Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6137/2007-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
INQUÉRITO
ASSOCIAÇÃO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- O Tribunal de Comércio não é materialmente competente para conhecer de uma acção de processo especial de inquérito a uma Associação.
II- Não vindo expressamente previsto nos Estatutos da Associação o direito à informação, com o alcance e dimensão específicos do C.S.C., a conclusão é a de que nem os estatutos nem a lei conferem ao associado o direito a requerer inquérito social à Associação, estando vedada a aplicação analógica do preceito processual.
(V.G.)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

AGRAVANTE E REQUERIDA: A L (representada em juízo pelo ilustre advogado A P C, com escritório em Lisboa como certificado consta de fls. 2);

AGRAVADOS/REQUERENTES: M E J  (representados em juízo pelo ilustre advogado…)

Todos com os sinais dos autos

Inconformada com o teor da decisão de 08/02/07 que ordenou inquérito judicial ao abrigo do disposto no art.º 1480 do CPC dela agravou a requerida onde conclui:
I. O Tribunal é incompetente em razão da matéria para julgar acções especiais de inquérito judicial uma vez que estas são da exclusiva competência do Tribunal de Comércio por força do disposto na alínea c) do art.º 89 da Lei 3/99 de 13/01;
II. A acção especial de inquérito judicial, regulada na secção VIII do Cód. Proc. Civil aplica-se apenas a sociedades comerciais nas situações previstas nos art.ºs 31, n.º 3, 67, n.º 1, 216 292 e 450 do CSC;
III. Nos termos do n.º 2 do art.º 460 do Cod. Proc. Civil o processo especial aplica-se apenas aos casos expressamente designados na lei e nos termos do art.º 11 do Cód. Civil as normas excepcionais não comportam interpretação analógica.
IV. A Ré é uma associação, não abrangida, como tal, na secção XVII do Cód. Proc. Civil, e portanto não passível de acção especial de inquérito judicial;
V. O que distingue as sociedades das associações é que a quota nestas, meramente obrigacional com vista a um fim comum, não tem expressão patrimonial que informa as participações no capital daquelas;
VI. A prova tanto testemunhal como documental constantes nos autos não consente que se entenda devidamente fundamentado o pedido de inquérito judicial, se aplicável.


Recebido o recurso, foram os autos aos vistos, nada obstando ao seu conhecimento.

Questões a resolver:
Saber se a 2.ª Vara Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa é materialmente incompetente, sendo competente o Tribunal de Comércio de Lisboa para conhecer da acção; saber de a acção de processo especial de Inquérito Judicial não é a adequada ao caso por a Autora ser uma associação; ainda que se entenda aplicável ao caso o disposto no art.º 1479 do CPC, saber se a prova produzida não permite fundamentar o inquérito judicial ordenado.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos no despacho de 08/02/07: “Conforme os Autores alegam, há indícios da existência de irregularidades na gestão da A L, que passam pela manipulação dos dados contabilísticos de forma a inflacionar os proveitos e a escamotear os custos. Aos Autores tem sido vedado o exercício do seu direito à informação.”

Resultava também já do despacho de 03/10/06 (subsequente `inquirição das testemunhas de fls. 389/390), e que não se mostra ter sido objecto de reclamação: 1.º- A A L labora actualmente com 4 sistemas informáticos que tem sido sucessivamente alterados e substituídos; 2.º Têm sido detectadas várias situações de desvio de dinheiro lesando associados da Ré; 3.º Foi detectado pelos sócios da Ré a existência de uma escrita fictícia e de uma escrita real.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A questão da competência material do Tribunal recorrido

Os Autores intentaram acção de processo especial de jurisdição voluntária para que o Tribunal ordene inquérito judicial à A L adiantaram os fundamentos para tal. Adiante falaremos da adequação do processo tendo em conta quem formula o pedido e contra quem o mesmo é formulado.

Trata-se indubitavelmente de exercício de direitos sociais.

O art.º 18, n.º 2 da LOFTJ (Lei Orgânica do Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei n.º 3/99 de 13/01, rectificada pela Declaração n.º 7/99 de 16/02, substituta da Lei n.º 38/87 de 23/12, alterada pelo DL 38/03, de 08/03, pela Lei n.º 105/03, de 10/12), em conjugação com o art.º 67 do CPC, dispõe que aquele diploma determina a competência em razão da matéria, estabelecendo as causas que competem aos tribunais de competência especializada. Os Tribunais de Comércio são Tribunais de competência especializada (conjugação da alínea e) do art.º 78 com  o art.º 89 da LOFTJ).

A alínea c) do n.º 1 do art.º 89 citado atribui competência aos Tribunais de Comércio para preparar e julgar as “acções relativas ao exercício dos direitos sociais”.

Já se viu que o pedido em causa insere-se no exercício de direitos sociais e aparentemente o Tribunal de comércio seria materialmente competente para dirimir a questão em apreço. Não é assim tão linear. Os Tribunais de Comércio destinam-se a conhecer de questões relativas ao comércio compreendendo estes os actos de interposição na circulação de bens a indústria e os serviços com fins lucrativos que constituem a especialidade que os justificam; as sociedades que têm por objecto a prática de actos de comércio definidos no art.º 2.º,do CCom são as sociedades comerciais (n.º 2 do art.º 2), consideradas comerciantes - art.º 13, n.º 2 do CSC, sendo-lhes equiparadas as sociedades civis sob forma comercial - art.º 2.º, n.º 4 do CSC).

Não se cingindo o intérprete no seu afã interpretativo da lei à sua letra, (art.º 9 do CCiv), resulta, como bem se diz na sentença recorrida da Proposta de Lei n.º 182/VII, publicada no DR de 12/06/1998, II série-A, n.º 59) que foi intenção do legislador a de atribuir ao Tribunal de Comércio competência para apreciação daquelas matérias previstas no art.º 89 citado no âmbito das sociedades comerciais, excluindo outras figuras jurídicas como são as associações, as sociedades civis sob forma civil, as cooperativas. Nesse sentido tem ido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e para além do Acórdão de 05/02/02 citado (publicado na C.ªJ.ªASTJ/X/I/68/70) relativo à anulação de deliberação social de uma cooperativa, indica-se este outro do mesmo Tribunal de 05/12/2002, sobre a mesma matéria (publicado C.ªJ.ªASTJ/X/III/156).

Ora, é incontestado, A A L é uma pessoa colectiva de utilidade pública sem fins lucrativos regendo-se pelos Estatutos e pela lei geral aplicável (cfr. art.º 1.º a fls. 337), tendo por objecto, sem fins lucrativos, além do mais, a prestação aos associados de serviços e a defesa desta e dos interesses relacionados com os fins a atingir (art.º n.º 1); os sócios podendo ser efectivos, condominiais, honorários ou beneméritos (art.º 7.º), sendo seus direitos, os previstos no art.º 13, designadamente o de participarem na Assembleia Geral (art.º 21), reunindo-se a AG em sessão ordinária no primeiro quadrimestre de cada ano a fim de apreciar e votar o Relatório e as Contas de Direcção, relativas ao ano anterior, analisado o Relatório do Conselho Fiscal, eventual eleição dos membros dos órgãos sociais, deliberar sobre quaisquer outros assuntos incluídos na Ordem de Trabalhos (art.º 26).

Pelo exposto, e independentemente da propriedade da acção aqui em causa para o fim pretendido pelos requerentes seus sócios, sempre se dirá que o Tribunal de Comércio não é materialmente competente para conhecer dela, nessa parte improcedendo o agravo da requerida.

Questão de saber se a acção especial de Inquérito Judicial regulada na Secção XVII do CPC se aplica exclusivamente a sociedades comerciais, nas situações previstas nos art.ºs 31, n.º 2, 67, n.º 1, 216, 292, 450 do CSC, e não também a exercício de direitos sociais de outras pessoas colectivas, por se tratar de norma excepcional que não comporta interpretação analógica.

A decisão sob recurso sustentando e bem que o art.º 167 do CCiv não explicita os direitos e os deveres dos sócios, adianta que com base na doutrina  e na prática associativa comum é possível indicar entre os principais direitos dos associados o direito de solicitar informações à administração e a outros órgão e o direito a aceder às instalações associativas e de aí consultar documentos e obter informações, e como a um direito corresponde uma acção, por força do disposto no art.º 2, n.º 2 do CPC a tais direitos há-de corresponder uma acção e que o processo mais vocacionado à realização daqueles mencionados direitos é  o do inquérito judicial previsto no art.º 1479 do CPC.

Os autores instauraram no Tribunal da Comarca de Lisboa em 05/06/2006 o presente processo que qualificaram de especial de inquérito judicial às contas da requerida Associação pedindo esse inquérito à requerida com análise de documentos e suporte de contabilidade da requerida em suma dizendo que os titulares do órgão sociais atribuíram-se a si próprios um sistema de cartões de crédito que depois substituíram por remuneração colocando posteriormente à consideração dos associados a aprovação desses valores (art.ºs 1 a 6), valores que os requerentes questionaram e que só podem levá-la a uma situação de ruptura económica, sendo certo que lhes é vedado o acesso à informação sobre a real situação económica e financeira da requerida, tendo a requerida logrado fazer aprovar deliberações prejudiciais aos interesses da requerida e que já foram anuladas em processo judicial (art.ºs 7 a 12); nas palavras do Presidente do Conselho Fiscal na assembleia geral de 312/12/03, a situação financeira da requeridas tem-se vindo a agravar, tendo os requerentes intentado várias providências cautelares onde pediram a nomeação de uma comissão de gestão não remunerada para a requerida, providência que lhes foi indeferida, por não haver nenhuma acção principal onde se questionasse a situação económica e financeira da requerida, tendo ao menos nessa providência os requerente logrado obter o relatório da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas relativo ao exercício de 2003 que nunca lhes tinha sido facultado resultando da análise do relatório que as irregularidades são bastantes e que algumas já vêm de anos anteriores (art.ºs 13 a 53); os requerentes e outros associados apresentaram denúncia das irregularidades junto do DIAP, que teve arquivamento mas reencaminhou para os serviços de Finanças de Lisboa por indícios de ilícitos fiscais (art.ºs 54 e ss).

Dispõe o art.º 1479, n.º 1 do CPC: “O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alegará os fundamentos do pedido de inquérito, indicará os pontos de facto que interesse averiguar e requererá as providências que repute convenientes.”

É um processo especial.

Anteriormente na anterior redacção do art.º 469 do CPC que expressamente dispunha que o processo especial se aplicava expressamente aos casos designados na lei, já se entendia que cada processo especial tem a índole de forma excepcional de processar, contraposta à comum e deve ser aplicado ao caso para o qual a lei expressamente o estabeleceu, ou seja é a fisionomia especial do direito que postula a forma especial de processo, sendo que o CPC umas vezes designa expressamente o fim a que o processo se destina e outras vezes além desse fim cita as disposições da lei substantiva com as quais o processo está em correspondência.[1]

O art.º 460, n.º 2, do CPC, actual tem a seguinte redacção: “O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial.”

Não diz o legislador qual lei, mas parece-nos ser de seguir o critério do jusprocessualista: a lei adjectiva indica o processo adequado ao fim pretendido e ainda cita as disposições do direito substantivo com os quais o processo está em correspondência.

Ora o art.º 1479 do na secção XVXII intitulada “Exercício dos direitos Sociais”, sob o Capítulo XVIII “Processos de Jurisdição Voluntária”, do Título V dos Processos Especiais sob a subsecção “Do Inquérito Judicial à Sociedade”, não só refere expressamente que o Inquérito Judicial se dirige à “Sociedade” como expressamente estatui que é a lei adjectiva ou substantiva que indica os casos em que há inquérito à dita Sociedade.

Embora na linguagem popular, associação se confunda com sociedade, tal não acontece na legislação. O art.º 46 da C.R.P (Constituição da República Portuguesa)  consagra o direito de associação que compreende a liberdade associação no sentido amplo de constituir uma associação ou requerer a sua admissão a associação já constituída, e sendo corolário do princípio mais vasto da liberdade individual engloba quer a liberdade de integrar ou constituir associação como a de sair da associação, com as limitações também constitucionais decorrentes da proibição de associações que se destinem a promover a violência, aquelas cujos fins sejam contrários à lei penal, as que perfilhem  ideologia fascista, etc. limitações que acrescem às da lei ordinária , ou seja a proibição das associações cujo objecto seja física ou legalmente impossível contrário à lei ou indeterminável (cfr. art.ºs 158-A, 280, 294 do CCiv); os estatutos da associação, podem estabelecer limites à admissão desde que em conjugação com o art.º 13, n.º 2 da C.R.P.

Admitidos à associação os associados, gozam de direitos pessoais perante a associação, cujo conteúdo necessário e são eles o direito de participação nos órgãos sociais (que pode ser estatutariamente restringido desde que em conformidade com o princípio constitucional da não discriminação), o direito de voto que pode ser limitado pelos estatutos em casos de incumprimento de obrigações pelo associado ou de conflito de interesses entre o associado e a associação, o direito de convocar assembleias gerais (n.ºs 2 e 3 do art.º 173 do CCiv), direito de participar na assembleia geral, que engloba não só o direito de votar como o de apresentar protestos, requerimentos moções, propostas e reclamações sobre matérias que não sejam estranhas à ordem do dia ou que não sejam objecto de deliberação, direito de intervir usando da palavra quando o requerer e tal lhe for deferido, direito de impugnação (genericamente reconhecido no art.º 178, n.º 2 do CCiv), o direito de participação na actividade associativa, o que decorre da razoa de ser e do objecto da própria associação, e o direito ao património associativo, uma vez dissolvida a associação, o que decorre a contrariu sensu do art.º 181 do CCiv, embora não reflectindo a natureza patrimonial do direito do associado (que a não possui ao invés do que sucede nas Sociedades). Fora deste conteúdo necessário dos direitos dos associados, nada impede que os Estatutos prevejam outros direitos, designadamente o direito à informação decalcado no art.º 21 do C.S.C (Código das Sociedades Comerciais).

A Associação requerida rege-se pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 20), Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 11), C.R.P (art.º 46 citado), Código Civil e DL 594/74 de 07/11 (Direito à Livre Associação) e Estatutos.

Ora os Estatutos no art.º 13, a este propósito apenas referem o direito do sócio a receber, gratuitamente, o órgão informativo periódico da AL (alínea b), assistir a conferências, palestras ou sessões de esclarecimento que tenham lugar ou sejam promovidas pela AL (alínea c), tomar parte nas Assembleias Gerais (alínea f).Não vem expressamente previsto um direito de informação em termos genéricos e/ou até específicos.

 De todo o modo, nada tão específico como a que resulta da alínea c) do n.º 1 do art.º 21 do CSC (obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato), 214, 215, (para as Sociedades por quotas), 288, 289, 290, 291 do CSC (para as Sociedades Anónimas) e cuja violação, de modo expresso, atribui ao sócio o direito potestativo a requerer inquérito judicial à sociedade (art.ºs 216 e 292 do CSC).

Não vindo expressamente previsto o direito à informação, com o alcance e dimensão específicos daquelas disposições do C.S.C., a conclusão seria a de que nem os estatutos nem a lei conferem ao associado o direito a requerer inquérito social à Associação, estando vedada a aplicação analógica do preceito processual.

Mas mesmo que se entenda que assiste ao associado o direito à informação com conteúdo mínimo estatutário, porque a cada direito corresponde uma acção, segue daí necessária e forçosamente o direito potestativo do associado a requerer inquérito à associação?

Como acima se disse o legislador não pode confundir associação com “Sociedade”. Isto porque o CCiv no seu art.º 157, no capítulo dedicado às Pessoas Colectivas claramente distingue as associações (que podem ou não ter por fim o lucro económico dos associados), das fundações e das sociedades, elencando disposições próprias paras as associações (art.ºs 167 a 184), para as fundações (185 a 194), mandando aplicar as disposições desse capítulo às fundações de interesse social e as sociedades quando a analogia das situações o justifique (art.º 157). Depois no Livro dedicado às Obrigações, no Título II epigrafado “Dos Contratos em Especial”, regulamenta o contrato de sociedade que é aquele “em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica que não seja de mera fruição e para a repartição dos lucros resultantes dessa actividade (art.º 980 do CCiv).

O exercício em comum de uma actividade económica com as características citadas sendo o núcleo central do contrato de sociedade constitui o elemento diferenciador da associação. E uma associação como a dos autos, sem fins lucrativos que presta serviços inerentes à posse da propriedade imobiliária dos associados não é seguramente uma sociedade.

Parece assim que o legislador processual no art.º 1479 do CPC (que é uma norma excepcional e que não comporta interpretação analógica como se disse) que conhecia a diferença entre uma associação e uma sociedade, disse o que quis e afastou da sua previsão as associações, figura jurídica de há muito existente (donde nenhuma razão para uma interpretação extensiva ou actualista do dispositivo).

O direito social, para lá da complexidade que revela tanto como realidade global como nas múltiplas manifestações em que se concretiza, traduz sempre uma situação jurídica de quem toma parte numa sociedade, face à própria entidade a quem está ligado. O titular do direito social é o sócio e pressuposto dessa titularidade é a existência de uma sociedade a cujo corpo pertence.[2]

E o exercício do direito social de inquérito judicial por violação do direito à informação, limita-se às sociedades.

De resto, dir-se-á que são os próprios requerentes associados que referem ter sido satisfeito (em parte) o seu direito à informação com o acesso, é certo que por outra via, ao relatório da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas relativo ao exercício de 2003. Mas o Inquérito Judicial não se destina a satisfazer o simples direito a ser informado sobre a situação de uma sociedade, ela abrange a investigação à situação da Sociedade através de um perito judicialmente nomeado, que deverá elaborar um relatório que suportará posterior decisão judicial que pode ser a destituição dos responsáveis por irregularidades apuradas, a nomeação judicial de um administrador ou director com as funções previstas no Código das Sociedades Comerciais (cfr. art.º 1482 do CPC), ou até a dissolução da Sociedade se requerida.

E é este o verdadeiro alcance do Inquérito Judicial, moldado substancialmente no Código das Sociedades Comerciais.

Resumindo, nem o direito à informação com a dimensão pretendida pelos requerentes associados existe a justificar o inquérito judicial nem a requerida é uma sociedade que permita aos requerentes lançar mão do processo especial de inquérito judicial do art.º 1479 e ss., do CPC.

Mas então, existindo um direito de informação mitigado, como parece existir, a ele devendo corresponder-lhe uma acção, como bem se diz na decisão recorrida, porque “o processo melhor vocacionado para a realização do direito” é o do inquérito, tal justificará que o Meritíssimo juiz “escolha” a forma do processo especial em causa?

Dá a impressão que a na decisão recorrida se fez valer o princípio da adequação formal do art.º 265-A do CPC que assim reza: “Quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações.”

Ora, o princípio da adequação processual não deve ir tão longe que permita o afastamento puro e simples do princípio da legalidade das formas processuais e o completo abandono da natureza publicística do processo civil, estando agora expressamente consagrada para a coligação activa e passiva e pedido reconvencional (art.ºs 31, n.º 3 e 274, n.º 3 do CPC), cumulação inicial ou sucessiva de pedidos (art. 470, n.º 1 do CPC), cumulação de execuções (art.º 53, n.º 1, alínea c) do CPC e cumulação subsidiária de pedidos (art.º 469, n.º 2 do CPC).[3]

Por conseguinte, não cabe ao julgador escolher a forma de processo especial, fora dos casos expressamente previstos pela própria norma para a sua aplicação, a coberto do princípio da adequação formal, sem prejuízo de, sendo a forma de processo especial de inquérito a legalmente prevista para a situação poder/dever o julgador lançar mão do princípio da adequação formal, por forma a harmonizar a tramitação aos fins do processo.[4]

Relativamente aos direitos sociais há que distinguir aqueles cuja actuação em juízo se faz sem sombra para dúvidas através do recurso a processos especiais (é o caso dos processos regulados nos art.ºs 1479 e seguintes), dos que se exercem e compõem através do processo comum, e ainda daqueles que dando origem a intervenções judiciais não encontrem processos especiais concebidos paras ajustadamente as permitir, sem que o processo comum se lhes molde convenientemente. Ponto é, neste último caso, que a legislação substantiva, de forma clara exprima um modo de intervenção judicial como ocorre no n.º 4 do art.º 205 do CSC, por exemplo.

Ainda que se admita a ocorrência no caso concreto de um direito à informação mais amplo do que aquele que vem previsto nos próprios Estatutos da Associação requerida, designadamente o direito à consulta dos associados da escrituração livros e documentos da associação, até com o propósito de habilitar o sócio a votar em assembleia geral, estando em causa a violação desse direito sempre providência cautelar comum e a correspondente acção declarativa condenatória em processo comum almejariam o fim de obter essa consulta.

Pelo exposto, o processo especial de inquérito judicial não é o adequado à realização do eventual direito de informação dos requerentes associados, excepção suscitada atempadamente pela requerida, que para além do mais é de conhecimento oficioso que importa a anulação do processado, em conformidade com o disposto nos art.ºs 199, 202, não podendo aproveitar-se os actos praticados, pois deles resultaria uma diminuição de garantia da requerida(ré)- n.ºs 1 e 2 do art.º 199.
Fica assim prejudicado o conhecimento das restantes questões.

IV- DECISÃO

Pelas expostas razões, acordam os juízes em conceder provimento ao agravo e anular todo o processado, absolvendo-se a requerida da instância (art.º 288, n.º 1, alínea b) do CPC).
Sem custas (alínea o) do art.º 2 do CCJ).
Lxa.    /     /07

João Miguel Mourão Vaz Gomes


[1] A. Reis, Processos Especiais, Coimbra reimpressão, 1982, págs. E ss. Segundo este ilustre processualista atenta muito justamente a natureza de processo-excepção do processo especial, por força do disposto no art.º 11 do CCiv não é possível lançar mão do processo especial por analogia ou lançando mão do argumento de maioria de razão para o efeito de aplicar um processo especial a um caso diferente daquele que a lei expressamente destinou
[2] João Labareda, Notícia sobre os Processos destinados ao exercício de direitos sociais, publicado na Revista Direito e Justiça, Vol. XIII, 1999, tomo 1, pág. 44.
[3] A.S.Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, 1999, vol. I, pág. 107.
[4] João Labareda, obra citada, pág. 51.