Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
280/14.4TTFUN.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: JUSTA CAUSA
ADEQUAÇÃO DA SANÇÃO DISCIPLINAR
DESCONTO DOS PERÍODOS DE FÉRIAS JUDICIAIS
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I-A sanção disciplinar de despedimento aplicada ao autor mostra-se excessiva e desproporcionada e como tal é ilícito o despedimento do trabalhador com invocação de justa causa.
II-O desconto dos períodos de férias judiciais no período dos 12 meses, referido na al.c) do n.º 1 do art.º 98-0 do CPT, introduzida pelo art.º 2 do Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10, não estava previsto na lei de autorização legislativa (Lei n.º76/2009 de 13/08) - que se manteve inalterada, e como tal, padece do vício de inconstitucionalidade orgânica, por contrariar o disposto nos artigos 112º, n.º 2, 165º, n.ºs 1 e 2 e 198º, n.º 1, al. b) da CRP.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA intentou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento em processo especial contra:
BBB,, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

A entidade empregadora apresentou articulado de motivação de despedimento, imputando-lhe factos que na sua opinião, violaram de forma culposa e grave os deveres de respeitar e tratar com urbanidade, os companheiros de trabalho; o de realizar o trabalho com zelo e diligência, bem como o cumprir com as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, de guardar lealdade ao empregador, o que tornaram de forma imediata e impossível a subsistência da relação de trabalho.

O trabalhador contestou, sustentando que nunca violou qualquer dever laboral, pelo que inexiste justa causa e consequentemente o despedimento terá que ser considerado ilícito. Concluiu, pedindo que seja julgada procedente, por provada, a presente ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e, consequentemente; a) ser declarada a licitude do seu despedimento; b) ser condenada a R. a indemnizar o A. por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados; c) ser condenada a R. a pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo do disposto no art.º 98º-N, nºs 1 a 3 do CPT.

Realizou-se audiência final, tendo o Autor optado pela indemnização substitutiva.

Na sentença recorrida foi proferida a seguinte decisão:

Com fundamento no atrás exposto, julgo procedente por provada a presente ação, e, em consequência:

a)Declaro a ilicitude do despedimento do autor efetuado pela ré, por improcedência do motivo de justa causa invocado.
b)Condeno a ré a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento (11.07.2014) até ao trânsito em julgado desta decisão, sem prejuízo das retribuições cujo pagamento é da responsabilidade da Segurança Social da área de residência do trabalho e das deduções previstas nas alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 390º do CT.
c)Condeno a Segurança Social da área de residência do trabalhador a pagar ao autor as retribuições que se venceram após o decurso do prazo de 12 meses, contados desde 15.07.2014 descontado o período de 139 dias, a efetuar até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do art.º 98º-N, nº 3 do CPT, sem prejuízo das importâncias referidas no nº 2 do artigo 390º do CT.
d)Condeno a ré a pagar ao autor uma indemnização de antiguidade correspondente a 20 (vinte dias) de retribuição base por fração ou ano completo de antiguidade contada desde 18.07.1972 até ao trânsito em julgado desta decisão.

A Ré, inconformada, interpôs recurso tendo para o efeito elaborado as seguintes Conclusões:

1.-Face à factualidade provada em sede de Audiência de Julgamento, nomeadamente, os factos dados como provados sob os n.ºs 1.1, 1.9. a 1.22. da douta sentença recorrida verifica-se justa causa de despedimento.
2.-Ficou provado que o A. violou os deveres funcionais a que está adstrito por força do respectivo vínculo laboral, designadamente os deveres de respeitar e tratar com urbanidade os companheiros de trabalho; o de realizar o trabalho com zelo e diligência; bem como o de cumprir com as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, e a douta sentença reconhece essa violação, devendo, em nossa opinião, ter considerado também violado o dever de guardar lealdade ao Empregador.
3.-Os factos apurados possuem uma gravidade que, só por si e em si, de um ponto de vista objectivo, jurídico, implicam uma quebra irremediável e sem retorno da relação de confiança que o vínculo laboral pressupõe entre empregado e empregador, impondo, nessa medida, a este último, o despedimento com justa causa, por ser a única sanção disciplinar que se revela proporcional, adequada e eficaz à infracção concreta.
4.-Na apreciação do caso em apreço, é de enorme relevância que o A. era de Chefe de Bar e que a R. tinha absoluta confiança neste, e que todos os funcionários, accionistas, membros da administração e familiares têm perfeito conhecimento das regras e que estas devem ser estritamente observadas por todos.
5.-Não só deve ser ponderada a conduta anterior do trabalhador, mas também a sua conduta posterior e o grau de arrependimento manifestado, sendo que o A. não só não revelou arrependimento, como praticou novas infracções, quando confrontado com a prática das infracções inicialmente imputadas, sendo que ao negar a sua prática não revelou arrependimento.
6.-O A., na qualidade de Chefe, chamou aos seus subordinados, “sacanas”, expressão que não pode ser interpretada, como fez o douto Tribunal a quo, como um desabafo, sendo proferido em reacção ao facto dos empregados, seus subordinados, terem cumprido com o seu dever de lealdade para com a entidade Empregadora, informando-a com verdade sobre os factos que eram do seu conhecimento, o que torna especialmente grave o insulto, que não pode deixar de constituir uma violação do dever de respeito e de urbanidade.
7.-Os factos provados configuram também uma violação do dever de lealdade pelo A., sendo certo que o dever de lealdade abrange mais situações que as referidas, exemplificativamente, na alínea f) do n.º 1 do art. º128 do C.T., sendo pacífico que o dever de lealdade ou honestidade não é susceptível de graduação, constituindo um dever absoluto, pelo que qualquer violação deste dever envolve uma falta grave, eliminando-se a confiança entre as partes.
8.-É irrelevante que o prejuízo patrimonial para a Entidade Empregadora tenha sido mínimo, para a quebra irremediável de confiança que o comportamento do A. causou.
9.-Um Chefe, atenta a natureza das suas funções, tem especiais obrigações, quer perante os seus subordinados, quer perante a sua Entidade empregadora, pelo que é muito grave que incite os seus subordinados a mentir à Entidade Empregadora.
10.-Não é razoável exigir a uma Entidade Empregadora a manutenção do vínculo laboral com um funcionário que exerce funções de chefia, e que, ao invés, de ser o primeiro a dar o exemplo, é o primeiro a transgredir, num comportamento persistentemente desleal e desobediente, e que insulta os seus subordinados por estes cumprirem com estes deveres.
11.-Os factos dados como provados em sede de Audiência de Julgamento são suficientemente graves, em si, e nas suas consequências, que justificam uma sanção disciplinar de despedimento, por ser esta proporcional, adequada, e justa, face à gravidade desses factos e culpa do A., que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho encontrando-se preenchido o conceito de justa causa, e verificada a justa causa de despedimento, devendo, a douta sentença ser revogada, declarando-se lícito o despedimento do A..
12.-Dado que é impossível a subsistência de uma relação laboral em que o trabalhador, como foi o caso do A., desobedece sistematicamente às ordens e instruções da Entidade Empregadora, que é desleal para com esta, dando um mau exemplo aos seus subordinados, quando deveria ter um comportamento exemplar, enquanto chefe, incitando-os a mentir à Entidade Empregadora, prevalecendo-se da sua posição hierárquica superior para os ofender, e quando a Entidade Empregadora perdeu de forma absoluta, irremediável e definitivamente a confiança que tinha no A., enquanto pessoa, funcionário, e Chefe, quer para o exercício destas ou de quaisquer outras funções.
13.-A única sanção disciplinar proporcional à gravidade das infracções e à culpabilidade do A. é o despedimento, sendo inexigível por parte da Entidade Empregadora a manutenção do vínculo laboral com o A.
14.-A alínea c) do n.º 1 do art.º 98- O do Código de Processo de Trabalho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10, está ferida do vício de inconstitucionalidade orgânica da já que viola o disposto nos artigos 112º, n.º 2, 165º, n.ºs 1 e 2 e 198º, n.º 1, al. b) da CRP.
15.-A acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, encontra-se regulada nos artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo de Trabalho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10.
16.-O referido Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 76/2009, de 13 de agosto, procedeu a um conjunto de alterações na disciplina processual do direito do trabalho, criando no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
17.-A Lei n.º 76/2009, de 13 de agosto, autorizou o Governo a alterar o Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, definindo o artigo 2.º o sentido e a extensão da autorização legislativa concedida, e previsto na alínea “n) Criar uma acção declarativa de condenação com processo especial para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, aplicável aos casos em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja ainda por inadaptação, e na alínea v) Caso a decisão da acção em primeira instância ocorra depois de decorridos 12 meses desde o início da acção, exceptuando os períodos de suspensão da instância, mediação, tentativa de conciliação e aperfeiçoamento dos articulados, e o despedimento seja considerado ilícito, prever que o tribunal determine que seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social o pagamento ao trabalhador das retribuições devidas após aquele prazo e até à decisão em primeira instância”.
18.-O art.º 2º do Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10, aditou ao Código de Processo do Trabalho, entre outros, o artigo 98º-O, sob a epígrafe “Deduções” em que extrapolando a referida Lei de Autorização Legislativa incluiu na alínea “c) Os períodos de férias judiciais”.
19.-Deve ser julgada organicamente inconstitucional a norma constante da alínea c) do n.º 1 do art.º 98º-O do Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10, que procedeu a alterações ao Código de Processo do Trabalho, aditando esta norma, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 76/2009, de 13 de Agosto, por violação das normas dos artigos 112º, n.º 2, 165º, n.ºs 1 e 2 e 198º, n.º 1, al. b), todos da CRP..
20.-Como refere J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira: “os decretos-leis autorizados, não podem exceder a autorização na qual se baseiam, e só mediante nova autorização legislativa é que podem ser alterados por um novo decreto-lei. (…) sendo, portanto, organicamente inconstitucionais, tudo se passando como se faltasse a lei de autorização, lá onde o decreto-lei extravasa ou desrespeita a lei. A violação da lei de autorização implica automaticamente uma violação da competência legislativa reservada da AR.”.
21.-Em respeito e em estrita observância da Lei de Autorização Legislativa n.º 76/2009, de 13 de agosto, em que os descontos possíveis são, apenas, os “períodos de suspensão da instância, mediação, tentativa de conciliação e aperfeiçoamento dos articulados”, deve ter-se por eliminada a alínea c) do n.º 1 do art. 98º-O, não devendo ser descontados os períodos de férias judiciais.
22.-O Tribunal a quo devia ter recusado a aplicação da alínea c) do art. 98º-O do C.P.T., em obediência ao art.º 204 da CRP.
23.-Em consequência, deve a douta sentença recorrida ser revogada na parte em que aplicou o art.º 98º-O, n.º 1, alínea c) do CPT, e, que por essa via, no decurso do período de 12 meses, descontou 129 dias de férias judiciais, devendo ser a Segurança Social a Entidade responsável e condenada pelo pagamento das retribuições intercalares respeitantes a este período de tempo.
Foram violados ou incorrectamente interpretados, entre outros, os arts. 112º, n.º 2, 165º, n.ºs 1 e 2 e 198º, n.º 1, al. b), e 204º, todos da CRP., e, incorrectamente aplicada a alínea c) do art.º 98º-O do C.P.T.

Não foram deduzidas contra-alegações.

A Exm.ª Procuradora-geral Adjunta deu parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
As questões suscitadas nas conclusões do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, são a verificação da justa causa no despedimento efectuado e, no que respeita às consequências do despedimento ilícito, o pagamento de retribuições intercalares pelo Estado.

Fundamentos de facto.
 
Foram considerados provados os seguintes factos:
1.-O autor entrou ao serviço da ré a 18.07.1972, exercendo ultimamente as funções inerentes à categoria profissional de chefe de bar, no Hotel (…), explorado pela ré, sob a autoridade e direção desta, mediante uma retribuição base de €956,02 acrescido de €76,56, a título de diuturnidade.
2.-Por despacho de 6.05.2014, do Sr. Dr. (…), administrador da ré, foi mandado instaurar um processo disciplinar com vista ao despedimento imediato do A., tendo sido nomeada instrutora do processo, a advogada signatária.
3.-Foi deduzida e entregue em mão ao A., e enviada por carta enviada sob registo e com aviso de recepção, a nota de culpa, datada de 29.05.2014, a qual foi recebida por este, respetivamente a 2.06.2014 e a 5.6.2104, por se terem apurado os factos constantes da nota de culpa:
“1.-O arguido trabalha no Hotel (…), explorado pela sociedade “BBB”, desde 18 de julho de 1972, com a categoria profissional de chefe de bar.
3.-Na segunda metade de abril último, a entidade empregadora teve conhecimento que o filho do arguido, estudante, de cerca de 16 anos de idade, por iniciativa de V. Exa., com o seu conhecimento e permissão, desde data que não foi possível apurar, mas, de forma continuada, praticamente todos os dias em que o arguido fazia os turnos das manhãs no período escolar, tomava o pequeno-almoço no Hotel (…) sem pagar, contra as ordens expressas da entidade empregadora.
4.-A prática destes factos iniciou-se há cerca de dois anos e prolongou-se até à presente data, coincidindo com os dias em que o arguido fazia os turnos da manhã.
5.-Geralmente, o filho do arguido entrava no Hotel (…) com este, cerca de um quarto para as sete, saindo logo após tomar o pequeno-almoço, perto das oito horas.
6.-O filho do arguido tomava o pequeno-almoço na copa, depois de entrar no restaurante onde os clientes tomam o pequeno-almoço, para servir-se de pão, queijo, fiambre, sumo, café, e também no bar que se encontrava fechado às chaves, por só abrir às 10h00m, para retirar as natas do frigorífico para preparar o seu café, ou, mesmo tirando um café da máquina expresso.
7.-Outras vezes, era mesmo o arguido quem ia buscar o café, pão, sumo, queijo, fiambre, para o pequeno-almoço do filho.
8.-Neste período de tempo, sem que se possa precisar o dia, mas, em hora que o arguido não se encontrava presente, o filho deste dirigiu-se ao bar do hotel com uns amigos, e sentou-se numa mesa, tendo o empregado de mesa, (…), perguntado se desejavam alguma coisa, tendo o filho do arguido respondido que não, e passados uns cinco minutos, levantou-se e foi ao restaurante servir-se de bebidas para si e para os amigos, saindo, sem pagar ou assinar qualquer vale para o arguido pagar.
9.-Outro dia, em data não apurada, mas, no referido período de tempo, o filho do arguido ligou a máquina do sumo do restaurante e sentou-se a uma mesa para tomá-lo, como se fosse um cliente, dizendo ao empregado de mesa, (…), que se encontrava no bar, que estava a sentir-se mal, tendo este funcionário informado o arguido, que foi até ao restaurante, e serviu o filho com mais sumo e uma torrada, sem pagar, ou assinar qualquer vale.
10.-Os factos constantes da presente nota de culpa foram presenciados por vários funcionários do Hotel e eram praticados com tanta frequência e naturalidade que todos pensavam que a entidade empregadora tinha conhecimento.
11.-Os funcionários do hotel tomam o pequeno-almoço no refeitório, ou no caso dos funcionários do restaurante, por vezes, na copa, devido ao trabalho.
12.-As normas do Hotel (…) relativamente aos cafés e bebidas tomadas pelos funcionários, é pagarem de imediato, embora, a um preço especial, mas, não abrangendo os seus familiares, sendo tudo faturado.
13.-E no caso dos acionistas, membros da administração, e seus familiares, a norma é que sejam pagas de imediato por todos, ou no fim do mês, mediante a sua assinatura num vale, sempre com um desconto de 50%, sendo obrigatório que o funcionário que sirva passe um vale para assinarem após o consumo, sendo tudo faturado.
14.-Todos os funcionários, acionistas, membros da administração e familiares têm perfeito conhecimento destas regras que devem ser estritamente observadas por todos.
15.-O procedimento do Hotel (…) relativamente a qualquer consumo pelos filhos dos acionistas e administradores é que seja passado um vale para assinarem, entregando depois na recepção para fazerem a conta, e serem pagas por aqueles no fim do mês.
16.-O Sr. Dr. (…), administrador da entidade empregadora, após ter tomado conhecimento destes factos, falou com vários funcionários do Hotel (…) que exerciam funções no restaurante e bar que confirmaram e informaram mais detalhadamente sobre a prática dos referidos factos pelo arguido.
17.-Quando o arguido tomou conhecimento dessas conversas, prevalecendo- se da sua superior posição hierárquica, de chefe, começou a praticar uma série de represálias, contra a empregada de mesa de 2ª, (…), começando a criticar injustamente o seu trabalho, acusando-a de que não ouvia os clientes, que não lhe obedecia, dizendo-lhe que tinha vergonha do seu serviço, sempre num tom de voz alto e zangado, quando antes fazia apenas alguma crítica, e não em voz alta ou zangado, como agora passou a fazer quase diariamente.
18.-E quando tomou conhecimento de o empregado de mesa (…) ter falado com a sua entidade empregadora, sobre a prática pelo arguido dos factos constantes da presente nota de culpa, culpou-o pessoalmente por ter ido falar com a administração, dizendo-lhe que não estava à espera, que tinha sido “um sacana”, dizendo que os outros funcionários que tinham também falado eram “uns sacanas e uns porcos”, ameaçando que a partir desse momento tudo ia mudar no trabalho.
19.-Posteriormente, no dia 30 de abril último, quando o arguido tomou conhecimento que lhe tinha sido movido um processo disciplinar, dirigiu-se ao empregado de mesa, (…), que ia ter um processo disciplinar e para pedir-lhe que mentisse, para tentar inverter o que tinha dito ao Senhor Doutor, que não dissesse que tinha visto o filho a tomar o pequeno-almoço, e que tinha sido só umas duas vezes, e falasse com os seus colegas para fazerem o mesmo, tendo este funcionário ficado surpreendido com esta atitude do seu chefe.
20.-E cerca de uma hora depois, o arguido telefonou-lhe para falar novamente do mesmo assunto, embora, no dia seguinte, quando estava de folga, o arguido e chefe daquele telefonasse de novo para dizer-lhe que esquecesse tudo o que lhe tinha dito relacionado com os colegas, e há pouco tempo, quando o funcionário (…)  lhe telefonou por causa de uma questão de trabalho, o arguido disse-lhe para dizer a verdade e só a verdade ao patrão.
21.-Até ao conhecimento destes factos, a entidade empregadora tinha a mais completa confiança no Arguido.
22.-A entidade empregadora falou com o arguido e confrontou-o com a prática destes factos, mas, este não demonstrou que a mínima consciência da gravidade dos seus atos, e negou-os parcialmente, dizendo que tinham sido apenas umas duas ou três vezes.
23.-A prática destes factos pelo arguido, enquanto funcionário, mas, sobretudo, enquanto chefe são muitíssimo graves, pois, além de dar um mau exemplo aos seus subordinados, perdeu toda a sua autoridade com este comportamento, e fez com que a entidade empregadora perdesse toda a confiança no arguido, enquanto funcionário, e chefe, para o exercício destas ou quaisquer outras funções.
24.-Não é minimamente admissível que um chefe ameace os funcionários e subordinados, por estes terem uma atitude leal para com a entidade empregadora, levando ao seu conhecimento a prática de factos verdadeiros, em desobediência às ordens, instruções e regras da entidade empregadora.
25.-Este comportamento do arguido para com os funcionários e subordinados é susceptível de repercutir-se negativamente no desempenho das funções de todos.
26.-Pelo que o comportamento de V. Exa. não é minimamente aceitável.
27.-O arguido bem sabia que não lhe era permitido a prática de tais atos, desobedecendo de forma continuada e reiterada à sua Entidade Empregadora.
28.-O arguido também sabia que não lhe era permitido ofender e ameaçar funcionários e subordinados, desobedecendo à sua Entidade Empregadora.
29.-O arguido, com o seu comportamento, violou de forma grave, o dever de respeitar e tratar com urbanidade, os companheiros de trabalho, dever esse consagrado no art. 128º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho.
30.-O arguido, com o seu comportamento, violou o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, bem como desobedeceu à entidade patronal, contrariando as ordens e expressas instruções desta, violando, assim, de forma grave e reiterada, o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, consagrados nas alíneas c) e e) do n.º 1 do art.º 128º, do Código do Trabalho.
31.-O arguido, com o seu comportamento, violou, ainda, de forma grave, ainda o dever de guardar lealdade ao empregador consagrado na alínea f) do n.º 1 do art. 128º, do Código do Trabalho.
32.-O comportamento do arguido é um comportamento culposo e muitíssimo grave.
33.-O comportamento de V. Exa. é ainda mais grave por se traduzir numa violação reiterada dos deveres a que está obrigado por força do contrato de trabalho.
34.-Comportamento esse que também constitui justa causa de despedimento, nos termos do disposto no art.º 351º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), e i) do Código do Trabalho.
35.-Pelo comportamento de V. Exa. se ter traduzido numa desobediência ilegítima às ordens e instruções dadas pela entidade patronal, num desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto, pela violação do dever de lealdade para com esta, e pela prática de injúrias e outras ofensas punidas por lei sobre trabalhadores da empresa (cf. art.º 351º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), d) e i) do Código do Trabalho).
36.-E por ser um comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (cf. art.º 351º, n.º 1 do Código do Trabalho).
37.-Dado que é impossível a subsistência de uma relação laboral em que o trabalhador, como é o caso de V. Exa., desobedece sistematicamente às ordens e instruções da Entidade Empregadora, que é desleal para com esta, e que de forma reiterada revela um desinteresse pelo cumprimento das suas obrigações e tarefas, com zelo e diligência, dando um mau exemplo aos seus subordinados, quando deveria ter um comportamento exemplar, enquanto chefe, incitando-os a mentir à Entidade Empregadora, prevalecendo-se da sua posição hierárquica superior para os ameaçar e ofender.
38.-Comportamento culposo esse que, pela sua gravidade e consequências, torna imediata e impossível a subsistência da relação de trabalho, pelas razões atrás apontadas, constituindo, assim, justa causa de despedimento, nos termos do disposto no art.º 351º, n.ºs 1 e n.º 2, alíneas a), d) e i) do Código do Trabalho.
39.-V. Exa. não tem antecedentes disciplinares.
40.-É intenção da entidade empregadora proceder ao despedimento do arguido”.

4.-Com a nota de culpa, foi comunicada ao A. a intenção da R. proceder ao seu despedimento imediato.
5.-O A. foi ainda notificado de que dispunha do prazo de dez dias úteis a contar da receção da nota de culpa para, querendo, deduzir por escrito os elementos que considerasse relevantes para a sua defesa, podendo juntar os elementos de prova que se mostrassem pertinentes para o esclarecimento da verdade, bem como consultar o processo no escritório da Instrutora do Processo, sendo-lhe fornecidos todos os contactos.
6.-O A. respondeu à nota de culpa, nos termos constantes da mesma, mas, não requereu quaisquer diligências probatórias, nem a inquirição de testemunhas de defesa.
7.-Concluída a instrução, foram considerados provados todos os factos constantes da nota de culpa, supratranscritos, e igualmente provado que o arguido não tem antecedentes disciplinares, conforme invocou na resposta à nota de culpa, e que já constava da nota de culpa, conforme consta do relatório e decisão final.
8.-Por decisão de 10.07.2014 entregue em mão ao A. no dia 11.07.2014 e enviada a este no mesmo dia, por carta registada com aviso de recepção, recebida no dia 15.07.2014, foi comunicado ao A. a sanção disciplinar de despedimento com justa causa.
9.-Os funcionários do Hotel (…) tomam o pequeno-almoço no refeitório, ou no caso dos funcionários do restaurante, por vezes, na copa, devido ao trabalho.
10.-As normas do Hotel (…) relativamente aos cafés e bebidas tomadas pelos funcionários, é pagarem de imediato, embora, a um preço especial, mas, não abrangendo os seus familiares, sendo tudo faturado.
11.-E no caso dos acionistas, membros da administração, e seus familiares, a norma é que sejam pagas de imediato por todos, ou no fim do mês, mediante a sua assinatura num vale, sempre com um desconto de 50%, sendo obrigatório que o funcionário que sirva passe um vale para assinarem após o consumo, sendo tudo faturado.
12.-Todos os funcionários, acionistas, membros da administração e familiares têm perfeito conhecimento destas regras que devem ser estritamente observadas por todos.
13.-O procedimento do Hotel (…) relativamente a qualquer consumo pelos filhos dos acionistas e administradores é que seja passado um vale para assinarem, entregando depois na receção para fazerem a conta, e serem pagas por aqueles no fim do mês.
14.-O A. não tem antecedentes disciplinares.
15.-A R. tinha absoluta confiança no A.
16.-O filho do A., estudante, menor de idade, tomou várias vezes o pequeno-almoço na copa do Hotel (…) na companhia do pai, entrando por volta das 6h45 e saindo logo após tomar o pequeno-almoço, perto das 8h00, coincidindo essas vezes com dias em que o A. fazia turno da manhã.
17.-O filho do A. tomava o pequeno-almoço na copa, sendo o A. que lhe servia o café, sandes, sumo que ia buscar ao buffet.
18.-Num dia indeterminado de 2012, em que o A. não se encontrava presente, o filho deste dirigiu-se ao bar do hotel com uns amigos, e sentou-se numa mesa, tendo o empregado de mesa, perguntado se desejava alguma coisa, tendo o filho do A. respondido que não, e passados uns cinco minutos, levantou-se e foi ao restaurante servir-se de bebidas para si e para os amigos, saindo sem pagar ou assinar qualquer vale para o A. pagar.
19.-Na 2ª metade de abril, a R. teve conhecimento que o filho do A., por iniciativa deste com o seu conhecimento e permissão, tomava por vezes o pequeno-almoço no Hotel (…)  sem pagar.
20.-Em outra data não apurada o filho do A. ligou a máquina do sumo do restaurante e sentou-se a uma mesa para tomá-lo, dizendo ao empregado de mesa, (…), que se encontrava no bar, que estava a sentir-se mal, tendo este funcionário informado o A., que foi até ao restaurante e serviu o filho com mais sumo e uma torrada, sem pagar ou assinar qualquer vale.
21.-Depois de ter tido uma conversa com o Dr. (…), administrador da R. o A. disse ao empregado de mesa (…) e aos restantes colegas que tinham também falado “vocês são uns sacanas”.
22.-Quando o A. tomou conhecimento que lhe tinha sido movido um processo disciplinar, dirigiu-se ao empregado de mesa, (…), para lhe pedir que dissesse que tinha visto o seu filho a tomar o pequeno-almoço, duas vezes, e falasse com os seus colegas para fazerem o mesmo, tendo este funcionário ficado surpreendido com esta atitude do seu chefe.
23.-O A. telefonou ao funcionário (…) para falar novamente do mesmo assunto, ao que este respondeu que falavam no local do trabalho, mas aquele não compareceu.
24.-O relatório e decisão de despedimento com justa causa com a data 10.07.2014 de foi entregue em mão ao A. no dia 11.07.2014 e enviada a este, nesse mesmo dia, por carta registada com aviso de receção, recebida no dia 15.07.2014.
25.-A presente ação deu entrada em juízo no dia 15.07.2014.
26.-Por sentença de fls. 34-35, com a data de 17.10.2014 foi declarado ilícito o despedimento do A. por parte da R.
27.-Por requerimento de fls. 38-42 foi requerida a retificação da sentença de fls. 34-35.
28.-Por despacho de fls. 339, com a data de 28.11.2014 foi determinado que a secretaria, ouvido o técnico informático, esclareça se tal articulado foi enviado ao tribunal e o não recebimento se deveu a falha informática da secretaria ou do sistema informático.
29.-Por despacho de fls. 347 com a data de 6.10.2015 foi solicitado informação por carta registada com A/R juntando cópia dos pedidos anteriores e solicitando urgência.
30.-Por oficio de fls. 350 com a data de 26.10.2015 foi informado pelo IGFEJ que a peça processual, com a referencia 17590546 foi enviada pela ilustre mandatária, Dr.ª (…), no dia 22.08.2014, às 14:29:34, não tendo sido recebida no Tribunal do Funchal- Tribunal de Trabalho (Extinto) devido a falha informática.
31.-Por despacho de fls. 351, com a data de 28.10.2015 foi decidido que atenta a tempestividade da apresentação do articulado e não sendo a falha informática imputável à parte, declarar nulo todo o articulado posteriormente a 22.08.2014, incluída a sentença de fls. 34,aproveitando-se apenas os articulados entretanto apresentados.
32.-Por despacho de fls. 354, com a data de 27.11.2015 foi designado para julgamento o dia 18.07.2015 pelas 14:30.
33.-Por requerimento de fls. 357 com a data de 30.11.2015 veio o ilustre mandatário do A. requerer um novo agendamento de data para a audiência final, invocando a continuação de uma audiência de julgamento noutro processo judicial.
34.-Por requerimentos de fls. 361-363 com a data de 9.12.2015 vieram os ilustres mandatários das partes indicar como datas alternativas para audiência final os dias 13 e 25 de janeiro de 2016.
35.-Por despacho de fls. 365 com a data de 10.12.2015 a audiência final foi alterada para o dia 13.01.2016.
36.-A audiência final realizou-se no dia 13.01.2016.

Fundamentos de direito.

1ª Questão - Justa causa de despedimento.

Sobre o conceito de justa causa, o artigo 51º do CT dispõe:

1-Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
O seu n.º 2 enuncia vários comportamentos que configuram justa causa de despedimento, disponho o seu n. º3 que: - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Desta disposição resulta, de modo claro, que não basta a violação dos deveres laborais por parte do trabalhador para que se possa concluir pela aplicação da sanção disciplinar de despedimento, a mais gravosa das sanções disciplinares, devendo a sua aplicação mostrar-se justa e proporcionada à gravidade do comportamento do trabalhador e suas consequências, só sendo de aplicar quando outras sanções disciplinares não se mostrem adequadas.
Suscita-se então a questão de saber se o comportamento do Autor pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Com relevância disciplinar, apuraram-se os seguintes factos:

-O filho do A., estudante, menor de idade, tomou várias vezes o pequeno-almoço na copa do Hotel (…)  na companhia do pai, entrando por volta das 6h45 e saindo logo após tomar o pequeno-almoço, perto das 8h00, coincidindo essas vezes com dias em que o A. fazia turno da manhã.
-O filho do A. tomava o pequeno-almoço na copa, sendo o A. que lhe servia o café, sandes, sumo que ia buscar ao buffet.
-Na 2ª metade de abril, a R. teve conhecimento que o filho do A., por iniciativa deste com o seu conhecimento e permissão, tomava por vezes o pequeno-almoço no Hotel (…)  sem pagar.
-Em outra data não apurada o filho do A. ligou a máquina do sumo do restaurante e sentou-se a uma mesa para tomá-lo, dizendo ao empregado de mesa, (…), que se encontrava no bar, que estava a sentir-se mal, tendo este funcionário informado o A., que foi até ao restaurante e serviu o filho com mais sumo e uma torrada, sem pagar ou assinar qualquer vale.
-Depois de ter tido uma conversa com o Dr. (…), administrador da R. o A. disse ao empregado de mesa (…) e aos restantes colegas que tinham também falado “vocês são uns sacanas”.
-Quando o A. tomou conhecimento que lhe tinha sido movido um processo disciplinar, dirigiu-se ao empregado de mesa, (…), para lhe pedir que dissesse que tinha visto o seu filho a tomar o pequeno-almoço, duas vezes, e falasse com os seus colegas para fazerem o mesmo, tendo este funcionário ficado surpreendido com esta atitude do seu chefe.

O tribunal recorrido, depois de fazer uma análise exaustiva sobre o conceito de justa causa de despedimento, conclui que embora os factos apurados permitam afirmar que o Autor, com o seu comportamento, violou os deveres laborais de respeito, urbanidade e probidade para com o empregador e os seus colegas de trabalho, assim como o de obediência, entendeu que os factos apurados não configuram uma gravidade tal que, só por si e em si, impliquem uma quebra irremediável da relação de confiança que o vínculo laboral pressupõe entre empregado e empregador.

Na verdade, artigo 330º do CT/2009, com a epígrafe “Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar” estipula, no seu número n.º 1, que: “A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator…. Ou seja, a sanção disciplinar deverá ser tanto mais grave quanto mais graves forem as consequências das infracções disciplinares praticadas pelo trabalhador, do ponto de vista dos interesses do empregador, sem esquecer ainda que devem ser tidos em conta a antiguidade do trabalhador, os seus antecedentes disciplinares, assim como o grau de arrependimento manifestado.

No caso, tal como na sentença recorrida, entendemos que a conduta do Autor não reveste a gravidade suficiente que possa justificar a aplicação da sanção mais grave de despedimento, além de se tratar de um trabalhador com muita antiguidade, pois estava ao serviço da Ré desde 18.07.1972, sem quaisquer antecedentes disciplinares. Com efeito, relativamente aos pequenos-almoços tomados pelo filho menor do Autor, cujo número não foi possível apurar, também não se apurou qualquer relevância no que respeita aos respectivos prejuízos patrimoniais da Ré, como não se apurou que tenha perturbado o funcionamento do Hotel do Carmo. Não foram alegadas queixas dos clientes, e tudo se passava com aparente normalidade. Por outro lado, expressão “vocês são sacanas” referida no facto n. º21 deverá ser entendida no contexto de um desabafo, tendo sido proferida depois de uma conversa do Autor com a Administração e sem quaisquer outros desenvolvimentos.

Assim sendo e a entender-se que a conduta do Autor teria relevância disciplinar, a Ré devia ter aplicado uma outra sanção conservatória, sendo que a sanção disciplinar de despedimento se mostra, manifestamente, excessiva e desproporcionada à gravidade do comportamento do trabalhador,  pelo que tal como na sentença recorrida, julga-se ilícito o despedimento com invocação de justa causa de que o A. foi destinatário.

2ª Questão - Retribuições intercalares devidas pela Entidade Empregadora e pela Segurança Social: inconstitucionalidade orgânica da alínea c) do n.º 1do art.º 98º -O do Código de Processo de Trabalho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10.
A Ré/recorrente alega que o art.º 2 do Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10, aditou ao Código de Processo do Trabalho, entre outros, o artigo 98º-O, sob a epígrafe “Deduções” em que extrapolando a referida Lei de Autorização Legislativa incluiu na alínea c) Os períodos de férias judiciais. Assim deve ser julgada organicamente inconstitucional a norma constante da alínea c) do n.º 1 do art.º98-O do Decreto-Lei n. º295/2009, de 13/10, que procedeu a alterações ao Código de Processo do Trabalho, aditando esta norma, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 76/2009, de 13 de agosto, por violação das normas dos artigos 112º, n.º 2, 165º, n.ºs 1 e 2 e 198º, n.º 1, al. b), todos da CRP.

Afigura-se-nos que a Recorrente tem razão.

Vejamos então
  
A acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, encontra-se regulada nos artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo de Trabalho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10. Este decreto-lei, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 76/2009, de 13 de agosto, procedeu a um conjunto de alterações na disciplina processual do direito do trabalho, criando uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

Na verdade, a Lei n.º 76/2009, de 13 de agosto, autorizou o Governo a alterar o Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro. E no seu artigo 2.º, definiu o sentido e a extensão da autorização legislativa concedida. Com relevo para a questão em causa definiu o seguinte: n) Criar uma acção declarativa de condenação com processo especial para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, aplicável aos casos em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja ainda por inadaptação, e:
v) Caso a decisão da acção em primeira instância ocorra depois de decorridos 12 meses desde o início da acção, exceptuando os períodos de suspensão da instância, mediação, tentativa de conciliação e aperfeiçoamento dos articulados, e o despedimento seja considerado ilícito, prever que o tribunal determine que seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social o pagamento ao trabalhador das retribuições devidas após aquele prazo e até à decisão em primeira instância”.

Ora, art. º2º do Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10, aditou ao Código de Processo do Trabalho, entre outros, o artigo 98º-O, com a seguinte redacção:

Artigo 98º -O - Deduções

1-No período de 12 meses referido no artigo anterior não se incluem:
a) Os períodos de suspensão da instância, nos termos do artigo 276.º do Código de Processo Civil;
b) O período correspondente à mediação, tentativa de conciliação e ao aperfeiçoamento dos articulados;
c) Os períodos de férias judiciais.
2-Às retribuições referidas no artigo anterior deduzem -se as importâncias referidas no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho.”.

Assim, o desconto dos períodos de férias judiciais no referido período dos 12 meses não estava previsto na Lei de Autorização Legislativa - que se manteve inalterada- e como tal afigura-se que a alínea c) do art.º98-O do CPT, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º295/2009, de 13/10, padece do invocado vício de inconstitucionalidade orgânica, já que contraria o disposto nos artigos 112º, n.º 2, 165º, n.ºs 1 e 2 e 198º, n.º 1, al.b) da CRP.

Como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, em anotação ao art.º 198º, (Vol. III, 4ª Ed. Revista, Coimbra Editora, págs. 480 e 481: “Os decretos-leis autorizados, ou seja, os editados no uso de uma autorização legislativa da AR (nº 1/b), nos termos e condições referidos no art.165º - 3 e 4 (…) só podem abranger as matérias enunciadas no art.º 165º (…). Estes decretos-leis não podem exceder a autorização na qual se baseiam, e só mediante nova autorização legislativa é que podem ser alterados por um novo decreto-lei (embora possam a ser a todo o tempo alterados por uma lei da AR). Os decretos-leis autorizados podem versar matérias da reserva de competência legislativa da AR nos precisos termos da lei de autorização. Se não respeitarem essa lei, eles deixam de ter habilitação constitucional, sendo, portanto, organicamente inconstitucionais, tudo se passando como se faltasse a lei de autorização, lá onde o decreto-lei extravasa ou desrespeita a lei. A violação da lei de autorização implica automaticamente uma violação da competência legislativa reservada da AR.”.

O art.º204 da Constituição - Apreciação da inconstitucionalidade, estabelece que nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. Assim sendo, em respeito e em estrita observância da Lei de Autorização Legislativa n.º 76/2009, de 13 de agosto, em que os descontos possíveis são, apenas, os “períodos de suspensão da instância, mediação, tentativa de conciliação e aperfeiçoamento dos articulados”, deve ter-se por eliminada a alínea c) do n.º 1 do art.º 98º-O, não devendo ser descontados os períodos de férias judiciais.

Assim, deve ser julgada organicamente inconstitucional a norma constante da alínea c) do n.º 1 do art.º 98º-O do Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10, que procedeu a alterações ao Código de Processo do Trabalho, aditando esta norma, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 76/2009, de 13 de agosto, por violação das normas dos artigos 112º, n.º 2, 165º, n.ºs 1 e 2 e 198º, n.º 1, al. b), todos da CRP. Em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada na parte em que aplicou o art.º 98-O, n. º1, alínea c) do CPT, e, que por essa via, no decurso do período de 12 meses, descontou 129 dias de férias judiciais, devendo ser a Segurança Social a Entidade responsável e condenada pelo pagamento das retribuições intercalares respeitantes a esse período de tempo.

Decisão:

Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré, em relação à inconstitucionalidade orgânica da norma constante da alínea c) do n.º 1 do art.º 98º-O do CPT, introduzida pelo art.º 2 do Decreto-Lei nº 295/2009, de 13/10, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 76/2009, de 13 de agosto, devendo a sentença recorrida ser revogada na parte em que aplicou a referida norma.
Confirma-se no mais a sentença recorrida. 
Assim, alínea c) da decisão recorrida passa ter a seguinte redacção:
c)-Condeno a Segurança Social da área de residência do trabalhador a pagar ao autor as retribuições que se venceram após o decurso do prazo de 12 meses, contados desde 15.07.2014, a efectuar até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do art.º 98º- N, n.º 3 do CPT, sem prejuízo das importâncias referidas no n.º 2 do artigo 390º do CT, por força do n. º2 do art.º 98º-O do CPT.

Custas, na parte vencida, pela Ré/recorrente.



Lisboa, 8 de Fevereiro de 2017  



Paula Sá Fernandes
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso