Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2538/15.6T8PDL-B.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Na execução para pagamento de quantia certa em que, na pendência da mesma, ocorre a extinção da sociedade comercial (anónima) Executada, nos termos dos artigos 11.º, n.º 4, e 13.º do RJPADLEC, com o registo da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, é aplicável o disposto no art. 162.º do CSC, do qual resulta que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC.
II - Com efeito, o legislador optou por facultar ao credor que já foi a juízo (para fazer valer o seu direito) um “caminho mais fácil”, o do n.º 2 do art. 163.º, ou seja, não determinou que o processo prosseguirá contra os próprios sócios (em sentido amplo entenda-se, incluindo, pois, os acionistas), que teriam de ser “habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”.
III - Em situações como a dos autos, em que não existiu procedimento de liquidação com partilha, mas está comprovada a existência de ativo, de bens que não foram partilhados (no caso, imóveis penhorados, com registo de aquisição a favor da sociedade Executada) e de passivo (no caso, o crédito exequendo), a execução pode e deve prosseguir contra a “generalidade dos sócios”, representados pelos liquidatários, pois não se está perante uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
Banco Português de Gestão S.A., Exequente na execução ordinária para pagamento de quantia certa intentada contra U... - Sociedade Imobiliária, S.A. (e outras duas Executadas, AAA e BBB, relativamente às quais, por terem sido declaradas insolventes, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide – cf. despacho de 08-11-2016), interpôs o presente recurso de apelação do despacho de 02-11-2020, que declarou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide.
No requerimento executivo, apresentado em 25-09-2015, a Exequente pediu o pagamento da quantia de 728.627,98 €, com base numa livrança, no montante de 725.341,88 €, com data de vencimento de 31-07-2015, subscrita pela sociedade Executada e avalizada pelas outras duas Executadas, emitida para garantia do financiamento (no montante de 1.000.000,00 €) concedido àquela sociedade.
Foi determinada a citação das Executadas (cf. despacho de 09-11-2015), tendo sido pessoalmente citada a Executada AAA em 19-11-2015, de seguida, a Executada U..., mediante carta registada enviada em 18-12-2015 (nos termos do art. 246.º, n.º 4, do CPC), vindo, por último, a ser citada editalmente a Executada BBB (cf. anúncio de 31-03-2016).
Foram penhorados 11 imóveis, designadamente as frações autónomas descritas na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis da Ribeira Grande sob os n.º 0000-A, 0000-B, 0000-A, 0000-B, 0000-A, 0000-B, 0000-A, 0000-B, 0000-A 0000-B e o prédio urbano composto por lote de terreno descrito na mesma Conservatória sob o n.º 0000, todos da freguesia Rabo de Peixe, com registo de aquisição a favor da sociedade Executada (cf. auto de penhora e certidões que a Sr.ª Agente de Execução juntou em 18-06-2016).
No apenso A de reclamação de créditos, foi proferida sentença, em 09-03-2017, que julgou reconhecidos os créditos da Fazenda Nacional (relativos a IMI e IRC) reclamados pelo Ministério Público, graduando-os da seguinte forma: 1) o crédito da Fazenda Nacional relativo a IMI; 2) o crédito hipotecário da Exequente, 3) o crédito da Fazenda Nacional relativo a IRC.
Em 20-10-2020, a Sr.ª Agente de Execução veio informar o Tribunal (no seguimento do despacho que assim o determinou) que, em 06-03-2020, foi decidida a realização da venda por negociação particular, em virtude da frustração do leilão, do que foram notificados a Exequente, a Executada e o Credor Reclamante (AT-MP).
Em 29-10-2020, a Sr.ª Agente de Execução veio ainda informar que a Executada se encontra dissolvida e com a liquidação encerrada, administrativamente, pelo facto de não ter procedido ao registo de prestações de contas, conforme documentos que anexou. Acrescentando que: “Apesar da existência do património por partilhar em nome da sociedade, penhorado ao abrigo dos presentes autos, verifica-se a impossibilidade superveniente de impugnação judicial da decisão do conservador do registo comercial, nos termos do art. 12.º do RJPADLEC. Pelo exposto, e nos termos do disposto no artigo 162.º, 163.º e 165.º todos do Código das Sociedades Comerciais, vem requerer a V. Exa., que se digne ordenar a consulta por esse Tribunal, do processo administrativo de dissolução, autuado na Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada sob o n.º 9756/2016, para que se identifique(m) o(s) liquidatário(s) da sociedade, em ordem a que aquele(s) substitua(m) a sociedade executada”. Juntou documentos dos quais resulta que:
1. Foi publicado, em 09-06-2016, em relação à sociedade anónima, ora Executada, U... - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada, com a matrícula e o NIPC 000000000, e o capital de 50.000,00 €, o Aviso, em que, além de se indicar que se encontram disponíveis os documentos do procedimento na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, consta o seguinte (sublinhado nosso):
NOTIFICAÇÃO
Aos credores, sociedade, accionistas e administradores:
Pelo presente aviso, e em cumprimento do disposto no número 4 e 5 e 7 do artigo 8.º do RJPADLEC e n,º 1 do artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais ficam notificados os credores, a sociedade supra identificada, bem como os seus accionistas e administradores, de que teve início o procedimento administrativo de dissolução, pelo facto de, durante dois anos consecutivos, a sociedade não proceder ao registo da prestação de contas, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 5.º do RJPADLEC, procedimento que corre termos sob o n.º 9756 /2016, encontrando-se os documentos disponíveis para consulta nesta Conservatória.
Ficam notificados os credores de que dispõem do prazo de dez dias a contar desta notificação para informar estes serviços sobre os créditos e os direitos que detenham sobre a sociedade, bem como se têm conhecimento de bens e direitos de que aquela seja titular. Informa-se ainda que a comunicação de existência de créditos e direitos que detenham sobre a sociedade, bem como a existência de bens e direitos de que esta seja titular, determina a sua responsabilidade pelo pagamento dos encargos com os liquidatários e peritos nomeados pelo Conservador, sem prejuízo de poderem exigir da sociedade o reembolso dos encargos pagos.
Ficam notificados os accionistas, administradores e a sociedade de que dispõem do prazo de dez dias a contar desta notificação para comunicar a este serviço a existência de activo e passivo da sociedade e dizerem o que se lhes oferecer, querendo, e apresentando os respectivos meios de prova. Dispõem ainda do prazo de 30 dias, a contar desta notificação, para regularizar ou para demonstrar que já se encontra regularizada a situação.
Constitui igualmente aviso que se resultar dos elementos do processo a inexistência de activo e passivo, ou se não for comunicado no prazo estipulado a sua existência, a Conservatória declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação; se dos elementos do processo resultar a existência de activo e passivo a liquidar, depois da dissolução segue a liquidação sem qualquer outra notificação.
2. Foi publicado, em 27-09-2016, em relação à sociedade Executada, o Aviso com o seguinte teor:
NOTIFICAÇÃO
Aos credores, sociedade, accionistas, administradores e demais interessados:
Ficam V. Exas notificados que foi proferido o despacho final no procedimento administrativo de dissolução, autuado sob o n.º 9756/2016, referente à sociedade supra identificada, com a decisão de dissolução e encerramento da liquidação, e o consequente cancelamento da matrícula da mesma.
Mais ficam notificados de que dispõem do prazo de 10 dias a contar desta notificação para impugnar judicialmente, querendo, a referida decisão, nos termos do artigo 12.º do RJPADLEC.
3. Em 23-11-2016, foi publicado que, relativamente à Executada, pela Apresentação n.º 234/20161123, referente à inscrição 4, se efetuou o seguinte ato de registo: Insc. 4 - AP. 234/20161123 13:57:36 UTC - DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO.
De seguida, os autos foram conclusos, em 02-11-2020, tendo sido proferida, nessa mesma data, a decisão recorrida, cujo teor é o seguinte (sublinhado nosso):
“I. Constata-se que foi registada a dissolução e encerramento da empresa executada U...- Sociedade Imobiliária, S.A (NIPC 000000000), pelo que se extingui a sua personalidade jurídica o que torna impossível a continuação a presente execução – artigo 269.º, nº 3, do CPC.
Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 269.º, nº 3, do CPC e artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, declaro extinta a presente execução por impossibilidade superveniente da lide.
Custas pela massa insolvente.
Notifique e registe.
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II. Oportunamente, comunique a senhora agente de execução ao serviço de registo todos os bens que se encontram penhorados nos presentes autos (artigo 24.º, nº 6, do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais).”
Em 11-11-2020, a Sr.ª Agente de Execução veio requerer ao Tribunal esclarecimento sobre os atos a praticar, referindo que a sociedade Executada não está insolvente, tendo sido extinta administrativamente pelo Conservador do Registo Comercial por falta de apresentação das prestações de contas; de novo invocou o disposto no art. 162.º do CSC, bem como a existência de 11 prédios penhorados nos autos e que não foram partilhados.
Em 16-11-2020, foi ainda proferido despacho do qual consta designadamente o seguinte:
“(…) Requerimento de 11.11.2020
A dissolução e encerramento da liquidação (e bem assim cancelamento da matrícula, tal como decorre dos documentos juntos em 29.10.2020) da executada U...-Sociedade Imobiliária, S.A (NIPC 000000000) extingue a sua personalidade jurídica o que torna impossível a continuação da presente execução, nos exatos termos constantes do ponto I despacho de 02.11.2020.
Relativamente aos prédios pertencentes a essa sociedade (dissolvida) o procedimento a adotar é o descrito no ponto II do despacho de 02.11.2020.
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Relativamente ao prosseguimento contra os sócios.
Estamos no âmbito de uma ação executiva e não declarativa. Dizem-se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida (artigo 10., nº 4, do Código de Processo Civil). Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (artigo 10.º, nº 5, do Código de Processo Civil.)
No que concerne à legitimidade: a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor (artigo 53.º, nº 1, do Código de Processo Civil), não se verificando os Desvios à regra geral da determinação da legitimidade previstos no artigo 54.º do Código de Processo Civil.
 Com efeito, fora os casos que impliquem sócios de responsabilidade ilimitada (que aqui não estão em causa), nas sociedades de responsabilidade limitada “os antigos sócios (apenas) respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha” (art. 163.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais). O que quer dizer que, após a extinção da sociedade, a responsabilidade dos antigos sócios pelo passivo não satisfeito ou acautelado é limitada ao montante que receberam na partilha dos bens da sociedade. De modo que os sócios que nada receberam também nenhuma responsabilidade lhes pode ser exigida, já que, como escreve RAUL VENTURA, “o montante que recebera na partilha apura-se em relação a cada sócio, isto é, cada sócio é responsável até ao montante por ele recebido na partilha, e não por aquilo que os outros sócios também tenham recebido podendo, portanto, suceder que apenas um ou alguns dos sócios venham a ser demandados, assim como pode suceder que algum sócio esteja isento de responsabilidade por nada ter recebido na partilha” (em Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 1987, p. 484).
Assim, em face do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais, o prosseguimento da ação executiva contra os antigos sócios pressupõe a existência de uma ação declarativa (ação proposta contra os antigos sócios de sociedade de responsabilidade limitada por dívida desta não paga nem acautelada no momento da liquidação, devendo o demandante alegar na petição inicial e depois provar que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados) não se verificando a suficiência do título executivo contra os sócios (da sociedade anónima, como é o caso), não podendo desse modo prosseguir a ação executiva.”
Em 28-11-2020, veio a Sr.ª Agente de Execução requerer ao Tribunal a apreciação dos pressupostos para a extinção da instância executiva e o esclarecimento anteriormente solicitado.
Inconformada com a referida decisão de extinção da instância, a Exequente, em 04-12-2020, interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
- O Recorrente foi notificado da Sentença que decidiu declarar extinta a presente ação executiva com fundamento na impossibilidade superveniente da lide. No entanto, não pode concordar com a legalidade de tal decisão de extinção da instância executiva.
- Analisando o teor da Sentença recorrida, o Recorrente constatou que o Tribunal não especificou devidamente os fundamentos de facto que justificaram a decisão de extinção da execução, o que significa que não cumpriu o dever de fundamentação que está consagrado no n.º 1 do art.º 154.º do CPC, o qual constitui uma manifestação do princípio constitucional ínsito no art.º 205.º da Constituição.
- O raciocínio judiciário explanado na sentença não teve em consideração os elementos de facto constantes no processo, designadamente (i) que a dissolução da sociedade é posterior à instauração da execução, bem como (ii) a existência de bens penhorados não partilhados, que seriam objeto de venda nos presentes autos.
- O Recorrente entende que a Sentença ora recorrida carece da devida fundamentação, pelo que, desde já, se invoca a nulidade da sentença, nos termos e para efeitos do art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, por não terem sido especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão tomada pelo Tribunal.
- Na verdade, verifica-se que a Executada mantém a propriedade sobre 11 imóveis penhorados nos autos executivos. A Sentença recorrida não só não justifica ou fundamenta porque razão entende que há uma impossibilidade de venda dos bens da executada para pagamento coercivo da dívida exequenda.
- O Recorrente entende que o Tribunal fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 269.º n.º 3 do CPC.
- O Recorrente considera ser decisivo ter em consideração a aplicação do regime consagrado no art.º 162.º do CSC, no sentido em que a presente ação executiva deveria prosseguir mesmo com a extinção da sociedade comercial.
- Esta solução jurídica é a mais adequada e justa, na medida em que a sociedade executada deixou de existir sem que o seu património tivesse sido liquidado, pelo que se impõe prosseguir os mesmos objetivos que são visados com o art.º 165.º do CSC, sem haver a necessidade de ser intentada uma ação declarativa independente e autónoma da presente execução.
- Tendo em consideração a exposição supra exposta, o Recorrente entende não se verificar uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, dado que a relação jurídico-processual não pereceu nos seus elementos essenciais e que o prosseguimento da presente ação executiva não se tornou inútil ou impossível.
- Em conclusão, o Recorrente entende que a decisão de extinção dos presentes autos, com fundamento na impossibilidade superveniente da lide, está incorreta, pelo que a decisão constante da Sentença ora recorrida deverá ser revogada e deve ser, nos termos e para os efeitos do art.º 640.º, n.º 1, al. c) do CPC, substituída pela decisão de prosseguir a presente ação executiva, aplicando o disposto no art.º 162.º do CSC, com o intuito de prosseguir as diligências de venda dos imóveis penhorados à ordem dos presentes autos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Em 07-01-2021 foi proferido despacho de admissão do recurso, referindo-se a respeito do requerimento da Sr.ª Agente de Execução de 28-11-2020 que os esclarecimentos já haviam sido apreciados no despacho de 16-11-2020, nada mais havendo a esclarecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, as únicas questões a decidir são as seguintes:
1.ª) Se a decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação;
2.ª) Se a instância não devia ter sido declarada extinta, por não se verificar a impossibilidade superveniente da lide.
Os factos provados com relevância para conhecer do mérito do recurso são os que constam do relatório supra.
1.ª questão – Da nulidade da decisão recorrida
Defende a Apelante que a decisão recorrida é nula, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, porquanto: não especificou devidamente os fundamentos de facto que justificaram a decisão de extinção da execução, não cumprindo o dever de fundamentação que está consagrado no n.º 1 do art. 154.º do CPC; e uma vez que o raciocínio judiciário explanado na sentença não teve em consideração os elementos de facto constantes no processo, designadamente (i) que a dissolução da sociedade é posterior à instauração da execução, bem como (ii) a existência de bens penhorados não partilhados que seriam objeto de venda nos presentes autos.
Vejamos.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. De referir que o art. 615.º se aplica igualmente aos despachos, por força do disposto no art. 613.º, n.º 3, do CPC.
O preceituado na referida alínea b) mais não é do que uma decorrência e manifestação do dever de fundamentar a decisão consagrado na lei processual civil e na lei fundamental, designadamente no art. 205.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, estatuindo este último que o juiz, na fundamentação da sentença, declara, além do mais, quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
Tem sido tradicionalmente defendido na jurisprudência que a nulidade da sentença apenas deve ser declarada quando se verifica uma absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito que justificam a decisão, não bastando que a fundamentação ou motivação seja deficiente, insuficiente ou até errada (casos que, em regra, se resolvem nos recursos com a invocação de erro de julgamento).
Apenas uma fundamentação de facto ou de direito insuficiente ao ponto de não possibilitar às partes a compreensão cabal e análise crítica das razões (de facto e de direito) da decisão judicial pode ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade dessa decisão. Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 02-03-2011, proferido no processo n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, disponível em www.dgis.pt, conforme se alcança do ponto 1. do respetivo sumário: “À falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação”. E também o acórdão do STJ de 26-02-2019, proferido no processo n.º 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, analisando a decisão recorrida, verifica-se que se mostra sucintamente fundamentada, no facto de ter ocorrido a dissolução e encerramento da empresa executada U...- Sociedade Imobiliária, S.A (NIPC 000000000) e na aplicação do disposto nos artigos 269.º, n.º 3, e 277.º, al. e), ambos do CPC, concluindo o Tribunal a quo que a situação fáctica descrita configurava uma impossibilidade superveniente da lide conducente à extinção da instância.
Parece-nos evidente, até pelo teor da sua alegação recursória, que a Exequente compreendeu bem tal fundamentação, a qual, mesmo que possa vir a ser considerada incorreta ou confusa (o que não estamos aqui a afirmar ser o caso), não conduz à nulidade da decisão, antes configurará um erro na resolução de uma questão de direito [mormente na interpretação e aplicação do art. 595.º, n.º 1, al. b), do CPC], matéria que adiante será apreciada.
Destarte, improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso, não se verificando a invocada nulidade da decisão recorrida.
2.ª questão – Da impossibilidade superveniente da lide
Em primeiro lugar, não podemos deixar de estranhar a falta de colaboração por parte dos “sócios”/acionistas ou, pelo menos, dos administradores da sociedade comercial Executada que teriam, por certo, conhecimento da pendência desta execução, sendo incompreensível que não tenham tido o cuidado de informar o Tribunal, a Sr.ª Agente de Execução ou mesmo a Exequente da dissolução e encerramento da liquidação daquela sociedade por decisão administrativa, ao abrigo do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais (RJPADLEC) criado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29-03 (ANEXO III a que se refere o n.º 3 do art. 1.º), facto que só veio a ser conhecido nos autos volvidos quase 4 anos, através da pesquisa efetuada pela Sr.ª Agente de Execução.
Comecemos por elencar os preceitos legais aplicáveis ao caso, atentando primeiramente no disposto no art. 269.º, n.ºs 1, al. a), e 3 do CPC:
“1 - A instância suspende-se nos casos seguintes:
a) Quando falecer ou se extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais;
(…) 3 - A morte ou extinção de alguma das partes não dá lugar à suspensão, mas à extinção da instância, quando torne impossível ou inútil a continuação da lide.”
De referir, em estreita conexão com este normativo, o preceituado no art. 354.º, n.º 3, do CPC (com a epígrafe “Habilitação no caso de a legitimidade ainda não estar reconhecida”): “Se for parte na causa uma pessoa coletiva ou sociedade que se extinga, a habilitação dos sucessores faz-se em conformidade do disposto neste artigo, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais.”
O referido art. 162.º do CSC, cuja epígrafe é “Acções pendentes”, dispõe que:
“1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.”
Pese embora este artigo não remeta para o n.º 1 do art. 163.º, importa atentar no teor integral deste artigo, cuja epígrafe é “Passivo superveniente”:
“1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
2 - As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
3 - O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
4 - Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais.
5 - Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade.”
Finalmente, importa ter presente o que dispõe o art. 164.º, com a epígrafe, “Activo superveniente”:
“1 - Verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie.
2 - As acções para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor acção limitada ao seu interesse.
3 - A sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado para cada um deles e pode ser individualmente executada, na medida dos respectivos interesses.
4 - É aplicável o disposto no artigo 163.º, n.º 4.
5 - No caso de falecimento dos liquidatários, aplica-se o disposto no artigo 163.º, n.º 5.”
Desde já adiantamos que não nos parece que se justifique convocar o disposto nos artigos 53.º e 54.º do CPC (invocados no despacho de 16-11-2020), atinentes à legitimidade processual de exequente e executado e aos desvios à regra geral da determinação da legitimidade, já que a extinção da sociedade Executada se verificou na pendência do processo executivo, não se colocando, pois, a questão da falta de um tal pressuposto processual à data da apresentação do respetivo requerimento executivo.
Na verdade, quando a extinção da sociedade se verifica e é conhecida antes da propositura da ação da ação executiva, não temos dúvidas que o art. 54.º do CPC impõe ao exequente, desde logo para assegurar a sua legitimidade processual, a alegação de factos dos quais resulte o desvio que é permitido à regra geral da determinação da legitimidade.
Se tal facto (extinção da sociedade), embora anterior, apenas for verificado na pendência da ação, coloca-se outro problema, apreciado designadamente no acórdão da Relação do Porto de 14-01-2014, proferido no processo n.º 5076/12.5TBMTS-B.P1 (disponível em www.dgsi.pt), conforme se alcança do respetivo sumário:
“I - A sociedade comercial não se extingue com a dissolução, nem sequer com a liquidação, mas apenas com o registo do encerramento da liquidação.
II - Dissolvida a sociedade (cfr. causas de extinção previstas nos artigos 141.º a 143.º CSC), esta entra imediatamente em liquidação (artigo 146.º, n.º 1, CSC), mantendo a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando a aplicar-se, em princípio, as regras que regem as sociedades não dissolvidas (cfr. artigo 146.º, n.º 2, CSC).
III - Nas situações em que a extinção da sociedade ocorre antes da propositura da acção mas apenas é conhecida no seu decurso, não é necessário recorrer-se ao incidente de habilitação (aplicação analógica do artigo 163.º CSC) para que a sociedade seja substituída pelos sócios.”
De referir ainda, pelo particular interesse da sua fundamentação, o acórdão do STJ de 18-01-2018, proferido no processo n.º 2153/13.9TYLSB.L1.S2 (também disponível em www.dgsi.pt), que versou sobre uma situação lacunar, não enquadrável nos referidos artigos 162.º a 164.º do CSC, mas com pontos de contacto com o caso dos autos. Tratava-se de situação em que existia passivo superveniente de uma sociedade por quotas extinta, com património não partilhado que continuava a gerar dívidas ao condomínio (após a extinção dessa sociedade), referindo-se, no respetivo sumário:
“I - Concluindo-se que a via administrativa para a dissolução de sociedades (o RJPADLEC) não permite acautelar cabalmente legítimos interesses dos credores da sociedade dissolvida, não pode o aplicador do direito resignar-se à conclusão de que o sistema não confere expressamente legitimidade aos credores para promoverem a partilha por via judicial.
II - A existência de imóveis (que têm como proprietária uma sociedade dissolvida administrativamente), que não foram objeto de liquidação nem de partilha (porque esta fase não existiu), mas que continuam a gerar passivo (dívidas ao condomínio) não se encontra expressamente prevista nos arts. 163.º e 164.º do CSC.
III - Não sendo os ex-sócios diretamente demandáveis pelo pagamento das dívidas ao condomínio, (porque nada receberam da sociedade), há que apurar como pode o património da extinta sociedade responder por aquelas dívidas.
IV - Do ponto de vista da correta ordenação da titularidade dos bens, não é admissível que imóveis urbanos, concretamente frações autónomas, não tenham um dono que possa ser responsabilizado pelas dívidas inerentes ao seu específico estatuto imobiliário. Pelo facto de se encontrarem em propriedade horizontal, os imóveis (propriedade da dissolvida sociedade) continuarão, necessariamente, a gerar as dívidas correspondentes às despesas do condomínio.
V - Constatando-se a abertura do sistema à via judicial, feita pelo n.º 2 do art. 165.º do CSC, deverá concluir-se que essa via se manterá igualmente aberta quando esteja em causa a reclamada tutela de interesses materialmente idênticos. As hipóteses previstas no art. 165.º do CSC (respeitantes ao destino dos bens das sociedades inválidas) e a hipótese do caso sub judice (insuficiência normativa do procedimento administrativo de dissolução) respeitam a problemas valorativamente equiparáveis, pelo que se justifica a convocação da solução jurídica que conduza aos mesmos efeitos práticos.”
A jurisprudência, a propósito de um amplo leque de situações em que se comprova, na pendência da ação, ter ocorrido a dissolução com a respetiva extinção da sociedade demandada/ré/executada, tem divergido sobre a questão de saber a quem pertence o ónus de alegar e provar o recebimento pelos sócios de bens ou direitos em partilha na sequência dessa dissolução, registando-se que, na sua larga maioria, os tribunais têm considerado que incumbe ao demandante/autor/exequente. Neste sentido, sem preocupações de exaustão, localizámos os acórdãos seguintes (todos disponíveis, salvo indicação em contrário em www.dgsi.pt):
1. Acórdão do STJ de 23-04-2008, no proc. n.º 07S4745:
1. A dissolução e extinção da sociedade entidade empregadora não equivalem, para efeitos do disposto no art.º 39.º, n.º 1, da LAT [Lei dos Acidentes de Trabalho), ao desaparecimento da entidade responsável.
2. A extinção da sociedade não afecta as relações jurídicas de que era titular, que passam a ser encabeçadas pela generalidade dos seus sócios.
3. Extinta, por dissolução dos sócios, a sociedade ao serviço da qual o sinistrado sofreu o acidente de trabalho, compete a este alegar e provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados pelos sócios.
2. Acórdão do STJ de 26-06-2008, no proc. n.º 08B1184, também disponível em /www.colectaneadejurisprudencia.com, citando-se o sumário que consta desta última Base de Dados:
I - Dissolvida uma sociedade, entra em liquidação, mantendo, porém, a sua personalidade jurídica.
II - A extinção duma sociedade - com a perda da sua personalidade jurídica e judiciária - só ocorre com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação.
III - Extinta uma sociedade, não se extinguem as relações jurídicas de que era titular, nas quais a sociedade se passa a considerar substituída pela generalidade dos antigos sócios, que, extinta a sociedade, respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.
IV - Responsabilidade que pode continuar a existir ainda que na escritura de liquidação os sócios hajam declarado que não há activo ou passivo a liquidar - não sendo assim a extinção precedida duma verdadeira fase de liquidação.
V - Efectivamente, tal declaração não está coberta pela força probatória material que, nos termos do art. 371.º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos.
VI - Todavia, é sempre aos credores sociais que compete alegar e provar a existência de bens sociais susceptíveis de serem partilhados pelos sócios de sociedade extinta.
VII - Alegação que, tendo a substituição da sociedade pela generalidade dos antigos sócios ocorrido na pendência da acção, deve ser feita em articulado superveniente na mesma acção, não podendo ser deixado para a fase de execução de sentença.
VIII - De facto, sem tal alegação, não pode demonstrar-se que os sócios da sociedade extinta receberam quaisquer bens, não podendo assim os mesmos ser condenados (163.º, n.º 1, do CSC).
3. Acórdão da Relação do Porto de 15-12-2010, no proc. n.º 576/07.1TTVCT-C.P1:
I - A sociedade extinta (o que ocorre com o registo do encerramento da liquidação, nos termos do art. 160.º, n.º 2, do CSC) carece de personalidade jurídica e judiciária (art. 5.º, do CPC) para ser demandada em acção executiva.
II - Nesse caso, a legitimidade passiva recai sobre os antigos sócios que hajam sucedido nas obrigações da sociedade; ou, quanto aos sócios de responsabilidade limitada, sobre os que receberam algo em partilha e apenas até ao montante do que receberam.
III - Incumbe ao exequente o ónus de alegação e prova do recebimento, em partilha, de bens da extinta sociedade por parte do (ex)sócio demandado na execução.
4. Acórdão da Relação de Lisboa, no proc. n.º 17316/09.3YIPRT-B.L1-7, de 12-07-2012:
I – Extinta uma sociedade comercial, pelo registo do encerramento da sua liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculem transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios (artigos 160º, nº 2, e 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais);
II – Ao cumprimento dessas obrigações apenas está afecto, contudo, o volume do património social distribuído na partilha, respondendo cada sócio apenas até ao montante do que nela houver recebido (artigo 163º, nº 1, citado);
III – Nas acções (e execuções) pendentes contra a sociedade, à data da sua extinção, opera uma sucessão subjectiva, sem suspensão da instância e nem liquidação, considerando-se ela substituída pelos ex-sócios (artigo 162º do CSC);
IV – É sobre o credor exequente que carrega o ónus de provar qual o património do ex-sócio, por este recebido em partilha, que como tal está afecto à satisfação do crédito exequendo;
V – Opondo-se o ex-sócio à execução, com fundamento em nenhum bem ter recebido em liquidação do património da sociedade, há fundamento para rejeição liminar, na medida em que esse facto se reflecte, não sobre a existência do crédito (e por conseguinte sobre a subsistência da execução), mas tão-só sobre o acervo patrimonial a ele afecto (artigo 817º, nº 1, alínea c), e nº 4, do Código de Processo Civil).
5. Acórdão do STJ de 14-03-2017, na Revista n.º 5871/13.8TBMTS.P1.S1 - 1.ª Secção, conforme se alcança das seguintes passagens do respetivo sumário, disponível em www.stj.pt:
II - A responsabilização dos sócios da sociedade extinta com o encerramento da liquidação depende da alegação e prova de que receberam bens na partilha do património da sociedade. 
III - Competia à autora alegar, para depois poder provar, os referidos factos que, estando legalmente definida a responsabilidade dos sócios, se apresentam como constitutivos do seu crédito «até ao montante que receberam na partilha». 
IV - Não tendo cumprido com os referidos ónus de alegação e de prova, não pode obter a condenação dos réus, enquanto antigos sócios da ré, ao abrigo do disposto no art. 163.º do CSC. 
6. Acórdão da Relação do Porto de 06-04-2017, no proc. n.º 1345/14.8T2AGD-A.P1:
I - Não obstante nas ações pendentes em que a sociedade seja parte, a sua extinção, determine a sua substituição pela generalidade dos sócios (representados pelo liquidatário) ao abrigo do art.º 162º do CSC, tal substituição não é automática nem ilimitada.
II - Se apenas a sociedade comercial de responsabilidade limitada, liquidada e extinta, foi condenada na ação declarativa no pagamento de determinada quantia pecuniária a favor do exequente, não pode a execução de sentença iniciar-se contra o seu ex-sócio (representado pelo liquidatário), ao abrigo do art.º 163º do CSC, sem que se aleguem (e provem oportunamente) em ação própria ou, pelo menos, no requerimento inicial executivo, os pressupostos da responsabilidade deste último e da sua sucessão à sociedade, desde logo como requisito de legitimidade passiva, por não figurar no título executivo como devedor, abrindo também o contraditório.
III - Sendo dele o ónus de alegação e prova, não satisfaz aquela exigência o exequente que só após a sentença declarativa condenatória da sociedade extinta, ali requereu simplesmente a notificação dessa sentença ao ex-sócio e que, no requerimento executivo o apresenta como executado, informando conclusivamente que “dissolveu a sociedade e declarou falsamente que a mesma não tinha passivo” e que o “ora executado dissolveu a sociedade e ficou com os bens ativos de que ela era detentora”.
7. Acórdão da Relação do Porto de 18-05-2017, no proc. n.º 2899/15.7T8LOU.P1:
I - Não obstante nas ações pendentes em que a sociedade seja parte a extinção desta determine a sua substituição pela generalidade dos sócios (representados pelo liquidatário) ao abrigo do art.º 162º do CSC, tal substituição não é automática nem ilimitada.
II - Se apenas a sociedade comercial de responsabilidade limitada, liquidada e extinta, foi condenada na ação declarativa no pagamento de determinada quantia pecuniária a favor da exequente, não pode fazer-se seguir a execução de sentença contra o seu ex-sócio (representado pelo liquidatário), ao abrigo do art.º 163º do CSC, sem que se aleguem (e provem oportunamente) em ação própria ou, pelo menos, em fase incipiente da execução (quando antes não pôde ser), os pressupostos da responsabilidade deste último e da sua sucessão à sociedade, desde logo como requisito de legitimidade passiva, por não figurar no título executivo como devedor, abrindo também o contraditório.
III - Tal alegação na execução passa pela concretização descritiva dos bens e valores da sociedade extinta partilhados em benefício do ex-sócio (potencial executado legitimável), a fim de permitir determinar a medida da sua responsabilidade relativamente ao crédito da exequente; porém, de modo compatível com as caraterísticas coercitivas do processo de execução, sem retardamento anormal ou complicação declarativa.
8. Acórdão da Relação do Porto de 05-02-2018, no proc. n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1:
I - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (artigo 163.º, do C.S.C.).
II - O direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado, perante o que a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito e não um facto modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão.
III - Perante um facto constitutivo do direito, deve o mesmo ser alegado e provado pelo autor nos termos que decorrem das disposições conjugadas dos artigos 342.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil e 163.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comercial.
9. Acórdão da Relação do Porto de 22-10-2018, no proc. n.º 582/15.2T8PRT.P1:
I - Com o registo do encerramento da liquidação, a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou ativo supervenientes.
II - Em consequência da extinção, deixa de existir a pessoa coletiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem.
III - Nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, a questão do passivo e do ativo supervenientes foi solucionada no sentido de a responsabilidade e a titularidade passarem, em determinados termos, para os sócios por sucessão.
IV - A existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor, cabendo a este o ónus da respetiva alegação e prova.
V - Não pode a execução intentada contra a sociedade prosseguir contra os sócios, quando não foram alegados, ao menos no requerimento inicial executivo, os pressupostos da sua responsabilização, isto é, que aqueles receberam bens ou direitos em partilha do património societário suficientes para o pagamento do crédito peticionado.
10. Acórdão do STJ de 25-10-2018 (que confirmou o anterior ac. da RP de 05-02-2018), no proc. n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2: Em acção pendente contra a sociedade que veio a ser liquidada e extinta, compete ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha da sociedade executada para efeitos de prosseguimento da acção contra os mesmos sócios nos termos do artigo 163º, nº 1, do CSC.
11. Acórdão do STJ de 01-10-2019, no proc. n.º 4022/06.0TCLRS.L2.S1:
1. Sendo extinta uma sociedade no decurso de acção judicial contra ela interposta, esta poderá prosseguir contra os antigos sócios, desde que estes tenham recebido bens na partilha, ficando a responsabilidade desses sócios pelo passivo social limitada pelo montante que receberam na partilha;
2. Não tendo ficado provado que qualquer dos sócios da R. tenha recebido em partilha algum bem da sociedade, não existe fundamento à luz dos arts. 162º e 163º nº1 do C.S.C. para que a acção prossiga contra esses sócios liquidatários;
3. Na situação indicada deve julgar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do C.P.C.), já que a responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais está limitada ao valor do património social de que beneficiaram (indevidamente), quando o mesmo devia ter sido destinado a solver dívidas da sociedade; (…)
Em sentido contrário, veja-se, a título exemplificativo, a declaração de voto vencido no aludido acórdão do STJ de 23-04-2008, em que se considerou que: “não competia à autora alegar e provar que a sociedade comercial empregadora tinha bens quando foi extinta e que tais bens foram partilhados pelos seus sócios, nem que os sócios tivessem realizado as respectivas quotas, sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, considerando a conexão desses factos com o direito de reparação invocado, cabia antes aos sócios réus provar a não existência desses bens, a não verificação da sua partilha entre eles e a realização das respectivas quotas, já que revestem a natureza de factos impeditivos da pretensão formulada.”
E também os seguintes acórdãos (disponíveis em www.dgsi.pt):
- da Relação de Lisboa 09-03-2010, no proc. n.º 4777/06.1TVLSB.L1-1:
I - A extinção da sociedade não produz nem a suspensão nem a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte; a sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação e a responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha;
II - Os sócios só respondem pelo passivo da sociedade liquidada e extinta se houver partilha dos bens desta e na medida dessa mesma partilha;
III - Trata-se pois dum facto impeditivo do exercício do direito da A., matéria de excepção cujo ónus recai sobre os sócios da primeira R. e agora recorrentes.
IV - Ora, como se demonstrou, os RR. não conseguiram fazer essa prova, mas apenas que os próprios declararam não terem partilhado quaisquer bens da primeira R. na sequência da sua dissolução.
V - Face ao referido non liquet há que decidir contra quem tem o respectivo ónus.
- da Relação de Lisboa de 12-06-2014, no proc. n.º 20802/07.6YYLSB.L1:
I - Quando numa execução pendente se extinga a sociedade executada por dissolução e liquidação, não há que suspender a instância para potenciar a habilitação pelo exequente da generalidade dos sócios representados pelos liquidatários (ou, no caso da dissolução ter resultado do procedimento de extinção imediata consagrado no RJPADL, a habilitação dos membros do anterior orgão de administração), antes devendo aqueles, ou estes, substituírem-se automaticamente  à sociedade executada.
II - Demandados pelos credores ao abrigo do art 163º CSCom para pagamento do passivo superveniente, cabe a uns ou aos outros, provar, através de outros meios que não a declaração referente à inexistência de activo e de passivo, que nada receberem na partilha.
- e da Relação de Lisboa de 12-02-2020 (com um voto de vencido), no proc. n.º 3/05.9TTALM-B.L1-4:
I - Os sócios-gerentes da Executada originária assumiram, por acordo judicial e em nome e representação da dita sociedade uma dívida no montante de 15.000,00 € para com o seu trabalhador e aqui Exequente e, não obstante nunca a haverem satisfeito, foram deliberar a dissolução e liquidação imediatas daquele ente coletivo e aí declarar (falsamente) que este último não tinha passivo, passando assim uma esponja por de cima do dito crédito laboral e também que não possuía ativo, não obstante terem inscrito em nome daquela três viaturas automóveis e terem vendido no dia 22/6/2006 e pelo preço de € 190.000,00 o imóvel onde aquele funcionava e liquidado apenas com tal importância dívidas ao Fisco e à Segurança Social no valor global de € 71.825,47, verificando-se assim uma diferença positiva para a aludida quantia de € 190.000,00 de € 118.174,53.
II - A Oponente deveria não somente ter alegado de forma circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, como depois demonstrado em termos objetivos, fidedignos e fiáveis, conforme lhe exigia o correspondente ónus de alegação e prova que a referida verba de € 118.174,53 havia efetivamente sido consumida na liquidação de dívidas do ente societário e que, nessa medida, não tinha sobrado nada do referido montante, que pudesse ter sido partilhado pelos dois sócios-gerentes.
III - Não foi isso que aconteceu nesta Oposição à Execução, tendo ficado por saber o que aconteceu efetivamente ao valor de € 118.174,53, dúvida essa quanto à realidade desses factos que, nos termos do art.º 414.º do NCPC, se resolve contra quem aproveitaria ou beneficiária com os mesmos, ou seja, a Apelada.
IV - Sendo assim, não é possível concluir, como pretende a Apelada, que a sociedade não tinha qualquer ativo, na data da sua dissolução e liquidação e de que não foi partilhado entre ambos quaisquer bens ou quantias pecuniárias, pois, no mínimo – e dando de barato os três veículos automóveis da empresa extinta e a muito prolongada e significativa impossibilidade da sua apreensão efetiva por parte do solicitador de execução - existia aquela importância sobrante de € 118.174,53, cujo destino ficou por apurar.
V - A extinção jurídica de tal ente societário e devedor originário do crédito laboral de € 15.000,00 assentou em falsas declarações, quer no respeita à inexistência de ativo, como no que concerne à liquidação oportuna de todo o passivo, declarações essas feitas pelos seus únicos dois sócios e gerentes, o que os faz incorrer, desde logo, na responsabilidade pela liquidação da quantia exequente em causa nos autos, quer por força da aplicação direta artigos 162.º e 163.º, número 1 do CSC, quer em função da aplicação analógica do disposto no artigo 158.º do mesmo diploma legal, para quem não aceite aquela aplicação direta.
Este último acórdão mereceu, aliás, um post de MTS no Blog, com o seguinte teor:
O direito positivo fornece os seguintes dados:
-- No requerimento executivo, incumbe ao exequente alegar os factos constitutivos da sucessão na titularidade da dívida (art. 54.º, n.º 1, CPC); a falta de alegação destes factos constitui o requerimento executivo como inepto (art. 186.º, n.º 2, al. a), CPC);
-- A partir do momento que o sócio executado deduz oposição à execução, é claro que, independentemente da qualificação do facto relativo ao montante recebido por esse sócio, o ónus da prova do fundamento da oposição pertence a este sócio executado.
Nesta hipótese, vale o lugar paralelo dos bens penhoráveis na execução instaurada contra o herdeiro: se a herança tiver sido aceita pura e simplesmente e se o exequente se opuser ao levantamento da penhora, cabe ao executado alegar e provar que os bens não provieram da herança (art. 744.º, n.º 3, al. a), CPC)
A doutrina tem procurado chamar a atenção do legislador e da jurisprudência para esta problemática, como se vê pelas linhas finais, que não resistimos a citar, da tese “Dissolução e liquidação societária: a (des)Proteção dos credores sociais”, de Joana Alexandra Carvalho Maia, sob a orientação do Professor Doutor Paulo de Tarso Domingues, disponível online:
Ademais, apelamos que se ultrapasse a questão do ónus da prova quando se defende que, para que os sócios possam ser responsabilizados, cabe aos credores provarem que aqueles partilharam entre si bens sociais que poderiam ter respondido parcial ou totalmente pelo respetivo passivo. Cremos que o julgador deverá olhar para o artigo 163.º do CSC entendendo que, o facto de não ter existido (aparentemente) qualquer ativo que pudesse ser partilhado pelos sócios, é um facto impeditivo do direito dos credores sociais (342.º n.º 2 do CC), não havendo outra hipótese se não a de exigir aos sócios a prova da inexistência de qualquer ativo ou partilha oculta. Portanto, na nossa opinião, aos credores caberá apenas provar o facto constitutivo do seu direito, ou seja, o crédito que tem sobre a sociedade.
Defendemos também que, em sede judicial, se o credor solicitar os “livros, documentos e demais elementos da escrituração da sociedade” (artigo 157.º n.º 4 do CSC aplicado analogicamente ao procedimento especial de extinção imediata das sociedades e ao processo ad hoc de dissolução sem liquidação) e, estando dentro dos 5 anos de obrigação de depósito, os sócios não apresentarem o solicitado, deverá inverte-se o ónus da prova, quando se considere que sobre os credores está o ónus de provar que os sócios partilharam ativo que poderia responder pelos seus créditos. Assim, em razão dos sócios terem culposamente tornado impossível a prova ao credor (344.º n.º 2 do CC), inverte-se o ónus da prova, pesando sobre aqueles a prova que não partilharam qualquer haver social que pudesse acautelar os direitos do credor.
Balanceando os diferentes interesses acreditamos que impor aos credores a prova de que os sócios partilharam entre si haveres sociais é colocá-los numa situação extremamente desigual e desproporcional: a parte que terá mais facilidade de aceder à prova necessária serão os antigos sócios por terem sido partes integrantes da pessoa coletiva que constituiu a dívida.
Em suma, os credores sociais, até certo ponto, são protegidos pelo ordenamento jurídico português aquando da dissolução, liquidação e extinção dos seus devedores, no entanto, na prática, essa proteção é abafada pelas características dos diferentes processos e pela exigência provatória que congela a relação comercial e creditícia que nasceu ainda no auge da personalidade jurídica e da capacidade de gozo da sociedade comercial.”
A propósito dos citados artigos 269.º e 354.º do CPC, Salvador da Costa, na sua obra “Os Incidentes da Instância”, 11.ª edição, 2020, Almedina, págs. 215-217, refere o seguinte (sublinhado nosso):
“Na situação em análise, todavia, apenas releva o disposto no artigo 163º, nºs 1 e 2, e no artigo 164º, nºs 1 e 2, do referido Código.
(…) Conjugando o disposto na primeira parte do normativo em análise – for parte sociedade que se extinga – com as normas do CSC acima referidas, propendemos a considerar ser a seguinte a solução nesta matéria relativa às sociedades comerciais:
No caso de a extinção das sociedades comerciais ocorrer durante a pendência de ações, independentemente de figurarem do lado ativo ou do lado passivo, são substituídas pelos liquidatários a título de representantes legais da generalidade dos ex-sócios.
(…) Extinta a sociedade na pendência da ação em que figure como ré, o credor-autor, no requerimento para a ação prosseguir com os ex-sócios, representados pelos liquidatários, deve alegar e indicar a prova de que os mesmos receberam bens em partilha, condição do seu prosseguimento nos termos do nº 1 do artigo 163º do CSC.
Com efeito incumbe ao credor respetivo o ónus de alegação e de prova de que os ex-sócios da sociedade receberam em partilha bens da titularidade da sociedade em causa. Assim, a execução intentada contra a sociedade comercial extinta não pode prosseguir contra os ex-sócios se ao menos no requerimento executivo não foram invocados os pressupostos da sua responsabilidade, ou seja, que receberam bens ou direitos em partilha do património societário suficientes para o pagamento do crédito peticionado.
Mas o requerente tem o ónus de justificar, no respetivo requerimento, os factos reveladores de que, aquando do encerramento da liquidação da sociedade, esta era titular de bens ou valores e que foram distribuídos pelos ex-sócios.
Tendo a sociedade, antes da sua extinção, sido condenada em ação declarativa a pagar a um seu credor determinada quantia em dinheiro, na ação executiva por ele instaurada pendente aquando da sua referida extinção, o seu prosseguimento contra os ex-sócios depende da sua alegação e prova dos factos justificativos da sua responsabilidade pelo pagamento, nos termos acima referidos.”
Carolina Cunha, no “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Volume II (Artigos 85º a 174º), Coord. por Coutinho de Abreu, Almedina, explica que (cf. págs. 682-691; sublinhado nosso):
«A ressalva que o art. 160º, 2 efetua do disposto nos arts. 162º a 164º não significa que a sociedade se não considere extinta para efeitos dessas normas. Trata-se, apenas, de uma chamada de atenção para a circunstância de as relações jurídicas, até então encabeçadas na sociedade, que hajam de continuar (art. 162º) ou que venham a ser posteriormente detectadas (arts. 163º e 164º), se tornarem alvo de um regime particular. A extinção da sociedade não acarreta a cessação dessas relações; permanecerão, embora encabeçadas na generalidade dos sócios.
(…) Extinta a sociedade, coloca-se o problema de saber qual a sorte das diversas situações ou relações jurídicas que nela se encabeçavam. O passivo e o activo, em princípio, estarão liquidados, mas pode vir a ser “descoberta”, após a extinção, alguma relação jurídica que haja escapado ao procedimento de liquidação e partilha – hipótese a que os arts. 163º e 164º dão solução. Questão diversa é a que respeita à acções pendentes à data da extinção da sociedade se extingue – e é justamente aquela à qual o art. 162º dá resposta.
O legislador rejeita, pelos óbvios inconvenientes, a solução da perpetuatio iurisdictionis, que manteria até à sentença a personalidade jurídica da sociedade. Contudo, a solução da extinção da sociedade não acarreta a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte: tais acções continuam, considerando-se a sociedade substituída pela generalidade dos sócios.
De referir que, nos termos do n.º 2 do art. 162.º, a instância não só não se suspende, como não se torna, sequer, necessária habilitação dos sócios na posição da extinta sociedade.
Por força da remissão legal para os arts. 163º e 164º, os liquidatários (que até à extinção funcionavam no processo como representantes da sociedade) assumirão doravante, em juízo, a posição de representantes legais da generalidade dos sócios.
Alguma doutrina exprime dúvidas de que este regime geral seja de aplicação automática para lá do universo das acções de cobrança de dívidas da sociedade, alertando para as soluções específicas que podem merecer hipóteses como a acção respeitar a um bem social que ficou cabendo em partilha a determinado sócio (caso em que defendem que a lide deve continuar só contra este, nos termos gerais); ou as hipóteses em que a natureza da relação controvertida torna inútil ou impossível a continuação da lide (caso em que a instância se extingue – art. 276.º, n.º 3, do CPCiv.).
(…) O fundamento da solução legalmente consagrada radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. Como explica Raúl Ventura, os sócios têm direito ao saldo de liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que o que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora, à custa dos bens que receberam.
(…) O art. 163º, 2 vem estabelecer, com vantagens para credores e sócios, um mecanismo de representação processual encabeçado no liquidatário. Na verdade, se o credor superveniente pode, desde logo, optar por demandar apenas um ou alguns dos sócios (como decorre directamente do n.º 1), o n.º 2 vem conceder-lhe a faculdade de propor a acção contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário. As vantagens desta opção disponibilizada aos credores são manifestas ao poupar-lhes os incómodos e as contingências de terem de propor uma acção contra vários réus; assim, basta-lhes consultar o registo comercial para identificar contra quem devem propor a acção; mas também para os antigos sócios há benefício nesta representação global pelo liquidatário (…)
Em termos dogmáticos, considera Raúl Ventura que a “generalidade dos sócios” é dotada, para estes efeitos, de personalidade judiciária. O Autor confirma esta asserção com o disposto na parte final do art. 163º, 2: se a qualquer sócio é dado intervir no processo como assistente (de modo a poder, eventualmente, esgrimir razões e argumentos que o liquidatário porventura omita), a implicação dogmática é que os liquidatários não estão a actuar como representantes de cada sócio, individualmente considerado.»
Finalmente, já na anotação ao art. 164.º, refere-se ainda nesta obra: «Desaparecido o ente societário, a solução vigente passa por atribuir a titularidade dessas situações jurídicas activas aos antigos sócios, em termos que sejam compatíveis com o estado de indivisão (contitularidade para os direitos de crédito; compropriedade para o direito de propriedade).»
Volvendo ao caso dos autos, importa não confundir as situações, lembrando que a presente execução teve início em 25-09-2016 e que sociedade comercial Executada se extinguiu na pendência da ação, tendo sido registada a decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação mediante apresentação n.º 234, datada de 23-11-2016. Assim, trata-se de situação abrangida pela previsão do art. 162.º do CSC, do qual resulta que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos art.ºs 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC.
De sublinhar que este preceito não remete também para o n.º 1 do art.º 163.º, o que significa, a nosso ver, que o legislador optou por facultar ao credor que já foi a juízo (para fazer valer o seu direito) um “caminho mais fácil”, o do n.º 2 do art. 163.º, ou seja, não determinou que o processo prosseguirá contra os próprios sócios (em sentido amplo entenda-se, incluindo, pois, os acionistas), que teriam de ser “habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”. Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2012, no processo n.º 5799/09.6TBOER.L1-7, disponível em www.dgsi.pt:
“I - O registo do encerramento da liquidação da sociedade executada impede o prosseguimento da execução contra a sociedade extinta, por falta de personalidade jurídica.
II - A extinção da sociedade executada, não importará, automaticamente, a extinção da instância nas execuções em que esta seja parte.
III - Tratando-se de execução em que se mostram penhorados bens à sociedade, e apurando-se que a mesma se extinguiu em data anterior à propositura da execução, a mesma deverá prosseguir contra a generalidade dos sócios, representada pelo liquidatário, procedendo-se à citação daqueles na pessoa deste”.
Veja-se ainda, pelo seu interesse, o acórdão da Relação de Lisboa de 11-07-2019, no processo n.º 9148/10.2YIPRT-C.L1-2, relatado pelo ora 2.º Adjunto, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança pelas seguintes passagens do respetivo sumário:
“- As acções judiciais em que uma sociedade seja parte – activa ou passiva - continuam, mesmo após a sua extinção, sendo a mesma substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, o que se opera de forma automática, não implicando qualquer suspensão da instância, nem exigindo o recurso a incidente de habilitação – cf., artº. 162º, do Cód. das Sociedades Comerciais;
(…) - a representação da generalidade dos sócios, nessas acções, é garantida pelos liquidatários, que agem como seus representantes legais, passando a figurar, nomeadamente do lado passivo, em substituição da primitiva Ré sociedade, para todos os efeitos, incluindo a citação – cf., artº. 163º, nº. 2, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais;
- e, só assim não será nas situações em que os liquidatários estejam impossibilitados de exercício das funções, o que sucede, de forma mais concludente, com a sua morte, sendo então substituídos pelos últimos gerentes, administradores ou directores da sociedade”.
Portanto, o legislador optou por facultar ao credor/autor/exequente a possibilidade de ver dirimido o litígio judicial que se encontra pendente, já não contra a sociedade que foi ab initio demandada (porque extinta, desprovida de personalidade jurídica e de personalidade judiciária), nem sequer (pelo menos não necessariamente) contra os próprios “sócios habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, numa especial extensão da personalidade judiciária a este “coletivo dos sócios”.
Com efeito, conforme se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2012 (proc. n.º 5799/09.6TBOER.L1-7), acima referido e que aqui citamos pelo seu interesse e clareza (sem menção às notas de rodapé), «Em tal caso, como refere Raul Ventura, o nº2 do art. 162º dispõe que a instância não se suspende nem é necessária a habilitação, à semelhança do que o nº2 do art. 276º do CPC determina para o caso da transformação ou fusão de pessoa colectiva ou sociedade: “o liquidatário já funcionava no processo como representante da sociedade e passará a ser considerado representante legal da generalidade dos sócios”.
A lei comete aos liquidatários o encargo de defender interesses alheios, em continuação de uma função que, relativamente à sociedade, já vinham exercendo.
Já no caso de passivo superveniente ou de débitos sociais insatisfeitos depois da partilha entre os sócios, o art. 163º veio a consagrar expressamente a responsabilidade dos sócios, embora limitada ao que receberam na partilha, pela via da sucessão – os créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios –, como defende Raul Ventura.
De qualquer modo, note-se que os antigos sócios apenas responderão até ao montante do que hajam recebido na partilha, mantendo-se a distinção entre património social e patrimónios individuais dos sócios, pelo que os credores sociais apenas podem fazer valer o seu direito de preferência sobre os bens que tenham pertencido à sociedade, desde que provem que estes bens passaram para o património do sócio, em execução de partilha.
E como se opera a substituição processual da sociedade pelos antigos sócios?
Em conformidade com o já citado art. 162º, se a extinção da sociedade ocorrer no decurso da acção, a sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação – art. 162º do CSC.
No caso de acções propostas depois de extinta a sociedade, no entender de Raul Ventura, o art. 163º oferece aos credores sociais duas alternativas: a) propositura de acção contra os sócios responsáveis na medida em que o forem (nº1 do art. 163º); ou, b) propositura da acção contra a “generalidade dos sócios”, na pessoa dos liquidatários (nº2 do art. 163º).
A solução alternativa consagrada no nº2 do art. 162º, “consiste em despersonalizar os sócios, para efeitos processuais, admitindo a propositura das acções contra a “generalidade” deles e ao mesmo tempo atribuir aos liquidatários (ou outras pessoas na falta deles), a representação processual dessa generalidade”.
“A intenção deste preceito consiste em estabelecer um mecanismo que coloque os credores sociais na situação, relativamente a litígios judiciais, tanto quanto possível idêntica àquela que eles deparariam se a sociedade não se tivesse extinguido, mas sem, contudo, esquecer essa extinção”.
E, no entender de tal autor, “a acção será proposta contra a generalidade ou totalidade dos sócios da extinta sociedade, que o credor pode logo identificar, não sendo obrigado a fazê-lo. Para essa acção, a generalidade dos sócios tem representante legal necessário: os liquidatários da extinta sociedade, os quais devem ser identificados na petição, o que o credor não tem dificuldade em fazer, bastando-lhe consultar o registo comercial”.»
É bom lembrar que, em face do(s) caminho(s) apontado(s) pelos citados preceitos legais, o Tribunal, antes de tomar uma qualquer posição sobre as implicações processuais da extinção da sociedade devedora demandada, deverá necessariamente ouvir o credor (autor ou exequente), não apenas porque isso lhe é imposto pelo art. 3.º, n.º 3, do CPC ou porque poderá ser pertinente convidá-lo a carrear para os autos informação ou documentos para cabal esclarecimento da situação (cf. artigos 6.º e 7.º do CPC), mas também, e sobretudo, porque se afigura da maior importância auscultar o credor sobre se continua (ou não) a ter interesse no prosseguimento da ação, já que até poderá dar-se o caso de, confrontado com a notícia das circunstâncias supervenientes da extinção da sociedade e da (pelo menos aparente) inexistência de ativo, o credor, numa ação – declarativa ou executiva – tendente à satisfação de obrigações pecuniárias, considerar que a demanda deixou de se justificar.
Haverá, pois, de lhe ser dada oportunidade para se pronunciar ou requerer o que tiver por conveniente, sendo certo que tem aberto o caminho (a trilhar naturalmente quando existe ativo por partilhar), do prosseguimento dos autos contra a “generalidade dos sócios” representados, pelo(s) liquidatário(s), podendo desde logo o credor contribuir com informação útil, mormente sobre a identidade destes últimos.
No caso dos autos, a extinção da sociedade Executada teve lugar em procedimento administrativo conforme previsto no regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais que se encontra consagrado no ANEXO III a que se refere o n.º 3 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29-03 (que, em termos sumários, veio atualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas, adotar medidas de simplificação e eliminação de atos e procedimentos notariais e registrais e aprovar o novo regime jurídico da dissolução e da liquidação de entidades comerciais). Trata-se de mais uma forma de desjudicialização adotada pelo legislador, que apesar da atenção que mereceu da parte da doutrina e de já estar em vigor há mais de uma década, continua a surpreender, como refere Carlos Vidigal, em “Algumas notas e reflexões sobre o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC) (aprovado pelo artigo 1.º, n.º 3, do DL n.º 76-A/2006, de 20.03) a prática judiciária”, no e-book CEJ Direito Registal - 2.ª edição (disponível em www.cej.mj.pt).
Diz-nos este Sr. Conservador do Registo Comercial de Lisboa, que “Feitas as contas muito grosseiramente, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a média anual de conclusão de processos instaurados ultrapassa as 10.000 entidades e a este número adiciono as que, impulsionadas pela notícia da abertura do processo dissolutivo, de imediato se apresentaram a eliminar a causa dissolutiva por via do cumprimento de obrigações que atempadamente não cumpriram. Refiro-me, obviamente, ao cumprimento da obrigação de prestação de contas, (IES), já que a cessação oficiosa da atividade determinada pela Autoridade Tributária tem tido um esmagador grau de sucesso. Desde a entrada em vigor do regime – 30.06.2016 – foram mais de 100 000 as entidades extintas pela Conservatória onde trabalho. Se adicionarmos o trabalho desenvolvido por todas as outras conservatórias não andaremos longe das 210 000 entidades extintas até agora. A este resultado adicione-se o efeito impulsionador do cumprimento da IES. O resultado prático é, pois, evidente quer quanto aos casos em que ocorre o efeito extintivo quer quanto aos que se apresentam a cumprir as obrigações que dão causa à instauração do procedimento.
O incumprimento do registo de prestação de contas e a cessação oficiosa da atividade promovida pela Autoridade Tributária são as causas quase exclusivas da extinção de entidades sujeitas a registo comercial promovidas administrativamente.”
É precisamente esta a situação que deu azo ao procedimento administrativo de dissolução da sociedade Executada, tendo a Conservatória do Registo Comercial declarado, simultaneamente, a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade, nos termos dos artigos 11.º, n.º 4, e 13.º do RJPADLEC, ao que tudo indica por não ter sido apurada a existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar. O que, de facto, não deixa de nos surpreender, não se compreendendo por que motivo, nos tempos atuais, com a progressiva informatização dos registos, não se prevê, neste procedimento, que seja efetuada, pelo menos, uma diligência “interna” no sentido de apurar da existência de “património registado”, o que, em casos como o dos autos, teria permitido verificar que existiam, pelo menos, 11 imóveis com registo de aquisição em nome da sociedade comercial dissolvida.
Se porventura tivesse existido procedimento administrativo de liquidação (ainda que liquidação parcial) com partilha dos bens, e uma vez que o prosseguimento das ações, após a extinção da sociedade, contra os antigos sócios apenas pode ter lugar quando estes tenham recebido bens na partilha (e até ao montante que receberam na mesma), já que os sócios (de responsabilidade limitada) só respondem pelo passivo da sociedade liquidada e extinta na medida dessa partilha, então sempre teria de ser ouvido o credor, para que pudesse, querendo, apresentar requerimento nesse sentido (ou seja, do prosseguimento da ação contra os próprios sócios), situação que é distinta da dos autos, pelo que acaba por ser aqui irrelevante a questão de saber se o credor tinha (ou não) o ónus da alegação e prova do recebimento pelos sócios de bens na partilha.
Com efeito, não obstante o disposto no n.º 1 do art. 163.º (“até ao montante que receberam na partilha”) e toda a controvérsia jurisprudencial de que acima deixámos nota, é precisamente porque a Exequente não tomou a iniciativa de requerer “o prosseguimento da ação executiva contra os próprios sócios” (aliás, nem chegou a ser ouvida para requerer fosse o que fosse, no seguimento da comunicação feita pela Sr.ª AE em que deu conta da extinção da sociedade Executada) que não cumpre discutir os pressupostos do prosseguimento da execução nesses moldes, nem sobre quem recai o ónus da prova do recebimento de bens pelos próprios sócios, parecendo-nos, pois, deslocadas as considerações feitas pelo Tribunal a quo no despacho em que procurou esclarecer a razão de ser da decisão recorrida.
Aliás, em situações como a dos autos, em que os sócios comprovadamente não receberam, em partilha, os bens da sociedade que estão penhorados (porque a partilha não existiu ou não os abrangeu), nem parece fazer sentido enverar por esse caminho. Na verdade, mantendo-se inalterada no registo predial a inscrição de aquisição dos bens (penhorados) a favor da extinta sociedade Executada, os sócios sucedem, de facto, mas “em comum e sem determinação de parte ou direito”, na titularidade do direito de propriedade, não se justificando exigir ao credor Exequente a alegação e prova de outros factos em ordem a que possa continuar a fazer valer em juízo a sua pretensão (de pagamento coercivo pelo património existente) contra a “generalidade dos sócios”, cuja habilitação é inclusivamente dispensada.
Portanto, quando não existiu partilha (pelo menos da totalidade dos bens da extinta sociedade), estando inclusivamente comprovada a existência de ativo, de bens que não foram partilhados (no caso, imóveis penhorados, com registo de aquisição a favor da sociedade Executada) e de passivo (no caso, o crédito exequendo), a execução pode e deve prosseguir contra a “generalidade dos sócios”, representados pelos liquidatários, como a Exequente-Apelante defende na sua alegação de recurso, não constituindo a extinção da Executada uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.
Perante a declaração (simultânea) da dissolução e do encerramento da liquidação da sociedade comercial Executada (nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais) no pressuposto (aparente, mas comprovadamente incorreto) da existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar, pois continuam penhoradas várias frações autónomas daquela, existindo bens que não foram partilhados, impõe-se que os autos executivos prossigam para a venda (aliás, já determinada) desses mesmos bens (sobre os quais até incide hipoteca para garantia do crédito exequendo), com vista ao pagamento da quantia exequenda, sendo certo que, a existir um valor remanescente do produto da venda, ser-lhe-á dado destino pelo(s) liquidatário(s).
Acresce que a decisão recorrida parece assentar num equívoco, o de que a sociedade Executada teria sido declarada insolvente, pois, a encerrar o dispositivo, consta Custas pela massa insolvente e, por outro lado, determinou-se, no ponto II, que a Sr. Agente de Execução devia comunicar ao serviço de registo todos os bens que se encontram penhorados nos presentes autos, nos termos do art. 24.º, n.º 6, do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais, normativo cuja aplicação apenas se justificaria se a sociedade Executada tivesse sido declarada insolvente, conforme resulta inequivocamente do teor do mesmo: “ No caso da alínea i) do n.º 5 do artigo 15.º (isto é, em que o tribunal que decidiu o encerramento de um processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente tenha comunicado esse encerramento ao serviço de registo competente, nos termos do n.º 4 do art. 234.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), o conservador deve declarar imediatamente o encerramento da liquidação da entidade comercial, salvo se do processo de insolvência resultar a existência de activos que permitam suportar os encargos com o procedimento administrativo de liquidação.
Ora, a ter sido declarada a insolvência da sociedade Executada, seria de aplicar o disposto no art. 88.º do CIRE e a Exequente poderia obter o pagamento do seu crédito no âmbito do processo de insolvência (cf. artigos 128.º e ss. do CIRE). Mas não é essa a situação dos autos, não se compreendendo que, mesmo depois da informação carreada para os autos pela Sr.ª Agente de Execução a esse respeito, o Tribunal recorrido tenha continuado a afirmar que como a sociedade Executada deixou de ter personalidade jurídica se tornou “impossível a continuação da presente execução, nos exatos termos constantes do ponto I despacho de 02.11.2020” e que “Relativamente aos prédios pertencentes a essa sociedade (dissolvida) o procedimento a adotar é o descrito no ponto II do despacho de 02.11.2020”.
Em suma, a decisão recorrida não se mostra correta face aos citados normativos legais, em particular ao disposto no art. 162.º do CSC, que não foi interpretado e aplicado como se impunha, não tendo sido ouvida a Exequente, no seguimento da comunicação em que a Sr.ª Agente de Execução veio dar conta da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade Executada, a fim de que requeresse o que tivesse por conveniente, incluindo, como seria expetável, o prosseguimento da execução contra a generalidade dos antigos sócios representados pelos liquidatários.
De referir, para terminar, que não é no presente recurso que compete proceder à identificação dos liquidatários, até porque se trataria de questão nova, sobre a qual nem sequer foi ouvida a Exequente e nem dispomos de elementos, impondo-se diligenciar pelo respetivo apuramento, na linha do explanado no acórdão da Relação de Lisboa de 11-07-2019 (proc. n.º 9148/10.2YIPRT-C.L1-2) acima referido, designadamente quando aí se refere que:
(…) - a representação da generalidade dos sócios, nessas acções, é garantida pelos liquidatários, que agem como seus representantes legais, passando a figurar, nomeadamente do lado passivo, em substituição da primitiva Ré sociedade, para todos os efeitos, incluindo a citação – cf., artº. 163º, nº. 2, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais;
- e, só assim não será nas situações em que os liquidatários estejam impossibilitados de exercício das funções, o que sucede, de forma mais concludente, com a sua morte, sendo então substituídos pelos últimos gerentes, administradores ou directores da sociedade;
- todavia, correspondendo estes aos liquidatários falecidos (não se olvide que tais funções de liquidatário são exercidas, salvo cláusula do contrato social ou deliberação em contrário, pelos membros da administração da sociedade), tal desempenho é cometido aos (antigos) sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital social;
- nas acções tituladas ao portador a forma de transmissão opera-se através da traditio ou entrega física das acções (modo), a que subjaz a necessária celebração de um negócio jurídico translactivo (título), ou seja, exige-se que aquela traditio ou entrega se apoie num título válido ou negócio causal subjacente;
- com efeito, tal tipologia, quanto à forma de transmissão, de acções tituladas, não integradas em sistema centralizado, transmitem-se, caso se encontrem depositadas, por constituto possessório, ou, quando o não estejam, pela referenciada entrega material ou traditio, o que dificulta, ou mesmo impossibilita, o conhecimento da identidade do portador;
- o que foi expressamente reconhecido no âmbito da alteração legislativa concretizada na Lei nº. 15/2017, de 03/05, e DL nº. 123/17, de 25/09, que veio estabelecer a proibição de emissão de novos valores mobiliários ao portador e a conversão dos valores mobiliários ao portador, em circulação, que teve por base o projecto de lei nº. 205/XIII, ao referenciar, na respectiva exposição de motivos, que a “existência de valores mobiliários ao portador permite a dissipação de património, na medida em que é impossível a identificação dos seus titulares”.
Em conclusão, o recurso merece provimento, devendo a execução prosseguir, como pretende a Exequente-Apelante, contra a “generalidade dos sócios”, ouvindo-se aquela, nos termos dos artigos 3.º e 7.º do CPC, a respeito da identificação dos respetivos representantes legais, os liquidatários, sem prejuízo de outras diligências que o Tribunal recorrido, ao abrigo do dever de gestão processual (cf. art. 6.º do CPC), considere úteis, mormente a que foi sugerida pela Sr.ª Agente de Execução.
É de considerar como parte vencida “a generalidade dos sócios”, cuja habilitação nem é necessária, uma vez que a decisão de prosseguimento da ação se reflete negativamente na sua esfera jurídica, sendo assim sua a responsabilidade pelas custas do recurso, as quais sairão precípuas do produto dos bens penhorados (artigos 527.º, 529.º e 541.º, do CPC).
*
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar, em substituição da mesma, o prosseguimento da ação executiva, agora contra a “generalidade dos sócios/acionistas” da extinta sociedade Executada, representados pelo(s) liquidatário(s), ouvindo-se a Exequente nos termos e para os efeitos acima referidos.
Mais se decide condenar a “generalidade dos sócios” no pagamento das custas do recurso, as quais sairão precípuas do produto dos bens penhorados.
D.N.

Lisboa, 11-02-2021
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua