Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4291/2005-6
Relator: AGUIAR PEREIRA
Descritores: MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. Logo que, em processo de promoção e protecção de menor se evidencie a existência de um conflito de interesses entre o menor e os seus pais ou representantes legais é obrigatória a nomeação de um patrono à criança ou jovem.
II. No entanto, é no debate judicial que se torna imprescindível a representação do menor por pessoa diferente dos pais ou representantes legais, uma vez que é esse o momento próprio para o exercício do contraditório, para a explanação das posições e argumentos que se tenham por decisivos para a definição da situação do menor.
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO
Nº do Processo: Recurso de Agravo nº 4291/05 – 6 da 6ª Secção;
Recorrente: Margarida A D e (C);

a) A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira requereu, em 22 de Março de 2001, a aplicação urgente de uma medida provisória – que propôs fosse a de acolhimento em instituição – relativamente à menor (T) ., nascida a 9 de Maio de 1998, filha de José M. C. L. e da recorrente Margarida A. D., na sequência do que foi logo decidido aplicar à menor com carácter urgente e provisório, a medida de acolhimento em instituição pelo período de seis meses na Fundação Cebi, onde a menor já se encontrava.
b) No âmbito do processo de promoção e protecção foi designada data para declarações dos pais da menor e depois para uma conferência para decisão negociada.
Teve lugar o debate judicial a que alude o artigo 114º da Lei 147/99 de 1 de Setembro, a que estiveram presentes os pais da menor.
Nesse acto, o Mmº Juiz, constatando que ainda não tinha sido nomeado defensor da menor, nomeou o Dr. J. R. P., presente no Tribunal e que, tendo participado na diligência, proferiu alegações orais.
c) Pela ora agravante foi nesse acto dito que se opunha à entrega da filha para adopção, estando na disposição de ficar com ela.
d) Designada data para leitura de decisão veio tal acto a ter lugar em 6 de Julho de 2004 com a presença do ilustre defensor da menor.
A decisão referida foi no sentido de determinar a colocação da menor (T) à guarda de casal seleccionado pela segurança social para adopção e a cessação das visitas dos progenitores à menor.
e) Em 21 de Setembro de 2004 foi junta aos autos procuração passada pela mãe da menor – Margarida A. D.
Em 30 de Setembro de 2004 a mãe da menor e (C)., que invoca a qualidade de irmã da menor e que entretanto juntou igualmente procuração passada a favor de ilustre advogado, vieram requerer a declaração das nulidades consistentes na “não nomeação de advogado á primeira requerente, a insuficiência da instrução e averiguação das condições familiares, nomeadamente da 2ª requerente, bem como o facto de não ter sido nomeado patrono à menor”, circunstâncias que, em seu entender, “influíram no exame e na decisão da causa, constituindo irregularidades nos termos do artigo 201º nº 1 do Código de Processo Civil”.
f) Apreciando tal requerimento foi decidido não existirem as invocadas nulidades, sendo a menor representada no debate judicial por ilustre defensor e não tendo os pais da menor manifestado qualquer interesse na nomeação de patrono, sendo, de resto, extemporânea a arguição das nulidades. Acrescendo ainda que não foi trazido aos autos até esse momento conhecimento da existência da segunda requerente.
g) Inconformadas com tal decisão dela interpuseram recurso as requerentes, recurso que foi admitido como de agravo, a subir em separado e com efeito devolutivo.
As recorrentes concluem pela forma seguinte as suas alegações de recurso:
“1 – Foi proferida sentença nestes autos em que a Menor é judicialmente confiada com vista a futura adopção.
2 – As agravantes em tempo arguíram as nulidades/irregularidades, pois, só tiveram conhecimento das mesmas em 20 de Setembro de 2004 e não estavam presentes quando as mesmas foram cometidas.
3 – Foi invocada a irregularidade/nulidade derivada da não nomeação de Patrono á menor, que influi no exame e decisão da causa, nos termos do artigo 103° nº 2 da Lei nº 147/99 de 1 de Setembro, alterada pela lei nº 31/2003, de 22 de Agosto, tendo este artigo sido violado pelo Tribunal "a quo", quando não deferiu a pretensão das Agravantes.
4 - Nem sequer se pronunciou sobre a mesma, o que constitui nulidade da sentença, nos termos do artigo 668º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável ao despacho em crise”.
h) A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou contra alegações em que conclui pela total ausência de fundamento do recurso e pede a manutenção da decisão recorrida.
i) O Mmº Juiz sustentou a sua decisão (artigo 744º do Código de Processo Civil). Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
1. Os factos a ter em conta na apreciação do recurso de agravo são os que se encontram já descritos no relatório.
B) O DIREITO
São duas as questões colocadas nas conclusões das alegações de recurso que, como é sabido, delimitam o respectivo objecto: ter ou não sido praticada uma nulidade por falta de nomeação de patrono à menor (T) na medida em que os seus interesses são conflituantes com os interesses dos seus pais; ter ou não sido cometida nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 668º nº 1 d) do Código de Processo Civil.
1. Está em causa nestes autos a eventual existência de uma nulidade que terá ocorrido em virtude de não ter sido, alegadamente, nomeado patrono à menor (T) nos termos do artigo 103º nº 2 da Lei 147/99 de 1 de Setembro, o qual estipula que “é obrigatória a nomeação de patrono à criança ou jovem quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto sejam conflituantes e ainda quando a criança ou jovem com a maturidade adequada o solicitar ao tribunal”.
Tal obrigatoriedade existe quando se evidencie um conflito dos interesses da menor e dos seus pais, representantes legais ou de quem tenha o menor a seu cargo, já que é nessa contraposição de interesses que assenta a impossibilidade da sua representação pelos seus pais ou representantes legais.
No entanto, é no debate judicial – e só nesse momento – que se torna imprescindível a representação do menor por pessoa diferente dos pais, como resulta do disposto no artigo 103º nº 4 da Lei 147/99 de 1 de Setembro.
Sem embargo da possibilidade de constituição de advogado em qualquer altura do processo ou de nomeação de patrono para os pais ou para o menor, no processo de promoção e protecção o debate judicial é o momento próprio para o exercício do contraditório, para a explanação das posições e argumentos (artigo 104º nº 2 da Lei 147/99 de 1 de Setembro) que se tenham por decisivos para a definição da situação do menor.
2. No caso dos autos, na verdade, são conflituantes os interesses da menor e os de seus pais.
Na acta do debate judicial a que alude o artigo 114º da Lei 147/99 de 1 de Setembro e que teve lugar em 5 de Julho de 2004 a mãe da menor declarou expressamente que se opunha à entrega da menor para adopção.
Concluiu-se nos autos, pela instrução levada a cabo, que os pais da menor não tinham condições para a ter consigo e que era, manifestamente, do interesse da menor a sua entrega para adopção por casal seleccionado.
Impunha-se, portanto, a nomeação de um patrono à menor.
3. Consta certificada nos autos a acta do debate judicial a que alude o artigo 114º da Lei 147/99 de 1 de Setembro, onde pode ler-se que foi nomeado à menor (T) o Dr. J. R. P. para seu patrono e que, tendo ele assistido à diligência proferiu, a final, alegações orais e assistiu à leitura da decisão.
O teor das actas respectivas não foi impugnado pelas agravantes.
4. Ora uma vez que, sendo obrigatória a nomeação de patrono à menor se constata que ela esteve devidamente representada no debate judicial, momento em que o exercício do contraditório demandava, de forma necessária, a sua representação por defensor nomeado, não ocorre a nulidade invocada, por não ter sido preterida formalidade prescrita pela lei.
5. Parecem as agravantes extrair do artigo 103º nº 2 da Lei 147/99 de 1 de Setembro que a nomeação de patrono à menor deveria ter tido lugar logo que se manifestou o conflito de interesses entre ela e os pais.
Que dizer?
Saliente-se, antes de mais, que no caso dos autos apenas no debate judicial a mãe da menor expressou a sua oposição à sua entrega para adopção.
Como já atrás se salientou, a previsão expressa do artigo 103º nº 4 da Lei 147/99 de 1 de Setembro aponta claramente no sentido de a lei apenas exigir a nomeação de patrono ao menor para o debate judicial.
Mas mesmo que assim não fosse, do facto de a menor só ter sido representada por defensor no debate judicial não resultou qualquer prejuízo para o exame ou decisão da causa.
Na verdade o exame e a decisão da causa, com o necessário e legal contraditório, foram feitos em acto processual no qual a menor esteve devidamente representada.
Daí que tal eventual irregularidade ou omissão, não influindo no exame ou decisão da causa não tenha, nos termos gerais do artigo 201º nº 1 do Código de Processo Civil, como consequência a nulidade dos actos praticados a partir do momento em que se tornou patente nos autos o confronto de interesses entre a menor e os seus pais.
Termos em que improcederia, também por esta via, o recurso interposto.
6. Acresce que, como se refere na decisão impugnada a arguição da mencionada nulidade é extemporânea dado não ter sido deduzida no prazo previsto no artigo 205º nº 1 do Código de Processo Civil.
Em relação à agravante Célia, e em face das conclusões das alegações de recurso, sempre se afiguraria, no mínimo, duvidoso que ela pudesse ser especialmente interessada na observância da formalidade alegadamente omitida, o que inviabilizaria a apreciação da arguição da nulidade nos termos do artigo 203º nº 1 do Código de Processo Civil.
7. E o que dizer quanto à segunda questão colocada, ou seja, quanto à alegada falta de pronúncia sobre a não nomeação de patrono à menor (artigo 668º nº 1 d) do Código de Processo Civil) que constituiria nulidade da decisão em recurso?
Muito simplesmente que também não assiste razão às agravantes.
Na verdade as ora agravantes alegaram, de resto sem qualquer correspondência com a realidade processual, que não tinha sido nomeado patrono à menor, o que constituiria uma das “irregularidades” que conduziriam às nulidades que pedem sejam declaradas.
A decisão impugnada, apreciando o teor do requerimento e a existência de eventuais nulidades decorrentes da invocada falta de nomeação de patrono, depois de dizer que à menor tinha sido nomeado patrono concluiu dizendo ser manifesta a falta de fundamento do requerido.
Não existe, por isso, a alegada falta de pronúncia em relação a questões colocadas à apreciação do Tribunal, pelo que nenhum reparo merece a decisão impugnada.

III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam em não conceder provimento ao agravo e, em conformidade, em confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelas agravantes.
Lisboa, 23 de Junho de 2005

Manuel José Aguiar Pereira
Urbano Aquiles Lopes Dias
José Gil de Jesus Roque