Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17316/09.3YIPRT-B.L1-7
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: EXECUÇÃO
SOCIEDADES COMERCIAIS
EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Extinta uma sociedade comercial, pelo registo do encerramento da sua liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculem transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios (artigos 160º, nº 2, e 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais);
II – Ao cumprimento dessas obrigações apenas está afecto, contudo, o volume do patri-mónio social distribuído na partilha, respondendo cada sócio apenas até ao montante do que nela houver recebido (artigo 163º, nº 1, citado);
III – Nas acções (e execuções) pendentes contra a sociedade, à data da sua extinção, o-pera uma sucessão subjectiva, sem suspensão da instância e nem liquidação, consi-derando-se ela substituída pelos ex-sócios (artigo 162º do CSC);
IV – É sobre o credor exequente que carrega o ónus de provar qual o património do ex-sócio, por este recebido em partilha, que como tal está afecto à satisfação do crédito exequendo;
V – Opondo-se o ex-sócio à execução, com fundamento em nenhum bem ter recebido em liquidação do património da sociedade, há fundamento para rejeição liminar, na me-dida em que esse facto se reflecte, não sobre a existência do crédito (e por conseguinte sobre a subsistência da execução), mas tão-só sobre o acervo patrimonial a ele afecto (artigo 817º, nº 1, alínea c), e nº 4, do Código de Processo Civil).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. A(…) SA apresentou, em 20 Jan 2009, requerimento de injunção contra B(…) Ld.ª, com sede na Rua (…), no …, a pedir o pagamento da quantia pecuniária, emergente do fornecimento à requerida de produtos de vestuário, bem como juros de mora (v fls. 75).

O processo foi apresentado à distribuição.
O juiz, com data de 22 Set 2009, conferiu força executiva à petição inicial (v fls. 74).

2. A ali requerente, fundada nesse título, suscitou acção executiva, para pagamento de quantia certa, em 4 Jan 2010, contra a ali requerida (v fls. 69 a 73).

Mas o agente de execução informou que a sociedade executada se encontrava dissolvida e que o processo de liquidação já fôra encerrado; por conseguinte, que sendo única sócia e gerente C (…), que devia a execução prosseguir contra ela (v fls. 76).

3. A exequente, por requerimento de 21 Jun 2011, pediu que fosse “deferido o requerimento do senhor solicitador de execução” (v fls. 77 a 79).

O juiz, por despacho de 21 Nov 2011, mandou proceder “de acordo com o requerido, associando como coexecutada a sócia da primitiva executada prosseguindo a execução também quanto a ela, citando-a para o efeito” (v fls. 80).

4. C (…) opôs-se à execução.
Disse que não basta a qualidade de sócia para lhe ser transmitida a responsabilidade da sociedade dissolvida e liquidada; e que essa sucessão tem a medida do montante recebido em partilha, ónus de prova do exequente. Ora, no caso, não se prova que a sociedade tivesse bens e que fossem partilhados; donde devendo ser eximida de qualquer responsabilidade.
Acresce que a sociedade é pessoa distinta dos sócios; efectuou pagamentos a credores, que absorveram o seu capital; enquanto sócia, não recebeu importância alguma em virtude da liquidação; e o seu património pessoal não pode ser atingido pela dívida exequenda.
Em suma, nada tendo recebido aquando da liquidação, deve ser absolvida e extinta a execução.

5. A oposição foi liminarmente indeferida; é que já, por despacho, fora determinado que a execução seguisse contra a sócia; ora, “sob pena de o juiz vir a decidir contra o que antes decidiu, o que a parte tinha era de recorrer daquele despacho, que é a forma de atacar as decisões do juiz mal dadas”; por conseguinte, assim não tendo acontecido, não é a via da oposição à execução a ajustada ,já que “tal despacho mantém a sua validade” (v fls. 14).

6. A oponente interpôs recurso de apelação.
Alegou; e formulou estas sínteses conclusivas:

i. Mesmo que se entenda que a intervenção da co-executada surge no seguimento de requerimento da exequente, o que veio a ser deferido pelo juiz “a quo”, e como tal a parte tinha de ter recorrido daquele despacho, não o podendo fazer por esta via, o juiz “a quo” sempre teria de levar em conta que na oposição à execução e à cautela a recorrente invocou também factos impeditivos e modificativos do direito da exequente;
            ii. Os antigos sócios da sociedade extinta sucedem nas obrigações desta, po-rém e apenas se algo receberam em partilha e até ao montante do que receberam;
iii. Assim, sempre importava saber se a co-executada, e recorrente, sucedeu ou não na dívida da sociedade reconhecida no titulo executivo, dado que esta, então sócia de responsabilidade limitada, apenas sucede se e na medida do montante recebido em partilha;
            iv. A recorrente, na sua oposição à execução, alegou que a sociedade executada efectuou o pagamento de dividas a credores, tendo sido o capital social sido absorvido, na sua totalidade, no pagamento daquelas dividas e ainda que a executada, e recorrente, na qualidade de sócia, procedeu ao pagamento de dividas daquela sociedade a alguns credores, à custa do seu património pessoal, pelo que não tendo recebido aquando da liquidação nenhuma importância, quantia ou bens, não existe qualquer responsabilidade desta pelo pagamento da divida exequenda, pelo que deverá ser absolvida e extinta a presente execução;
            v. O recebimento em partilha e respectivo montante constituem factos ou pressupostos prévios e fundamentais da responsabilidade da co-executada e da deter-minação da respectiva medida;
            vi. O que sempre teria de ser provado pela exequente no âmbito da oposição deduzida, configurando um facto impeditivo do direito da exequente;

vii. O indeferimento liminar constitui uma situação de natureza excepcional a utilizar com parcimoniosa prudência uma vez que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de a executada ver apreciada e julgada a sua pretensão;
            viii. O juiz “a quo” ao indeferir liminarmente a petição de oposição à execução, coarctou a possibilidade da executada, e recorrente, poder ver apreciada e julgada a sua pretensão, nomeadamente a sua responsabilidade pelo pagamento da divida exequenda e como tal violou aquela decisão o principio “pro actione ou anti-formalista”;

ix. O juiz “a quo” aplicou e interpretou erradamente o alcance das normas jurídicas que definem as regras a aplicar para a oposição à execução, nomeadamente violando o disposto nos artigos 814º e 817º do CPC.

            7. A exequente respondeu; e concluiu pela manutenção do decidido.

8. Delimitação do objecto do recurso.

            As conclusões da alegação circunscrevem o objecto do recurso (artigo 684º, nº 3, do Código de Processo Civil); e, nessa óptica, é questão decidenda primordial, na hipótese, a de saber se tem viabilidade (ou se a não tem) a oposição a uma acção executiva, inicialmente instaurada contra sociedade, mas que vem a apurar-se já extinta (por liquidada), por isso substituída pela sua única sócia, e onde esta, no requerimento inicial, argumenta que nenhum bem recebeu em liquidação do património social.

            II – Fundamentos

            1. Ademais da dinâmica processual, antes descrita, importa considerar, para avaliar a questão decidenda, o que segue.

            Em 1º, que por apresentação de 20 Fev 2006 foi inscrita no registo comercial a sociedade por quotas B(…) Ld.ª, cuja única quota era pertença de C (…), a quem se atribuíam as funções de gerência (doc fls. 10 a 12).

            Em 2º, que por apresentação de 16 Set 2010 ali foi inscrita a dissolução e encerramento da liquidação dessa sociedade (mesmo doc).

2. O mérito do recurso.

2.1. Iniciemos por uma brevíssima nota de enquadramento.
A acção executiva, cujo fim é exercitar direitos já reconhecidos (artigo 4º, nº 3, do Código de Processo Civil), funda-se na hipótese em sentença condenatória (artigo 46º, nº 1, alínea a), do código de processo).
Na verdade, o título executivo constituiu-se mediante a atribuição de força executiva à petição inicial com génese em requerimento de injunção, feita pelo tribunal “a quo”; por conseguinte, erigindo o assim decidido àquela natureza, como vem sendo reconhecido.[1]

O título executivo determina o fim e os limites da acção executiva (artigo 45º, nº 1); significando isto, além do mais, que se trata de um documento que permite indiciar, denunciar, com suficiência bastante (embora sem absoluta certeza), a existência do direito exequendo.
Por isso, ainda, que ela deve ser promovida pela pessoa que no título figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que nele tenha a posição de devedor (artigo 55º, nº 1).
Isto, claro está, sem prejuízo de a instância se poder modificar, ademais na sua conformação subjectiva, designadamente, quando haja sucessão na relação substantiva em litígio (artigo 270º, alínea a), do código).

Na hipótese, a instância executiva nasceu, contra a sociedade, em Jan 2010. E em Set 2010, é inscrito o encerramento da sua liquidação.

            Em matéria de direito societário, a extinção da personalidade dá-se na sequência da dissolução da sociedade e subsequente liquidação. Rege, nesta matéria, o artigo 160º, nº 2, do Código das Sociedade Comerciais, nos termos do qual a sociedade se considera extinta, “mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162º a 164º”, pelo registo (comercial) do encerramento da liquidação.
            Naturalmente, que a extinção da personalidade não viabiliza, ao menos na nossa ordem jurídica, que a precedente pessoa mantenha a posição de parte em acções pendentes onde previamente estivesse investida. A matéria está retratada, em geral, pelo artigo 276º do código de processo (v, em particular, o nº 1, alínea a)); e, em especial quanto a sociedades comerciais, precisamente nos artigos 162º a 164º do código das sociedades, ali excepcionados.

            No essencial, o que há que enfatizar, sobre este assunto, é que a extinção societária, em si mesma, não acarreta a extinção de obrigações jurídicas da sociedade, ainda incumpridas; estas, se insatisfeitas, mantêm-se como tal, e os concernentes credores com as esferas jurídicas investidas dos respectivos direitos de crédito. Não há, pela mera extinção da pessoa, efeito automático extintivo do crédito (ao menos, por princípio).[2]
            E acções judiciais pendentes, que existam, nesta óptica, subsistem.[3]  Rege a matéria o artigo 162º do CSC; de onde é possível inferir que, após a extinção da sociedade, a instância pendente não se suspende e nem é necessária a habilitação de qualquer sucessor (nº 2); continuando as acções (e execuções) em que ela seja parte, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (nº 1).

            Quer-nos parecer que, do ponto de vista substantivo, ocorre a transferência do débito, antes reconhecido na esfera social, para a esfera do sócio; esta que assim passa a ficar onerada com esse novo vínculo, transitado da pessoa finda. Coisa diferente, de ponderar, qual o património que acerca dele responde, que bens é que podem ser atingidos para permitir realizar a prestação debitória insatisfeita; assunto a que melhor se reporta o artigo 163º do código das sociedades quando, especialmente no seu nº 1, estabelece o princípio de que os antigos sócios respondem pelo passivo social insatisfeito (embora apenas) na estrita medida do que hajam recebido pela via da partilha; e não mais.
            E é uma distinção primordial esta. A de haver um sujeito, uma esfera jurídica afectada pela adstrição a certo vínculo;[4] mas a realização deste ser limitada (objectivamente) a certo volume de bens ou de concreto acervo patrimonial.[5],[6]

            2.2. A hipótese dos autos é, como dissemos, executiva; fundada em sentença que condenou a B(…) Ld.ª a pagar um crédito pecuniário à exequente; e com subsequente extinção da executada.

            Não se afigura qualquer inidoneidade na acção executiva.
            A exequente nela requereu, em Jun 2011, que se considerasse inves-tida na veste de executada a (única) sócia C (…); e o tribunal assim decidiu, em Nov 2011, e em exacta obediência ao artigo 162º citado.

            Intui-se que a sócia foi citada para a execução.
            Não recorreu do despacho proferido nos autos executivos.
            Mas opôs-se à subsistência da execução.

            Vejamos então.
            Está salientado – e acertadamente – no despacho recorrido, que o pre-cedente despacho que declarou a sucessão de executadas na instância não foi im-pugnado em via de recurso; e que por isso se tornou definitiva essa sucessão
            De facto, assim é. O tribunal decidiu, fazendo esgotar o seu poder ju-risdicional sobre o assunto (artigo 666º, nº 1, do CPC); e, como não houve im-pugnação, quer-nos (também) parecer que se formou caso julgado formal (artigos 672º, nº 1, e 677º, do CPC).

            Foi, porém, desencadeada instância (declaratória) de oposição à exe-cução. E nesta enfatizada, pela (nova) executada, que se acham alegados factos impeditivos e modificativos do direito da exequente.

            Ora, será assim?
            Há (alegado) algum motivo ou causa capaz de produzir um efeito extintivo da instância executiva?

A oposição à execução constitui um mecanismo processual de defesa do executado. Ela visa essencialmente a extinção da execução (artigo 817º, nº 4); e funda-se, ora na própria crise do documento apresentado para atestar o crédito (mostrando que, afinal, esse título era para tal inidóneo), ora em (outros) factos que mostrem que, pese embora tudo, o crédito nem existe, ou ainda que, embora tendo existido, contudo já se mostra suprimido da ordem jurídica ou, pelo me-nos, incapacitado de aí poder ver-se coercitivamente exercido. Em suma; e de toda a maneira, sempre uma óptica de preterição da sequência do exercício coer-civo do direito, por se demonstrar não existirem as causas que, ajustadamente, fa-cultam, permitem ou viabilizam essa exercitação coactiva.

            Se bem o entendemos, na hipótese, o que se visa é argumentar que a sócia (agora executada) nada recebeu, em partilha, da sociedade (antes executa-da); por isso que deve a execução (destinada a satisfazer o crédito) ser extinta.

            Não vemos ser questão tratada, com a devida saliência, na doutrina.
Escreve, a respeito, CAROLINA CUNHA:[7]

            « Os interesses dos credores e do tráfico jurídico em geral opõem-se fortemente a que a extinção da sociedade acarrete a extinção das dívidas sociais. Ora, permanecendo as dívidas, há que determinar quem responde por elas.
            (…)
            … a regra geral é a consagrada pelo artigo 163º: a responsabilidade dos antigos sócios.
            O fundamento da solução legalmente consagrada radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. »

            Outrossim, o clássico mestre na matéria RAÚL VENTURA:[8]

            « Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado.
            (…)
            A responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha … .
            … cada sócio é responsável até ao montante por ele recebido na partilha … .
            … . O credor … necessita … de, em cada demanda individual, não ultrapassar o montante percebido na partilha pelo sócio demandado, … . »

            Porém, se tudo isto é certo, subsiste a questão: significará que o anti-go sócio é “parte” em acção (ou execução) instaurada para satisfação do credor a-penas na medida do que recebeu? Mas já não o é no remanescente? E que, se na-da recebeu, também não pode ser investido na veste de “parte”?

            Não nos parece que o regime do artigo 162º, nº 1, do código das so-ciedades comporte uma óptica deste tipo; nem permita tal diferenciação.

            Semelhantemente à doutrina, igualmente a jurisprudência se afigura fluida sobre esta matéria; sem assertivamente responder à dúvida posta.[9]

O nosso ponto de vista sobre o assunto é o que segue.
O vínculo transita de esfera jurídica; e subsiste na do antigo sócio. Por isso, também a acção (ou execução) é viável (como previne o artigo 162º, nº 1); nela se não reflectindo, nessa óptica, o que haja sido realmente recebido (este, o que supõe o artigo 163º, nº 1.
            Inclinamo-nos a entender que é ónus do credor social o de demonstrar (se for caso, em acção executiva) os bens (o património ou, ao menos, o seu vo-lume) que passaram para a esfera do (antigo) sócio em execução de partilha.[10]  É um momento (logicamente) subsequente ao do reconhecimento da “detenção” do vínculo de cumprimento na (própria) esfera jurídica do último; e é uma faculdade ou possibilidade que àquele, se o pretender, não pode ser cerceada. Ou seja, a de encetar a busca, a prova, o convencimento, de que houve bens (também) transi-tados; a par da transferência do vínculo jurídico. E isso, com o significado de (e-le credor) só ir conseguir atingir, para satisfação do seu direito, esse património (ou o seu respectivo valor) em que logre o êxito da comprovação da haver per-tencido à sociedade (sua devedora originária) e que haja sido transferido, com a extinção, para a esfera do sucessor.

            Como dissemos, afigura-se-nos serem realidades jurídicas diferentes: a da existência de um débito, de uma obrigação (que há-de radicar em certa esfera jurídica e aí subsistir, ainda que insatisfeita); e o universo patrimonial afecto, adstrito, ao seu cumprimento, à sua satisfação.[11]

Ora, o universo da oposição à execução radica-se na (in)subsistência da obrigação exequenda; alheio ao acervo patrimonial que por ela responda.

            A inexistência de bens não tem a virtualidade de dissipar o crédito.
            Numa óptica substantiva, dir-se-ia que ao executado, na oposição, se permite a prova de factos exceptivos, de direito material (artigos 342º, nº 2, do CC, 487º, nº 2, final, e 493º, nº 3, do CPC); estes sim vocacionados à extinção (a-djectiva) da instância executiva. E, na hipótese, por se fundar a execução em sen-tença, nesta óptica, só a factualidade exceptiva do artigo 814º, nº 1, alínea g), iní-cio, do código de processo, poderia estar em equação.
            Mas não é a situação, manifestamente.

            Equacionemos, por hipótese, uma situação de prosseguimento execu-tivo, sem oposição; e chegamos à conclusão que não seria por esse facto (inexis-tência de oposição à execução) que ao exequente seria permitido obter a penhora dos bens pessoais do executado (estes, em esfera separada dos ex-sociais).

A exequente, na hipótese, detém o crédito reconhecido pela sentença exequenda; esse crédito transitou para a esfera jurídica da executada (sócia); não se lhe reconhecendo efeito extintivo algum.
            A mesma exequente, na medida em que demonstre o recebimento em partilha pela (agora) executada, poderá (na mesma e exacta medida) fazer operar a coerção de cumprimento própria da acção executiva; terá é de efectivamente o fazer; isto é, terá de evidenciar que se trata de montante assim recebido.
            Mas não é tarefa própria da instância declarativa aqui em presença.

            A situação é portanto alheia à vocação da oposição à execução.
É-o em medida de regularização da instância, reflectida no despacho proferido nos autos executivos (em 21 Nov 2011), e transitado em julgado.
É-o em medida em que, não é por inexistirem bens capazes de respon-der pelo crédito, que este se deve ter por extinto.

O procedimento declaratório de oposição à execução deve ser limi-narmente indeferido quando seja manifestamente improcedente (artigo 817º, nº 1, alínea c), do código de processo). Cremos ser o caso da hipótese, já que nenhum dos factos ou argumentos adiantados pela executada, no requerimento inicial da oposição, apresentam real virtualidade extintiva da execução pendente.

            Donde, e em suma; decidiu bem o tribunal “a quo” quando indefe-riu liminarmente a oposição à execução, no concreto, suscitada.
Improcedendo, nessa conformidade, as conclusões recursórias.

            3. A apelante (sócia executada) sai vencida no vertente recurso.
            É portanto sua a responsabilidade pelas custas (artigo 446º, nº 2).

            4. Síntese conclusiva.
            É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:

            I – Extinta uma sociedade comercial, pelo registo do encerramento da sua liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculem transitam para a esfera ju-rídica dos antigos sócios (artigos 160º, nº 2, e 163º, nº 1, do Código das Socieda-des Comerciais);
            II – Ao cumprimento dessas obrigações apenas está afecto, contudo, o volume do património social distribuído na partilha, respondendo cada sócio apenas até ao montante do que nela houver recebido (artigo 163º, nº 1, citado);
            III – Nas acções (e execuções) pendentes contra a sociedade, à data da sua extinção, opera uma sucessão subjectiva, sem suspensão da instância e nem liquidação, considerando-se ela substituída pelos ex-sócios (artigo 162º do CSC);
IV – É sobre o credor exequente que carrega o ónus de provar qual o património do ex-sócio, por este recebido em partilha, que como tal está afecto à satisfação do crédito exequendo;
V – Opondo-se o ex-sócio à execução, com fundamento em nenhum bem ter recebido em liquidação do património da sociedade, há fundamento para rejeição liminar, na medida em que esse facto se reflecte, não sobre a existência do crédito (e por conseguinte sobre a subsistência da execução), mas tão-só sobre o acervo patrimonial a ele afecto (artigo 817º, nº 1, alínea c), e nº 4, do Código de Processo Civil).
           
III – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e em confirmar o despacho de indeferimento liminar (da oposição à execução) proferido em primeira instância.

            Custas a cargo da apelante.

Lisboa, 12 de Julho de 2012

Luís Filipe Brites Lameiras
Jorge Manuel Roque Nogueira
José David Pimentel Marcos
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[1] Salvador da Costa, “A injunção e as conexas acção e execução”, 6ª edição, páginas 283 e 118.
[2] Veja-se, a respeito, o Acórdão da Relação de Lisboa de 16 de Novembro de 2010, proc.º nº 655/04.7TBMTJ-B.L1-1, em www.dgsi.pt.
[3] Raul Ventura, “Dissolução e liquidação de sociedades”, 1987, página 467; Carolina Cunha, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Jorge Coutinho de Abreu (coord.), volume II, 2011, páginas 686 a 687.
[4] Aspecto latente ao artigo 162º, nº 1, citado.
[5] Aspecto latente ao artigo 163º, nº 1, citado.
[6] A situação não é inédita na ordem jurídica e pode assemelhar, por exemplo, àquela que o artigo 827º do Código de Processo Civil prevê para a execução contra o herdeiro; também aqui, pelo crédito, apenas res-pondem os bens que o herdeiro haja recebido do “de cujus”, ou pelo menos não mais do que o respectivo volume (v artigos 2071º ou 2098º do Código Civil); não obstante, a posição de devedor transita para o herdeiro; e a instância executiva não deixa de subsistir tendo a este como executado (por sucessão).
[7] Obra citada, página 689.
[8] Obra citada, páginas 483 e 484.
[9] O Acórdão da Relação de Guimarães de 27 de Setembro de 2007 na Colectânea de Jurisprudência ano XXXII, tomo 4, página 289, trata de um interessante caso de penhora do vencimento ao ex-sócio, aí se entendendo que a defesa dele radicava no mecanismo dos embargos de terceiro; mas parecendo-nos me-lhor a doutrina que optasse, para essa defesa, pelo da oposição à penhora.
   Segue este acórdão, porém, o entendimento corrente de que o ónus de prova do património transitado da sociedade para o sócio cabe ao credor, como é jurisprudência mais corrente (Acórdãos da Relação do Porto de 15 de Dezembro de 2010, proc.º nº 576/07.1TTVCT-C.P1, e da Relação de Lisboa de 27 de Março de 2012, proc.º nº 9570/10.4TBCSC.L1-7, ambos em www.dgsi.pt).
   Trata, porém, o assunto como facto impeditivo do exercício do direito do credor e matéria de excepção, a provar portanto pelo ex-sócio, o Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Março de 2010, proc.º nº 4777/06.1TVLSB.L1-1, em www.dgsi.pt.
   Seja como for, esta jurisprudência citada ilustra a fluidez sobre a questão, referida supra no texto.
[10] Opera, por um lado, a estruturação da norma concedente da vantagem, critério primordial no escrutínio da distribuição, em concreto, do ónus da prova; mas não havendo de esquecer de que, mesmo na dúvida, é sobre o titular da vantagem normativa que carrega esse ónus (artigo 342º, nº 3, do Código Civil).
[11] Quer-nos parecer que as duas realidades só seriam sobreponíveis se, por hipótese, a inexistência dos bens significasse impossibilidade da prestação por causa não imputável ao devedor, como tal extintiva da própria obrigação (artigo 790º, nº 1, do CC); o que se nos não afigura ser o caso.