Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9244/08.6TBCSC-A.L1
Relator: RUI DA PONTE GOMES
Descritores: REGULAMENTO COMUNITÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: – A invocação, em sede de contestação, de excepção denominada de «privilégio de jurisdição fundado na sua nacionalidade», figura esta especificamente consignada em sede de processo de revisão de sentença estrangeira (art. 1100º do C. P. Civil), pode ser conhecida pelo Julgador, para os devidos efeitos, como integrante da excepção da excepção da incompetência absoluta, sem que se verifique a nulidade prevista no art. 668º, nº1, alínea d) do C. P. Civil.
– O Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de Novembro, atenta a data da sua publicação, e em matéria de competência internacional prevalece, neste momento, sobre todos os normativos quer da jurisdição francesa quer da portuguesa. Em todo o caso, os artigos 14º e 15 do C. Civil Francês não relevam para regular situação de divórcio posto que a sua natureza é não matrimonial.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Estado da Causa

1.1. – R-, cidadão francês, residente em ---, intentou, no 2º Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial de Cascais, acção com especial, contra sua mulher, P---, cidadã francesa, residente no ---, pedindo, na sua procedência, que seja decretado o divórcio entre ambos, dissolvendo-se, em consequência o casamento.

Em sede de tentativa de conciliação, que se realizou em 27 de Abril de 2009 (fls.78), A R. afirmou pretender invocar o privilégio de jurisdição fundado na nacionalidade francesa e, em consequência, que fosse a vertente questão remetida para o seu foro nacional, onde deveria ser julgado.

Por douto despacho saneatório de 31 de Agosto de 2010 (fls. 25/32), o Tribunal a quo___ entre outras questões___ conhecendo da incompetência absoluta, declarou-se com jurisdição internacional para dirimir este divórcio.
1.2. - É deste despacho saneador de 31 de Agosto de 2010 (fls. 25/32) que apela P--- ____ Concluindo:

1º) – O Tribunal a quo ao não se pronunciar sobre a questão da aplicabilidade dos artigos 14º e seguintes do C. Civil Francês, expressamente suscitas por requerimento ditado para a acta de tentativa de conciliação, ocorrida em 27 de Abril de 2009, onde foram identificados o respectivo sujeito (a R.), objecto (o pedido de que a questão sub judice fosse remetida para os Tribunais franceses para aí ser julgada), incorreu na nulidade prevista no art. 668º, nº1, alínea d) do C. P. Civil; 2º) – Ademais, deveria ter-se declarado internacionalmente incompetente, visto o disposto no artigos 17º, 3º, nº1, alínea b), do Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de Novembro, 65º, nº1, do C. P. Civil e 14º e 15º do C. Civil Francês.

II – Cumpre Decidir

2.1. – Quanto à 1ª Conclusão:

Colhe-se dos autos, nomeadamente, da acta de tentativa de conciliação que teve lugar no dia 27 de Abril de 2009 (cf. fls.18), que naquele acto judicial foi, pela ilustre mandatária da ora apelante, invocado o privilégio de jurisdição fundado na sua nacionalidade, retirando dessa invocação que a questão fosse remetida para os Tribunais franceses e aí julgada. Mais se observa que a Senhora Juiz concedeu à contraparte o prazo de 10 dias para responder, tendo vindo a proferir despacho autónomo (fls. 26), posteriormente, nos respectivos autos.

Diz a apelante, agora, que o Tribunal a quo ao não se pronunciar sobre a questão da aplicabilidade dos artigos 14º e seguintes do C. Civil Francês, expressamente suscitas por requerimento ditado para a acta de tentativa de conciliação, ocorrida em 27 de Abril de 2009, onde foram identificados o respectivo sujeito (a R.), objecto (o pedido de que a questão sub judice fosse remetida para os Tribunais franceses para aí ser julgada), incorreu na nulidade prevista no art. 668º, nº1, alínea d) do C. P. Civil.

A resposta a esta conclusão passa por saber se o despacho judicial nominado de «Da excepção da incompetência absoluta deste Tribunal» (fls. 26) decidiu ou não, directamente ou indirectamente aquilo que se epigrafou de «privilégio de jurisdição fundado na sua nacionalidade».

Vejamos.

A apelante ao invocar o privilégio de jurisdição fundado na sua nacionalidade___ figura especificamente prevista em sede de processo de revisão de sentença estrangeira (art. 1100º do C. P. Civil) ___ realmente o que visava era, com tal fundamento, desaforar a acção em favor da jurisdição francesa, pondo em causa a competência do Tribunal português. Em boa verdade, não existe nenhuma excepção fundada nesse privilégio. O que existe, e isso o Tribunal a quo decidiu, é que com fundamento no privilégio de nacionalidade, o Tribunal nacional tenha de se declarar internacionalmente incompetente. Ora. Não nos repugna, aceitando esta perspectivação, que, bem ou mal, a questão foi conhecida. E em instituto processual próprio

Em suma____ O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão da aplicabilidade dos artigos 14º e seguintes do C. Civil Francês e prova disso resulta de uma meridiana leitura do despacho de fls. 26. Improcede pois esta conclusão.

2.2. – Quanto à 2ª Conclusão:

Como é consabido___ os Regulamentos comunitários aplicam-se directamente nas legislações dos Estados-membros da união europeia. Esta característica implica a aplicabilidade imediata da matéria que visa regular. Ser directamente aplicável nos Estados-membros significa que depois de aprovado o regulamento e se ele cumprir todos os requisitos o regulamento vigora directamente no território dos Estados sem necessidade dum qualquer acto de recepção.

Quer isto dizer que uma vez publicados no Jornal Oficial das Comunidades e decorrida a vacatio legis, os regulamentos comunitários entram em vigor em todo o território comunitário e ficam de pleno direito (automaticamente) incorporados no ordenamento jurídico interno dos Estados sendo aí aplicáveis a qualquer pessoa física ou moral sujeita à jurisdição comunitária, a solicitação de quem tenha legitimidade processual para os invocar em juízo.

Vem isto a propósito de dizer que o Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de Novembro, atenta a data da sua publicação, e em matéria de competência internacional prevalece, neste momento, sobre todos os normativos quer da jurisdição francesa quer da portuguesa. Não obstante, sempre diremos___ como se observou no Tribunal de 1ª instância___ os artigos 14º e 15 do C. Civil Francês não relevam para a situação sub judicio posto que a sua natureza é não matrimonial.

Assim, porque força jurídica determinante, atentemos o que nos traz Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de Novembro. O art. 3º, sob a epígrafe «Competência geral» (normativo este inserido na Secção I, do Capitulo II, sob a designação, «Divórcio, separação e anulação do casamento»), estipula o seguinte: - “…1. São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro: a) Em cujo território se situe: - a residência habitual dos cônjuges, ou – a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou – a residência habitual do requerido, ou – em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou – a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, no ano imediatamente anterior à data do pedido, ou – a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado-Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu 'domicílio'; b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do 'domicílio' comum. 2. Para efeitos do presente regulamento, o termo 'domicílio' é entendido na acepção que lhe é dada pelos sistemas jurídicos do Reino Unido e da Irlanda…”.

È patente pela, leitura do sobredito normativo, que o elemento de conexão relevante para aferir a competência internacional é a «residência habitual» ___ em primeiro lugar as dos cônjuges, depois a do requerido (a), do requerente. In casu, qual a residência a considerar? Pela leitura dos autos, principalmente da petição inicial (fls. 42), recorrente e recorrida, na altura do pedido de divórcio tinham residência em Portugal (Cascais). E tanto assim é que foi por essa morada que a apelante foi convocada para pleitear. O critério da nacionalidade não é relevante e se o fosse nunca poderia ter como fundamento os artigos 14º e 15º do C. Civil Francês. Parece-nos pois que bem andou a Senhora Juiz a quo quando se considerou internacionalmente competente.

Neste conspecto também pensamos que não é de aceitar a conclusão de que o Tribunal de 1ª instância deveria ter-se declarado internacionalmente incompetente, visto o disposto no artigos 17º, 3º, nº1, alínea b), do Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de Novembro, 65º, nº1, do C. P. Civil e 14º e 15º do C. Civil Francês.

2.3. – Sumariando:

2.3.1. – A invocação, em sede de contestação, de excepção denominada de «privilégio de jurisdição fundado na sua nacionalidade», figura esta especificamente consignada em sede de processo de revisão de sentença estrangeira (art. 1100º do C. P. Civil), pode ser conhecida pelo Julgador, para os devidos efeitos, como integrante da excepção da excepção da incompetência absoluta, sem que se verifique a nulidade prevista no art. 668º, nº1, alínea d) do C. P. Civil.

2.3.2. – O Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de Novembro, atenta a data da sua publicação, e em matéria de competência internacional prevalece, neste momento, sobre todos os normativos quer da jurisdição francesa quer da portuguesa. Em todo o caso, os artigos 14º e 15 do C. Civil Francês não relevam para regular situação de divórcio posto que a sua natureza é não matrimonial.

III – Em Consequência – Decidimos:

a) – Julgar improcedente a douta apelação de P --- e confirmar o despacho saneador de 31 de Agosto de 2010 (fls. 25/32).
b) – Finalmente, condenar a apelante nas custas.

Lisboa – 13 de Janeiro de 2011

Juiz Relator – Rui da PONTE GOMES
1º Juiz Adjunto – Des. LUIS Correia de MENDONÇA
2ª Juiz Adjunta – Des.ª Maria AMÉLIA AMEIXOEIRA