Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
53/13.1TCFUN.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: VONTADE REAL E VONTADE DECLARADA
SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Não tendo sido feita prova da divergência entre a vontade real e a declarada, pressuposto da alegada simulação, bem como da ocorrência de benefício excessivo ou injustificado, elemento caracterizador da natureza usurária apontada aos negócios celebrados, terá de improceder o pedido da respectiva anulação, com base em tal formulado.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:               Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1. J... e mulher,  N..., vieram propor, contra M... Lda, M... e mulher, K..., e U... SA, acção com processo comum, distribuída à comarca da Madeira - Juízo Central do Funchal, pedindo a anulação, por alegada simulação e usura, de contratos de compra e venda, promessa de compra e venda e arrendamento, celebrados entre os AA. e os 2ºs RR., tendo por objecto o imóvel onde aqueles habitam, e a condenação dos 1º e 2ºs RR. no pagamento aos AA. da quantia de € 25.000, a título de indemnização pelos danos pelos mesmos sofridos.

Contestaram os RR., impugnando a ocorrência dos invocados vícios - concluindo pela improcedência da acção e pedindo, em reconvenção, a 1ª R., a condenação dos AA. no pagamento da quantia de € 35.000, a título de indemnização pelos prejuízos alegadamente decorrentes da propositura da acção; e os 2ºs RR., o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel em causa, bem como a resolução do contrato promessa e a cessação do arrendamento quanto a ele celebrados, e a condenação dos  AA. a proceder à respectiva entrega e a pagar aos RR. indemnização pela sua ocupação indevida.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença, considerando improcedentes a acção e a reconvenção deduzida pela 1ª R. - e parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelos 2ºs RR., declarando-se estes titulares do direito de propriedade sobre o imóvel em causa e resolvido o arrendamento celebrado, e condenando-se os AA. a proceder à sua entrega e a pagar-lhes a quantia de € 23.850, a título de rendas vencidas, e as vincendas, no valor de € 450 mensais.

Inconformados, vieram os AA. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões :
- O art. 394º, n°2, do Cód. Civil, quanto à prova admissível, não admite a prova testemunhal, pelo que os pontos "O", "Q" e "R" têm de ser eliminados da sentença, porquanto emergem de depoimentos de pessoas com relações próximas dos RR.
O ponto "U" deve ficar resumido ao seguinte: o R. M... conheceu a casa tendo sido acompanhado pelo avaliador da U.C.I. por ocasião da deslocação deste ou então eliminar pura e simplesmente o ponto "U".
- No ponto "AAA" deve acrescentar-se ao seu final a expressão : sendo que os RR. passaram a receber dos AA. a renda de 450 €.
- No ponto "EEE" deve eliminar-se a expressão final: foi previamente acordado entre vendedor e comprador os quais ajustaram de início o valor de 150.000 €, sendo que o valor da escritura não foi integralmente recebido pelo AA.
- Os pontos 4, 17, 18 e 19, não provados, devem ser dados como provados.
- O conjunto dos factos provados, dos depoimentos de parte e de outros factos invocados nestas alegações, de forma pormenorizada, dão-se aqui por reproduzidos.
- Em consequência é manifesto que existiu simulação na escritura pública de compra e venda de 14/9/2011, porquanto a vontade real dos AA. não foi a de vender a sua casa de habitação, mas obter um financiamento ou empréstimo, destinado a solver as suas dívidas de montante global não superior a 100.000 €, sendo este valor inferior ao escriturado e nunca recebido pelos AA. na íntegra.
- Por banda dos RR. o que eles efectivamente quiseram foi reaver o dinheiro para ajudar os AA. e apenas isso.
- Tanto assim, que os RR. durante muito tempo nada fizeram no sentido de reivindicar o prédio, o que só veio a acontecer em sede de reconvenção.
- Ficando tudo isto assente, importa salientar qual a solução justa para dirimir o conflito entre as partes, tendo por consequência considerar os AA. os reais donos do prédio e decidir-se como subsistente apenas o contrato dissimulado de financiamento ou empréstimo no montante de 125.000 €, ou quando muito de 150.000 €, ressarcindo-se os RR. do pagamento por parte dos AA. dessa última quantia e doutras despesas feitas por estes a título de rectificação do imposto de selo e IMI, acrescidos dos juros legais.
- Esta é irrecusavelmente a solução justa em que não saem prejudicados, nem os AA. nem os RR.
Além da simulação, existe usura.
-  Com efeito, dado como provado (A) que os AA. deparavam com dificuldades financeiras, a "Finihouse", através de A... e J…, aconselhou os AA. a venderem o seu prédio.
- O R. marido trabalhava para a UCI mantendo relações profissionais com a "Finihouse".
-  Foi a "Finihouse" quem contactou o R. marido e sugeriu este como comprador do prédio.
- Os agentes da "Finihouse" e o R. marido não podiam desconhecer as dificuldades dos AA. nem as motivações destes relativamente ao preço da casa.
Ora o preço inicialmente ajustado era 150.000 € repetidamente confessado pelos RR. M... e K... em vários artigos da contestação (vide art38°, 44°, 49°, 53°, 60°, 123° e 151°).
- Que era o valor suficiente para aliviar as dívidas dos AA. e melhorar a sua situação financeira.
- Nenhum dos RR. podia desconhecer que a casa valeria 260.000 € ou mais.
- Apesar de tudo isso na escritura surge o valor de 180.000 € como tendo sido recebido pelos AA.
 E os AA. receberam 150.000 € em cheque.
- Como resulta dos autos, foram endossados ao A. marido outros dois cheques perfazendo ambos cerca de  50.000 €,  valor este destinado a comissões.
- O que significa que os AA. perderam logo aí 30.000 € (180.000 € - 150.000 €).
- Mas as coisas não ficaram por aqui, porque foi depois exigido aos AA. 194.100 € e nas vésperas da escritura de recompra 205.000 €.
É evidente que se tratou de uma forte escalada de preço para a recompra, não permitida por lei (de 125.000 € para 180.000 €, para 194.100 € e para 205.000 €), num espaço temporal de um ano.
- Sendo tais contratos de simulação e usura o resultado de uma engenharia jurídica engendrada por aqueles RR. aproveitando-se da situação de necessidade e inexperiência dos AA. para tirarem proveitos ou benefícios dos negócios feitos.
Como resultou de todo o exposto os AA. apenas pretenderam obter um financiamento ou empréstimo dos RR. M... e K...
- Assim deve dar-se como provado o ponto 22 e eliminar-se o ponto 23 dos factos não provados e o ponto 24 alterado nos seguintes termos: o que foi querido foi um empréstimo tendo como beneficiários os AA.
- Concluindo, devem julgar-se nulos e anuláveis todos os contratos constantes dos autos por serem simulados e ainda anulável a usura.
- Em consequência, cancelarem-se os registos da aquisição a favor dos 2ºs RR. e a hipoteca a favor da 3ª R. e os que eventualmente venham a ser feitos posteriormente.
Decidir-se como subsistente apenas o contrato dissimulado, de financiamento ou empréstimo no montante, pelo menos, de 125.000 € e outras despesas feitas pelos RR., tudo acrescido dos juros vencidos até ao presente.

Em contra-alegações, pronunciaram-se os 2ºs e 3ª RR. pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.– Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
A.- Os AA., no Verão de 2011, deparavam-se com dificuldades financeiras.
B.- Em Outubro de 2011, o A. marido auferia um vencimento base mensal de € 583,58, como funcionário no Município da Ribeira Brava.
C.- Em Agosto de 2011, a A. mulher auferia um vencimento base mensal no valor de € 817,01, como funcionária da Escola Básica Secundária Padre Manuel Alvares.
D.- Com a prestação mensal de empréstimo ao Banif, os AA. despendiam a quantia de € 369,76.
E.- Com pagamentos referentes a cartões de crédito, os AA. despenderam, entre Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011, a quantia de € 397,54.
F.- Entre Abril e Dezembro de 2011, os AA. tiveram atrasos nos pagamentos das prestações relativas à Vodafone, ZON, Santander Totta e TMN e a cartões de crédito.
G.- Os AA. têm três filhos, de seus nomes, H..., V... e P..., nascidos em 4/1/92, 18/11/95 e 12/6/98.
H.- H... esteve inscrito, no ano de 2011-2012, na Universidade da Beira Interior, no ciclo de estudos integrados conducente ao grau de Mestre em Medicina.
I.-  Perante o referido em A. a J., os AA. contactaram a Finihouse, ConsuItadoria Financeira, onde foram atendidos por A... e J...
J.- A M... Lda, é uma sociedade por quotas, cujo objecto se traduz na prestação de serviços de consultaria financeira e imobiliária, formação profissional, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
K.- A M … Lda, tem como sócio J...
L.-  Pelo Av. 1- Ap. 1/20080709, mostra-se registada a renúncia à gerência da R. M... Lda, por parte de A...
M.- A M... Lda, é a titular do registo da marca "Finihouse".
N.- Após análise da situação financeira dos AA., que tinham crédito em mora e atrasos em pagamentos, constatando-se a inexistência de um produto bancário para consolidação de crédito com mora, foram os AA. aconselhados por A... e J... a vender a sua casa de habitação, situada à Rua 6 de Maio, nº7, na Ribeira Brava.
O.- Os RR. M...  e K... decidiram, por volta do inicio do ano de 2011, procurar uma moradia para adquirir na Ribeira Brava, uma vez que a R. K... havia sido transferida para a agência do Banco Barclays na Calheta, a 1/1/ 2011.
P.A R.  K... engravidou em Maio de 2011, tendo sido esta uma gravidez de risco.
Q.- Com a aquisição de uma moradia na Ribeira Brava, o casal dos RR. M...  e K... visava encurtar as distâncias entre casa e o local de trabalho da R.
R.- Este desejo por parte dos RR. M... e K... de adquirir casa na zona da Ribeira Brava era do conhecimento de amigos e colegas de trabalho.
S.- O R. M... foi contactado por A... e J..., sugerindo-lhe a aquisição da casa dos ora AA., na Ribeira Brava.
T.- O R. M..., acompanhado pelo avaliador da UCI, M... , deslocou-se até à Ribeira Brava para visitar o imóvel.
U. O R. M... conheceu a respectiva proprietária e filhos, tendo a A. acompanhado a visita.
V.Em 14/9/2011, os AA., na qualidade de vendedores, os RR. M... e K..., na qualidade de compradores, e F..., na qualidade de procurador da U… SA, celebraram escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, de onde constam, entre outros, os seguintes dizeres: "Pelo outorgante marido foi dito que, pela presente escritura e mediante o preço de € 180.000,00, já recebido e de que presta quitação, vende aos segundos outorgantes, livre de quaisquer ónus ou encargos, um prédio urbano, localizado ao sítio do muro, actualmente Rua 6 de Maio, nº 7, freguesia e concelho de Ribeira Brava (...) inscrito na matriz sob o artigo 4147, com o valor patrimonial de € 14.967,42, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o número quatro mil cento e oitenta e três, daquela freguesia (...) Pelos segundos outorgantes foi dito: que aceitam o presente contrato nos exactos termos exarados e o prédio ora adquirido se destina exclusivamente à sua habitação própria e permanente. (...) não houve intervenção de mediador imobiliário. Pela primeira outorgante mulher foi dito que presta ao seu marido o necessário consentimento para a prática do presente acto. Pelos segundos outorgantes foi dito que para a aquisição do prédio atrás identificado, solicitaram à UCI um empréstimo no montante de cento e cinquenta mil duzentos e oitenta e cinco euros e oitenta e nove cêntimos de que desde já se confessam solidariamente devedores o qual, nesta data, lhes é concedido ao abrigo do Regime de Crédito Geral de crédito à habitação (...) que em caução e garantia do referido empréstimo (…) constituem hipoteca sobre o prédio atrás identificado e adquirido (...)”.
W.- Os AA. receberam um cheque emitido em nome do A. I..., datado de 14/9/2011, na quantia de € 125.000.
X.- O cheque referido em W. foi depositado, em 14/9/2011, na conta dos AA. nº 003800052045637777187.
Y.- Entre 16 e 19/9  foram pagos empréstimos dos AA. e respectivos juros, despesas e comissões, através da conta referida em X., no valor total de € 97.271,06 e os valores referentes a cartões de crédito.
Z.-Pela Ap. 2990, de 14/9/2011, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Brava sob o nº 4183/20110901, foi registado em nome dos RR. M... e K..., por compra.
AA.- A 14/09/2011, os AA., na qualidade de segundos outorgantes, e os RR. M... e K..., na qualidade de primeiros outorgantes, celebraram documento escrito, denominado "Contrato-Promessa de compra e venda" de onde constam, entre outros, os seguintes dizeres : “Os primeiros outorgantes são donos e legítimos proprietários do prédio urbano (...) sito na Rua 6 de Maio, freguesia de Ribeira Brava (...) descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o número 04183/2802200- Ribeira Brava, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4147 (...) os Primeiros outorgantes prometem vender, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidade aos segundos outorgantes (...) a qual reciprocamente prometem comprar (...) a escritura de compra e venda será outorgada no prazo máximo de 12 meses, em dia, hora e local a designar pelos promitentes-vendedores que, para o efeito, deverão avisar os promitentes-compradores com dez dias de antecedência (…) O preço global a pagar (...) € 180.000,00 (…) a titulo de sinal (...) 2.000,00 € (...) o remanescente será pago no acto de formalização da escritura definitiva de compra e venda. (...) os promitentes vendedores e os promitentes-compradores celebraram um contrato de arrendamento em simultâneo com este contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto o imóvel supra identificado. (...) o atraso no pagamento de duas ou mais rendas devidas na vigência deste contrato (...) constituirá causa objectiva de resolução do presente contrato de promessa de compra e venda por parte dos aqui promitentes-vendedores estando ambos de acordo quanto à essencialidade desta cláusula para formação das respectivas vontades de celebrar estes contratos (...)”.
BB.- A 14/9/2011, os AA., na qualidade de segundos outorgantes, e os RR. M... e K..., na qualidade de primeiros outorgantes, celebraram acordo escrito, denominado "Contrato de arrendamento habitacional de duração limitada", de onde constam, entre outros, os seguintes dizeres: " (...) Os primeiros outorgantes são donos e legítimos proprietários do Prédio urbano (...) sito na Rua 6 de Maio, freguesia de Ribeira Brava (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Brava sob o número 04183/2802200 - Ribeira Brava, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4147 (…) dão de arrendamento aos segundos outorgantes o imóvel identificado, pelo prazo máximo de doze meses (...) O imóvel destina-se a habitação dos inquilinos (…) Durante a vigência do contrato a renda mensal, a pagar até ao 8° dia do mês a que respeitar (…)  será de 450,00 € (...) ficam a cargo dos inquilinos todas  as despesas  inerentes aos consumos efectuados no local arrendado (...) bem como o IMI (...) taxas camarárias (...) senhorios e inquilinos estipulam que o atraso no pagamento de duas ou mais rendas devidas na vigência deste contrato de arrendamento constituirá causa objectiva de resolução do contrato de promessa de compra e venda e do presente contrato de arrendamento por parte dos aqui senhorios” (...)
CC.- Os AA. entregaram, em 14/9/2011, aos RR. M... e K... a quantia de € 3.150,00, relativos a sete meses de "renda”.
DD.- À data da celebração da escritura referida em V. o valor patrimonial tributário do imóvel ali referido estava registado como sendo de € 14.976,42.
EE.- Em 19/8/2011, a UCI avaliou o imóvel referido em V. em € 264.750,00.
FF.- Em 2012, o valor patrimonial do imóvel referido em V. foi fixado pelas Finanças em € 236.840.
GG.- Os RR. M... e K... Vieira pagaram, em 2012, € 710,52 a título de IMI.
HH.- Em 2012, os RR. M... e K... pagaram a quantia de € 3.270, a título de acerto de IMT devido pela compra referida em V.
II.-  Em 2012, os RR. M... e K… a pagaram a quantia de € 454,72, a título de acerto no valor do Imposto de selo devido pela compra referida em V.
JJ.- Em 25/9/2012, a A. N… enviou ao R. M... um e-mail em que comunica enviar o comprovativo do pagamento de € 1.000, como combinado e solicita alteração da data de pagamento dos € 1.000, referentes a Outubro de 2012 para o dia 20, por ser o dia de entrada do seu vencimento.
KK.- A 20/11/2012, A... reencaminhou para a A. N..., um e-mail proveniente do R. M... , de onde constam, entre outros, os seguintes dizeres:" (...) Em anexo segue a caderneta predial urbana actualizada, como podem verificar o valor de avaliação já foi actualizado para 236.840€. Tendo em conta esta actualização recebi hoje uma notificação das Finanças com a diferença do lS, a pagar até dia 19 de Dezembro de 2012. Solicito que os clientes transfiram o montante solicitado pelas finanças, ou seja, 454,72€ para que possa proceder ao pagamento. Relembro que ainda estou a aguardar o pagamento de 75€ referente ao IMI pago já este ano e que até ao momento não foi pago pelos clientes. Solicito ainda que confirmem com os clientes se vão ou não pagar os 1000€ que nos são devidos, com data de 9 de Novembro, tal como combinado. Preciso de saber qual a decisão dos clientes para saber se dou início ao processo de restituição de propriedade  (…) Caso os clientes pretendam retomar os pagamentos com a possibilidade de realizar a escritura até ao final do mês de Dezembro, então sugiro que façam o pagamento ainda hoje por transferência com o envio do comprovativo até ao final do dia (...) “.
LL.- A 10/12/2012, J... reencaminhou para a A. N..., um e-mail proveniente do R. M..., de onde constam, entre outros, os seguintes dizeres : " (...) Acabo de receber outra notificação das finanças, desta vez referente a IMT, no valor de € 3.270,10 (...) Como podem constatar o valor somado de impostos referentes à moradia da Ribeira Brava totaliza 4.435,34 que têm de ser pagos obrigatoriamente até ao final de Dezembro (...)”.
MM.- Os AA. pagaram a quantia mensal acordada de € 450, até ao dia 8/1/2013.
NN.- Os AA. pagaram aos RR. M... e K..., € 1.000, em Setembro de 2012 e € 1.000, em Outubro de 2012.
OO.- Os AA. apresentaram queixa-crime em 27/12/2012, relatando os factos que relatam nestes autos.
PP.- A 9/1/2013, a A. N... enviou a A... um e-mail, de onde constam, entre outros, os seguintes dizeres: " Subject: Valores para resolver a recompra. (...) Como o processo está a demorar falamos com um familiar (...) precisamos com urgência do valor final de recompra e todos os encargos inerentes ao processo da vossa parte (...)".
QQ.- A 10/1/2013, em resposta ao e-mail referido em PP., J... reencaminhou para a A. N..., um e-mail proveniente do R. M... , de onde constam, entre outros, os seguintes dizeres: " (…) Tal como tínhamos mencionado anteriormente, estávamos a estudar a resolução desta situação pela via judicial porém tendo em conta o email enviado pelos promitentes compradores, vamos aguardar a realização da escritura. lnformo que de acordo com os valores em atraso dos meses de Nov, Dez e Janeiro, juntamente com os valores pagos por nós às Finanças em Dezembro e também despesas que tivemos para conseguir realizar os pagamentos às finanças de forma atempada, valor para realização da escritura é de 205.000€ (...).
RR.-  Os AA. não pagaram as quantias referidas em HH, H. e LL.
SS. Os RR. M... e K... enviaram aos AA. carta registada, com aviso de recepção, datada de 10/1/2013, de onde constam, entre outros, os seguintes dizeres:" (...) interpelar V. Exas. (...) para comparecerem no cartório notarial de Ernesto C Santos (...) no dia 31 de Janeiro, pelas 10h00 m, a fim de ser celebrada a escritura definitiva de compra e venda (…)'.
TT.-  Do documento complementar da escritura referida em V. consta, para além do mais, que a U.C.I. empresta aos mutuários a quantia de cento e cinquenta mil duzentos e oitenta e cinco, vírgula oitocentos e noventa euros, a ser reembolsada em quatrocentos e oitenta prestações, sendo as primeiras seis no valor de 495,61 e as remanescentes calculadas com base na taxa de juro aplicável e no capital que se encontrar em dívida.
UU.- No dia referido em V. foi emitido um cheque, no valor de € 23.013,28, à ordem do A. marido.
VV.-  O A. marido endossou o cheque referido em UU. ao R. M...
WW.- Parte do valor do cheque referido em UU. foi usado para pagar as comissões da Finihouse.
XX.-  Durante os anos de 2011 e 2012, A... e J..., deslocaram-se ao trabalho da A. N... para a chamar a atenção que tinham de reunir e preparar a situação financeira do casal para que pudessem ser criadas condições de recurso à banca, no sentido de readquirir o imóvel, conforme estas haviam combinado com os RR. M... e K...
YY.- Pelo empréstimo referido em TT. os RR. M... e K... pagam uma prestação mensal de € 451,18, incluindo o montante referente a seguros.
ZZ.- A agência onde a R. K... trabalhava, na Calheta, encerrou, tendo esta sido transferida para a agência do Banco Barclays Colombo, Funchal, a 4/4/2012.
AAA.- O atraso na celebração da compra e venda prometida, que se devia ter realizado até 14/9/2012, começou a causar problemas financeiros aos RR. M… e K... porque contraíram um crédito à habitação no valor de €150.285,89, quando já possuíam um outro empréstimo à habitação e o agregado familiar dos RR. aumentou, passando a ter duas filhas menores.
BBB.- O contrato do R. M... cessou.
CCC.- Os AA. acordaram em ressarcir os RR. M... e K… das despesas por conta de IMT, Imposto do Selo e IMI.
DDD.- Os RR.M... e K… pediram aos AA. que lhes pagassem € 1.000 por cada mês de atraso no cumprimento do contrato-promessa, ao que estes acederam.
EEE.- O valor de € 180.000,00 inscrito na escritura referida em DD. foi previamente acordado entre vendedor e comprador.
FFF.- No dia 31/1/2013, a escritura de compra e venda definitiva referida em SS. não se realizou por os AA., tendo comparecido no Cartório Notarial, se terem recusado a outorgá-la, referindo a pendência em tribunal de uma acção em que pediam a nulidade dos negócios de compra e venda, de arrendamento e de promessa de venda por si assinados.
GGG.- Os AA. continuam a residir no imóvel referido em V. sem nada pagar aos RR. M... e K..., desde Fevereiro de 2013.
HHH.-  No ano escolar de 2013/2014 foi atribuída ao filho dos AA. uma bolsa escolar.

3.– Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639,º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. 

A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação dos vícios imputados aos contratos celebrados entre as partes.

Impugnam os AA., ora apelantes, a factualidade em que se fundou a decisão recorrida, sustentando dever ser eliminado ou alterado o constante dos pontos "O", "Q", "R", “U”, “AAA” e “EEE” da matéria provada e dado como provado o teor dos pontos 4, 17 a 19 e 22 a 24 dos factos não provados.

Relativamente à pretendida alteração à matéria provada, desde logo se dirá que, não se mostrando exista acordo simulatório ou negócio dissimulado, não será a invocada proibição do art. 394º, nº2, do C.Civil aplicável ao constante dos questionados pontos "O", "Q", "R".

Sendo que, no mais, bem como no tocante à matéria que pretendem seja dada como provada, independente- mente da sua relevância,  não especificam os apelantes, como se lhes impunha, em conformidade com o disposto no art. 640º, nº1, do C.P.Civil, os concretos meios probatórios que, sobre cada um desses pontos, levariam a decisão diversa da recorrida.

Rejeitando-se a impugnação, se haverá, assim, de manter inalterada a matéria de facto, fixada na sentença recorrida.

Em face da factualidade dada como assente, não poderá deixar de se entender, como decidido, não terem os apelantes logrado fazer prova, nomeadamente, da divergência entre a vontade real e a declarada, pressuposto da alegada simulação, bem como da ocorrência de benefício excessivo ou injustificado, elemento caracterizador da natureza usurária apontada aos negócios por si celebrados - pelo que é manifesta a improcedência dos pedidos formulados na acção.

Por outro lado, não oferecendo dúvida a titularidade do direito dos 2°s RR., relativamente ao imóvel em causa, ter-se-à de considerar que, devidos os reclamados montantes, a título de contrapartida pela sua ocupação, constitui a falta de pagamento pelos apelantes da renda estipulada fundamento da resolução do arrendamento quanto àquele celebrado - procedendo, em tal medida, o correspondente pedido reconvencional.

Em tais termos, forçoso se torna concluir pela improcedência da totalidade das atinentes alegações dos apelantes.

4.– Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, integralmente, a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.



Lisboa, 19-04-2018



Ferreira de Almeida - relator
Catarina Manso - 1ª adjunta
Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta