Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4959/17.0T8LSB.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: CONTRATOS
PRAZO CERTO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Nos contratos em que foi estabelecido prazo essencial  para o cumprimento da prestação o simples decurso deste sem que a mesma tenha sido cumprida dá azo ao incumprimento definitivo e sequente resolução sem necessidade de interpelação admonitória

II. Se em acção anterior foi pedida a nulidade/anulabilidade do contrato e o incumprimento do réu, tendo sido proferida sentença com trânsito em julgado de improcedência e a declarar a validade do negócio, não pode esta valer para efeitos de caso julgado em acção futura em que se discute o incumprimento do mesmo negócio desta feita, da parte contraria àquela, por estes fundamentos não terem sido levados à lide anterior.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

B, Ld., demandou J e requereu que:
1) Seja proferida sentença que produza os mesmos efeitos da declaração negocial do réu, ou seja, que venda à autora os prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob as descrições 2522 e 2606, melhor identificados no art.º 2.º da petição inicial.
Alegou  e em síntese, que:
-Celebrou contrato promessa de compra e venda de imóvel identificado nos autos, no qual figura como promitente vendedor o réu.
- No referido contrato as partes acordaram que competia à autora o agendamento da escritura pública prometida.
- O preço contratado foi de 440 000 euros quanto ao prédio inscrito na matriz sob o art.º (…)
tendo já a autora pago ao réu a quantia de 40 000 euros, a título de sinal e princípio de pagamento. A autora agendou a escritura pública prometida, tendo notificado o réu por carta registada com aviso de receção em 6/2/2017 de que tinha procedido a tal agendamento, para o dia 20/2/2017, pelas 14h30, no Cartório Notarial (…), sito na Rua …, …, 1º, …-… Lisboa.
- Mais comunicou a autora que já tinha habilitado o referido Cartório Notarial com a respetiva certidão permanente, e que deveria o réu enviar para o mencionado Cartório Notarial, atempadamente e conforme lhe competia, todos os documentos aptos a permitir a realização da escritura de compra e venda dos dois prédios identificados.
- O réu recusou-se a cumprir o negócio prometido.
- Perante o Notário, o réu afirmou expressamente não estar de acordo em assinar a escritura pública em questão.
*
Citado para contestar, veio o réu, a fls. 30v./43 dos autos, pedir a sua absolvição do pedido.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- As partes acordaram que a escritura definitiva de compra e venda tivesse lugar até ao dia 31.12.2012, razão pela qual quando a autora comunica ao réu o agendamento da escritura há muito havia caducado o prazo para a celebração da escritura pública de compra e venda;
A ação judicial proposta pela autora contra o réu, e que correu seus termos sob o n.º …/…, apesar de ter sido julgada improcedente, equivale a um incumprimento definitivo;
- Ainda que se entenda que a autora não incorreu em incumprimento, sempre se estaria perante um abuso de direito, porquanto na ação judicial proposta pela ora autora e pela esposa do legal representante da ora autora sempre foi alegado que o negócio imobiliário da autora não tinha qualquer hipótese de se concretizar e que esta tinha perdido todo o interesse em adquirir os imóveis pertencentes ao réu, vindo agora, em clara contradição dos anteriores atos, propor a presente ação.
No mais, impugnou os factos articulados pela autora. 
Após tramitação legal foi proferida sentença.

Dos factos declarados assentes, interessam ao recurso:
1 Com data de 16.03.2011, o réu, na qualidade de 1º outorgante e promitente vendedor, e a autora, na qualidade de 2ª outorgante e promitente compradora, subscreveram o instrumento particular denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, cuja cópia consta a fls. 7vº/9 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(...). Entre o 1º outorgante, por um lado, e a segunda outorgante, por outro, é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda, o qual se regerá pelas cláusulas seguintes: Cláusula 1ª: 1. O primeiro outorgante é dono e legítimo possuidor dos prédios urbanos, sitos na freguesia da Santa Maria de Belém, descritos na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob os nºs , (…). Cláusula 2ª: 1. Pelo presente contrato, o primeiro outorgante promete vender à segunda outorgante, que promete comprar os referidos prédios, livres de quaisquer ónus ou encargos. 2. O primeiro outorgante garante que os prédios se encontram desocupados e não assume qualquer responsabilidade perante a segunda outorgante por acidentes ou prejuízos que venham a ser causados nos mesmos, na sequência de obras de demolição e/ou contenção do prédio vizinho, sito à rua(…)  3. Quaisquer problemas registrais ou matriciais resultantes de eventuais discrepâncias de áreas no prédio com o artigo matricial nº … deverá ser resolvidos pelo primeiro outorgante, embora, caso este o solicite, com a colaboração da segunda outorgante, através dos seus advogados. 4. Eventuais despesas com averbamentos administrativos resultantes desses atos serão pagas em partes iguais pelos outorgantes.
Cláusula 3ª: 1. O preço da venda é de: a) € 440.000,00 para o prédio inscrito na matriz sob o artigo nº …; b) € 100.000 para o prédio inscrito na matriz sob o artigo nº …. 2. O pagamento será efetuado pela segunda ao primeiro do seguinte modo: a) € 30.000, 00, na data da outorga deste contrato, a título de sinal e antecipação do pagamento, relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o nº …; b) € 10.000,00, na data da outorga deste contrato, a título de sinal e antecipação do pagamento, relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o nº 706; 3. O pagamento dos sinais será efetuado através de cheque visado ou bancário emitido a favor do primeiro outorgante.
 4. O remanescente do preço, ou seja, € 410.000,00 para o primeiro prédio e € 90.000,00 para o segundo prédio, será pago no ato da celebração da escritura pública de compra e venda. Cláusula 4ª: 1. A escritura pública de compra e venda será celebrada, no prazo máximo de 180 dias a contar da celebração da presente promessa, em cartório sito no concelho de Lisboa ou concelho limítrofe, e em dia e hora a designar pela segunda outorgante, por carta registada, a expedir com uma antecedência mínima de 8 dias para o primeiro outorgante, (…). 2. O prazo referido no número anterior apenas poderá ser prorrogado por acordo das partes reduzido a escrito ou no especialíssimo e improvável caso de não haver retificação da eventual discrepância das áreas, caso em que as partes acordarão também por escrito um novo prazo para a outorga. 3. O primeiro outorgante obriga-se a assinar os registos provisórios de aquisição e hipoteca, e/ou outros documentos que se tornem necessários a instruir a escritura pública de aquisição com mútuo e hipoteca, que a segunda outorgante irá contrair. (…). Cláusula 6ª: Ambos os outorgantes acordam em subordinar o presente contrato ao regime da execução específica, e a conferir eficácia real ao mesmo, nos termos do artigo 413º, nº 1, do Código Civil. (…)”.
2) Com data de 17.03.2011, o réu, na qualidade na qualidade de promitente vendedor, e a autora, na qualidade de promitente compradora, subscreveram o instrumento particular denominado “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda, celebrado em 16.03.2011 e que dele faz parte integrante, o qual se regerá pelas cláusulas seguintes”, cuja cópia consta a fls.43vº/44 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(...). Cláusula 2ª: 1. Pelo presente aditamento, o primeiro outorgante declara existir uma arrecadação no prédio inscrito na matriz sob o artigo …, que estava a ser utilizada pela sociedade “Rui Barros & Fernandes, Ld.ª”, como apoio à atividade comercial de restauração que aquela exercia e que entretanto cessou, por despejo, no prédio sito à rua da Praia do Bom Sucesso, nº 92 a 106. (…).
Cláusula 3ª: 1. Ainda pelo presente aditamento a segunda outorgante declara conhecer tal situação e compromete-se a não opor ao 1º outorgante qualquer mora ou incumprimento do contrato promessa de compra e venda outorgado em 16.03.2011, decorrentes da mesma. (…). Cláusula 4ª: A existência de tal espaço de arrecadação e as obrigações acordadas neste aditamento entre as partes não são impeditivas da outorga da escritura pública prometida. (…)”.
3) Com data de 05.09.2011, o réu, na qualidade de promitente vendedor, e a autora, na qualidade de promitente compradora, subscreveram o instrumento particular denominado “Aditamento a Contrato Promessa de Compra e Venda”, cuja cópia consta a fls. 44vº/45 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(...). Entre o primeiro outorgante, por um lado, e a segunda outorgante, por outro, é celebrado o presente aditamento a contrato promessa de compra e venda, o qual se regerá pelas cláusulas seguintes: : (…). Cláusula 3ª: Porque a discrepância das áreas do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, e inscrito na matriz sob o art.º …º, ainda não foi corrigida, primeiro e segunda outorgantes acordam em prorrogar por mais três meses o termo do prazo fixado no número um da cláusula 4ª do contrato promessa celebrado entre ambos aos 16 de março de 2011. (…)”.
4) Com data de 27.07.2012, o réu, na qualidade de promitente vendedor, e a autora, na qualidade de promitente compradora, subscreveram o instrumento particular denominado “Aditamento a Contrato Promessa de Compra e Venda”, cuja cópia consta a fls. 45vº/46 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(...). Através deste acordo, que constitui um segundo aditamento ao aludido CPCV, as partes comprometem-se ao seguinte:
1. Os prédios objeto do CPCV, sitos na freguesia de Santa Maria de Belém, estão descritos na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob os números … e … e inscritos na matriz sob os números … e …. 2.
(…), as partes reciprocamente aceitam que a escritura definitiva de compra e venda venha a ter lugar até ao dia 31.12.2012.
3. Tendo em consideração esta prorrogação de prazo, o primeiro outorgante ficará com o direito a uma participação em negócio aquando da realização da venda por parte da segunda outorgante a terceiros dos prédios objeto do CPCV.
 4. Esta participação será no montante global de 33% do lucro líquido obtido com a venda dos imóveis objeto do CPCV.
5. O pagamento aludido no número anterior será feito no mesmo dia em que os imóveis forem transacionados pela segunda outorgante a favor de quaisquer compradores. (…)”.
5) A autora pagou ao réu a quantia de € 40.000,00 referente ao valor descrito em 1), a título de sinal e princípio de pagamento.
6) A propriedade dos prédios identificados em 1) adveio ao réu por compra feita à “S…-S…, S.A.” titulada pela escritura pública outorgada no dia 25 de maio de 1988 no 16º Cartório Notarial de Lisboa.
7) A autora enviou, com aviso de receção, ao réu, e este recebeu, a carta datada de 06.02.2017, cuja cópia consta a fls. 10 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). Nos termos do contrato promessa de compra e venda celebrado com V. Exªs relativamente ao prédio urbano sito no Largo …, (…), vimos, por este meio, comunicar que agendei a escritura pública prometida para o próximo dia 20.02.2017, pelas 14.30h, no Cartório Notarial do Notário Pedro Nunes Rodrigues, sito na Rua Mouzinho da Silveira, (…). Mais informamos que já habilitamos o Cartório Notarial com a nossa certidão permanente igualmente toda a documentação foi entregue ao Ajudante de Cartório Senhor Mário Guerreiro, bem como todos os contactos deverão ser feitos através do mesmo. Por último transmitimos que, conforme lhe compete, deverá enviar atempadamente para o mencionado Cartório Notarial todos os documentos aptos a permitir a realização da escritura de compra e venda dos dois prédios. (…)”.
8) Autora e réu compareceram na hora, dia e local comunicados pela autora através da carta descrita em 7).
9) No dia, hora e local referidos em 7) e 8), o réu declarou perante a notária substituta o que consta de fls. 13/14 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, nomeadamente “(…). Nestes termos terá que se considerar que o contrato foi definitivamente incumprido pela promitente compradora que, aliás, ao entrar em litígio judicial para esse efeito, obrigando ao pagamento de custas e honorários de advogado, tornou inviável a celebração do contrato prometido, como esta aliás expressamente reconheceu, pelo que não pode o outorgante aceitar a realização da referida escritura pública de compra e venda, cujo prazo para o efeito há muito foi ultrapassado e terá de se considerar o contrato definitivamente incumprido por culpa da promitente compradora. (…)”.
10) A ora autora, em 02.10.2014, propôs ação judicial contra o ora réu, que correu termos no Juízo Central de Lisboa – J…- sob o nº …/…, em que pedia para
 a) ser declarada a nulidade do contrato promessa dos autos;
 b) ou, caso assim não se entenda, a anulação do dito contrato promessa;
c) ou, caso assim não se entenda, ser declarado que o réu não cumpriu integralmente o referido negócio, nem executou na íntegra as obrigações constantes do mesmo, tendo inviabilizado o seu cumprimento, mercê da alteração propositada e consciente que fez do objeto do negócio;
 d) ser declarada a resolução do contrato promessa dos autos por culpa exclusiva do réu;
e) ser o réu condenado a pagar à autora indemnização nunca inferior a € 1.950.000,00, sem prejuízo da alínea seguinte;
 f) ser o réu condenado a pagar à autora indemnização cujo cômputo se relega para execução de sentença.”
11) Nos autos referidos em 10) foi proferida sentença, transitada em julgado em 11.09.2017 e confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,conforme fls. 156/166 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde se lê, para além do mais: “(…). Em suma: não resulta dos autos apurada qualquer situação que permita concluir que o réu deu causa à inviabilidade do projeto imobiliário que a autora pretendia desenvolver ou, sequer, que este projeto é inviável, ou que a autora tenha perdido o interesse no negócio por outro motivo que não seja a sua falta de condições económicas e financeiras. Porque não se apurou qualquer ação ilícita e culposa na origem dos alegados danos da autora também o pedido indemnizatório tem que ser julgado improcedente como, aliás, todos os restantes pedidos formulados pela autora. (…).
 4. Decisão: Por tudo quanto exposto fica decide-se julgar a ação totalmente improcedente (quer o pedido principal, quer os pedidos subsidiários) e, em consequência, absolver o réu dos pedidos contra si formulados. (…).”
12) O réu no dia, hora e local mencionados em 7) e 8) não foi portador de qualquer documento referente aos imóveis, nomeadamente cadernetas prediais, certidões permanentes da CRP e licenças de habitabilidade ou comprovativo da sua não sujeição a tal exigência de licenciamento camarário.

A sentença nestes autos, decretou a improcedência da acção
Desta sentença apelou a Autora que lavrou as conclusões ao adiante:
1 - A recorrente assenta a sua discordância quanto à douta sentença recorrida essencialmente nos seguintes pontos:
· Violação de caso julgado
· Ausência de interpelação admonitória para a eventual mora poder ser convertida em incumprimento definitivo
· Ausência de declaração resolutiva por parte do recorrido · Não conversão de mora em incumprimento definitivo
· Ausência de qualquer manifestação de vontade da parte do recorrido (seja processual, seja extraprocessualmente) no sentido da cessação do contrato promessa dos autos
2 - A douta sentença recorrida não tem em consideração, nem valora, o teor do Douto Acórdão proferido por esta Veneranda Relação no processo que correu termos no Juiz … deste Juízo Central Cível de Lisboa, a acção comum nº…/… e que, conforme certidão junta aos autos com nota do respectivo trânsito em julgado, concluiu e decidiu não haver qualquer fundamento «para que o contrato-promessa aqui em apreciação possa deixar de ser considerado válido e exigível» (vd. última página do Acórdão),
3 – O teor de tal afirmação desta Veneranda Relação leva a concluir que indubitável e inquestionavelmente que o contrato-promessa dos autos tem plena validade, eficácia e exigibilidade.
4 - Importa referir que os sujeitos processuais daquele processo são exactamente os mesmos dos presentes autos e que o contrato-promessa que ali foi apreciado e discutido é exactamente o mesmo dos presentes autos, pelo que aquele Douto entendimento desta Veneranda Relação não pode deixar de ser considerado definitivo e vinculativo, in casu, para os presentes autos, em especial na discussão da questão da validade e exigibilidade do contrato-promessa.
(…)
6 - O caso julgado formado no aludido processo não pode deixar de ser extensivo aos presentes autos com todos os seus componentes, premissas e fundamentos e de formar um quadro legal e factual incontroverso e imutável para a prolacção da douta sentença dos presentes autos.
(…)
8 - A declaração judicial feita por esta Veneranda Relação relativamente às plenas e irreversíveis validade e exigibilidade do contrato promessa são extensíveis aos presentes autos e vinculam o tribunal recorrido quanto ao conteúdo e aos efeitos de tal declaração, não podendo deixar de constituir, como efectivamente tem de constituir, um quadro pré-definido e assente para servir de base à prolacção da sentença.
9 – Acresce que não foi suscitada qualquer causa de cessação, nem reconvinda qualquer resolução ou declaração de caducidade ou de extinção e o mero decurso do tempo não é suficiente, nem justifica ou legitima a extinção do contratopromessa.
10 - Compulsada a douta sentença recorrida, nenhuma factualidade consta que permita concluir pela perda de interesse objectivamente considerado.
11 - Faltam assim elementos essenciais para que seja declarada a cessação do contrato-promessa e a sua inexigibilidade - a interpelação admonitória e a subsequente declaração resolutiva.
12 - Não foi alegado, nem consequentemente provado, que o recorrido tivesse efectuado a necessária e imprescindível interpelação admonitória para que a eventual mora fosse convertida em incumprimento definitivo.
(…).
14 – Mas, o recorrido não só não efectuou qualquer interpelação admonitória, como processual e extraprocessualmente nunca se manifestou no sentido da cessação do vínculo contratual, não tendo a recorrente recebido do recorrido qualquer manifestação de vontade nesse sentido, nem, no mencionado processo judicial (ou mesmo nos presentes autos), o recorrido deduziu qualquer pedido reconvencional.
15 - Não constam da douta sentença recorrida quaisquer factos que consubstanciem um eventual incumprimento definitivo ou até uma perda de interesse da parte do recorrido objectivamente considerado, pelo que não há qualquer sustentação para afirmar a conversão de mora em incumprimento definitivo.
(…).
16 - Importa ainda destacar que, desde 31/12/2012 até hoje e em especial até 2/10/2014 (data da apresentação em juízo do processo em que esta Veneranda Relação se pronunciou no sentido da validade e exigibilidade do contrato-promessa dos autos), não se conhece um único acto de disposição ou do que quer que seja da parte do recorrido em relação aos prédios objecto do contrato-promessa, como é normal e típico de um efectivo possuidor de um bem imóvel.
(…)
19 – Assim, nomeadamente, a ausência de qualquer perda de interesse objectivamente considerado, a ausência de qualquer interpelação admonitória, a ausência de qualquer declaração resolutiva, impõem que seja procedente e execução específica peticionada, considerando o quadro prévio e vinculativo traçado por esta Veneranda Relação de plenas validade e eficácia do contrato-promessa.
20 - A sentença recorrida viola, nomeadamente, o disposto nos arts. 410, 808, 830 CCivil.
O recorrido respondeu a sustentar o acerto da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais nada obsta ao mérito.

Objecto do recurso:
São as conclusões que delimitam o âmbito da matéria a conhecer por este tribunal que é de recurso sem prejuízo das questões  de conhecimento oficioso.
Nesta sede o recorrente coloca como questões a decidir saber se:
A- A sentença violou o  caso julgado formado pelo acórdão proferido no processo …/…
B- Saber a ausência de interpelação admonitória e de declaração resolutiva implicam a não conversão da mora em incumprimento definitivo:  questão do prazo para a celebração da escritura: prazo peremptório ou prazo indicativo

Conhecendo:
Fundamentação de facto:
Dá-se  por reproduzida a factualidade supra.
Fundamentação de direito:
Não se discute que o objecto dos autos é o (incumprimento ) do contrato-promessa, que segundo a definição do artº410º, 1 do CC, é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato. Gera, por isso, uma obrigação de prestação de facto, sob a forma da emissão de uma declaração negocial. Ou como refere Galvão Telles, trata-se de um “pactum de contrahendo” – cfr Das Obrigações em Geral, 301, 6ª ed.
Posto isto:
Da violação da excepção  de caso julgado.
A enumeração factual da sentença apelada é omissa quanto ao teor deliberativo do acórdão   o e para melhor compreensão se transcreve.
Do teor do referido acórdão deste tribunal em que se acolhem os recorrentes para invocar  excepção de caso julgado se retira no parágrafo imediatamente anterior à deliberação que confirmou  sentença da primeira instância: «(…)tudo o mais que vem alegado esbarra com esta cristalina evidência: não há qualquer fundamento legal, nem  a apelante expressamente invoca nas suas conclusões de recurso,  com base na prova realizada os autos, para que o contrato promessa aqui em apreciação, possa deixar de ser considerado válido e exigível»  
Vejamos então.
Iniciamos, pela delimitação da exceção de caso julgado e a  autoridade de caso julgado.
Conceptualmente dir-se-à que como escreve o Prof. Lebre de Freitas (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., p. 354), que  “a autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
No mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa (“O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 49 e ss”),  “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.
Por seu turno, a jurisprudência tem entendido que a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº 498º do C.P.C., pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida - nesse sentido, entre outros, Acs. do STJ de 13.12.2007, processo nº 07A3739; de 06.03.2008, processo nº 08B402, e de 23.11.2011, processo nº 644/08.2 TBVFR.P1.S1, www.dgsi.pt»
Ainda,  a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt. Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579),
Sobre esta mesma questão,  o acórdão do TRG, de 28-09-2010 in dgsi entendeu que «I -  «A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC (atual 581º), no mesmo sentido veja-se o acórdão do TRG d3490/08.0TBBCL.G1 de17-12-2013 ambos em dgsi
O caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento”.
Finalmente o Acórdão do TRC de 28.09.2010, também in dgsi,  descreve que «A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em accão anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.498 do Código de Processo Civil”.
Deste alinhamento sumário quer da jurisprudência, quer da doutrina dominante,  nesta matéria,  se pode concluir que o alcance e autoridade do caso julgado não é limitável  pelos contornos definidos nos artºs 580º e 581º do cpc,  para a excepção do caso julgado, antes abrange  situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente.
Sucede porém
Que nos referidos autos não foi discutido incumprimento da ora, autora, questão que não foi trazida à lide.
Não tendo sido discutida esta matéria, não pode ter-se a mesma  abrangida tanto pela declaração constante do acórdão, que assim constitui caso julgado mas apenas quanto às questões suscitadas no pedido de anulação/nulidade do contrato  e de incumprimento definitivo, pelo ali, também réu.
Por outras palavras, o acórdão  deste tribunal já transitado, decidindo que o contrato promessa aqui em questão é válido e exigível, quanto aos referidos e apontados vícios  , e concluiu pela inexistência de incumprimento definitivo do ali, como aqui Réu; apenas  impede nova discussão quanto aos apontados vícios e incumprimento do Réu recorrido;  ficando as partes livres de discutirem quaisquer outras vicissitudes do negócio como sejam o incumprimento definitivo imputado à autora.
Improcede pois a primeira conclusão da apelante.
II
Ausência de interpelação admonitória e de declaração resolutiva e sua implicação na  conversão da mora em incumprimento definitivo: prazo peremptório ou prazo indicativo.
Quanto à natureza jurídica do prazo estipulado pelas partes como ensina Vaz Serra, in RLJ, Ano 110, págs. 326 e 327: “A estipulação de um prazo para execução de um contrato não tem sempre o mesmo significado. Pode querer dizer que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação não pode já ser obtida com a prestação ulterior, caducando por isso o contrato; mas pode também ser apenas uma determinação do termo que não obste à possibilidade de uma prestação ulterior, que satisfará ainda a finalidade da obrigação, caso em que o termo do prazo não importa a caducidade do contrato, mas tão somente a atribuição ao credor do direito de resolvê-lo. Na primeira hipótese, estamos perante um negócio fixo absoluto. Na segunda, estamos perante um negócio fixo, usual, relativo ou simples.”vde ainda , J. Baptista Machado, in “Obra Dispersa”, vol. I, pág. 187 a 193.
Como refere J.C. Brandão Proença, in “Do Incumprimento do Contrato Promessa Bilateral”, pág. 109 e segs:  “…É natural e normal que os promitentes incluam, no contrato, uma cláusula de termo, estipulada, em regra e implicitamente, a favor de ambos, o que significa fazer recair sobre os contraentes não só o dever de cooperação para a marcação do dia, hora e local da celebração do contrato definitivo, na ausência da sua indicação, mas também uma presunção de culpa nesse incumprimento…” para, mais adiante, afirmar “… Importante é a indagação do significado do prazo certo fixado para serem emitidas as declarações de vontade e que terá de ser “deduzido do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes (existência ou não de prorrogações) ou de outras circunstâncias coadjuvantes.  O fulcro da questão reside na essencialidade (subjectiva) ou não do termo fixado como característica inerente ao contrato, e na sua projecção no acordo celebrado…”.
A resposta à pergunta formulada, implica que se interprete a declaração negocial constante do contrato, à luz do conteúdo contratual pesquisando o sentido das declarações negociais nele inseridas – art. 236º, nº1, do Código Civil – tal como o faria um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, como resulta da letra da norma:  “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 233, em nota ao art. 236º do Código Civil, escreveram:“ [...] A regra estabelecida no nº l, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, media­namente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).
(...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista.
(...) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”
O declaratário normal deve ser uma pessoa com “Razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” – Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita”, 1995, 208.
Por se tratar de um contrato formal, as regras de interpretação aplicáveis constam do art. 238º do Código Civil:
“1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.”
Posto isto, da matéria de facto apurada resulta que as partes estabeleceram um prazo máximo de 180 dias que apenas poderá «ser prorrogado por acordo das partes  reduzido a escrito ou no caso improvável de não haver retificação da eventual discrepância das áreas caso em que as partes acordarão também por escrito um novo prazo para a outorga» cl 4ª
Este prazo foi prorrogado, com o acordo das partes, por escrito a 5.09.2011, por três meses, face à presença da discrepância das áreas.
Em 27.07.2012 foi de novo acordado por escrito de ambas as partes prorrogação do prazo para a escritura até 31.12.2012, desta feita, com fundamento nas dificuldades do sector imobiliário e da promitente compradora, estabelecendo-se ainda clausula adicional de posterior participação da promitente vendedora em 33% dos lucros da revenda. (Fls 31 do processo escrito)
Por sua vez a promitente compradora veio a intentar a acção de anulação referida nos autos em 2 de outubro de 2014.
Quid iuris?
É de entender que estamos perante um negócio fixo absoluto, no dizer de Sacco, perante um prazo fatal; ou, nas palavras  de J. Baptista Machado, perante um termo essencial objectivo ou termo essencial subjectivo absoluto, em que a finalidade da obrigação não pode já ser obtida, impondo-se a caducidade do contrato ou a sua resolução automática, pelo que não tinha o Réu que proceder a interpelação admonitória – art. 808º, nº1, 2ª parte, do Código Civil.
Efectivamente nenhuma das partes após a ultima data acertada procurou o acordo quanto a novo prazo sendo este acordo requisito essencial para a sua prorrogação.
Ao que acresce ter sido intentada a acção de anulação.
Logo, só pode entender-se o termo, como termo final peremptório, em face do que se extingue o contrato pelo simples decurso do prazo, sem necessidade de qualquer interpelação admonitória ou resolutiva.
Estando a cargo da autora a obrigação de marcar a escritura,  a extinção do contrato, nestes termos, é-lhe imputável a titulo de incumprimento  definitivo, sem quaisquer reservas ou condições, ipso facto.
O credor da prestação, assim definitivamente não cumprida por culpa  da contraparte, culpa que se presume nos termos do artigo 799º do código civil,  pode reclamar os direitos decorrentes da resolução do contrato.
No sentido apontado, decidiu o  STJ a 17/11/ 2015 in revista 255/12.8TCFUN.L1.S1, 6ª Secção e em 9.02.2010 in revista  2265/06.5TVSLB.S1 1ª SECÇÃO, (num caso, em que a falta era do promitente vendedor, cujo sumário  segue parcialmente:«
(…) Estamos, pois, perante um «prazo fatal», cuja inobservância gera impossibilidade definitiva de cumprimento e a consequente resolução (…) o ultrapassar esse prazo coloca o promitente-vendedor, automaticamente, numa situação de incumprimento, dando azo à resolução por parte do promitente-comprador, sem necessidade de, previamente, haver interpelação admonitória. (…) A regra da interpelação admonitória só vale, para efeitos constitutivos do direito de resolução contratual, caso o prazo peremptório para o cumprimento não tenha sido fixado no momento constitutivo da obrigação.
Em face do exposto, se conclui, pela sem razão da apelante.

Segue deliberação:
Na improcedência da apelação mantém-se a sentença apelada.
Custas pela apelante

Lisboa, 13 de Setembro de 2018

Isoleta Almeida Costa

Carla Mendes

Octávia Viegas