Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5513/05.5TBALM-G.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: INSTRUÇÃO DO PROCESSO
PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
PERÍCIA COLEGIAL
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - O quadro legal que dispõe sobre a perícia, desde logo subordinando-a à livre apreciação do tribunal e constituindo esta livre apreciação uma baliza que apenas exige que ao julgador sejam fornecidos os fundamentos e mecanismos do raciocínio operado pelos peritos, não impõe a unanimidade dos peritos, nem exige que os mesmos se reúnam exaustivamente e de modo exclusivamente presencial, até encontrarem a unanimidade, nem prevê que o perito nomeado pelo tribunal haja de presidir, coordenar ou relatar os trabalhos. 

II - Invocando-se a nulidade da perícia mas concluindo-se o recurso pedindo que seja proferido despacho que ordene a realização de segunda perícia, não pode o tribunal de recurso conhecer da nulidade da perícia, sob pena da prática de um acto inútil.

III - A nulidade da perícia ou do relatório pericial não tem como consequência a realização de segunda perícia, mas a repetição da primeira.

IV - A realização de segunda perícia não é uma alternativa aos esclarecimentos que se podem pedir aos peritos que realizaram a primeira, quer logo após a notificação do relatório, quer em novos pedidos dirigidos aos esclarecimentos que vierem a ser prestados de modo deficiente, quer aos próprios peritos cuja comparência seja ordenada em julgamento.

V – A segunda perícia supõe uma inexactidão do relatório da primeira, que seja inaceitável para a parte que a pede e que neste pedido a deve fundamentar, sendo pois inadequada quando a inexactidão se reporta ao laudo maioritário, tanto mais que na segunda perícia não pode participar perito que tenha participado na primeira.

VI - O não trânsito em julgado de acórdão criminal, ao tempo do requerimento de junção do documento, e a extinção do procedimento criminal por falecimento de um dos arguidos, não obstam a que o mesmo documento seja oferecido para apreciação probatória de que a sentença arbitral, com base na qual se invoca a impossibilidade legal do direito reclamado pelo autor, foi emitida por Centro criado para a produção de sentenças arbitrais falsas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
D (…) instaurou a presente acção em 1.8.2005, contra S (…) Ldª, peticionando que seja proferida sentença nos termos do artigo 830º nº 1 do CC, que produza os efeitos da declaração negocial da faltosa, promitente vendedora de uma fracção destinada a loja, em construção, e que declare o Autor proprietário da mesma, e subsidiariamente, para o caso de improcedência por via do prédio em que a fracção se integra não estar constituído em propriedade horizontal, que a sentença condene a Ré a constituir a propriedade horizontal e a pagar-lhe sanção pecuniária compulsória.
Alegou, em síntese, que celebrou contrato de promessa de compra e venda com vista à aquisição de uma loja que se integrava num prédio que estava a ser construído, loja que destinava a instalação de uma pastelaria, em função do que também negociou alterações de construção e em função do que teve aliás autorização para que empresas que contratou ali pudessem iniciar trabalhos e montagem de equipamentos. A Ré ficou incumbida de marcar a escritura o que não fez, e o Autor veio a saber, até por amigos que foram abordados por um vendedor, que a Ré tinha a loja de novo para venda, por preço superior. Aliás, a Ré submeteu alterações na Câmara Municipal relativamente à loja, que deixariam de a destinar a pastelaria. A partir de então seguiu-se a troca de variada correspondência, que junta. O Autor também soube que entretanto a Ré fez tentativas para arrendar a loja, onerando-a portanto, ao contrário do que constava do contrato promessa, pelo que intentou procedimento cautelar no sentido da Ré se abster de onerar o imóvel, que foi deferido sem audição prévia da Ré, e que veio a ser registado na Conservatória do Registo Predial. Tudo demonstra que a Ré não pretende cumprir o contrato promessa.
Em 27.10.2005 o Autor veio aos autos informar que após ter dado entrada da acção foi interpelado pela Ré para outorgar a escritura, que esta havia portanto constituído e registado a propriedade horizontal, mas que, porque a descrição do registo (R/C e logradouro) não correspondia nem à realidade física da loja nem à certidão camarária que instruíra o registo (R/C e cave), havia instaurado nova acção declarativa pedindo a nulidade do título de constituição da propriedade horizontal do prédio onde a loja se integra, e que a decisão dessa acção devia preceder a desta, por ser prejudicial, e requerendo em conformidade a suspensão da instância destes autos.
A Ré contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido e requerendo a condenação do Autor como litigante de má-fé, e reconviu, peticionando a condenação do Autor, “como responsável pelo incumprimento culposo do contrato de promessa de compra e venda (…) decretando-se a resolução do contrato, por forma a que a Ré possa fazer seus os montantes entregues pelo Autor a título de sinal e princípio de pagamento”, no pagamento de cinco mil euros por conta do depósito, não autorizado, de equipamentos na fracção prometida vender, no pagamento de vinte e cinco mil euros de obras de reconversão que a Ré gastou para poder obter a licença de utilização, no pagamento de cem mil euros de danos patrimoniais, por a Ré não ter conseguido vender três fracções autónomas do imóvel de que é proprietária, e de que faz parte a fracção prometida vender, bem como pela frustração de outros negócios que poderia ter feito e deixou de realizar por não estar na posse da licença de utilização, por razões unicamente imputáveis ao Autor, e na quantia de cinco mil euros a título de danos morais.
Muito em síntese, sustentou que não foi possível concluir a obra em tempo por razões imputáveis ao Autor, o que a impediu também de obter a documentação inerente ao negócio prometido e às vendas de outras fracções autónomas. O A. não tem interesse em comprar, alegando desconformidades que ninguém consegue ver, e apenas lhe interessa usar a loja sem pagar. Na verdade, e segundo o contrato promessa, era da responsabilidade do Autor a mudança de uso e eventuais obras de adaptação e os encargos camarários inerentes ao respectivo licenciamento, não tendo o Autor – contrariamente à boa disposição da Ré em tratar, ainda que por conta dele, de alterações de projectos de águas e esgotos – tratado do projecto de segurança junto do serviço nacional de bombeiros, o qual só veio a dar entrada nove meses depois da primeira vez que o Autor falou que queria instalar uma pastelaria, um mês depois do contrato promessa. A boa vontade da Ré deveu-se ao facto do Autor ser familiar de um ex-sócio da Ré. O Autor entregou trabalhos a outros empreiteiros que que não os indicados pela Ré, descoordenando a execução geral da obra, e executou trabalhos de electricidade, pintura, instalação de sistema de alarme e ventiladores de ar condicionado sem lhe dar conhecimento, sendo que os trabalhos de electricidade violavam grosseiramente as regras e normas técnicas, contrariavam o projecto de electricidade base para todo o edifício e inviabilizavam a certificação legal. Identicamente o Autor instalou aparelhos de ar condicionado na fachada, alterando o projecto da obra e uma das futuras partes comuns do prédio. Foi de facto necessário retomar o controlo da obra, proibindo-se o Autor de lhe aceder, para se concluir a fracção de acordo com o projecto inicial, sob pena de não se conseguir obter a legalização de todo o prédio. Os atrasos causados pelo Autor provocaram diversos e graves prejuízos à Ré.
O Autor, reinsistindo na suspensão destes autos, replicou, impugnando a factualidade alegada, sustentando que tudo foi feito de acordo com a Ré e que as alterações introduzidas eram correctas, e renovando o seu interesse em cumprir e que foi a Ré quem não quis mesmo cumprir, pois que, e assim o refere no final do articulado, tomou conhecimento em Dezembro de 2005, quando foi levantar a certidão de registo desta acção, que em 24 de Outubro fora registada provisoriamente, por incompatibilidade com a anterior inscrição do Autor, a aquisição da fracção pela sociedade DC, (…) Ldª.
Em 13.6.2006, “DC (…), Lda.” apresentou (fls. 278), requerimento de intervenção principal espontânea, alinhando que a fracção é sua por a ter adquirido à Ré, com quem celebrou um contrato de promessa de permuta de imóveis, por sentença proferida em processo arbitral. Na sequência dessa aquisição foi dada a posse à oponente, consumando-se a transferência da propriedade, e a oponente pediu o registo, que foi feito provisoriamente, face ao registo da presente acção e da decisão da providência cautelar interpostas pelo A. Afirma a oponente que é dificilmente entendível a posição da Ré, ao não mencionar nestes autos que já não era a proprietária, quando bem sabia que a sentença arbitral a condenara a cumprir o negócio de permuta que havia celebrado com a oponente. Na sequência da aquisição a oponente procurou licenciar a fracção, que é uma loja, para pastelaria, e arrendou-a tendo o locatário efectuado avultados investimentos. O Autor bem sabia da alienação pela S (…) à oponente, pois é vizinho da loja, sendo que há 10 anos que a oponente tem a posse, livre e pacífica e à vista de todos, pagando aliás os impostos correspondentes ao seu direito imobiliário. Concluiu peticionando que seja declarado o pedido do Autor legalmente impossível, por inexistência do objecto do litígio (a titularidade da fracção) na esfera patrimonial do Autor, e que seja ordenado o cancelamento dos registos provisórios da providência cautelar e da acção de execução específica, e finalmente que seja declarada a titularidade da fracção a favor da oponente.

Após diverso processado sem particular interesse para a decisão dos recursos ora em causa, e após ter sido declarada cessada a suspensão da instância por resolução definitiva da causa prejudicial, foi proferido despacho saneador em 23.4.2014 que fixou à causa o valor de €(…), enunciou o objecto do litígio e os temas de prova, o qual foi objecto de reclamações parcialmente atendidas.
Por despacho de 8.7.2015, veio a deferir-se à uma peticionada realização de uma perícia colegial “relativa ao valor de mercado do estabelecimento em causa nos presentes autos”, sendo fixado o objecto da perícia por despacho de 10.1.2017 como “o que consta dos quesitos 5 e 10 a 13, a fls. 1153-1153vº do articulado da Ré (5 - Tendo em consideração que o valor patrimonial da loja prometida vender era, em 2005, de €95.570,00 (…) e que, em 2011 – depois de instalada a crise no sector imobiliário – tal valor ascendeu a €99.153,88 (…), qual será o seu valor em 2015, atendendo a que entre 2005 e 2011, se valorizou €3.583,00?; 10 - Tendo em consideração que o contrato de promessa de compra e venda teve por objecto, apenas, e tão só, uma loja (fracção autónoma), sem destino específico (sem alvará para pastelaria), e que, actualmente, a loja dispõe de um alvará que permite a instalação de uma pastelaria – e uma vez que o interesse do Autor era a instalação de uma pastelaria no imóvel – tal facto valoriza a fracção ou, ao invés, a torna menos atractiva? 11 – Em termos de investimento financeiro, admitindo que actualmente funciona uma pastelaria no imóvel objecto de avaliação, isso constitui ou não uma mais-valia, tendo em conta que o comprador pretendia explorar esse mesmo ramo? 12 - E se a loja estiver arrendada por, cerca de, €1.500,00 (…) por mês, qual seria seu valor comercial e financeiro, em função dessa renda? 13 - Qual o valor actual da fracção?) e ainda o quesito único formulado pelo Autor a fls. 1179 (Qual o valor de mercado actual da loja, no estado de usada, livre, desocupada e no estado de conservação que se encontra?).
           
Com entrada a 10.7.2017 foi junto o relatório pericial.
Em 7.9.2017, a Ré S (…), “discordando da metodologia utilizada pelos senhores peritos para a sua elaboração, o que levou à inexactidão das conclusões a que os mesmo chegaram”, fundamentando a sua discordância e concluindo pela nulidade do relatório pericial, veio requerer que se procedesse a uma segunda perícia. Pronunciou-se o Autor no sentido de que devia ser indeferida a arguição de nulidade, a realização de segunda perícia e que, a entender-se que o requerimento da Ré consubstanciava uma reclamação, deviam os peritos ser notificados para completarem, esclarecerem e fundamentarem por escrito o relatório apresentado.
A DC (…), por entender que a sua aquisição prejudica a razão de realização da própria perícia, pronunciou-se no sentido do indeferimento de segunda perícia.

Por despacho proferido em 17.10.2017 foi decidido:
“b) A perícia
Relativamente à perícia realizada nestes autos é efetuado um requerimento pela ré a fls. 1456 e seguintes, que mereceu resposta do autor a fls. 1479 e seguintes.     Neste requerimento da ré são essencialmente colocadas duas questões, a primeira prende-se com a nulidade do relatório pericial, e na decorrência desta primeira o pedido de realização de segunda perícia. A nulidade do relatório pericial é arguida com fundamento no fato de terem sido apresentadas duas opiniões diferentes dentro do relatório pericial, uma primeira subscrita pelo perito do Tribunal e pelo perito do autor, e uma segunda subscrita pelo perito da ré. Com respeito a esta matéria importa referir:
1º - O Senhor Engenheiro P (…), que é o relator deste relatório, na qualidade de perito do Tribunal, é o Engenheiro que tem colaborado em múltiplos processos com este Tribunal, e sob esta perspetiva diria que se trata de um perito conhecido em Juízo e relativamente ao qual até hoje o Tribunal não teve qualquer razão para duvidar da imparcialidade com que o mesmo desenvolve o seu trabalho. Não foi também arguido dentro deste requerimento que estamos a apreciar, qualquer fato ou circunstância, designadamente qualquer conhecimento pessoal ou interesse pessoal do Senhor Engenheiro P(…) neste litígio, razão pelo qual não vemos fundamento para colocar em causa a imparcialidade que tem sido sempre até hoje timbre do senhor Engenheiro P (…) em todos os inúmeros processos que tem trabalhado no âmbito desta Instância Central Cível.
2º - A perícia realizada nos autos, como qualquer outra, é um ato de instrução do processo que assenta na posse de determinados conhecimentos de natureza técnica e científica. É do domínio deste tipo de conhecimentos que possam existir opiniões divergentes ou discordantes, dependendo da avaliação do perito em função dos seus conhecimentos especiais e da sua experiência profissional que tenha sobre a matéria em discussão nos autos.
Não é, pois, o primeiro relatório pericial que nos surge com apresentação de opiniões discordantes dos senhores peritos. Não consideramos que a unanimidade seja testemunho de algum tipo de conciliação ou concertação entre peritos, a unanimidade deverá existir quando as opiniões sejam efetivamente convergentes, mas se do ponto de vista técnico há opiniões discordantes a eventual artificial unanimidade seria um falseamento nas conclusões técnicas que uma perícia deve conter. Sob esta perspetiva não vemos, pois, qualquer fundamento para a arguição de nulidade assente na mera circunstância de terem sido alcançadas conclusões divergentes, sobretudo quando as mesmas resultam de análise técnica, e são vertidas com fundamentação no relatório pericial.
Vamos atravessar aqui a respeito desta matéria da perícia também o conhecimento de uma outra questão que foi suscitada relativamente à perícia a fls. 1482 e seguintes pelo oponente, com resposta dos autores a fls. 1487 e seguintes.       Entende o opoente que a perícia é inútil para os fins processuais, porquanto já foi reconhecido pela ré que a proprietária do imóvel em discussão é a opoente, o que obstaria à procedência do pedido formulado pelo autor nestes autos. Sucede, porém, que foi sustentado pelo autor que a decisão Arbitral com fundamento na qual o opoente sustenta o seu direito é inválida. Isto constitui uma questão prévia no que diz respeito ao pedido principal a ser conhecido nesta ação. Entendemos, deste modo, que a perícia realizada nos autos tem pertinência e é útil para a sua boa decisão, uma vez que neste momento temos de ter aberto um leque de possibilidades de decisão nestes autos, isto é, a perícia cumpre a sua finalidade, uma vez que se enquadra numa das funções plausíveis de direito para a presente causa. Entendemos, deste modo, que a perícia não é um ato inútil e tem relevância para a boa decisão da causa.
Em decorrência de todo o exposto, o que se nos afigura útil neste momento passa pela notificação do requerimento apresentado pela ré com respeito às questões que a perícia lhe suscita aos senhores peritos, de forma a que os mesmos, no prazo de 10 dias, se possam pronunciar sobre estas questões, sendo depois submetidas ao contraditório as respostas que vierem a ser produzidas pelos senhores peritos.
(…)”

Os peritos apresentaram então duas respostas, em separado, sendo uma a do perito da Ré, e a Ré veio novamente suscitar a nulidade da perícia e requerer a realização de segunda perícia.

Voltando atrás para se perceber o processado no que toca à oposição deduzida pela DC (…), a Ré S (…) contestou a mesma, alegando nada ter a opor-lhe, confirmando a factualidade alegada e esclarecendo que o pedido reconvencional que aqui formula se deve precisamente ao prejuízo que lhe causou a conduta processual do Autor, que, conhecedor da referida transmissão a favor da oponente, não se inibiu de accionar judicialmente a Ré.
O Autor contestou a oposição espontânea, logo manifestando que a mesma apenas visa entorpecer a acção da justiça, e alegando: - com data de 7.7.2005 mostra-se registada providência cautelar ordenando que a S (…) se abstenha de arrendar, alienar a terceiros ou onerar a fracção; com data de 6.10.2005 mostra-se registada a presente acção de execução específica; a pretensa aquisição da oponente mostra-se registada em 24.10.2005. Por outro lado, é falso que a aquisição se tenha dado por sentença arbitral. Por despacho 7(….) do Secretário de Estado da Justiça, foi autorizada a criação pelos Professores Doutores D (…) e J (…) de um centro de arbitragem institucionalizado, com sede na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Na fundamentação do despacho diz-se que a constituição da (…) – Centro de Estudos Processuais Civis e Jurisdição já foi aprovada pelo conselho científico da Faculdade de Direito, o que todavia não se aceita como verdadeiro. Desconhece o Autor que negócio foi celebrado entre a Ré e a oponente, e em todo o caso, em 7.9.2005 a Ré interpelou o Autor para a escritura pública de compra e venda, em altura portanto em que, em teoria, já teria sido citado para o processo arbitral. Tendo o Autor tomado conhecimento do registo provisório a favor da oponente, obteve na Conservatória do Registo Predial a informação de que o documento que instruíra o pedido de registo era uma sentença de um denominado Tribunal Arbitral da Faculdade de Direito de Coimbra, tendo solicitado informações ao Centro (…), e posteriormente ao Director da Faculdade de Direito, que respondeu que a Faculdade não tem nem nunca teve qualquer vínculo com o Centro de Arbitragem (…). A “certidão” que acabou por ser remetida ao Autor refere que a sentença emana do Tribunal Arbitral da Faculdade de Direito de Coimbra, apresenta a insígnia da Universidade de Coimbra, não menciona a identificação do árbitro, no lugar da assinatura tem uma rubrica ilegível, e no seu teor constam uma série de menções enganosas. Por carta de 20.6.2006 foi dado conhecimento ao Secretário de Estado da Justiça, a P (…), atento o alarme causado por denúncias, dissolveu-se, antecipando-se ao despacho (…)/2006 do Secretário de Estado da Justiça que revogou a autorização para criação de um centro de arbitragem voluntária da P(…). Nunca existiu, nem de facto nem de direito, um Tribunal Arbitral da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, o Dr. J (…) é advogado, os processos e sentenças do pretenso tribunal arbitral eram forjados para beneficiar os clientes do referido advogado que foi sujeito de numerosos procedimentos e acabou condenado, em finais de 2016, a cinco anos e meio de prisão efectiva. Impugna o Autor a demais factualidade alegada pela oponente, invocando ainda que a loja esteve fechada durante anos.
Concluiu formulando pedido reconvencional para que seja declarada nula ab initio e com todos os legais efeitos a sentença arbitral e que em consequência seja determinado o cancelamento do registo provisório da aquisição a favor da oponente.
Por despacho de 15.5.2017 foi julgada legalmente inadmissível a reconvenção.
A Oponente respondeu à contestação do Autor.
Foi proferido despacho saneador quanto à matéria do incidente, que fixou à oposição o valor de €210.000,00, definiu o objecto do litígio e enunciou os temas de prova, com reclamação, que foi respondida por despacho proferido em audiência prévia realizada em 17.10.2017.
O A., por requerimento de 28.11.2017, “Por se mostrar absolutamente relevante para a discussão da matéria dos presentes autos, designadamente sobre a matéria constante da Oposição apresentada pela DC (…)” veio requerer a junção aos autos de certidão emitida em 3.11.2017 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 3ª Secção, onde correm autos de recurso penal, vindo do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Lisboa JC Criminal, Juiz 9, procº nº (…), sendo que do documento junto se revela, na sua opinião, quanto alegou contra a oposição, nos seus artigos 42.4 e 42.5, ou seja, que “O Dr. J (…) foi sujeito de numerosos procedimentos judiciais relacionados com decisões do pretenso tribunal arbitral” e que o “Dr. J (…) foi, em finais de 2016, condenado a cinco anos e meio de prisão efectiva”.
Pronunciou-se a DC (…) Ldª alegando que a decisão não transitou em julgado, o Dr. J (…)  faleceu na pendência do processo-crime em causa, pelo que o respectivo procedimento criminal se terá extinguido, e o objecto do processo-crime não tem qualquer relação com os presentes autos, nem no que diz espeito às partes, nem aos imóveis, nem a qualquer outro título.
No mesmo sentido se veio pronunciar a Ré S (…), juntando aliás certidão de óbito do referido Dr. J (…), da qual consta que o mesmo faleceu em 25.12.2016.

Em 11.1.2018 foi proferido o seguinte despacho:
(…)
Quanto ao relatório pericial:
Após os esclarecimentos prestados pelos três peritos, constatamos que todos tiveram oportunidade de expressar livremente as suas convicções técnicas sobre o objeto da perícia, incluindo o perito da R., que completou nos seus esclarecimentos as opiniões inicialmente expressadas no relatório pericial.
Por outro lado, não consideramos que seja imprescindível que os peritos reúnam presencialmente, desde que encontrem outra forma de trocar opiniões, o que actualmente está muito facilitado pela evolução tecnológica, constatando-se, aliás, que no caso em apreço os peritos comunicaram entre si por meio de correio eletrónico.
E independentemente da forma como foi agendada a deslocação ao local, o que se retira dos ditos esclarecimentos é que todos os peritos tiveram oportunidade de o fazerem, pelo que todos se pronunciaram com efetivo conhecimento daquilo que se discute.
Importa ainda afirmar que não vemos como a discordância técnica, devidamente explicada, como sucede no caso em apreço, possa ser apelidada de falseamento ou outra adjetivação análoga.
Não consideramos que do relatório pericial e dos seus esclarecimentos resulte em momento algum qualquer interesse por parte do perito do Tribunal relativamente a este litígio, pelo que é inquestionável, para nós, a sua isenção e credibilidade.
Acresce que houve pleno contraditório das partes relativamente quer ao relatório pericial, quer aos esclarecimentos posteriores dos peritos, estando devidamente plasmadas nos autos as posições das partes relativamente à perícia. Entendemos, assim, que não se verifica qualquer nulidade, nem se justifica realizar segunda perícia, estando devidamente espelhadas nos autos as diferentes opiniões técnicas possíveis sobre o objeto da perícia.
No mais, competirá ao Tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, tomar a decisão que se afigurar mais correta sobre os aspetos em discussão.

Quanto à junção do Acórdão criminal:
No Acórdão em causa foram condenados três arguidos, por terem conjuntamente falsificado documentos e cometido crimes de burla, no âmbito do Centro de Arbitragem P (…).
O falecimento do aí arguido J (…) extingue a sua própria responsabilidade criminal, mas não extingue a responsabilidade criminal dos demais arguidos.
Consideramos, deste modo, que o Acórdão em causa assume relevância para a boa decisão desta causa, pelo que deve permanecer nos autos, mais se ordenando que se oficie ao Processo id. a fls. 1598-v e segs., solicitando que sejamos oportunamente informados do trânsito em julgado do Acórdão”.
             
Inconformada, a Ré S (…) interpôs recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“A - Não foi realizada uma vistoria colectiva do imóvel a 3, sendo o perito da R. ignorado, sem qualquer justificação, para a vistoria inicial só feita a 2.
B - Não se realizaram quaisquer reuniões de trabalho para efeitos da perícia, envolvendo os 3 peritos, nem qualquer outro tipo de comunicação entre os três para discussão da matéria em questão.
C - O relatório acabou por ser apresentado com duas posições distintas, a do A e do T e por outro o da R.
D - Sendo que, se, não se fizeram reuniões a 3, para discussão das matérias e encontro de uma resposta única, mas foi encontrado um entendimento entre dois peritos, acerca de toda a matéria, à margem do conhecimento do terceiro (para darem uma resposta em conjunto).
E - Entendimento de dois peritos que logo se formou para feitos da vistoria do imóvel, sem conhecimento do terceiro.
F - Em momento que não haviam ainda matérias e análises técnicas para se perceber entre eles alguma tendência ou divergências de interpretação de quesitos.
G - Relatório que não apresenta quaisquer razões de divergência, como se estabelece no 484 nº 2 do CCP.
H - Relatório que não apresenta conclusões para nenhum dos quesitos.
I - Relatório que apesar de ter sido subscrito pelos 3 peritos um deles só se sente vinculado pelo que está sob o título Posição do perito indicado pela R.
J - Relatório em que se verifica não ter havido trabalho de coordenação.
K - Questão que o perito do tribunal afirmou ninguém lhe ter incumbido essa missão.
Nestes termos (…) deve: o (…) despacho que indeferiu a realização de uma segunda perícia (artigo 487º CPC) ser revogado, sendo ordenada a realização da referida diligência judicial, nos termos e com as legais consequências.
Contra-alegou o A., pronunciando-se, além do mais, e quanto às conclusões nos seguintes termos:
“Conclusões A, B, C e D:
Ao contrário da referida nestas conclusões, o motivo pelo qual não foi realizada uma vistoria colegial ao local resultou da impossibilidade de encontrar uma data em que todos pudessem estar presentes ao mesmo tempo – ponto 14.
Por esse motivo, foram realizadas vistorias separadas – ponto 16.
Efectivamente, embora se admitindo que tal fosse desejável, não existe uma qualquer norma legal ou, sequer regulamentar, que imponha vistorias com a presença obrigatória de todos os peritos.
No entendimento do perito nomeado pelo Tribunal, a ausência de reuniões conjuntas entre os peritos foi contrária à sua vontade. Pelo contrário, foi o mesmo que se esforçou no sentido de congregar os seus colegas para as referidas reuniões.
De qualquer forma, mesmo sem reuniões, os peritos trocaram entre si telefonemas e mensagens electrónicas através das quais foi possível a elaboração do Relatório, em termos devidamente fundamentados, apesar da divergência de opiniões entre os peritos nomeados pelo autor e pelo Tribunal, por um lado, e pelo perito nomeado pela ré, por outro lado. É por isso, falso que não tenha havido “qualquer comunicação” entre os peritos.
Conclusões E e F:
Resulta claro da troca de correspondência electrónica junta com os esclarecimentos do perito nomeado pelo Tribunal que houve diálogo entre os peritos, sendo certo que, a partir de determinada altura, ficou patente que havia uma divergência clara de entendimentos entre os peritos nomeados pelo autor e pelo Tribunal e o perito nomeado pela ré.
Resulta ainda do teor da referida troca de correspondência electrónica que terá sido o perito nomeado pelo autor quem adiantou a primeira visão do Relatório, à qual o perito do Tribunal veio a aderir posteriormente, tendo apenas realizado alterações e adaptações que não puseram em causa o draft inicial do seu colega.
Por seu lado, o perito da ré, não concordou, tendo vindo a fundamentar os motivos das suas divergências.
Conclusões G e H:
Ao contrário do referido na Conclusão G, os motivos de divergência entre os peritos encontram-se plenamente explanados no Relatório Pericial.
Quanto à conclusão H, importa referir que o Relatório Pericial não tem de apresentar conclusões para cada um dos quesitos. Tem apenas que responder justificadamente aos quesitos, como sucedeu (embora em termos divergentes entre os peritos, nos termos expressamente admitidos nos artigo 484º nº 2 do CPC) na Perícia sub judice, reservando-se a conclusão para a indicação do valor de mercado da loja (igualmente apurado em termos divergentes pelos peritos).
Conclusão I:
O recorrido desconhece os sentimentos do perito nomeado pela Ré. Sabe, no entanto, que o mesmo subscreveu o Relatório Pericial, assim o aceitando como co-autor nos precisos termos dele constantes. É verdade que o relatório contém expressas as suas divergências e os fundamentos invocados para as mesmas, mas tal não lhe permite invocar a posteriori um sentido de não vinculação ao Relatório que contribuiu para elaborar.
Só assim não seria, caso tivesse havido uma qualquer espécie de coacção para que assinasse contra a sua vontade, o que manifestamente não sucedeu, e de resto, nem sequer o referido perito – ou a ré que o indicou – o invocou.
Conclusões J e K:
Apesar de, efectivamente, ter referido que não foi chamado para exercer as funções de “Perito Presidente”, a verdade é que, nos esclarecimentos que prestou, o perito nomeado pelo Tribunal veio a confirmar que exerceu as funções de coordenação de relator – ponto 6 dos seus esclarecimentos.
Sendo certo que tais funções de coordenação foram asseguradas logo desde o início através do envio de mensagens electrónicas para os mandatários das partes para obter contactos dos seus colegas peritos – ponto 9”.

Também inconformada, a DC (…) interpôs recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1 - O Sr. Dr. J (…) faleceu na pendência do processo em causa, pelo que o respectivo procedimento criminal ter-se-á extinguido, no que a si diz respeito;
2 - A decisão judicial em causa não transitou em julgado;
3 - O objecto do processo do qual foi extraída a certidão não tem qualquer relação com o objecto dos presentes autos, nem no que diz respeito às partes, nem no que diz respeito aos imóveis em causa ou a qualquer outro título;
4 - Em processo civil, mostra-se necessário para a admissibilidade de um meio de prova, designadamente de determinado documento, que o mesmo seja relevante para a boa decisão da causa, não sendo o direito à prova um direito absoluto das partes;
5 - Deve sempre aferir-se se um documento que se pretende apresentar como meio de prova é pertinente e necessário para a boa decisão da causa e para o apuramento da verdade material;
6 - O artigo 130º, do CPC, proíbe a prática de actos inúteis;
7 - O artigo 413º, do CPC, determina que só são atendíveis provas relevantes;
8 - Sendo que o artigo 423º, do CPC, deixa claro que só são considerados relevantes os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa;
9 - Pelo que o douto despacho recorrido viola o que dispõem os artigos 130º, 413º e 423º do CPC;
10 - Sendo absolutamente inócuo e irrelevante para a descoberta da verdade material neste processo, o documento que é constituído pela certidão do Acórdão em análise, deve, em consequência, ser desentranhado (…)”.
Respondeu o A. pugnando pela pertinência da junção do documento em causa, alinhando que o que se pretende provar “é a falsidade do funcionamento do centro P (…), e das sentenças ali fabricadas, com o intuito de prejudicar terceiros” (…) e por isso “não releva tanto quem foi condenado, e se (…) faleceu ou não, mas o modus operandi do Centro, minuciosamente descrito no Acórdão (…)”
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
1 – No recurso interposto pela S (…) Ldª, saber se devia ter sido ordenada a realização de segunda perícia;
2 – No recurso interposto pela DC (…) Ldª, saber se não devia ter sido admitida a junção aos autos da certidão do Acórdão Criminal já referido.

III. Matéria de facto
A constante do relatório que antecede.

IV. Apreciação
1 - Recurso da S (…) Ldª:
Devia o tribunal ter ordenado a realização de segunda perícia?
Dispõe o artigo 388º do Código Civil: “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Dispõe o artigo 389º do Código Civil: “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
Nos termos do artigo 480º nº 1 do CPC: “Definido o objecto da perícia, procedem os peritos à inspecção e averiguações necessárias à elaboração de relatório pericial”.
Nos termos do artigo 484º do CPC: “1. O resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto. 2. Tratando-se de perícia colegial, se não houver unanimidade, o discordante apresenta as suas razões”.
Dispõe o artigo 485º do CPC: “2. Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações. 3. Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado”.
Sobre segunda perícia dispõe o artigo 487º do CPC: “1. Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. (…) 3. A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”.
Dispõe ainda o artigo 488º do CPC que “A segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira com as ressalvas seguintes: a) Não pode intervir na segunda perícia perito que tenha participado na primeira; b) Quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela”.
Finalmente, segundo o artigo 489º do CPC: “A segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal”.
O que decorre, em termos gerais, deste quadro legislativo é o seguinte: quando o tribunal não tenha os conhecimentos especiais que o habilitem a decidir uma determinada questão de facto, socorre-se de peritos, isto é, de pessoas que têm esses conhecimentos especiais. Porém, em última análise por determinação da separação de poderes e por cometimento da função jurisdicional aos tribunais, a última palavra, em termos de decisão, é do julgador. Evidentemente não é uma última palavra arbitrária, porque toda a decisão judicial é fundamentada, e isso significa que o julgador terá então de fundamentar a razão pela qual se afasta do laudo, singular ou maioritário, daqueles que têm os conhecimentos específicos para determinar uma ocorrência real.
Vem isto a dizer também que conforme o tipo de questão que é colocada ao perito assim o julgador tem de fundamentar melhor ou mais simplesmente, a razão pela qual se afasta do laudo pericial. Se a perícia procura determinar porque razão derrocou determinada estrutura rodoviária, quais são as sequelas concretas na saúde de alguém em consequência dum acidente, ou o que é que realmente aconteceu em operações financeiras internacionais complexas, a livre apreciação do julgador mantém-se, como princípio, mas a sua margem, ou melhor, o esforço  –  e que é um  esforço de conhecimento alternativo ou de conhecimento de conhecimentos de base que possam ter faltado aos peritos – que terá de fazer para se afastar do laudo pericial é muito maior. Pelo contrário, se o objecto da perícia é saber qual é o valor de mercado de determinada loja, em dada altura, e em função das valências possíveis da mesma, a possibilidade do julgador se afastar do laudo é bastante mais simples.
Mas a prova pericial submete-se à livre apreciação do julgador apenas por essa questão formal de separação de poderes e organização de meios, ou há explicações adicionais? Há que considerar adicionalmente duas possibilidades evidentes: - em primeiro lugar, por regra, haverá vários especialistas para responder aos objectos de perícia (dificilmente temos apenas um engenheiro financeiro que seja o único a conseguir explicar a nível mundial determinada operação, e se existir também dificilmente teremos acesso a ele, e à sua boa colaboração com a Justiça), e em segundo lugar, e apesar dos compromissos de honra, existe sempre a hipótese ou dum laudo não isento ou dum laudo contaminado por uma perspectiva de abordagem científica ou técnica menos correcta ou por uma deficiência de conhecimento especializado do próprio perito.
Estas possibilidades explicam assim o regime da perícia singular/colegial e da segunda perícia – e quanto a esta, isto é evidente, tanto que o laudo da segunda perícia se acumula ao da primeira – e ao mesmo tempo desvendam a intenção legislativa na autorização deste meio de prova: ao julgador, a quem compete decidir, o que realmente lhe interessa saber, por quem mais sabe de determinado assunto, sobre esse assunto – e lhe interessa de modo puro – é a pluralidade de pareceres. Quanto mais técnicos se pronunciarem sobre um aspecto técnico, mais habilitado fica o julgador. Por isso, ao julgador é indiferente que não exista uma opinião unânime. Os peritos não têm portanto de se esforçar eternamente por chegar a um acordo, como condição de validade da prova pericial, podendo fazer constar do relatório pericial as suas divergentes posições e justificando-as, ou seja, habilitando o tribunal a perceber com que fundamentos e porque razões opinam no sentido que opinam.     
Dizer ainda que não resulta da lei que na perícia colegial exista, seja nomeado, ou haja de existir um presidente, um coordenador, nem mesmo um relator, e isto por uma razão óbvia de organização: - conforme as possibilidades que cada perito tiver, assim poderá assumir a parte dos contactos, da marcação da vistoria, das reuniões, da redacção do relatório, não tendo essas funções de caber necessariamente ao perito nomeado pelo tribunal. E não é verdade, contrariamente ao que se diz no corpo das alegações, que o trabalho de grupo exija necessariamente um dirigente.
Mesmo a terminar, referir ainda que, nos termos do artigo 486º do CPC, quando alguma das partes o requeira ou o tribunal o decida oficiosamente, os peritos comparecem em audiência final, pelo que quaisquer dúvidas que não tenham sido dissipadas na fase de esclarecimentos – que de resto não está previsto que seja apenas uma única fase, nada obstando a que um esclarecimento pouco esclarecedor não seja alvo de novo pedido de esclarecimento – podem vir a sê-lo em fase de julgamento.
E ainda, importa referir que, em aplicação da regra geral da consequência da nulidade, o resultado da nulidade duma perícia ou da nulidade do relatório pericial não é a realização de uma segunda perícia, mas a repetição da primeira perícia ou do primeiro relatório, sem comissão ou omissão dos vícios que inquinaram a primitiva.
A possibilidade de pedir uma segunda perícia não se põe como uma alternativa aos esclarecimentos a pedir aos peritos que participaram na primeira perícia. O artigo 487º do CPC, no seu nº 1, exige a alegação fundada das razões de discordância relativamente ao relatório apresentado, supondo, melhor pressupondo, que os primeiros peritos já não vão mudar de posição, e supondo, melhor pressupondo, que o que os primeiros peritos dizem é de todo inaceitável, por inexacto, ou seja, o requerimento de segunda perícia não pode destinar-se a salvar a posição de qualquer dos primeiros peritos – que aliás nem pode participar na segunda perícia – e por isso, quando temos num relatório pericial posições divergentes dos peritos, o que o requerimento de segunda perícia significa é que nenhuma das posições desses peritos, mesmo a ou as divergentes, são exactas – o que o requerente da segunda perícia tem de fundamentar – e por isso é preciso fazer segunda perícia com outros três peritos. Dalgum modo evidencia-se aqui que nunca pode estar em causa, no requerimento de segunda perícia colegial, o prejuízo de defesa de uma das partes, pois para a segunda perícia ser admissível é necessário que, de modo total – seja na versão unânime seja em versões divergentes – se verifique a inexactidão do relatório (e recorde-se que no caso dos autos existe apenas um relatório, subscrito pelos três peritos).
Postas estas notas em geral sobre a prova pericial, importa dizer ainda que a questão da nulidade da perícia, a estender-se ao próprio relatório, ficou definitivamente arrumada pelo despacho proferido em 17.10.2017, sendo que o recurso ora sob apreciação e que é o primeiro interposto depois desse despacho, deu entrada em 05.02.2018. O mesmo se diria até da questão da segunda perícia também requerida e também objecto desse despacho. Mas, podendo entender-se que, prestados os esclarecimentos pelos peritos, conforme ordenado na parte final do despacho de 17.10.2017, se obtém um novo campo de materialidade face ao qual a Ré pode renovar a pronúncia e reinsistir na nulidade e na necessidade de segunda perícia, renovação que estende até ao presente recurso, por via do novo indeferimento proferido no despacho de 11.01.2018.
Recordemos que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, sendo também instrumentalmente delimitado, por via da proibição de actos inúteis constante do artigo 130º do CPC, pelos termos do pedido formulado a final do recurso.
Dizer então que, em todo o caso e em decorrência do que dissemos quanto à preclusão da primeira invocação de nulidade e pedido de segunda perícia, não tem razão a recorrente quando diz, no número 28 do corpo da alegação, que se permite “agora discordar da decisão proferida pelo tribunal “a quo”.
Dizer que, no que diz respeito a tudo o que alega quanto a vícios da primeira perícia (conclusões “A - Não foi realizada uma vistoria colectiva do imóvel a 3, sendo o perito da R. ignorado, sem qualquer justificação, para a vistoria inicial só feita a 2; B - Não se realizaram quaisquer reuniões de trabalho para efeitos da perícia, envolvendo os 3 peritos, nem qualquer outro tipo de comunicação entre os três para discussão da matéria em questão; C - O relatório acabou por ser apresentado com duas posições distintas, a do A e do T e por outro o da R.;   D - Sendo que, se, não se fizeram reuniões a 3, para discussão das matérias e encontro de uma resposta única, mas foi encontrado um entendimento entre dois peritos, acerca de toda a matéria, à margem do conhecimento do terceiro (para darem uma resposta em conjunto); E - Entendimento de dois peritos que logo se formou para feitos da vistoria do imóvel, sem conhecimento do terceiro; F - Em momento que não haviam ainda matérias e análises técnicas para se perceber entre eles alguma tendência ou divergências de interpretação de quesitos; G - Relatório que não apresenta quaisquer razões de divergência, como se estabelece no 484 nº 2 do CCP; H - Relatório que não apresenta conclusões para nenhum dos quesitos; I - Relatório que apesar de ter sido subscrito pelos 3 peritos um deles só se sente vinculado pelo que está sob o título Posição do perito indicado pela R.; J - Relatório em que se verifica não ter havido trabalho de coordenação;      K - Questão que o perito do tribunal afirmou ninguém lhe ter incumbido essa missão), ou seja, no que diz respeito a todas as conclusões do recurso, interessaria à nulidade da perícia e do relatório pericial e teria como consequência a repetição da perícia pelos mesmos peritos, o que porém não é pedido no recurso porquanto o pedido final nele feito é, e repetimos “Nestes termos (…) deve: o (…) despacho que indeferiu a realização de uma segunda perícia (artigo 487º CPC) ser revogado, sendo ordenada a realização da referida diligência judicial, nos termos e com as legais consequências”. Donde, é inútil, e como tal proibido a este tribunal, pronunciar-se sobre a nulidade da perícia ou do relatório pericial.
Ora, afastadas as deficiências procedimentais, nem sequer podemos converter as restantes deficiências que a recorrente, no corpo da alegação, aponta ao relatório, as contradições entre os peritos, os diferentes modos como entenderam os quesitos, para já não falar nos aspectos que nem sequer necessitam de conhecimentos especiais, como a área e a localização – e ficando sempre salvo ao tribunal recorrido proceder a uma inspecção ao local – e saber se na mesma rua do mercado não é o mesmo que dizer na periferia do mercado, em fundamentos de discordância por inexactidão do relatório que devessem justificar se determinasse a realização de segunda perícia, porque em bom rigor a recorrente nada aponta ao seu perito, tudo se resumindo portanto, no fundo, a uma discordância relativamente ao laudo maioritário, que, sustenta, a impede de se defender. Para justificar uma segunda perícia era necessário que, para a própria recorrente, até mesmo o trabalho e conclusão do seu perito não fosse aceitável.
Renova-se que esses aspectos que merecem a discordância da Ré já foram por ela expressos e que podem voltar a ser expressos, não só perante os próprios peritos se forem convocados para a audiência, como em alegações finais perante quem, no fim, terá o dever de apreciar as apontadas deficiências. E mais se renova que o objecto da perícia não é de tal modo complexo que suponha conhecimentos que o julgador não tenha qualquer hipótese de ter, e que suponha que seja de todo impossível ao julgador avaliar as divergências de posição, de interpretação e de raciocínio de todos os peritos.
Em conclusão, de modo algum se justifica ordenar a realização de uma segunda perícia, pelo que improcede o recurso.
Tendo decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

2 – Recurso da DC (…) Ldª:
Concorda-se que não se podem praticar no processo actos inúteis, que a produção de meios de prova não é ilimitada, antes deve reportar-se à prova dos factos relevantes para a decisão da causa que integram os fundamentos apresentados pelas partes.
Porém, o despacho sob recurso foi particularmente cauteloso: - prevenindo, com toda a razoabilidade, em função do tempo em que foi proferido, a ocorrência do trânsito em julgado do referido acórdão criminal, cuidou de garantir que fosse providenciado pelo conhecimento desse trânsito. Portanto, não é óbice à junção, o facto do acórdão não ter transitado, pois poderia vir a transitar até à data em que o mesmo viesse a ser considerado para a decisão da matéria de facto nestes autos.
O procedimento criminal contra o arguido J (…) extinguiu-se pela sua morte, e o tribunal recorrido e bem, entendeu que isso não implicava com a responsabilidade dos demais arguidos, nem, dizemos nós, punha em causa os factos relativos ao próprio arguido J (…). Na verdade, a extinção do procedimento criminal não apaga a prática dos factos, estes não deixaram de se verificar no mundo da realidade concreta, apaga sim a responsabilidade do arguido. Ora, porque a existência dos factos persiste, eles fazem parte do mundo que pode ser conhecido para habilitar outro tribunal a proferir outro tipo de decisão em que a responsabilidade pessoal do arguido não esteja em causa.
Como bem refere o recorrido, se a recorrente assenta o seu direito, que opõe à pretensão do recorrido em obter do tribunal declaração que lhe constitua direito idêntico, na condenação da Ré no cumprimento de um contrato de permuta, condenação essa resultante de sentença arbitral proferida por um, na versão do recorrido e Autor, suposto tribunal que nunca teve existência legal, antes constituiu um mecanismo fraudulento, o conhecimento da actividade desse “tribunal arbitral” interessa tanto à recorrente, como fundamento do direito que invoca nos autos contra o recorrido, como ao recorrido, como fundamento do seu próprio direito a obter a execução específica do contrato promessa.
Portanto, e porque como consta dos factos provados do referido acórdão – e independentemente da sentença fundamentadora do direito da recorrida não ser nele analisado – que “1. O arguido J (…) foi professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, regendo a cadeira de Processo Civil; 2. Paralelamente, exercia a profissão de advogado (…); (…) 4. Especializou-se na área do Direito Civil e, dentro desta, em matéria relacionadas com empresas em situação económica deficitária e na protecção do património destas e dos seus sócios; 5. Em resultado da sua experiência como advogado (…) e dos conhecimentos que então dispunha na área do Direito Civil e do Direito Processual Civil, foi-se apercebendo de que, para o exercício daquela actividade, na área em que se estava a especializar, seria importante e lucrativo deter o controlo de um Centro de Arbitragem; 6. Tal Centro poderia servir-lhe para satisfazer interesses dos seus clientes, designadamente, para formalizar negócios jurídicos simulados que lhe permitiram, muitas das vezes, ocultar o património das empresas a quem prestasse serviço; 7. Esse mesmo Tribunal serviria ainda para, no âmbito de litígios de natureza cível, produzir decisões favoráveis a clientes seus, sem que as mesmas tivessem sido antecedidas de produção de prova ou de quaisquer outros procedimentos prescritos pela lei para um processo arbitral; 8. Essas mesmas decisões forjadas à medida dos interesses do cliente, destinar-se-iam, posteriormente, a servir como documentos suporte para registo de negócios jurídicos inexistentes; (…) 13 Foi assim com esta finalidade que, a coberto da P (…) – Centro de Estudos Processuais Civis e Jurisdição, e do nome da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, veio a criar um Centro de Arbitragem, que designou por P(…); 14. Em nome deste Centro fez produzir um número indeterminado de decisões arbitrais para satisfazer os interesses dos seus clientes”, (sublinhado nosso com o qual se afasta a argumentação da falta de relação, a qualquer título, com o caso dos autos) parece mais que evidente que a junção aos autos do acórdão se revela do maior interesse para a decisão das pretensões contraditórias da recorrente e do recorrido, enquanto um dos elementos de prova que permitem caracterizar a produção do referido Centro, do qual foi emanada a sentença com base na qual a recorrente inscreveu a seu favor a propriedade que o recorrido pretende ver declarada a seu favor, pelo tribunal em substituição da promitente vendedora.
Não se encontra então no despacho recorrido qualquer violação dos artigos 130º, 413º e 423º do CPC, e improcede o recurso.
Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento a ambos os recursos e em consequência confirmar integralmente a decisão recorrida.
Custas de cada recurso por cada recorrente.
Registe e notifique.


Lisboa, 20 de Dezembro de 2018

Eduardo Petersen Silva

Cristina Neves

Manuel Rodrigues

Processado por meios informáticos e revisto pelo relator