Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1521/13.0TVLSB.L2-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: DEVERES DO ADVOGADO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
HONRA E BOM NOME
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Sabendo-se que, na generalidade dos casos em que intervém na defesa do seu constituinte, o advogado atua num processo adversarial, debatendo-se o tribunal com posições conflituantes, aceita-se que deva conceder-se alguma amplitude de atuação e expressão ao advogado, nomeadamente nos termos em que redige e verte nos articulados a matéria factual e juridicamente relevante; mas aquela defesa não pode implicar uma violação desproporcionada e desnecessária da honra e bom nome dos demais intervenientes processuais, sendo esse o critério aferidor da (i)licitude do comportamento do advogado.

2. Não é aceitável que um advogado, num articulado, indique que uma das partes tem “atitudes tresloucadas”; e a imputação de que o autor recorreu – nos processos judiciais anteriores envolvendo as partes – e poderá voltar a recorrer “a falsos testemunhos”, é suscetível de configurar a imputação da prática de crime de falsidade de testemunho (cfr. os arts. 26º e 360º do C.Penal), inserido no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, não podendo o mandatário judicial, pela sua formação jurídica, deixar de ter consciência do alcance desta imputação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


1.RELATÓRIO:

Ação
Declarativa comum.
*
Autor
Jorge Manuel ……...
*
Réus
... ……… (1ª ré);
... ……….. (2ª ré).
*****

Pedido .
Que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe a quantia de € 40.000,00, acrescida de juros a partir da citação.

Causa de pedir.
O autor instaurou contra a ré ... Rodrigues uma ação que corre termos com o nº 217/13.8TVLSB no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, na 12ª Vara Cível, tendo esta apresentado contestação, por intermédio da respetiva mandatária judicial, a advogada ... Fernandes; nesse articulado foram utilizadas expressões ofensivas da honra e consideração do autor, o que lhe causou indignação, preocupação, incomodidade, perturbação, angústia e desgosto.

Oposição.
A ré ... Fernandes exceciona a ineptidão da petição inicial, a coligação ilegal de réus, invoca que inexistem razões que permitam validar a pretensão do autor, que atua de má-fé, impugnando alguns dos factos articulados na petição inicial.
Termina pedindo a condenação do autor como litigante de má-fé no pagamento de indemnização nunca inferior a 1.000,00€ e formula pedido reconvencional de condenação do autor no pagamento, à ré, “para reparação dos danos causados”, numa indemnização “não inferior a 18.000,00€”;

A ré ... Rodrigues exceciona a ineptidão da petição inicial, impugnando alguns dos factos articulados na petição inicial.
Termina pedindo a condenação do autor como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização “que mui doutamente este tribunal saberá fixar” e formula pedido reconvencional de condenação do autor no pagamento, à ré, para reparação do “sofrimento” que lhe causou, uma indemnização “nunca inferior a €25.000,00€.

Réplica.
O autor respondeu propugnando pela inadmissibilidade dos pedidos reconvencionais formulados e improcedência das exceções.

Incidente de intervenção.
A ré ... Fernandes pediu ainda a intervenção principal da Companhia de Seguros ..., S.A., em virtude da sua responsabilidade civil profissional estar coberta por seguro contratado com esta.
Admitido o incidente, a interveniente contestou, propugnando pela improcedência da ação.

Saneamento.
Foi proferida decisão que:
-Julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial;
-Julgou improcedente a exceção de coligação ilegal;
-Julgou inadmissíveis os pedidos reconvencionais formulados pelas rés, condenando-as no pagamento das respetivas custas processuais;

Proferiu-se ainda sentença, conhecendo do pedido formulado pelo autor e julgando o mesmo improcedente com a consequente absolvição dos réus do pedido. Interposto recurso pelo autor, foi essa decisão revogada por acórdão proferido em 19-04-2016, que determinou o prosseguimento dos autos.
As rés recorreram de revista, recurso que não foi admitido conforme despacho de fls. 486.

Retomado o processo no tribunal de primeira instância proferiu-se despacho fixando os temas de prova (fls. 494-495)

Julgamento.
Realizou-se audiência de julgamento, após o que, em 20-01-2017 foi proferida sentença que concluiu como segue:
“Por todo o exposto, julgo a ação improcedente e, consequentemente, absolvo as RR. do pedido.
Não condeno o A. como litigante de má fé por não se verificar nenhuma das hipóteses previstas no art. 542º nº 2 do C.P.C.
Custas pelo A., sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Notifique e registe”.

Recurso.
Não se conformando o autor apelou formulando as seguintes conclusões:
“1-Deverão as Rés ser condenadas conforme integralmente peticionado pois, com as provas documentais juntas aos autos e a prova produzida em audiência de julgamento, a decisão deveria ter sido a de condenar todas as Rés (e também a 3ª Ré) pois houve um claro erro na determinação das normas aplicáveis, leitura e valoração dos factos, na subsunção dos factos ao direito, e apreciação do direito.
2-Relativamente à consideração e fundamentação do Tribunal a quo de que “há excessos cometidos por advogados que apenas justificam uma advertência no próprio processo...há situações que poderão ser enquadradas, dentro do próprio processo, no instituto da litigância de má fé e na responsabilidade do mandatário prevista no art. 545º do C.P.C.”, cumpre-nos sublinhar, que, a este propósito, já se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa tendo decidido por Acórdão de 19-04-2016, proferido no âmbito dos presentes autos, no sentido de determinar que prosseguissem os autos, após, Despacho judicial contendo Decisão, que pôs fim ao processo, com este mesmo fundamento.
3-Ficou provado, plenamente, por prova documental, que foram proferidas ao Autor as seguintes expressões: 
-“delírio do autor”,
- “sendo usual ao Autor mudar a versão dos factos consoante lhe vá sendo mais favorável no decorrer dos processos que vai inventando”;
- “O Autor é uma pessoa instável, psicologicamente afectada”;
- “excepto se voltar a recorrer a falsos testemunhos”;
- “os presentes autos são uma clara demonstração da prepotência do autor, que pretende enriquecer de forma ilícita inventando ilegalidades nas atitudes dos demais”;
-“atitudes persucutórias e delirantes do Autor”;
- “atitudes tresloucadas do Autor”.
4-Pelo que, é objectivamente uma conduta que diminui o Autor, é, sem margem para dúvidas, atentatória da sua consideração que, como pessoa, deve merecer. 
5-Tais adjectivações ofenderam o Autor/Recorrente e lesaram o seu bom nome e consideração.  
6-São afirmações falsas, descabidas e infundadas. 
7-As expressões utilizadas são inteiramente gratuitas uma vez que o seu uso não era indispensável à defesa da causa.
8-As expressões selectivamente utilizadas são sinónimo, no contexto em que foram proferidas, de uma pessoa conflituosa, louca e desequilibrada, que é exactamente aquilo que o Autor/Recorrente não é.
9-Para o Autor/Recorrente as expressões em causa têm um cariz manifestamente difamatório e ofensivo da sua honra, bom-nome e consideração pessoal, pelo que, não podem deixar de implicar a responsabilidade civil das suas autoras.
10-A Ré ... Amaral Fernandes violou o disposto nos arts.76.°, 83.º n.º 1 e 2, 84.º, 90.º, 92.º n.º 2 e 105.° do EOA, segundo os quais "o mandato forense não abrange a faculdade do advogado insultar e difamar qualquer interveniente no processo, nem o advogado poderia legitimamente fazê-lo se tal procedimento lhe fosse exigido pelo mandante”.
11-O Autor/Recorrente não pode concordar com a decisão do Tribunal a quo, nem com a leitura, a valorização dos factos e errada apreciação da prova produzida e errada determinação das normas aplicáveis, assim como errónea subsunção dos factos ao direito.
12-Com a conduta e expressões supra descritas, assim como, com os danos produzidos, estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, a culpa (pelo menos relativamente à Ré ... Amaral Fernandes), o dano e o nexo de causalidade.
13-Ao proferir as expressões transcritas supra, a 1.ª e a 2.ª Rés bem sabiam que, as afirmações em causa, além de falsas, são ofensivas da honra, bom nome e consideração do Autor/Recorrente, fazendo-o sentir-se magoado, humilhado e ofendido, como ficou provado nas declarações de parte do Autor bem como da testemunha António Janela, supra transcritas.
14-Em face do exposto, o Tribunal violou os artigos 70.º, 483.º, 484.º, 496.º, 1163.º todos do Código Civil e os artigos 76.º, 83.º, 84.º, 90.º, 92.º e 105.º todos do EOA e os artigos 9.º, nº 2 e 150.º, nº 2 do CPC e 26.º da CRP.
15-As Rés deverão ser condenados solidariamente a pagar ao Recorrente, por danos não patrimoniais, a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento, por violação das disposições legais contidas no art. 26.º da CRP, art. 70.º e ss. e 1163.º ambos do CC, art. 9.º e 150.º n.º 2 do CPC e ainda o art. 90.º e 105.º do EOA.
16-Pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que condene as Rés em todos os pedidos formulados 
Só assim se fazendo a costumada  Justiça”.

As rés e interveniente apresentaram contra alegações, propugnando pela improcedência do recurso.

A interveniente seguradora deduz ainda, subsidiariamente e prevenindo eventual procedência da apelação, pedido de ampliação do objeto do recurso invocando que a interveniente não pode ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização porquanto a reclamação à seguradora foi efetuada fora do período de vigência da apólice (a), verificou-se a falta de participação do sinistro por parte da advogada (b) e foi fixada uma franquia no montante de 5.000,00€, a cargo do segurado, a 1ª ré (c).

Cumpre apreciar.

II.FUNDAMENTOS DE FACTO.

O tribunal de primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:
1- No processo nº 217/13.8VLSB, a ré ... Maria, em nome da ré ... Judite, apresentou contestação da qual consta, entre outras, as seguintes frases:
- "É falso que a 2ª Ré tenha atitudes perturbadoras da vida do Autor e de outras pessoas conforme consta do artigo 4º da Petição Inicial, apenas se podendo considerar tal afirmação como um delírio do Autor, que vem através destes autos procurar obter um enriquecimento ilícito”.
- "Mais, nessa mesma acusação particular o Autor se disse vítima de uma agressão com “óculos de sol”, o que ronda o ridículo, principalmente se verificarmos que no início ao Ministério Público declara que os referidos óculos caíram ao chão, mas na acusação particular já o atingiram na face”.
- "Sendo usual ao Autor mudar a versão dos factos consoante lhe vá sendo mais favorável no decorrer dos processos que vai inventando, pois já afirmou que a sua porta foi danificada com um cinzeiro, depois terá sido com um martelo e na última versão foi com uma chave de fendas”.
- “Os factos vertidos nos artigos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º são um tal chorrilho de mentiras e falsidades que não é possível compreender o que as justifica, para além da simples maldade”.
- “O conteúdo do artigo 12º é falso e mentiroso, a exemplo de todo o conteúdo desta acção, e irá ter as devidas e necessárias consequências legais, pois nunca a 2ª Ré arremessou qualquer objecto, dejecto ou lixo para a janela de quem fosse”.
- “O teor do artigo 13º e 14º da Petição Inicial apenas se compreendem pela confusão que grassa na mente do Autor, que considera que está a deduzir acusação penal, motivo pelo qual, elenca pretensos crimes cometidos pela 2ª Ré, mas nada poderia estar mais afastado da realidade”.
- “No entanto, pela localização das câmaras revela-se que o Autor viola claramente a lei filmando as partes comuns do edifício e violando sistemática e reiteradamente a privacidade da 2ª Ré pois para além do hall comum do edifício também filma as portas de entrada da habitação desta, e com a câmara colocada na marquise filma as escadas de incêndio, a via pública e outros edifícios”.
- “Todavia, são os mesmos reveladores da índole do Autor, tornando-se claro que é uma pessoa que visou a 2ª Ré procurando por todos os meios destruir-lhe os últimos anos de vida, culpando-a de factos que apenas existem na sua imaginação”.
- “Tornando-se claro que o Autor é um perigo para a vida da 2ª Ré, pela qual esta teme”.
- “O “delírio” do Autor torna-se claro quando ao descrever de forma confusa o processo 99/10 volta a referir um processo ocorrido em 2001 para o qual arrastou a 2ª Ré através de uma acusação particular pelo crime de injúrias da qual não havia qualquer testemunha e que terminou em sede de Instrução - art. 58º da Petição Inicial”.
- “Mais torna-se claro de todo o teor dos relatórios policiais que o Autor é uma pessoa instável, psicologicamente afectada, tendo inclusive sido sugerido em relatório elaborado pela Polícia de Segurança Publica que o mesmo fosse sujeito a “avaliação psicológica ou psiquiátrica do mesmo, bem como uma intervenção directa na habitação dado o perigo que tal habitação representa para os restantes condóminos”.
- “O próprio Autor no seu discurso atabalhoado acaba por deitar por terra os factos que pretende imputar à 2ª Ré”.
- “ Em primeiro lugar não teve a 2ª Ré qualquer responsabilidade na colocação abusiva e ilegal de câmaras por parte do Autor, logo, não pode ser responsabilizada por qualquer pretenso gasto ou dano que este tenha sofrido em consequência das suas acções ilícitas”.
- “A Autora nunca provocou qualquer dano na porta do Autor, nem o mesmo o consegue provar, excepto se voltar a recorrer a falsos testemunhos, pelo que também não tem qualquer responsabilidade na reparação que a mesma eventualmente necessite”.
- “ Não tem a 2ª Ré que suportar “os passeios” de táxi do Autor entre Benfica e o Campus da Justiça, conforme consta da factura junta, - residindo o mesmo nos Olivais - tanto mais que resultou claro dos documentos juntos pelo mesmo aos autos que é proprietário de veículo automóvel no qual se poderia ter deslocado”
- “Por fim, e atendendo a que a 2º Ré considera que os presentes autos são uma clara demonstração da prepotência do autor, que pretende enriquecer de forma ilícita inventando ilegalidades nas atitudes dos demais, não pode ser assacada a esta qualquer responsabilidade pelo pagamento de fotocópias do processo 99/10.1POLSB, tanto mais que se requeresse a consulta do processo certamente teria acesso às referidas cópias a um preço mais económico”.
- “É falso o vertido no artigo 135.º da Petição Inicial, o Autor não é uma pessoa respeitada por todos mas sim temida porque nunca hesitou em ameaçar e insultar quem discorda das suas opiniões”.
- “O Autor não faz qualquer prova dos extensos danos morais que alega e chega a ser risível o valor peticionado a título de indemnização”.
- “Não é suficiente o Autor imaginar que determinada situação ocorreu para que esta automaticamente se torne realidade”.
- “Desde há alguns anos a esta parte que a 2ª Ré tem vindo a ser vítima das atitudes persecutórias e delirantes do Autor as quais se manifestam na apresentação de acções judiciais, sendo os presentes autos um claro exemplo”.
- “Na maioria dos dias vive com portas e janelas trancadas, temendo as atitudes tresloucadas do Autor”.
- “Atendendo a que a 2ª Ré, pessoa com mais de 67 anos, que não é proprietária de qualquer bem e que apenas aufere uma pensão de viuvez pode, no entender do Autor, indemniza-lo por danos imaginários no valor total de mais de 150.000,00€”.

2- Pela apólice nº 0002866129, a Ordem dos Advogados transferiu para a chamada a responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem, pelo prazo de 24 meses, com início a 1 de janeiro de 2012, mediante o pagamento de um prémio, tendo sido estabelecida uma franquia de € 5.000,00 por sinistro.

3- Das condições especiais, constam, entre outras, a seguinte cláusula:
- “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações:
a)- por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação”.

4- Não houve participação de sinistro à chamada. 

5- Em consequência da utilização das expressões referidas no ponto 1, o A. ficou perturbado e sentiu-se magoado

III.FUNDAMENTOS DE DIREITO.
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [1] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.

No caso, ponderando as conclusões de recurso, e considerando a ampliação do recurso formulada, a título subsidiário, pela interveniente seguradora (art. 636º, nº1, do C.P.C.), impõe-se apreciar:
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Da responsabilidade civil por violação do direito ao bom nome: a responsabilidade dos advogados no exercício do patrocínio;
- Da responsabilidade civil por violação do direito ao bom nome: a responsabilidade do mandante;
- Da medida da indemnização;
- Da responsabilidade da interveniente (seguradora).


2. O apelante impugna o julgamento de facto invocando como segue no corpo das alegações:
“O Tribunal a quo considerou como não provado:
 1- As expressões referidas no ponto 1 da matéria de facto provada tiveram unicamente em vista causar ofensa ao A.  
2- A R. ... comunicou à R. ... Judite as expressões que pretendia utilizar e o que pretendia alcançar com a sua utilização e a R. ... Judite não fez nada para impedir a R. ... de concretizar o seu propósito. 
Com o devido respeito, de modo contrário entende o Apelante devido à conjugação da matéria dada como provada (nomeadamente toda a prova documental) bem como a prova testemunhal produzida em audiência”[ [2] ] – cfr, ainda a 13ª conclusão.
Daqui decorre, com inteira linearidade, o que o apelante pretende, a saber, que se dê como provada a factualidade que o tribunal julgou “não provada” e que o apelante enuncia.
Por outro lado, o apelante indica os elementos de prova que tem por pertinentes, a saber, as declarações prestadas pelo autor – em declarações de parte – e o depoimento da testemunha António Janela, transcrevendo os excertos dos depoimentos que entende relevantes. Alude, ainda, à prova documental.
Mostram-se, pois, cumpridas as exigências a que alude o art. 640º do C.P.C., ao contrário do que sustenta a apelada ... Fernandes, nada obstando à apreciação da impugnação do julgamento de facto.
*
                 
Está em causa saber se as rés agiram com animus injuriandi, tendo a Meritíssima Juiz entendido em sentido negativo – cfr. o nº1 dos factos não provados.
As passagens assinaladas pelo apelante, quer as que se referem ao autor depoente [ [3]  ] quer à testemunha [  [4]  ], atento o seu conteúdo, reportando-se, aliás,  ao estado do autor e não à pessoa das rés, são irrelevantes para o efeito pretendido pelo apelante e das mesmas nenhum elemento se retira que suporte a factualidade em causa.
O mesmo se diga relativamente à factualidade enunciada sob o número 2 [ [5]  ].
Quanto à prova documental junta com a petição inicial e referida pelo apelante nas alegações de recurso, estamos perante documentos que comprovadamente foram juntos ao processo nº 217/13.8TVLSB, com a petição inicial aí apresentada pelo autor, processo em que foi apresentada a peça processual ora em causa (contestação) pelo que, necessariamente, a 1ª ré, advogada que subscreveu essa peça, teve conhecimento do teor dos documentos, o mesmo acontecendo com a 2ª ré porquanto foi citada para essa ação, tanto assim que contestou a mesma, tendo seguramente entregue esses documentos, bem como a petição inicial, à mandatária, com vista à apresentação da contestação. Saliente-se que nessa contestação a 1ª ré reporta-se especificamente a esses documentos – cfr. os arts. 3º a 5º, 13º, 14º, 16º e 20º.
Aliás, não foi impugnada a junção desses documentos, com esse teor, ao aludido processo e que as rés tiveram conhecimento do seu teor – cfr. os arts. 113º e 127º da contestação da 1ª ré – sendo que a 2ª ré foi interveniente em alguns dos atos processuais reportados nesses documentos, nomeadamente o debate instrutório realizado em 1 de abril de 2003.
Esses documentos, atento o seu teor, não permitem dar como provada a factualidade aludida; no entanto, são pertinentes à decisão do litígio, relevando noutra sede, como infra se verá.
Justifica-se, pois, aditar à factualidade assente, porque se mostra provada por acordo das partes – autor e rés – a matéria alusiva à junção dos mesmos no processo aludido e o conhecimento do seu teor pelas rés (art. 607º, nº4 segunda parte do C.P.C.).
Em suma, improcede a impugnação do julgamento de facto determinando-se, no entanto, o aditamento à factualidade assente da seguinte matéria:
6.- o processo 217/13.8TVLSB, em que foi apresentada a contestação cuja cópia consta de fls. 20 a 38 dos autos, referida em 1. dos factos provados, o autor juntou, com a petição inicial, o documento cuja cópia consta de fls. 48 a 67, alusivo a certidão extraída do processo de instrução que correu termos com o nº 855/01POLSB, em que o autor foi assistente e foram arguidos a 2ª ré e António Geraldo Costa;
7.- No processo 217/13.8TVLSB, em que foi apresentada a contestação cuja cópia consta de fls. 20 a 38 dos autos, referida em 1. dos factos provados, o autor juntou, com a petição inicial, o documento cuja cópia consta de fls. 71 a 75, alusivo à decisão instrutória proferida, em 24-10-2011, no processo nº 99/10.1POLSB em que o MP deduziu acusação contra o autor, imputando-lhe a prática de um crime de “não cumprimento de obrigações relativas a protecção de dados, p.e.p pelos Arts. 43º, nº1 als) a) e b) e nº2, 3º, als) a) e b), 7º, nºs 1 e 2, 27º, nº1 e 28º, nº1, al.a), da Lei nº 67/98,de 26/10”, aí se indicando, nomeadamente, que “[a] fls. 51 verso encontra-se a denúncia da ofendida ... Rodrigues, a qual refere que o arguido tem instalado no hall de entrada, por cima da porta da sua residência, um sistema de videovigilância que “supostamente” permite visualizá-la”; a decisão conclui “pela não pronúncia” do aí arguido, ora autor, “determinando-se o oportuno arquivamento dos autos”;
8.- No processo 217/13.8TVLSB, em que foi apresentada a contestação cuja cópia consta de fls. 20 a 38 dos autos, referida em 1. dos factos provados, o autor juntou, com a petição inicial, o documento cuja cópia consta de fls. 76 a 78 dos autos, alusivo a decisão proferida em 21-03-2011 pela Comissão Nacional de Proteção de dados.
9.- As rés tiveram conhecimento desses documentos e respetivo teor em momento anterior à apresentação da contestação aludida.

3. Conclui o autor/apelante que “as adjectivações” que enuncia e que foram vertidas na contestação apresentada pela 2ª ré, por intermédio da sua mandatária, a 1ª ré, no processo 217/13.8TVLSB “ofenderam o Autor/Recorrente e lesaram o seu bom nome e consideração” e que as expressões utilizadas são gratuitas, uma vez que o seu uso não era indispensável à defesa da causa, verificando-se, em suma, os pressupostos de responsabilidade enunciados no art. 483º do Cód. Civil.

Na sentença recorrida entendeu-se de forma diferente, considerando-se que, estando apenas em causa, no processo, a salvaguarda do direito ao bom nome, não se justificava a condenação dos réus.

Assim, lê-se na decisão:
“Nos termos do art. 70º nº 1 do C.C., “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.
Os direitos de personalidade são, pois, direitos absolutos.
Conforme dispõe o art. 484º C.C., “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados”.
O A. disse, em declarações de parte, que se sente magoado por a R. ... ter ignorado decisões transitadas em julgado e ter negado factos que haviam sido dados como provados noutras ações.
É o direito ao bom nome que está em causa na presente ação e não o respeito devido às decisões dos tribunais.
Segundo Antunes Varela, “é a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado”, sendo que “a força do caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu, para chegar a essa resposta”.
“A força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final”.
“Embora se aceite que a eficácia do caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”.
A concepção restrita do caso julgado é “mais justa e mais prudente, por ser a que limita a eficácia do caso julgado aos efeitos concretos que as partes tiveram realmente em vista ao litigarem na acção”.
O “empolamento da dimensão do caso julgado… obrigaria a parte que quisesse defender-se eficazmente contra a força de expansão da sentença a desenvolver um esforço de previsão e de impugnação muito superior ao exigido pelos interesses efectivamente postos em jogo na acção em curso” (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 712 e ss).
Assim, é possível uma parte impugnar factos numa ação que hajam sido dados como provados noutra ação.
Tecidas estas considerações, voltemos ao direito ao bom nome.
Nos termos do art. 9º nº 2 do C.P.C., “nenhuma das partes deve usar, nos seus escritos ou alegações orais, expressões desnecessárias ou injustificadamente ofensivas da honra ou do bom nome da outra”.
Conforme dispõe o art. 150º nº 2 do C.P.C., “não é considerado ilícito o uso de expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa”.
Atentas as moradas da A. e da R. ... Judite, importa afirmar que os dois são vizinhos.
Da matéria de facto provada extrai-se que em causa está uma relação de vizinhança conflituosa, que já deu origem a vários processos.
No contexto de relações conflituosas e prolongadas no tempo e dependendo do estilo de cada advogado, são muitas vezes utilizadas expressões que, fora do processo, podiam ser consideradas ofensivas da honra, mas que, no âmbito do processo, visam apenas a defesa dos interesses do cliente.
Há excessos cometidos por advogados que apenas justificam uma advertência no próprio processo.
Há situações que poderão ser enquadradas, dentro do próprio processo, no instituto da litigância de má fé e na responsabilidade do mandatário prevista no art. 545º do C.P.C.
Considerar como ilícita a utilização de expressões como as referidas na matéria de facto provada, sobretudo no contexto de relações como as que estão em causa nestes autos, pode ser prejudicial para a justiça, por levar a que os profissionais forenses, com receio de incorrer em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, sejam comedidos na defesa dos interesses dos seus clientes mesmo quando o caso exige uma defesa mais enérgica e por levar à proliferação de ações judiciais, quando situações há que poderiam ser resolvidas dentro do próprio processo em que as expressões foram utilizadas.
Vejamos.
Valem aqui os pressupostos gerais de que a lei faz depender a formulação de um juízo de responsabilidade civil (extra contratual), enunciados no art. 483º do Cód. Civil, sendo que o preceito não suscita, em abstrato, qualquer controvérsia, estando concetualmente adquirido na comunidade jurídica. Assim, são pressupostos que condicionam a obrigação de indemnização, no caso de responsabilidade por factos ilícitos, a verificação de um facto voluntário do agente, a ilicitude desse facto, o nexo de imputação do facto ao agente (a título de dolo ou negligência) e a ocorrência do dano, ligado àquele facto por um nexo de causalidade, para o que releva um juízo de adequação [ [6] ].
Temos também por seguro que está em causa a salvaguarda de direitos de personalidade [ [7] ], mais precisamente, o direito ao bom nome e reputação, reconhecido constitucionalmente (art. 26º, nº 1 da C.R.P.) – cfr. ainda os arts. 70º e 484º do Cód. Civil [ [8] ]. 
Para além da tutela geral, o legislador entendeu ainda concretizar alguns deveres no âmbito do exercício de determinadas profissões, estabelecendo parâmetros de atuação [ [9]  ].
No caso, e para além do que resulta do Cód. de Processo Civil, interessa aquilatar o que dispõe o Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09-09. Assim, nos termos do art. 9º do C.P.C., todos os intervenientes no processo devem agir em conformidade com um dever de recíproca correção – nº1 – e “[n]enhuma das partes deve usar, nos seus escritos ou alegações orais, expressões desnecessárias ou injustificadamente ofensivas da honra ou do bom nome da outra, ou do respeito devido às instituições” – nº2; nos termos do art 110.º, nº1 do EOA ([d]ever de correcção), o “advogado deve exercer o patrocínio dentro dos limites da lei e da urbanidade, sem prejuízo do dever de defender adequadamente os interesses do seu cliente” [ [10] ]. A violação destes deveres é suscetível de fazer o advogado incorrer em responsabilidade criminal, civil e disciplinar (cfr. o art. 115º do EOA).
Paralelamente e porque o advogado defende os interesses do seu constituinte – e não interesses próprios –, sendo um elemento essencial à administração da justiça [ [11] ], “[p]ara garantir o exercício livre e independente de mandato que lhes seja confiado, a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias a um desempenho eficaz”, designadamente “[o] direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela prática de atos conformes ao estatuto da profissão” (art. 13º, nº2, alínea b) da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26-08). Na mesma linha, estabelece o art. 150º, nº2 do C.P.C. que “[n]ão é considerado ilícito o uso de expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa”.
Sabendo-se que, na generalidade dos casos em que intervem na defesa do seu constituinte, o advogado atua num processo adversarial, debatendo-se o tribunal com posições conflituantes, aceita-se que deva conceder-se alguma amplitude de atuação e expressão ao advogado, nomeadamente nos termos em que redige e verte nos articulados a matéria factual e juridicamente relevante; mas aquela defesa não pode implicar uma violação desproporcionada e desnecessária da honra e bom nome dos demais intervenientes processuais, sendo esse o critério aferidor da (i)licitude do comportamento do advogado.
Que dizer no caso em apreço?
Retomamos o que se escreveu no aresto anteriormente proferido [ [12]  ]
“Algumas das passagens acima transcritas, da autoria da ré Caral Fernandes e por ela usadas em contestação que elaborou e apresentou em ação judicial, na qualidade de mandatária judicial da ré ... Rodrigues, contêm diversas imputações desprimorosas e que têm como alvo o apelante.
É, nomeadamente, o que se passa com o que consta dos seguintes artigos da contestação:
-arts. 2º e 26º: “delírio do autor”;
-art. 6º: “Sendo usual ao Autor mudar a versão dos factos consoante lhe vá sendo mais favorável no decorrer dos processos que vai inventando”;
-art. 28º: “o Autor é uma pessoa instável, psicologicamente afectada”;
-art. 43º: “excepto se voltar a recorrer a falsos testemunhos”;
-art. 45º: “os presentes autos são uma clara demonstração da prepotência do autor, que pretende enriquecer de forma ilícita inventando ilegalidades nas atitudes dos demais”;
-art. 59º: “atitudes persecutórias e delirantes do Autor”;
-art. 62º: “atitudes tresloucadas do Autor”.
São expressões que, à luz do senso comum, veiculam uma ideia de insanidade mental e de desonestidade intelectual do apelante e que, por isso, atentam contra a sua honra e podem deslustrar a consideração que merece a terceiros que delas tomem conhecimento.
Nesta medida, constituem uma ofensa à sua integridade moral, cuja ilicitude é declarada no art. 26º da CRP e no art. 70º do CC, constituindo, verificados que estejam os demais pressupostos, uma fonte idónea de responsabilidade civil.(…)
Tudo está, pois, em saber se o uso daqueles dizeres, objetivamente ofensivos da honra e consideração daquele a quem se referem, configurando, em princípio, um ato ilícito, como tal não deve ser considerado por se mostrar justificado e indispensável para a defesa da ali e também aqui ré ... Judite.
Não obstante poder dizer-se, como se fez na sentença apelada, que por detrás do litígio que aqui se analisa está uma relação de vizinhança conflituosa, a verdade é que, segundo entendemos, não estão apurados os seus concretos contornos e antecedentes, nem se conhece o litígio que é objeto do processo onde as afirmações em causa – aqui sindicadas - foram feitas, nem a pertinência delas nesse mesmo litígio.
Só estes contornos e antecedentes, bem como esse litígio, poderão, eventualmente, acabar por mostrar até que ponto tais afirmações foram necessárias e justificadas, bem como aferir se ré Q. Rodrigues pode pretender alijar – como fez ao contestar – a responsabilidade pela sua utilização, imputando-a apenas à advogada que atuou na defesa dos seus interesses, mas com um grau de agressividade e emoção que, atenta a qualidade em que interveio na ação, lhe cabia, apesar de tudo, moderar” [ [13]  ].
Prosseguindo o processo e realizada audiência de discussão e julgamento, constata-se que não se provou qualquer facto que, no contexto assinalado, torne aceitável ou legitime que um advogado, num articulado, indique que uma das partes tem “atitutes tresloucadas” [ [14] ]; e a imputação de que o autor recorreu – nos processos judiciais anteriores envolvendo as partes – e poderá voltar a recorrer “a falsos testemunhos” [ [15] ], é suscetível de configurar a imputação da prática de crime de falsidade de testemunho (cfr. os arts. 26º e 360º do C. Penal), inserido no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, não podendo o mandatário judicial, pela sua formação jurídica, deixar de ter consciência do alcance desta imputação.
Considerando que se provou que em consequência da utilização das expressões referidas no ponto 1, o autor ficou perturbado e sentiu-se magoado, impõe – se concluir que se verificam, relativamente à ré ... Fernandes, todos os pressuposto da responsabilidade civil, supra enunciados.
O mesmo não se diga relativamente à ré ... Rodrigues uma vez que a peça processual em causa é da autoria da advogada, não se provando que a 2ª ré tenha tido qualquer tipo de participação na sua elaboração, com aquele concreto conteúdo ou, sequer, conhecimento prévio do seu teor [ [16] ]. Aliás, o autor não provou a factualidade que havia invocado nos arts. 43º e 44º da petição inicial. Saliente-se, ainda, a autonomia e independência que deve orientar o advogado no exercício da sua profissão, mormente em relação ao cliente [ [17] ].

4. Resta apenas avaliar da indemnização peticionada.
Estamos perante danos não patrimoniais, cuja ressarcibilidade se justifica apenas quando assumem gravidade que merça a tutela do direito (art. 496º do Cód. Civil). “Assim, não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outros e culpossos”[ [18] ].
No caso, o autor peticionou uma indemnização no valor 40.000,00€, sendo despiciendas quaisquer considerações sobre o despropósito desse valor, porquanto o mesmo é manifesto. Acrescente-se que, litigando o demandante com o benefício do apoio judiciário, o mesmo não despende quaisquer custos com a presente lide, e só nesse contexto se pode alcançar um tal pedido.
A indemnização deve ser fixada equitativamente, tendo em consideração, nomeadaente, a extensão dos danos causados, o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e as demais circunstâncias do caso (arts. 496.º, n.º 3, primeira parte e 494.º, do Cód. Civil).
Na hipótese em apreço, temos que:
- Os danos causados são diminutos como se evidencia da factualidade dada como assente, por confronto com a que o autor havia alegado e que não logrou provar, como lhe competia (art. 342º, nº1 do Cód. Civil) – cfr. a matéria invocada nos arts. 49º, 50º, 53º, 54º da petição inicial; aproximam-se, pois, daquela perturbação que corresponde a um grau mínimo de ressarcibilidade; 
- Há factos que o autor invoca na petição inicial relativamente aos quais se pode desde já avançar, sem aprofundada investigação, que será porventura efetuada no processo 217/13.8TVLSB, que não são consentâneos com os elementos constantes do processo, o que não é irrelevante para a ponderação ora em causa. Assim, pode afirmar-se que a alegação vertida na petição inicial da presente ação enferma de imprecisões que até os documentos juntos com a petição inicial evidenciam. Relativamente ao processo 855/01.1POLSB, de natureza criminal, o apelante deduziu acusação particular contra a ré ..., imputando-lhe a prática de um crime de injúrias ocorrido em 24-06-2001, deduzindo ainda pedido de indemnização cível contra a mesma; realizado o debate instrutório, o autor, aí assistente, manifestou a disponibilidade de desistir da queixa e do pedido de indemnização apresentado com a condição de ser apresentado “um pedido de desculpas” e mediante pagamento de indemnização “por danos sofridos o montante de 135,00 euros em 30 dias”, o que a 2ª ré aceitou, na sequência do que, paga a indemnização, o tribunal homologou a desistência da queixa, com o consequente arquivamento dos autos. Ora, ao contrário do que parece entender o apelante, nesse processo não estava em causa, da parte da 2ª ré, a prática de qualquer outro crime. Assim, o MP proferiu despacho de arquivamento relativamente à queixa apresentada pelo autor contra a 2ª ré na parte em que o queixoso “refere” “que no dia 24 de Junho de 2001, pelas 21h30, a arguida ... Judite dos Santos o tentara agredir com um par de óculos que lhe atirara que caíram”; na acusação particular apresentada alusiva ao imputado crime de injúrias, o autor invoca, no art. 1º que “[n]o no dia 24 de Junho de 2001, cerca da 21H30, no hall do prédio onde Ofendido e Acusada residem, sem que nada o fizesse prever, a Acusada agrediu o ora Assistente com uns óculos de sol que trazia consigo, tendo-o atingido na face”, acrescentando no art. 2º a matéria factual alusiva às imputadas injúrias, mas aquela factualidade não fazia parte do objeto do processo, incluindo na parte alusiva ao pedido cível – em que fez alegação similar no art. 1º do articulado respetivo –, estando esse processo limitado, como se disse, à averiguação do crime de injúrias que o autor acusava a 2ª ré de ter praticado na sua pessoa, com o correspondente pedido de indemnização civil. Daí que não é inteiramente correta a afirmação aqui feita pelo apelante quando nas alegações de recurso refere que “[o] Proc. 855/01.1POLSB terminou com sentença de homologação de desistência de queixa do assistente (ora Autor/Recorrente) relativamente aos factos perpetrados pela 2.ª Ré e seu companheiro, depois de proferido um pedido de desculpas pelos factos da autoria da 2.ª Ré e paga uma indemnização civil”; como resulta do que se expôs nada aí se apurou quanto à agressão com uns óculos de sol, não tendo qualquer cabimento que o autor se socorra dessa factualidade e que, volvida mais de uma década, continue a abordar esse assunto; acrescente-se que nem sequer se conhece, rigorosamente, os termos em que o fez, porquanto, pese embora o apelante tenha junto aos presentes autos a contestação apresentada no aludido processo, não cuidou de juntar a petição inicial que aí apresentou e que motivou a aludida contestação, cuja alegação está agora em discussão [ [19]  ].  
- Afigura-se-nos que o grau de ilicitude do facto é diminuto ponderando a peça processual apresentada e ora em causa; lendo a contestação, afigura-se-nos que as expressões assinaladas não caraterizam nem são dominantes nesse articulado, em que o acento tónico da defesa é a impugnação da factualidade invocada pelo autor, ainda que feita de forma veemente, não podendo descontextualizar-se as aludidas expressões, para dessa forma se fazer acentuar um caráter ofensivo que, objetivamente, no contexto em que são formuladas, é muito ténue, quando não inexitente. Refira-se, a título exemplificativo, os arts. 2º [ [20] ] e 26º [ [21] ] da contestação, a propósito da expressão “delírio do autor”, que temos por irrelevante e sem qualquer suscetibilidade de ofensa.   
Tudo em ordem a considerar como equilibrada e correta a fixação da indemnização no valor de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros).
Esta quantia deve ser atualizada, ponderando o tempo entretanto decorrido, pelo que acrescem os juros moratórios devidos, à taxa legal, a contar da data da citação da 1ª ré, em 11-09-2013 (fls. 42, 45 e 80), conforme peticionado e vincendos, até integral pagamento.

5. A seguradora interveniente não pode ser responsabilizada, por força do contrato de seguro, ao pagamento desse valor considerando o montante da franquia estabelecido no contrato de seguro – cfr. o nº2 dos factos dados por provados. Assim, por desnecessidade, não se apreciam as demais questões suscitadas pela apelada seguradora, no âmbito da ampliação do pedido deduzida.
*
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação pelo que, revogando em parte a sentença recorrida, condena-se a ré ... Maria Amaral Fernandes a pagar ao autor a quantia de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros), acrescida dos juros vencidos desde 11-09-2013 até à presente data, à taxa de 4% e nos vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
No mais se mantendo a sentença recorrida.
Custas, quer em primeria instância quer nesta Relação, a cargo do autor e da ré ... Fernandes, na exata medida do decaimento.
Notifique.



Lisboa, 28-11-2017


                                       
(Isabel Fonseca)                                       
(Maria Adelaide Domingos)                                       
(Ana Isabel Pessoa)



[1]Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.
[2]Sublinhado nosso.
[3]Que o apelante refere como segue:
 “... de facto fiquei chocado com o que li .... e fiquei chocado por ver de facto uma defesa, que seria sempre de esperar uma defesa como é óbvio, mas fiquei chocado porqur nunca esperaria da parte...da parte da Dona ... até poderia esperar essa situação, mas de facto dum advogado que passa a limpo um pano em cima do passado em que vem chamar mentiroso, utilizador de falsas testemunhas, tresloucado, doido, fiquei chocadíssimo porque isso no meu entender nem é uma defesa, parece um ataque, até um ataque pessoal que nada justifica, nada justifica...
Advogado do Autor: que danos sentiu o Engenheiro? Testemunha Jorge Fernandes: ...Sinto-me traumatizado...sinto-me ofendido na minha honra, sinto-me magoado e isto, repare, sem eu ter feito nada, sinto-me uma vítima... e sinto-me ofendido sinceramente porque a minha postura na minha vida não é esta...é de respeito...estou sinceramente magoado, ainda não hoje não consegui dormir bem, estive a reviver todo este processo...porque de facto nos últimos dez anos eu fui professor universitário...não mereço esta atitude...sinto-me magoadíssimo psicologicamente e chego até a ter mau estar físico, ontem não dormi nada, e de facto não merecia, não era necessário a defesa da Dona ... ofender desta maneira uma pessoa”.   
[4]Que o apelante refere como segue:
“Advogado do Autor: “Tem algum conhecimento ou não sobre um processo que estava em Tribunal em que houve uma contestação que terá causado algum problema ou não ou danos ao Senhor Jorge Fernandes, sabe alguma coisa ou não.
Testemunha António Janela: ...É muito triste, efectivamente o Engenheiro Jorge Fernandes ficou bastante perturbado no sentido de ofendido por aquilo que foi dito acerca dele no processo ... atestar que foi para ele causa de causa de mágoa e de ressentimento… da sua personalidade e da não verdade dos factos…sentiu-se magoado ...expressou a sua mágoa...relatou o que vinha relatado sobre a sua personalidade ... falta de verdade …posso testemunhar porque sei que não é pessoa perturbada… Advogado do Autor: Acha que isso tem afetado o dia a dia dele?... Ficou magoado... sabe quando somos atingidos  na nossa dignidade de pessoa... perturbou-o pela inverdade…”  
[5]Salietne-se que as apeladas não colocaram em causa a genuinidade das transcrições.
[6]Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 4ª edição, vol. I, p.446.
[7]Assinalam-se usualmente as seguintes características aos direitos de personalidade: são direitos absolutos, gerais, tem natureza não - patrimonial, são inalienáveis e irrenunciáveis. Sobre a matéria cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, pp. 103-108, 2ª edição, 2007, Almedina, Coimbra.
[8]O art. 484º do Cód. Civil, sob a epígrafe “[o]fensa do crédito ou do bom nome”, preceitua nos seguintes termos:
“Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”. 
[9]Como refere Capelo de Sousa, “[a]inda no domínio obrigacional, certos profissionais estão sujeitos a específicos deveres deontológicos que condicionam a sua actividade profissional” (O Direito Geral de Personalidade, Reimpressão, 2011, Coimbra Editora, Coimbra, p. 528).  
[10]Nos termos do nº2 do preceito, o “advogado deve obstar a que os seus clientes exerçam quaisquer represálias contra o adversário e sejam menos corretos para com os advogados da parte contrária, magistrados, árbitros ou quaisquer outros intervenientes no processo”.
[11]Dispõe o art. 208.º ([p]atrocínio forense) da CRP:
“A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”.
[12]Ac.TRL de 19-04-2016, proferido nos presentes autos (Relator: Rosa Ribeiro Coelho), acessível in www.dgsi.pt
[13]Sublinhado nosso.
[14]O art. 62º da contestação tem a seguite redação:
“ Na maioria dos dias vive (a ré) com portas e janelas trancadas, temendo as atitudes tresloucadas do Autor”.  
[15]O art. 43º da contestação tem a seguinte redação:
“A Autora nunca provocou qualquer dano na porta do Autor, nem o mesmo consegue provar, excepto se voltar a recorrer a falsos testemunhos, pelo que também não tem qualquer responsabilidade na reparação que a mesma eventualmente necessite”.
[16]Como se referiu no acórdão do TRC de 23-05-2012, processo: 1289/10.2T3AVR.C1 (Relator: Paulo Guerra), acessível in www.dgsi.pt “[d]iscutindo-se, no caso, a eventual comparticipação criminosa (artigo 26º do CP), entre advogados subscritores da peça dita injuriante e os mandantes dos advogados, a este respeito é possível configurar três situações distintas:
• Uma em que o advogado transfere para a peça processual aquilo que o cliente lhe disse depois de o advertir expressamente das consequências que daí podem ocorrer;
• Outra em que o autor do escrito é apenas o advogado, sem qualquer interferência do cliente, que, inclusive, é surpreendido por aquilo que é difundido;
• Finalmente, aquela em que o cliente relata factos que sabe não serem verdadeiros para que o advogado os verta para o articulado, no convencimento de que correspondem à verdade.
Se, na primeira hipótese, se poderá configurar um exemplo de comparticipação criminosa e, na terceira, um caso em que apenas se admite a responsabilidade exclusiva do cliente, já na segunda estamos perante um ilícito cometido apenas pelo advogado”.
[17]Dispõe o art. 89º do EOA (“[i]ndependência”):
O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.
[18]Capelo de Sousa, ob.cit., p. 556.
[19]Nenhum dos intervenientes processuais suscitou questão alusiva à suspensão da presente instância até à prolação de decisão (com trânsito) no processo 217/13.8TVLSB, sendo certo que nada impede o autor de demandar as rés nos termos em que o faz nos presentes autos.
Efetivamente, não está nas mãos dos demandados, nem do tribunal, sindicar o modo com o autor entende dever fazer valer os seus direitos, se naquele processo, por via de pedido de condenação por litigância de má-fé, se nestes autos, como aconteceu; como também não releva saber se o autor apresentou ou não queixa à Ordem dos Advogados, ou se devia ter instaurado processo de natureza criminal e não civil, como o presente.   
[20]O art. 2º tem a seguinte redação:
“É falso que a 2ª Ré tenha atitudes perturbadoras da vida do Autor e de outras pessoas conforme consta do artigo 4º da Petição Inicial, apenas se podendo considerar tal afirmação como um delírio do Autor, que vem através destes autos procurar procurar obter um enriquecimento ilícito” (sublinhado nosso).  
[21]O art. 26º tem a seguinte redação:
“O “delírio” do Autor torna-se claro quando ao descrever de forma confusa o processo 99/10 volta a referir um processo ocorrido em 2001 para o qual arrastou a 2ª Ré através e uma acusação particular pelo crime de injúrias da qual não havia qualquer testemunha e que terminou em ede de instrução-artigo
58º da Petição Inicial” (sublinhado nosso).