em princípio, ser aferida pelos seus rendimentos e não pelo valor dos seus bens, devendo atender-se às receitas e despesas do obrigado, ponderando não só os rendimentos dos bens como quaisquer outros proventos, os provenientes do trabalho ou as remunerações de carácter eventual, como gratificações, emolumentos, subsídios” (Moutinho de Almeida, “Os Alimentos no Código Civil de 1966”, Revista da Ordem dos Advogados, 1968, p. 99).
Na fixação de alimentos a favor dos filhos, deve ser apurada a parcela do rendimento anual do progenitor não residente e subtrair o necessário para a satisfação das suas necessidades básicas, uma espécie de rendimento livre ou isento, qual mínimo de auto sobrevivência, ou reserva mínima de auto-sobrevivência, para efeitos de sobre ele ser reflectida a pensão de alimentos, nomeadamente despesas de vestuário, calçado, custos atinentes à nova habitação, deslocação para o trabalho, tempos livres e outros (Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos, Coimbra: Coimbra Editora, p. 190).
Assim sendo, na determinação do valor da pensão de alimentos a cargo do requerente, deverá atender-se apenas às necessidades da criança e se as possibilidades do pai justificarão (ou não) uma alteração ou manutenção no montante da pensão de alimentos, sobretudo tendo em conta que o valor foi fixado quando o Carlos tinha quatro anos de idade e, neste momento, tem treze anos de idade, invocando o pai que as suas necessidades foram diminuindo mas que as suas possibilidades foram sendo reduzidas em face da compressão do volume de negócios da sua actividade profissional (construção civil).
Os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo entre os progenitores ou disposição legal em contrário ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de excepção (artigo 2005.º, n.º 1 do Código Civil).
Importa ter presente que o nosso ponto de partida são € 328,84, acrescida do montante variável correspondente às despesas médicas e medicamentosas documentadas.
Deste modo, em primeiro lugar, afigura-se que a cláusula relativa à pensão de base variável quando sugere a fixação de uma prestação única de alimentos, corresponde à exigência legal estabelecida no artigo 2005.º, n.º 1 do Código Civil e, ao mesmo tempo, salvaguarda o interesse da criança uma vez que é mais susceptível de reduzir o conflito com a eliminação da permanente necessidade do credor de alimentos de exigir o pagamento da parte que cabe ao progenitor obrigado e, ao mesmo tempo, não coloca este (progenitor obrigado) na indefinição de que despesas lhe poderão ser exigidas todos os meses e qual a respectiva proporção, sendo certo que o menor pratica desporto e não se afiguram especiais exigências no plano das despesas médicas e medicamentosas.
Assim sendo, o valor da pensão única de alimentos a fixar deverá corresponder ao binómio das possibilidades do progenitor obrigado, sendo certo que o mesmo pode suportar a pensão de alimentos de base fixa que se encontra estabelecida, afigurando-se este o valor razoável para garantir todas as despesas a suportar com o Carlos Miguel, em idade escolar, a entrar na adolescência e em plena fase de crescimento.
Com efeito, dispõe o artigo 988.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou por outro motivo ponderoso.
As decisões ou resoluções proferidas nos processos de jurisdição voluntária não ganham, em regra, a força de caso julgado, podendo ser alteradas desde que se modiquem as circunstâncias que determinaram essas decisões. Modificar é alterar mas com a diferença de não corrigir mas simplesmente regular o modo. O que foi julgado e decidido existiu, persistiu e é eficaz, até que as circunstâncias supervenientes aos efeitos levem à modificação.
A avaliação das circunstâncias supervenientes que podem justificar uma alteração da decisão anterior pressupõem necessariamente uma análise comparativa entre o estado actual das coisas e aqueloutro que existia aquando do acordo ou da prolacção da decisão em vigor, apenas sendo possível concluir por uma alteração anormal e não apenas uma mera evolução natural e previsível do status quo ante, obrigando o requerente a indicar a factualidade que sustente essa alteração de circunstâncias e devendo fazê-lo de forma concludente e inteligível” (Acórdão TRG de 19/03/2013, proc. n.º 6558/05.0TBGMR-D.G1, ANTÓNIO SANTOS).
Ora, a análise comparativa entre a situação ocorrida aquando da fixação da obrigação de alimentos (por acordo) em 07/05/2009 e a actual pouco ou nada se alterou na medida em que, em bom rigor, a crise que se instalou no sector da construção civil já era evidente naquela altura e as remunerações efectivamente auferidas pelo requerente não sofreram grandes alterações entre os anos de 2009 e o período actual ou, pelo menos, entre a última declaração de rendimentos apresentada.
Na verdade, em 2012, o requerente declarou ter auferido uma remuneração anual de € 5.917,77 (a que corresponde uma média mensal de € 493,18), em 2015 uma remuneração anual de € 7.699,92 (com a média mensal de € 641,66) e em 2016 uma remuneração anual de € 7.599,92 (com a média mensal de € 633,33), enquanto que, nos anos anteriores (incluindo 2009) nem havia qualquer remuneração auferida na qualidade de sócio-gerente ou noutra qualidade.
Também em relação aos lucros das sociedades, o que se verifica é uma enorme variação nas mesmas que não reflecte a alegação do requerente de uma redução significativa, com excepção do último ano, sendo certo que essa circunstância apenas demonstra dificuldades em relação a uma das empresas sem que isso traduza uma redução significativa da facturação ou do volume de negócios.
Por outro lado, se são conhecidas as dificuldades porque passou a construção civil durante o denominado período de crise, não é menos verdade que essa situação se encontra actualmente em fase de reversão e, de igual modo, a habitação onde reside o requerente, os encargos que exige e os cuidados que reclama não são consentâneos com os rendimentos de alguém que recebe (ou declara receber) pouco mais do que a remuneração mínima mensal garantida e, desta forma, pretende reduzir o nível de encargos com um filho adolescente, praticante de desporto, bom aluno, saudável, certamente merecedor de um esforço acrescido por parte de ambos os progenitores (empresário da construção civil e advogada) que possa garantir-lhe o nível de vida de que tem beneficiado até ao momento.
Assim sendo, a obrigação de alimentos de base fixa a favor do menor M… não deve sofrer qualquer alteração, por inexistência de prova sobre as circunstâncias supervenientes que a justifiquem, com a respectiva actualização anual fixada agora de acordo com a variação do índice de preços no consumidor, eliminando-se apenas a cláusula relativa à pensão de alimentos de base variável, por não estar de acordo com o regime legal, não acautelar o interesse da criança nem dos progenitores, introduzindo um factor de conflito e de indefinição que deve ser reduzido ou mesmo suprimido.
Com efeito, a determinação de um valor fixo de actualização da pensão de alimentos afigurava-se, naquela altura, justificado em função de dois elementos: a existência de alguma indefinição na determinação e conhecimento dos valores de actualização anual do denominado índice de inflação e uma certa estabilização destes índices.
Contudo, nos últimos anos, não só estes índices têm revelado uma certa oscilação, como também os seus valores médios foram substancialmente reduzidos (havendo mesmo anos em que a variação foi negativa), como também se tornou mais fácil o seu conhecimento e divulgação a partir de portais públicos que disponibilizam anualmente esses valores e com um elevado grau de fiabilidade (e.g. da PORDATA a que recorrem mesmo os organismos públicos), reduzindo a indefinição sobre as percentagens de actualização.
Deste modo, nos últimos anos, temos optado como cláusula de actualização do montante das pensões de alimentos (elemento essencial para impedir a erosão monetária do valor fixado) o montante decorrente da aplicação de uma variação positiva (as negativas não relevam) do índice de preços no consumidor (total geral) ocorrido para o ano anterior, disponível de forma consolidada, normalmente a partir do segundo mês do ano seguinte à respectiva consolidação”.
Insurge-se a recorrente quanto à alteração decidida, quer no tocante ao critério ou factor de actualização da pensão, quer no que toca à eliminação da pensão de base variável relativa a despesas médicas e medicamentosas.
Recorde-se que nenhuma das partes levantou a questão da necessidade de alteração do critério de actualização da pensão.
Recorde-se que, e é o próprio tribunal recorrido quem o diz, o requerente não logrou provar a alteração de circunstâncias que invocou.
Então, o caminho decisório que o tribunal recorrido prosseguiu foi o seguinte:
“(…) as decisões tomadas podem sempre ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes que justifiquem essa alteração (artigos 988.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível)”. Pedida uma revisão ou alteração, “O poder inquisitório do tribunal, neste tipo de jurisdição, é complementar do dever de fundamentação do pedido, que cabe às partes, significando, deste modo, que o juiz não fica sujeito apenas aos factos invocados por estas, na fundamentação da decisão que vier a proferir, podendo utilizar factos que ele próprio capte e descubra (Ac. RL de 19/10/1999 in CJ, tomo IV, p. 129)”. A bandeira maior, dizemos nós, que servirá de guia ao tribunal é a de que “deve prevalecer o interesse da criança ou do jovem, zelando para que a organização da sua vida e o seu desenvolvimento se processem com um mínimo de normalidade e organização”.
Assim, neste contexto – de factos fundamentadores alegados e outros obtidos a partir do poder inquisitório do juiz quando segue a bandeira da mais adequada salvaguarda do superior interesse do menor – o tribunal recorrido passou a averiguar “(…) se se verificam os pressupostos exigidos para a requerida alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais na vertente de alimentos”.
Tomando como ponto de partida que “(…) na determinação do valor da pensão de alimentos a cargo do requerente, deverá atender-se apenas às necessidades da criança e se as possibilidades do pai justificarão (ou não) uma alteração ou manutenção no montante da pensão de alimentos, sobretudo tendo em conta que o valor foi fixado quando o M… tinha quatro anos de idade e, neste momento, tem treze anos de idade, invocando o pai que as suas necessidades foram diminuindo mas que as suas possibilidades foram sendo reduzidas em face da compressão do volume de negócios da sua actividade profissional (construção civil)”, mais adiante o tribunal concluiu que “Ora, a análise comparativa entre a situação ocorrida aquando da fixação da obrigação de alimentos (por acordo) em 07/05/2009 e a actual pouco ou nada se alterou na medida em que, em bom rigor, a crise que se instalou no sector da construção civil já era evidente naquela altura e as remunerações efectivamente auferidas pelo requerente não sofreram grandes alterações entre os anos de 2009 e o período actual ou, pelo menos, entre a última declaração de rendimentos apresentada”.
Nisto estamos todos de acordo, tribunal de recurso, tribunal recorrido, recorrente e recorrido (que não recorreu nem suscitou a ampliação do objecto do recurso).
Mas, na perspectiva do tribunal recorrido, esta não prova das alterações alegadas pelo recorrido não conduz de imediato e necessariamente à improcedência da alteração ou à manutenção, melhor dizendo, do regime estabelecido por acordo e homologado anteriormente, precisamente porque o tribunal aqui opera (também) no seu múnus inquisitório orientado para a defesa do interesse do menor.
E por outro lado, deve ainda entender-se que subjaz ao pensamento da sentença recorrida qualquer coisa de básico que é que o tribunal deve sempre orientar-se pelo cumprimento da lei.
Assim munido, o tribunal recorrido passou a considerar que “Os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo entre os progenitores ou disposição legal em contrário ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de excepção (artigo 2005.º, n.º 1 do Código Civil)”.
Portanto, e com o devido respeito se por acaso nos enganamos, o tribunal encontrou uma desconformidade legal na existência de uma prestação alimentar de base variável – em princípio, os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais. Este modo de fixação tem a vantagem inequívoca para o menor de que os progenitores não vão conflituar com a troca de documentação comprovativa nem vai o progenitor obrigado à pensão ficar na situação nervosa e portanto potencialmente geradora de conflito, de não saber o que, nem quanto, nem quando terá de pagar. Portanto, a pensão de montante sempre fixo e tempo de vencimento certo, “salvaguarda o interesse da criança uma vez que é mais susceptível de reduzir o conflito com a eliminação da permanente necessidade do credor de alimentos de exigir o pagamento da parte que cabe ao progenitor obrigado e, ao mesmo tempo, não coloca este (progenitor obrigado) na indefinição de que despesas lhe poderão ser exigidas todos os meses e qual a respectiva proporção.
É que, além disto, também se evidencia que “o menor pratica desporto e não se afiguram especiais exigências no plano das despesas médicas e medicamentosas”.
Assim considerando, o tribunal prosseguiu para a aplicação prática, determinando que a pensão de base fixa existente era suficiente também para cobrir eventuais e residuais despesas médicas e medicamentosas, donde tornava-se espúria a pensão variável e eliminava-se para evitar incertezas, e assim se salvaguardava o superior interesse do menor.
Não podemos concordar.
Primeiro, porque o tribunal recorrido não encontrou, no exercício do seu múnus inquisitório, mais factos do que os que tinham sido alegados, ou seja, a sua decisão balizou-se entre os termos factuais oferecidos por ambas as partes.
Segundo, e mais essencialmente, porque o princípio norteador do sistema é este: - aos pais compete, enquanto direito e dever, a educação e sustento dos filhos. Trata-se dum direito de exercício necessário que em primeiro lugar respeita o valor maior da liberdade e da dignidade, e mais ainda da pluralidade – que é a outra face do reconhecimento da dignidade humana. Constitucionalmente e a partir desse quadro logo inicialmente traçado de organização social a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, reconhece-se a mais valia da não condução primeira do Estado na matéria de família e paternidade: - o Estado não assume como missão, por respeito à dignidade humana, determinar quando os cidadãos devem constituir família, ter filhos, nem a educação destes filhos. Isso tudo compete à livre iniciativa e oportunidade de cada cidadão. Portanto, a intervenção do Estado relativamente aos menores dá-se na inoperância ou impasse das determinações dos progenitores em execução do seu direito/dever, e de modo por isso residual e limitado ao estritamente necessário. Não tem assim o Estado autoridade para determinar o nível económico dos filhos, ou dito de outro modo, se é verdade que a fixação de alimentos obedece ao binómio necessidades-possibilidades, nada obsta que nessa fixação os progenitores definam o tipo de necessidades, vulgarmente, se as crianças devem ou não frequentar escolas privadas, frequentar actividades extra-escolares ou qual a qualidade da roupa que vestem. Isso mesmo veio referido na decisão recorrida, sem que porém, a nosso ver e com o devido respeito, tivesse sido observada a parcimónia da residualidade.
Terceiro, porque o artigo 2005º do Código Civil, se aponta para a regra da fixação de pensão certa, admite perfeitamente a excepção.
Quarto, praticar desporto não é o mesmo que ser desportista, e ser desportista não é o mesmo que ser saudável. O tribunal recorrido não consignou nos factos provados que o menor é saudável. Portanto, sabemos apenas que o menor pratica desporto. É certo que as exigências de fundamentação neste tipo de processos são menos rigorosas e podemos ir à alegação da progenitora sobre os custos médicos e medicamentosos para perceber que o menor não teve de facto particular necessidade de recorrer a médicos e medicamentos.
Quinto, se o menor fosse doente, padecesse de alguma doença que o obrigasse a recorrer regularmente a médicos e medicamentos, então sim faria sentido fixar uma pensão de montante certo para cobrir essas previsíveis despesas.
Sexto, mas como não é o caso, o que temos então como caso é a normalidade das situações: - ou seja, as despesas de saúde são, felizmente, imprevisíveis, indefinidas. Ou seja, não há como acabar com a assinalada incerteza do progenitor obrigado à pensão, com a potencialidade de conflito entre os progenitores por via do quanto, quando e como da participação nessas despesas, justamente porque essa indefinição nada tem a ver com o acordo que os progenitores hajam feito, nada tem a ver com ignorância dos progenitores ou menor empenho ou cuidado na escolha da melhor solução possível, mas sim apenas com a própria feliz incerteza da ocorrência dessas despesas. Lamentavelmente para a grande evolução dos nossos tempos, ainda não conseguimos prever quando é que as crianças ferem os joelhos na defesa da baliza, quando é que os dentes se lhes começam a encavalitar, quando é que passam a precisar de óculos, quando têm desmaios inexplicáveis.
É precisamente e só por isto que é absolutamente frequente a fixação da contribuição em despesas de ocorrência incerta ser feita de modo variável.
É por isso que o artigo 2005º do Código Civil não deve ser interpretado do modo em que o foi, até porque literalmente dele resulta o contrário, até porque, em decorrência dele, os aqui progenitores anteriormente haviam acordado na fixação variável, o que foi sindicado/verificado pelo tribunal que homologou esse acordo, verificação essa que é uma verificação de conformidade com a lei. E isto, nada tem a ver com as decisões dos tribunais na jurisdição voluntária poderem ser revistas. E finalmente, porque também não foi por isso que o aqui recorrido e requerente, pediu a eliminação da pensão variável.
No sentido da plena admissibilidade da fixação de base variável nestas matérias, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2018, na dgsi, sob o nº RP20180308419/17.8T8AVR.P1 cujo primeiro número de sumário reza:
I - A lei prevê, como regime regra, que a prestação alimentar seja mensal e pecuniária, nada obstando a que os progenitores acordem numa pensão com um regime misto, de prestação pecuniária mensal certa e de percentagem ou totalidade do pagamento de determinadas despesas, nomeadamente relativas a saúde e educação dos filhos crianças e jovens ou que, um deles, suporte em espécie parte dessas despesas, vg de saúde, por ser médico ou outro profissional de saúde (enfermeiro, fisioterapeuta, ortóptico, etc) ou de educação na vertente de explicações, por ser profissional dessa área, vg professor. É o que resulta do disposto no artº 2005º, nº 1, CC”.
Note-se ainda o seguinte: o resultado prático da alteração determinada é, senão contraditório, pelo menos potencializador de uma enorme incerteza e conflito: o resultado prático da alteração não é o de que não ficam reguladas as despesas médicas e medicamentosas, mas sim que estas são pagas mensalmente, quer existam quer não, à força da pensão de alimentos de base certa que as não incluía. A contradição, ou talvez não, vistos os argumentos fundamentadores usados, é a de que não havendo prova da diminuição nem das possibilidades do obrigado nem das necessidades do menor, se lhe pode ter reduzido a pensão alimentar de base. Um certo “indevido” com a solução determinada vem da perspectivação da inclusão de despesas por médicos e medicamentos na pensão base como uma espécie de capitalização, de seguro de assistência médica: - nos meses em que não haja essas despesas, ainda assim um qualquer valor pode/deve ser posto de lado pela progenitora para fazer face a despesas médicas e medicamentosas futuras. Finalmente, o enorme potencial de conflito está nisto: - há dois resultados para a ocorrência de despesas médicas e medicamentosas, um é que, conforme o seu montante, elas podem literalmente reduzir ou anular a pensão de alimentos de base (dito em termos práticos, a progenitora pode não ter dinheiro para dar comida ao filho no mês em que a despesa médica deste for elevada), e o outro é que, quando as despesas forem grandes, teremos a progenitora a ter a necessidade de vir novamente a juízo – quem sabe para mais três ou quatro anos de litigância – reclamar a alteração da regulação das responsabilidades parentais para que o pai contribua com determinada percentagem das despesas médicas e medicamentosas.
Imagine-se apenas, oxalá não, que o menor desenvolve doença que necessita de inúmeros exames de diagnóstico, de variados tratamentos urgentes, e que os progenitores não tendo seguros privados de saúde, têm de recorrer a hospitais privados para evitarem listas de espera em consultas, tratamentos e hospitais públicos. Onde fica a pensão para tudo o mais, que é regular e periódico e absolutamente necessário? A celeridade da justiça vai evitar que a mãe não tenha meios de prestar caução ao balcão de internamento dum hospital privado?
Por todo o exposto, impõe-se revogar a decisão recorrida, e determinar nesta parte, pura e simplesmente, por falta de prova do recorrido da diminuição das suas possibilidades e das necessidades do menor, a manutenção do regime anterior.
Quanto ao factor de actualização da pensão: os progenitores não o pediram. O factor 2,5% fixado por eles, por acordo, não é em si ilegal. Pode ser determinada a sua alteração oficiosamente? O tribunal entendeu que o factor que tem vindo a fixar noutras regulações e mais recentemente é mais correcto e mais fiável, isto é, mais próximo da efectiva recapitalização necessária para enfrentar a erosão da pensão.
O que o tribunal recorrido não demonstrou, porém, foi que o factor 2,5% fixado não fosse capaz de realizar esse intento: - aliás, a menção aos valores negativos de inflação, que a nova solução não contempla, vem mesmo dizer que uma actualização de 2,5% pode ter sido, em vários anos, muito superior ao que seria necessário para evitar a erosão da pensão. De resto, as perspectivas económicas nacionais e gerais não apontam para o crescimento relevante da inflação. Ora, pegando no que já dissemos acima, nada impede os progenitores, por acordo, de definirem ou aceitarem que o factor de actualização anual acordado não funcione apenas como exacta medida de compensação da erosão da pensão por inflação, mas como um verdadeiro aumento da pensão.
Por isso, na falta de pedido de alteração do factor de actualização fixado, entendemos que o tribunal não pode alterar o factor acordado.
Procede pois também o recurso nesta parte, impondo-se revogar a decisão recorrida e manter o factor de actualização anual acordado entre os progenitores e por estes não posto em causa nos presentes autos.
4ª questão: da litigância de má-fé do requerente:
Considerou o tribunal recorrido, e citamos:           
“A requerida (e apelante) considera que o requerente (e apelado) deve ser condenado como litigante de má fé uma vez que o requerente alegou factos que não conseguiu provar tendo resultada provada uma factualidade bem diversa, omitindo factos pessoais, essenciais à descoberta da verdade e boa decisão da causa, designadamente os rendimentos de capitais de uma das sociedades, a circunstância de habitar numa moradia com um nível de qualidade e conforto que não se coaduna com o rendimento mensal auferido, bem como relativamente ao agregado familiar com quem reside e que pagava pensão de alimentos a uma outra filha em que apenas fez prova desse pagamento num período de três meses e há alguns anos atrás.
Na resposta, o requerente (e apelado) veio pugnar pela inexistência de qualquer fundamento relativamente ao pedido de condenação como litigante de má fé.
O Ministério Público nada disse.
Vejamos.
Nos termos do artigo 542.º do Código de Processo Civil, os comportamentos que a lei tipifica como integrando má fé processual são:
a) Dedução de pretensão ou oposição cuja fatal de fundamento, de facto ou de direito, a parte não devia ignorar, ou seja, a parte deve ponderar a razoabilidade da pretensão, evitando-a se não houver fundamento sério para a mesma;
b) Alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa;
c) Omissão grave do dever de cooperação;
d) Instrumentalização manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com vista a impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (n.º 2 do citado artigo).
A questão que se coloca é a de saber se o comportamento processual do requerente, ao alegar factos que não resultaram provados no âmbito da instrução e discussão da causa, consubstancia o vício processual de litigância de má fé e, desta forma, pode justificar a sua condenação em multa e indemnização.
A litigância de má fé traduz-se na utilização maliciosa e abusiva do processo (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 356), relevando do interesse público do respeito pelo processo e pela própria justiça e da necessidade de moralizar a lide, com vista a assegurar eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça.
É certo que os tribunais são normalmente acusados de alguma benevolência na apreciação deste vício processual mas, para sermos justos, temos também que afirmar que, normalmente, a litigância de má fé é invocada de forma exagerada nos processos quando o que, em regra, sucede é que as partes apresentam as suas versões dos factos, batem-se por elas e não as logram provar na sua totalidade.
Algum exagero ou omissão na pretensão deduzida não é, por si só, litigância de má fé mas, como resultou no presente caso relativamente à pretensão principal deduzida pelo requerente, falta de razão, tratada com a improcedência do pedido, por falta de prova dos factos constitutivos do seu direito ou a existência de circunstâncias supervenientes que aconselham, em nome da prevalência do superior interesse que o tribunal deve respeitar, uma alteração num modelo de assunção de obrigações alimentares que este tribunal não considera adequado perante circunstâncias relacionadas com o conflito familiar e que a necessidade de resolver através deste incidente de má fé apenas vem reforçar.
Constitui entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência que não deve confundir-se a litigância de má fé com:
(i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento;
(ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
(iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou
(iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer (Ac. RL de 02/03/2010, proc. n.º 6145/09.4TBCSC.L1-1, MARIA JOSÉ SIMÕES).
Com efeito, a simples circunstância de se dar como provada uma versão factual contrária à alegada pela outra parte, sobretudo quando tal prova se alicerça em depoimentos testemunhais que se confrontam com outros de sentido contrário, não é suficiente para fundar e fundamentar a condenação da parte que viu triunfar a versão da parte contrária, como litigante de má fé (Ac. STJ de 28/05/2009, proc. n.º 09B0681, ÁLVARO RODRIGUES).
É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má fé.
O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.
Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no artigo 8.º do Código de Processo Civil, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má fé.
A negligência grave deve ser entendida como imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um (Ac. STJ de 06/12/2001, proc. n.º 01A3692, AFONSO DE MELO).
Assim, a parte actuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspectos de facto, integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita.
Basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo-lhe indagar se a sua pretensão era fundamentada, no plano de facto e do direito, no caso concreto, praticando um acto desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quando à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável, tanto relevando a negligência consciente como a negligência inconsciente.
A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efectivo, sendo que a exigência deste equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra.
Deste modo, o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se assim: a generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento.
Assim, para que se consubstancie em litigância de má fé, a conduta processual a parte terá de ser qualificável como grave em termos de censurabilidade, o que reclamará sempre uma objectivação ou tradução em factos que não são uma simples convicção íntima do julgador e não uma simples construção de uma tese errada.
A jurisprudência dos tribunais superiores (e aqui apenas nos referimos ao Supremo Tribunal) densificou o conceito de acordo com as seguintes premissas:
(i) A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psicossociológico. Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.” (Ac. STJ de 29/05/2003, proc. n.º 03B3893, QUIRINO SOARES);
(ii) A defesa intransigente e reiterada pelo recorrente de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples expediente para protelar a decisão denegadora da razoabilidade da sua posição, pois de contrário, todo aquele que perde pode, só por isso, incorrer em condenação como litigante de má fé (Ac. STJ de de 19/04/2005, proc. n.º 05B3425, ARAÚJO BARROS);
(iii) A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei não implica por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos, entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, inter alia porque, pela própria natureza das coisas, a certeza jurídica é meramente tendencial (Ac. STJ de 04/12.2003, proc. n.º 03B3909, SALVADOR DA COSTA);
(iv) A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do artigo 542.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil (Ac. STJ de 13/01/2015, proc. n.º 36/12.9TVLSB.L1.S1, FONSECA RAMOS);
(v) A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha actuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele (Ac. STJ de 18/02/2015, proc. n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1, SILVA SALAZAR).
A verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do juiz que, sendo relevante para a tomada de decisão, não atinge, porém, a certeza das verdades reveladas.
Com efeito, a verdade judicial ou processual é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico.
Em segundo lugar, a simples ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada também não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como uma simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.
Em terceiro lugar, estamos perante processos de jurisdição voluntária em que a actividade investigatória do tribunal não depende especialmente da iniciativa probatória das partes, sendo possível que sejam obtidos factos ou elementos de prova que não sejam previstos pelos interessados.
Finalmente, como a própria jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa tem afirmado (mesmo em repetições de incidentes de suspeição), estamos perante acções relativas a relações familiares, em que o conflito parental encerra uma forte componente emocional nas relações entre as partes (sendo certo que, no caso vertente, uma das partes exercia também a qualidade de advogada em causa própria), emprestando uma certa paixão nos argumentos invocados pelas partes, sendo certo que, nalgumas situações, a própria duração do processo vai contribuindo para alterar as situações pessoais de cada um dos intervenientes, que são dinâmicas e não estáticas, o que torna razoável a consideração de que um facto alegado hoje e não provado amanhã (atento o princípio da actualidade da decisão nas providências tutelares cíveis e nas questões relacionadas com os alimentos) não implica, necessariamente, a verificação do vício de má fé.
Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual, especialmente quando estamos processos desta natureza.
A sanção processual imposta à litigância de má fé é cominada para ilícitos praticados no processo, cujo adequado desenvolvimento visam promover e, com a sua estatuição, pretende-se, consoante os casos, obter a cooperação dos particulares com o órgão de administração da justiça, importe aos litigantes uma conduta que não prejudique a acção da justiça ou ainda assegurar o respeito devido aos tribunais, circunstância que não ocorreu no presente processo.
Em suma, a lide imprudente ou meramente temerária, assente apenas na falta de prova dos factos pessoais alegados por uma das partes, não justifica a condenação por litigância de má fé (Ac. RC de 14/02/1989 in BMJ 385.º-622; Ac. RP de 01/10/1992 in CJ, IV, p. 242).
É possível reafirmar que a simples circunstância de uma das partes não conseguir provar determinados factos por si alegados não significa, por si só, a falsidade ou desconformidade do alegado com a verdade, mas apenas que não logrou convencer o tribunal dessa posição.
Deste modo, a falta de razão processual não significa sempre má fé, a não ser que a parte dela tenha consciência e, apesar disso, formule pretensão ou deduza oposição em juízo, circunstâncias que nem sempre o tribunal conseguirá aferir pois não consegue alcançar o pensamento das partes ou dos seus advogados.
Assim, só quando o processo forneça elementos de prova seguros de que a parte actuou com a consciência de não ter razão é que deve ser censurada como litigante de má fé, o que não se observa no caso em apreço e, desta forma, não resultaram provados quaisquer indícios seguros de má fé processual por parte do requerente ou da requerida”. (fim de citação).
Concordando-se genericamente com as considerações feitas, dizer então:
A imputação de litigância de má-fé não foi feita pela requerida e recorrente visando a alegação de factos que não se conseguiram provar, mas visando directamente a alteração da verdade dos factos e a omissão de factos relevantes, concretamente a alegação de que se pagava uma pensão de alimentos à nova filha, e a omissão de alegação da situação patrimonial, tanto relativa aos rendimentos das empresas, como à multiplicidade delas, como à própria propriedade de variados bens, da casa onde vive e das suas qualidades, ao património herdado de sua mãe.
Como já advertimos na reapreciação da matéria de facto, o que nos interessa não é a evolução da situação ao longo da duração processual, mas sim apurar se, à data em que são alegados os factos supostamente inverídicos e são omitidos os factos relevantes, efectivamente se verificou a falta de verdade e a omissão.
E, para isto, a ponderação da emoção no processo ou do afã demonstrativo das partes é-nos irrelevante: no requerimento inicial e nas alegações produzidas em 2014 após a frustração da conferência de progenitores, o requerente alegou falsamente e omitiu factualidade relevante?
Se já descartámos a questão da alegação de pagamento de pensão à filha, é facto que foi omitido o rendimento de capitais relativamente a 2013 e 2014. Essa omissão permitiu ao requerente dizer que apesar de deter uma empresa, isso não era uma regalia, pois dela apenas retirava um vencimento mensal de €550,00 (artigo 23º do requerimento inicial). É com base nisto, enquadrado (artigo 19º) no enorme abalo do sector da construção civil (2013, e aqui tudo certo), que o requerente veio dizer, no fundo, que só podia contar com esse seu ordenado quase mínimo para pagar todas as suas despesas incluindo a pensão ao filho, ou seja, que a pensão ao filho tinha de ser reduzida para €150,00 porque ele não podia pagar mais.
Temos apurado então que em 2013, por via da declaração de IRS de 2014, o requerente recebeu €10.000,00 de rendimentos de capitais, ou seja, €833,33 mensais a somar aos €550,00. Vamos esquecer os bens herdados, porque não partilhados, não sendo particularmente simples fazer “render” quinhões hereditários.
É verdade que a alegação do requerente não deixou de ser uma, com o devido respeito, “mentira de perna curta”: - é o que o próprio tribunal recorrido disse, quando se referiu à evidência de que o estilo de vida do recorrente era completamente incompatível com os rendimentos mínimos que alegava ter.
Que portanto o requerente omitiu factos relevantes relativos à sua situação económica omitiu e isto nada tem a ver com não se conseguir provar o que se alega, nem com uma defesa intransigente e porventura exagerada duma posição. Isto é mesmo só: - “sendo-me exigível que eu conheça se a factualidade que vou invocar produz a consequência que eu quero, porque a lei assim ma garante e consente, ou no fundo, vou recorrer ao tribunal, vou pôr o tribunal a trabalhar, vou usar os meios da justiça, porque esta factualidade que eu tenho, em que estou, me dá o direito de pedir o que peço, seja linearmente, seja através duma defesa jurídica mais ousada e persistente, então eu, se sei que tenho ou que estou em mais factualidade que altera relevantemente a minha situação, não devo, por probidade, ir gastar a justiça apresentando-lhe um cenário que não corresponde inteiramente à verdade”.
A censura desta circunstância altera-se pela alegação ser facilmente desmontável? Não. Porque se o dever primeiramente violado é o de probidade, em decorrência da boa-fé geral, quem assim alega não se comede, não se (e à sociedade em geral) evita a recorrer ao sistema de justiça. É mesmo uma coordenação de probidade com economia, que impõe parcimónia na utilização do serviço público da justiça. Por pequeno ou curto que seja o trabalho despendido pelo tribunal, in casu, por diligência da parte contrária, o sistema de justiça foi desviado para actuar num caso em que, à partida, pese o cenário de incerteza do sector profissional do requerente, ainda lhe sobravam, e ele sabia, meios de pagamento da pensão anteriormente fixada ao filho, sem que por isso houvesse qualquer justificação para o pedido.
Nada deste considerando se altera quando o tribunal aproveita a oportunidade para aplicar o que considera uma adequação à lei por serviço ao superior interesse do menor. O que releva para a verificação da má-fé é, estritamente, a conduta do litigante.
Isso releva, a nosso modesto ver, para a graduação da multa: - se a omissão é facilmente descoberta, o sistema não perdeu muito tempo (independentemente de em concreto o processo ter durado tempo demais por via das contribuições rigorosíssimas da requerida).
Em suma, consideramos que o requerente litigou de má-fé, impondo-se a sua condenação em 3 (três) UC de multa, nos termos conjugados dos artigos 542º nº 1 e 2 al. b) do CPC e 27º nº 3 do Regulamento das Custas Processuais.
Quanto à indemnização, recorde-se que a requerida alegou as suas despesas com certidões e outra documentação, e contabilizou também o seu tempo de trabalho enquanto advogada em causa própria sem que o valor das despesas e do tempo de trabalho hora alegados tenham sido levados aos factos provados e nesta parte a requerida e recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto. Não estamos portanto no caso a que se refere o nº 3 do artigo 543º do Código de Processo Civil, mas no caso de base previsto no nº 1 al. a) do artigo 543º citado e no nº 2º do mesmo preceito: - ao tribunal incumbe optar pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando quantia certa.
Pegando no que acabámos de dizer, sobre a independência das contribuições rigorosíssimas e particularmente activas da requerida, ou seja, não podendo atribuir-se um valor em exacta correspondência com toda a actividade pró processual e processual que desenvolveu, e conjugando com a facilidade de demonstração da litigância de má-fé por uma espécie de inépcia do próprio requerente, entendemos que a indemnização a fixar é, mais adequadamente, a que corresponde ao próprio montante da multa.
5ª questão: - da indevida condenação da requerente, ora recorrente, em custas.
Considerando que a recorrente obteve vencimento no recurso, as custas, tanto em primeira instância como no recurso, no que toca à causa principal, devem ser suportadas pelo recorrido, por ter ficado vencido – nos termos do artigo 527º nº 1 e 2 do CPC – pelo que fica prejudicada a apreciação desta questão.
Resta dizer porém que, no que toca ao incidente de litigância de má-fé, mas apenas quanto ao pedido de indemnização, a recorrente decaiu parcialmente, pelo que, na proporção da condenação do recorrido face ao valor da indemnização peticionada pela requerida e recorrente, devem as custas ser pagas em proporção.
Em suma, procede parcialmente o recurso.
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, substituindo-a pelo presente acórdão que julga a alteração da regulação das responsabilidades parentais deduzida pelo requerente e ora recorrido improcedente, mantendo o regime das responsabilidades parentais anteriormente acordado e homologado e concretamente a pensão de alimentos de base certa e de base variável nele fixadas, bem como mantendo o factor de actualização anual da pensão.
Mais condenam o requerente e recorrido como litigante de má-fé, em 3 (três) UC de multa e em igual quantia de indemnização a favor da recorrente.
Custas do pedido, em primeira e segunda instância, pelo requerente e recorrido.
Custas do incidente de litigância de má-fé pelo requerente e recorrido, sendo também, na parte relativa à indemnização peticionada pela recorrente e requerida, por esta, na proporção do seu decaimento.
Registe e notifique.

Lisboa, 05 de Dezembro de 2019
Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
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[1] Corresponde a lapso, devendo ler-se 2014.