Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1404/2008-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1-O Decreto-Lei nº. 291/07, de 21 de Agosto, revogou nos termos do seu art. 94º., o Decreto-Lei nº. 522/85, de 31 de Dezembro, que definia os moldes da intervenção do Fundo de Garantia Automóvel.
2- Este diploma surgiu da necessidade de compaginar as directivas do Parlamento Europeu e do Conselho, com o nosso direito interno, visando com as alterações introduzidas fazer recair sobre o FGA. parte fundamental da operacionalização do aumento de protecção dos lesados, bem como, acentuar o carácter do Fundo como de último recurso para o ressarcimento das vítimas da circulação automóvel.
3- O art. 65º. do mesmo normativo protege os lesados residentes em Portugal com direito a indemnização por dano sofrido em resultado de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor, habitualmente estacionado e segurado num Estado-Membro e ocorrido, ou em Estado-Membro que não Portugal, assumindo também o FGA, a indemnização dos lesados, nos termos do art. 69º.
4-Ainda no mesmo contexto, dispõe o art. 74º. do aludido Decreto-Lei que «Relativamente a acidentes ocorridos noutros Estados membros, os lesados residentes em Portugal podem também apresentar um pedido de indemnização ao FGA. quando não for possível identificar o veículo cuja utilização causou o acidente, ou se, no prazo de dois meses após o acidente, não for possível identificar a empresa de seguros daquele».
5-Quer os Regulamentos CE, quer a lei interna, defendem as vítimas, oferecendo-lhes mecanismos de fazer valer os seus direitos, na área da sua residência, poupando-as aos incómodos de deslocação a outros países e garantindo-lhes o direito a uma indemnização devida.
RG
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1-Relatório:
A requerente, G, intentou procedimento cautelar especial de arbitramento de reparação provisória contra o requerido, Fundo de Garantia Automóvel, requerendo que lhe seja arbitrada, sob a forma de prestação mensal, a quantia de € 1.500,00, até decisão final da acção principal, em consequência de um acidente de viação de que foi vítima, ocorrido em Espanha.

O Mº. Juiz a quo, invocou a incompetência relativa do Tribunal e, uma vez que, seria competente um tribunal Espanhol, o resultado levaria a uma incompetência absoluta, indeferindo liminarmente a petição inicial do procedimento cautelar.

Inconformada recorreu a requerente concluindo nas suas alegações, em síntese:
-Vem o presente recurso interposto do douto despacho que indeferiu liminarmente o presente procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória, intentado contra o Fundo de Garantia Automóvel, em representação do congénere inglês, o qual considerou ser da competência dos Tribunais espanhóis uma vez que foi lá que ocorreu o acidente.
-O Tribunal a quo firmou a sua posição nas regras gerais sobre competência estipuladas no Código de Processo Civil, parecendo desconhecer a inserção de Portugal nas Comunidades Europeias e a existência de legislação comunitária aplicável directamente no direito interno como é o caso dos regulamentos.
- A ora recorrente reside na Moita, e efectivamente o acidente em causa ocorreu em Espanha e foi causado por um veículo de matrícula inglesa, o qual não possuía seguro válido e eficaz.- Intentou o presente procedimento no Tribunal do seu domicílio de acordo com a legislação comunitária, nomeadamente o regulamento (CE) nº. 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, que nos seus arts. 9.°, n. ° 1, alíneas a) e b) e 11°, estabelecem esta possibilidade.
- In casu não se trata de segurador mas sim do Fundo de Garantia Automóvel, dada a inexistência de seguro válido e eficaz, nos termos previstos nos arts. 47º, n.º 1 e 69° do DL. 291/2007 de 21 de Agosto.
- Este DL. veio consagrar a protecção dos lesados residentes em Portugal com direito a indemnização por dano sofrido em resultado de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor habitualmente estacionado e segurado num estado membro e ocorrido em estado membro (art. 65°, n.º 1), garantindo-lhe o direito a demandar o responsável (FGA) no Tribunal do seu domicilio, que no caso é o Tribunal Judicial da Comarca da Moita.

O Mº. Juiz a quo, manteve a sustentação do seu despacho.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º, 690º e 749º, todos do CPC.

A questão a dirimir consiste em aquilatar da possibilidade de accionar o FGA. em Portugal, em consequência de acidente ocorrido no estrangeiro, com veículo de outro estado membro, sem seguro válido, sendo a lesada transportada naquele, residente em Portugal.

A matéria de facto delineada na 1ª.instância e com pertinência é a constante no relatório que antecede e ainda a seguinte:
- A providência em causa deu entrada em juízo a 18 de Dezembro de 2007.
- No requerimento inicial da mesma foi mencionado que o veículo onde ocorreu o acidente não possuía seguro válido e eficaz, não tendo sido possível identificar qualquer empresa de seguros daquele.
- O FGA. assumiu a responsabilidade do sinistro em representação do seu congénere inglês.

Vejamos:
A agravante intentou a providência cautelar prevista no art. 403º. do CPC., no local da sua residência, na qualidade de vítima de um acidente de viação ocorrido em território Espanhol.
O Mº. Juiz a quo, usando as regras processuais, respeitantes à competência dos tribunais, indeferiu liminarmente a providência, atento o circunstancialismo do acidente ter ocorrido em país estrangeiro e não ser possível remeter os autos para o tribunal do local do acidente.
Ora, a questão tem que ser equacionada num âmbito mais largo, ou seja, há que aplicar a lei nacional, mas em conjugação com a legislação comunitária em vigor, tanto mais que, quer Portugal, quer a Espanha, quer a Inglaterra pertencem à comunidade europeia, havendo acordos, directivas e regulamentos directamente aplicáveis.
A presente providência entrou em juízo em 18 de Dezembro de 2007.
Em tal data já se encontrava em vigor o Decreto-Lei nº. 291/07, de 21 de Agosto, atento o teor do seu artigo 95º.
O mesmo diploma revogou nos termos do seu art. 94º., o Decreto-Lei nº. 522/85, de 31 de Dezembro, que definia os moldes da intervenção do Fundo de Garantia Automóvel.
Este diploma surgiu da necessidade de compaginar as directivas do Parlamento Europeu e do Conselho, com o nosso direito interno, visando com as alterações introduzidas fazer recair sobre o FGA. parte fundamental da operacionalização do aumento de protecção dos lesados, bem como, acentuar o carácter do Fundo como de último recurso para o ressarcimento das vítimas da circulação automóvel.
Refere-se ainda no preâmbulo do mesmo diploma que, a interpretação efectuada na 5ª. Directiva do Regulamento CE nº. 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro (relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial) não carece de ser vertida na lei nacional, pois o regulamento é directamente aplicável.
Por seu turno, refere o Regulamento CE nº. 44/01 do Conselho de 22-12-2000, no capítulo II, Secção 3, sobre a competência em matéria de seguros, no seu artigo 9º., nº.1, que «O segurador domiciliado no território de um Estado-Membro pode ser demandado:
a) Perante os tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio; ou
b) Noutro Estado-Membro, em caso de acções intentadas pelo tomador de seguro, o segurado ou um beneficiário, perante o tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domicílio».
Dispõe-se ainda, no artigo 11º. do mesmo Regulamento que «O disposto nos artigos 8º, 9º. e 10º., aplica-se no caso de acção intentada pelo lesado directamente contra o segurador, sempre que tal acção directa seja possível».
Ora, na situação em concreto, o acidente ocorreu em Espanha, com um veículo de matrícula inglesa, alegando a recorrente que o mesmo não possuía seguro válido, não tendo sido possível identificar qualquer empresa de seguros daquele.
Assim, não existindo seguro de responsabilidade civil automóvel, a reparação dos danos causados é garantida pelo Fundo de Garantia Automóvel, nos termos aludidos no art. 47º. do Decreto-Lei nº. 291/07, de 21 de Agosto.
O art. 62º. do mesmo normativo permite que não sendo o responsável pelo acidente, beneficiário de seguro válido e eficaz, seja demandado o FGA.
Por outro lado, o artigo 65º. do mesmo Decreto, protege os lesados residentes em Portugal com direito a indemnização por dano sofrido em resultado de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor, habitualmente estacionado e segurado num Estado-Membro e ocorrido, ou em Estado-Membro que não Portugal, assumindo também o FGA, a indemnização dos lesados, nos termos do art. 69º.
Ainda no mesmo contexto, dispõe o art. 74º. do aludido Decreto-Lei que «Relativamente a acidentes ocorridos noutros Estados membros, os lesados residentes em Portugal podem também apresentar um pedido de indemnização ao FGA. quando não for possível identificar o veículo cuja utilização causou o acidente, ou se, no prazo de dois meses após o acidente, não for possível identificar a empresa de seguros daquele».
Perante o que se acaba de explanar, a recorrente alegou os requisitos necessários para impulsionar a providência requerida, devendo demonstrá-los.
O facto do acidente ter ocorrido em país estrangeiro, não retira aos tribunais portugueses qualquer competência para o apuramento dos factos.
Quer os Regulamentos CE, quer a lei interna, defendem as vítimas, oferecendo-lhes mecanismos de fazer valer os seus direitos, na área da sua residência, poupando-as aos incómodos de deslocação a outros países e garantindo-lhes o direito a uma indemnização devida.
Aquando da propositura da presente providência, o Decreto-Lei nº. 291/07, de 21 de Agosto, já estava em vigor, cumprindo assim, os comandos estatuídos na 5ª. Directiva CE.
Destarte, tendo a recorrente invocado os fundamentos legais para poder ser apreciada a sua pretensão, merece reparo o despacho recorrido, que se revoga, determinando-se que seja conhecida a providência, atenta a competência do tribunal para o efeito.

3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido e, determinando-se o prosseguimento dos autos para conhecimento da providência, atenta a competência do tribunal para o efeito.
Sem custas.
Lisboa, 11/3/2008
Maria do Rosário Gonçalves
Maria José Simões
José Augusto Ramos