Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19636/15.9T8LSB.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: –Nos termos do art. 1091º nº 1 a) do Código Civil, na redacção dada pelo NRAU, em caso de venda de prédio não constituído em propriedade horizontal, não assiste ao arrendatário de um fogo de tal prédio qualquer direito de preferência, quer em relação à totalidade do prédio quer em relação à parte locada.
–Actualmente, o direito de preferência do arrendatário circunscreve-se ao caso de prédio constituído em propriedade horizontal, dispondo o arrendatário de uma das fracções autónomas do direito de preferência em caso de venda ou dação em cumprimento dessa mesma fracção.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


M, Lda., instaurou a presente acção de processo comum contra AR e Outros ainda contra I, Lda e H, Lda.
 
Pedindo:
A declaração que a A é arrendatária do R/C do prédio sito no B... -R, em Lisboa com a condenação de todos RR no reconhecimento respectivo;
A declaração de ter a A direito de preferência na alienação, pelos 1° a 24° RR a favor da 25a R, do prédio sito no B...- R, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...° daquela freguesia e - depositado que seja o preço respectivo, acrescido do correspondente IMT, imposto de selo e das despesas de escritura - adjudicando-se o mencionado prédio à A preferente, por substituição da 25a R pela A, na escritura de transmissão (compra e venda), realizada em 10/04/2015;
A não se entender assim, e subsidiariamente,                                                                                                              
A declaração de ter a A direito de preferência na alienação, pela 25a co-R a favor da 26a R, do mesmo prédio sito no B...- R, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...° daquela freguesia e - depositado que seja o preço respectivo, acrescido do correspondente IMT, imposto de selo e das despesas de escritura, adjudicando-se o mencionado prédio à A preferente, por substituição da 26a R pela A, na escritura de transmissão (compra e venda), realizada em 10/04/2015.

A A alega, em síntese, o seguinte:
A A é arrendatária de uma loja do prédio sito no B...- R, em Lisboa, o qual está inscrito na matriz sob o art. ...° da freguesia de S...M...M... e descrito na C.R.P. de Lisboa sob o nº ....
Ora, esta descrição predial, submetida a um único número, é constituída por dois prédios autonomizados com diferentes artigos matriciais. Com efeito, o segundo prédio aí incluído corresponde ao nº 1 e 3 do B...- R, em Lisboa inscrito na matriz sob o art, ...°.
A A, foi notificada pelos proprietários do imóvel (1° a 24° RR), por carta de 24/03/15, para exercer o direito de preferência na venda do mesmo nos termos do art. 1091° nº 1 a) do C.C.  Nessa carta foi junta a proposta de compra e venda da totalidade do prédio urbano sito no B...- R, em Lisboa Contudo os proprietários não fizeram constar na carta que sobre os dois prédios pendia o ónus de inalienabilidade, registo efectuado pela CML para garantia do pagamento da quantia de € 377.679,33 nos termos do art. 14° do DL nº 329-G/2000 de 22/12, ónus esse que se mantinha em vigor. Nessa proposta consta um preço único.
Ora, os proprietários negociaram com a 25a R a venda de dois prédios independentes e com preços distintos. Aliás, na escritura constam dois preços de € 230.000,00 cada.
A A, por carta de 30/03/15,  dirigida aos proprietários disse pretender exercer o direito de preferência apenas quanto ao prédio onde se situa o locado solicitando que lhe fosse comunicado o preço e ónus e encargos que recaiam sobre o prédio, nomeadamente à dívida registada quanto ao ónus de inalienabilidade constituído a favor da CML.
Os 1° a 20° RR responderam, por carta de 06/04/15, mas não esclareceram as dúvidas quanto aos ónus, nem informaram o preço. Nessa carta não invocam qualquer prejuízo para uma venda separada dos dois blocos.
Também os prédios eram e são fisicamente autónomos.
Os proprietários, ao não indicarem o preço e os ónus pretenderam impedir a A de exercer o direito de preferência que lhe assiste.
              
Em  10/04/15  os 1 ° a 24° RR celebraram escritura de compra e venda dos dois prédios com a 25a R pelo preço global de € 460.000,00 e, nesse mesmo dia, esta celebrou escritura de compra e venda dos dois prédios com a 26a R pelo preço global de € 800.000,00.
A A nem sequer foi notificada desta segunda venda.
Caso não proceda o reclamado exercício do direito de preferência pela primeira venda a A terá direito de preferência sobre o mesmo prédio pelo valor de € 400.000,000.
Junto da autoridade tributária, para efeitos de pagamento de IMT e imposto de selo, as 25° e 26º RR declararam os valores patrimoniais de cada prédio constante da certidão matricial.
Procedeu ao depósito de € 429.000,00, quantia que inclui preço, IMT, imposto de selo, valor da escritura, despesas registrais.
 
A 26ª Ré CONTESTOU dizendo o seguinte:
O projecto de venda apresentado respeita a um único prédio com os nºs de polícia nº 1, 3, 5, 7 e 9, correspondente a uma única descrição feita e existente na C.R.Predial. Só este prédio físico tem autonomia jurídica. O direito de preferência previsto no art. 47° do RAU tem como objecto o prédio em propriedade total e não parte do prédio. Assim, inexiste o direito de preferência da A sobre parte do prédio, quer quanto à 25ª R, quer quanto à 26ª R.
Em RECONVENÇÃO  refere que a A, ao invocar um direito que sabe não possuir, causa grave prejuízo à 26ª R. Com efeito, com a instauração da presente acção esta R cessou os esforços com vista à reabilitação do prédio pelo que não o arrendou para fins turísticos como pretendia sendo que tinha a expectativa de auferir € 100,00/dia por apartamento (há 9 apartamentos). Acresce que despendeu a quantia de € 46.964,75 de IMT.
Termina pedindo a condenação da A no pagamento de € 46.964,75 acrescida de indemnização de € 900 por dia desde a citação até à sentença.
 
Os 1 ° a 24° RR CONTESTARAM dizendo o seguinte:
Da certidão do registo predial resulta que existe uma única descrição de um prédio em propriedade total, prédio esse composto por dois blocos contíguos e interligados no seu interior, dotados de um frente comum para o B...- R, correspondendo a cada prédio um artigo matricial distinto.
                                                                                                     
No caso em apreço, pelo menos, desde  08/07/1911 que a descrição na C.R.Predial do prédio sito em Lisboa, B...- R, em Lisboa está submetida a um único número de registo (actualmente 2.../1.........9). Na data referida, por determinação do mesmo dono, procedeu-se à anexação jurídica dos dois prédios contíguos.
O R/C e Lojas do prédio têm acesso directo para o exterior, sendo o acesso aos andares superiores feito exclusivamente pelo nº 3 do B...- R através de escada interior que serve os dois blocos que forma o prédio. O prédio tem igualmente logradouro a tardoz de uso comum. Este prédio foi, no seu todo, objecto de um programa de execução de obras coercivas municipais ao abrigo do Programa RECRIA/REHABITA nos anos de 1996/1997 e seguintes.

Assim, passou a formar uma unidade social, económica e física e consequentemente jurídica distinguindo-se dos dois prédios que originariamente existiram e que foram anexados.

O facto de haver duas inscrições na matriz não releva em vista do direito ao exercício de um suposto direito de preferência do A circunscrito a uma parte do prédio. Esta apenas podia ter exercido o direito de preferência quanto ao todo.

No que concerne à alegada omissão na carta dos proprietários do ónus de inalienabilidade não assiste razão à A uma vez que, no contrato promessa e compra e venda junto a tal carta, consta"(... ) livre de ónus, encargos e responsabilidade de qualquer natureza
(...). Acresce que a A, na sua carta de resposta, e em correspondência anterior, resulta que sabia da existência da dívida à CML e ónus registado. Tal ónus nunca seria uma impossibilidade originária definitiva da prestação de venda nas específicas e determinadas condições a que os RR se obrigaram uma vez que o pagamento tinha que ser feito até à escritura. A não referência a tal ónus não tem relevância jurídica. Pelos 1° a 24° RR foi cumprido o disposto no art. 416° do C.C., i.e., a comunicação foi completa, válida e eficaz pelo que, não tendo exercido a preferência, caducou este direito da A.

Os 1° a 24° RR nunca negociaram com a 25a R a compra e venda de dois prédios independentes e por preços distintos, como, aliás, não negociaram anteriormente com a A, nem o podiam fazer porque existe um prédio uno e indiviso.

O critério físico (natural) da coisa e a sua função prevalece sobre a distinção fiscal ou matricial.

A lógica de repartição rigorosa de metade do preço do negócio projectado e executado não faria qualquer sentido caso fossem dois prédios distintos uma vez que os valores patrimoniais tributários são diferentes.

Por fim, a A não depositou a totalidade do preço pelo que caducou o seu direito de preferir.

Termina pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções peremptórias de caducidade do direito da A por não ter exercido o seu direito de preferência e por não ter depositado a integralidade do preço com a consequente absolvição do pedido.
                                                                                                    
A 25ª RÉ NÃO CONTESTOU.

A A RESPONDEU às excepções deduzidas pelos 1° a 24° RR dizendo:
A A depositou em prazo o preço e as despesas sendo que a questão suscitada nada tem a ver com caducidade, mas com a questão de fundo. As finanças comunicaram à Conservatória do Registo Predial para efeitos de registo a existência de dois prédios, o que deveria ter conduzido à existência de duas descrições incumbindo àquela proceder oficiosamente à harmonização entre inscrições e descrições nos termos do art. 59º-A e 79° nº 1 do Código de Registo Predial, o que não foi feito por razões que se desconhecem.
O caracter unitário do prédio resulta da opção do proprietário e não das características físicas dos dois prédios.
Aquando das negociações entre A e 1° a 24° RR nunca os primeiros souberam o valor da dívida à CML.

Realizou-se o julgamento, vindo a ser proferida sentença declarando que a Autora é arrendatária do R/C com os nºs 5, 7 e 9 do prédio em propriedade total sito no B...- R, em Lisboa e condenando os RR a reconhecerem tal direito da Autora.
No mais julgou a acção improcedente, absolvendo os RR dos pedidos e julgo improcedente a reconvenção absolvendo a Autora do respectivo pedido.

Foram dados como provados os seguintes factos:
1.– A A. é arrendatária do rés-do-chão do prédio urbano, em propriedade total, sito no B...- R, em Lisboa inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...° da freguesia S...M...M... (anteriormente inscrito sob o artigo 73° da freguesia do C...) e descrito na C.R.Predial de Lisboa, freguesia do C..., sob o nº ...1/1..........9.
2.– A A é arrendatária desde 06/03/1961.
3.– Na C.R.Predial de Lisboa, freguesia do C..., sob o n° 2.../1..........9, mostra-se descrito o prédio urbano sito no B...- R, em Lisboa com a área total de 275 m2, área coberta de 158 m2, área descoberta de 117 m2, composto por dois blocos:
- Rés-do-chão com loja e 3 andares, com os nºs 1 e 3, com a área total e coberta de 74m2 - Artigo 104° da freguesia S...M...M... (antigo artigo 72° da freguesia do C...);
- Rés-do-chão com loja, armazém inferior e saguão, 2 andares e mansarda, com os nºs 5, 7 e 9, com a área coberta de 49m2, logradouro com 117 m2 e armazém com 35m2 - Artigo 105° da freguesia S...M...M... (antigo artigo 73° da freguesia do C...).
                                                                                                  
4.– Por carta registada com aviso de recepção, datada de 24/03/15, recebida em 25/03/15, os proprietários do prédio, sob o "Assunto: Comunicacão Para Exercício de Preferência" fizeram constar os seguintes dizeres:
"Exmo Senhor,
Remetemos a presente carta sobre o assunto referenciado na qualidade de V.exa. de arrendatário (habitação) do 2° andar direito do nº 3 do nosso supra identificado prédio.
Para efeitos do eventual exercício por parte de VExa do correspondente direito de preferência apresenta-se o PROJECTO/PROPOSTA de compra e venda do referido PRÉDIO por terceiro, como segue:
OBJECTO DO NEGÓCIO: compra e venda da totalidade do prédio urbano supra identificado, sito no B...- R, em Lisboa TERCEIRO COMPRADOR: a sociedade comercial denominada "IMPORTANTAL TURA UNIPESSOAL, LDa, com o NIPC e de matrícula na CRC de Lisboa 513286322, com o capital social de  100 000,00 (cem mil euros) e sede social na Rua D, em Lisboa
PREÇO GLOBAL DE COMPRA E VENDA: 460.000,00 (quatrocentos e sessenta mil euros).
CONDIÇÕES DE PAGAMENTO   DO PREÇO GLOBAL DE COMPRA E VENDA: o preço global de compra e venda do prédio deverá ser pago na totalidade aos vendedores no dia da realização da respectiva escritura pública mediante cheque visado ou bancário. ESCRITURA PÚBLICA: a escritura pública de compra e venda será outorgada no dia 10 de Abril de 2015  às 10h00 no cartório notarial da Dra M... R..., sito na E... L... nº...-..., em Lisboa.
Caso V.Exª pretenda exercer o direito à celebração nas citadas condições de projecto do contrato de compra e venda do identificado prédio, substituindo-se no negócio àquele terceiro comprador, deverá declarar aceitar ou não a referida proposta de contrato dentro do prazo máximo de oito dias (art. 416º do CC), enviando-nos nesse mesmo prazo os seus elementos identificativos" (. .. )
5.– Nesta carta não se faz referência à existência de um ónus de inalienabilidade registado pela Ap. N° 1856 de 2013/09/17, a favor do Município de Lisboa, para garantia do pagamento de € 377.679,33 nos termos do art. 14° do DL nº 329-C/2000 de 22/12.
6.– Por carta registada com A/R, datada de 30/03/15, enviada pela A à co-R MR, aquela fez constar:
"(,   .. ) Ora, como certamente sabe, a M, Lda é arrendatária do rés-do-chão (loja) do imóvel sito B...- R, nºs 5, 7 e 9, em Lisboa, a que corresponde o número de matriz artigo nº ... (ex-73)- e não do andar direito do nº 3 do "PRÉDIO" referido naquela carta (?).
Por conseguinte,  a M, Lda nada tem a ver com o prédio contíguo (artigo da matriz 104 (ex-72) da mesma rua e cidade.
                                                                                                   
Como tal,e porque a carta foi remetida à sociedade,e a mim próprio, enquanto sócio gerente, alude o exercício do direito de preferência, venho por este meio transmitir o seguinte:
1.-Pretendo exercer  o direito de preferência, enquanto arrendatário da loja a que corresponde o rés-do-chão do prédio em regime de propriedade total, sito B...- R,  a que correspondem os números 5, 7 e 9 em Lisboa, com o artigo de matriz nº ... (ex-73);
2.-Para tal,  e para que possa, querendo, exercer efectivamente o direito de preferência que me assiste, repita-se, enquanto inquilino daquele imóvel, é indispensável e exigível que me seja informado quem, quando e por que preço de venda deve ser exercido o aludido direito de preferência.
3.-Mais, nada é referido,   e é indispensável que a proposta, a considerar no exercício do direito de preferência, aluda aos termos exactos do preço, ónus e encargos que recaem sobre o prédio sujeito à preferência, nomeadamente, no que respeita à divida registada quanto ao ónus de inalienabilidade constituído a favor da Câmara Municipal de Lisboa (. .. )”.

7.–Por carta datada de 06104/15 os 1º a 24º RR responderam à carta que receberam da A datada de 31/03/15 nos seguintes termos:
"( ...)Conforme já era anteriormente e é do conhecimento de Vexa. e constava daquela carta, o projecto de venda apresentada respeita a 1 (um) único prédio urbano, correspondente a 1 (uma) única descrição feita e existente na Conservatória do Registo Predial de Lisboa (freguesia do C...) sob a ficha nº 2.../1..........9 (e em livro sob o antigo nº 5704 do Livro 8-25).
Àquele  mesmo prédio respeitam na sua integralidade os correspondentes números de polícia 1, 3, 5, 7 e 9, sendo o mesmo composto por 2 (dois) blocos:
(. . .)
Ora, como é sabido  a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios, sendo de cada prédio feita uma descrição distinta, devendo no seguimento da descrição do prédio ser lançadas as inscrições ou as correspondentes cotas de referência.
O extracto da descrição deve conter, designadamente, como sucede no caso, a situação matricial do prédio expressa pelo artigo da matriz, definitivo ou provisório, ou pela menção de estar omisso.
E cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é, por seu turno, considerado separadamente na inscrição matricial,  a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.
Precisamente  o que também sucede no caso em apreço em que, havendo embora uma única descrição matricial, subsistem duas inscrições matriciais distintas tendo em conta a respectiva composição do prédio em dois blocos constituídos por unidades de diferente tipologia e finalidade e susceptíveis de utilização independente (...)
                                             
Pelo que  se anota que V.exa. não aceitou a proposta apresentada e renunciou formal e legalmente ao exercício do direito de preferência que lhe assistia e foi comunicado (. . .).

8.– Em 10/04/15 os 1° a 24° RR celebraram com "I, Lda., ora 25ª R, no Cartório Notarial de M... R..., escritura de compra e venda dos dois prédios, ou seja, do prédio sito nos nºs 1-3, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 104 da freguesia de S...M...M... (anterior art. 72 da freguesia do C...) e do prédio sito nos nºs 5-7-9, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... igualmente da freguesia de S...M...M... (anterior art. 73 da freguesia do C...), ambos localizados B...- R, tendo declarado um preço global de € 460.000,00.
9.– Junto da autoridade tributária, para efeitos de pagamento do IMT e do imposto de selo, os 1 ° a 24° RR e a 25ª R I, Lda. declararam os valores atribuídos por ambas a cada um dos prédios - € 230.000,00 para cada.
10.– No mesmo dia, no mesmo Cartório Notarial, a 25ª R, I, Lda. celebrou com a 26ª R, H, Lda escritura de compra e venda dos mesmos prédios, tendo declarado um preço global de € 800.000,00.
11.– Junto da autoridade tributária, para efeitos de pagamento do IMT e do Imposto de selo, as 25° e 26º RR declararam os valores atribuídos por ambas a cada um dos prédios - € 400.000,00 para cada.
12.– A A depositou à ordem destes autos a quantia de € 429.900,00.
13.– A 25ª Ré I, Lda. não pagou IMT por estar isenta nos termos do art. 7° do CIMT.
14.– A 25ª R I, Lda. pagou a quantia de € 3.680,00 a título de imposto de selo.
15.– A 26ª R H, Lda tem como objecto social, entre outros, a exploração turística de apartamentos e imóveis, compra e venda de imóveis, arrendamento, construção para reabilitação e revenda.
16.– A 26ª R pagou de IMT a quantia de € 46.964,7.
17.– E pagou de imposto de selo a quantia de € 6.400,00.
18.– Desde, pelo menos 08/07/1911, que o prédio sito B...- R, está submetido a uma única descrição na C.R.Predial.
19.– Os prédios tem uma utilização mista, i.e., habitação e comércio.
20.– O prédio foi, no seu todo, objecto de um programa de execução de obras coercivas municipais ao abrigo do Programa RECRIA/REHABITA.
21.– Na carta referida em 4 (d) constava o projecto de negócio em causa, i.e., contrato-promessa onde, na Cláusula 2ª do mesmo
consta o seguinte:                                                                                                      
"Cláusula Segunda
(Promessa de Compra e Venda)
Pelo presente Contrato, os Promitentes Vendedores prometem e obrigam-se a vender à Promitente Compradora, que promete e obriga-se a comprá-lo àqueles, livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades de qualquer natureza, à excepção dos contratos de arrendamento cuja lista se anexa ao presente contrato, como ANEXO 1, e dele fica a fazer parte integrante. e no estado em que se encontra (que a Promitente Compradora declara pelo presente instrumento conhecer perfeitamente para todos os devidos e legais efeitos), o PRÉDIO melhor descrito e identificado na cláusula anterior.
§ Único: o prédio tem 4 unidades susceptíveis de utilização independente livres e devolutas e 4 arrendadas, todas melhor identificadas no anexo ao contrato." .

22.– Na certidão do registo predial referida em 3 consta registado um ónus de inalienabilidade pela Ap. 1856 de 2013/09/17, com início em 2013/08/21, a favor do Município de Lisboa, nos termos do artigo 14° do Dec.-Lei nº 329-C/2000 de 22 de Dezembro - referente a obras coercivas de conservação e beneficiação geral realizadas pelo Município de Lisboa, cuja quantia em dívida é de € 377.679,33.
23.– Mediante declaração da C.M. de Lisboa, datada de 10/04/2015, foi autorizado o cancelamento do ónus de inalienabilidade, o qual veio a ocorrer pela AP. 2892 de 2015/04/10.
24.– A presente acção foi instaurada em 14/07/2015.
25.– O valor patrimonial do prédio inscrito na matriz sob o artigo 104° é de € 152.031,17 e o do prédio sob o artigo 105° de € 139.450,38.
26.– O edifício com os nºs 5,7 e 9 do B...- R foi construído posteriormente ao edifício com os nºs 1 e 3 e, partir de momento não apurado, passaram a ter uma escada comum.
27.– A loja arrendada à A tem entrada independente para a rua.
28.– Como consequência da presente acção a 26ª R deixou de insistir junto da C.M.L. pela aprovação do projecto sendo que este ainda aí se encontra pendente.
29.– Não reabilitou o prédio.
30.– Não o arrendou para fins turísticos.
31.– Os apartamentos poderiam ser arrendados cada um pelo preço € 100,00/dia.
32.– Os dois "blocos" referidos em 3 são contíguos.
33.– E interligados no seu interior.
34.– Dotados de uma frente comum para o arruamento que o serve (B...- R).                                  
35.– Os dois prédios têm 8 fogos de utilização independente.
36.– O R/C e as lojas do prédio têm acesso directo para o exterior.
37.– O acesso aos andares superiores é feito exclusivamente pelo nº 3 através de uma escada interior que serve os dois blocos.
38.– Desde o fim das obras levadas a cabo no âmbito do programa Recria/Rehabita o acesso ao logradouro, existente a tardoz, passou a ser feito pelo nº 3.
39.– Pelo menos, desde Abril/Maio de 2012, o sócio-gerente da A negociava com os 1° a 24° RR a compra do prédio sito nos nºs 1, 3, 5, 7 e 9 do B...- R.  
40.– Conhecendo a tomada de posse administrativa do prédio pelo Município de Lisboa para a execução coerciva de obras de conservação.
41.– Bem como a existência de uma dívida dos co-proprietários à C.M.L..
42.– Existe uma entrada autónoma para o R/C/Loja dos nº 5, 7 e 9 do B... Api. e., para a mercearia explorada pela A.
43.– Antes das obras levadas a cabo no âmbito do Programa Recria/Rehabita ao logradouro tinha acesso apenas a A.
44.– A A desconhecia o valor da dívida à C.M.L..
45.– Como os 1° e 24° RR não prestaram as informações referentes ao valor da dívida à CML (que também não sabiam) e consequentemente não forneceram o preço definitivo para a compra e por não haverem aceitado uma proposta da A, as negociações para compra do prédio unitário sito nos n° 1,3,5,7 e 9 do B...- R, em Lisboa entre aquelas e a A goraram-se.

Inconformada, recorre a Autora, concluindo que:
- Sobe o presente recurso da sentença proferida e que, no que respeita à questão principal - o reclamado exercício do direito de preferência pela Recorrente - foi julgado improcedente pelos motivos indicados pelo tribunal a quo e que se não aceitam de iure e de facto.
- No que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, entendemos que a matéria de facto constante dos Pontos 1, 2 e 7 dos temas de prova deveria ter sido considerada provada, face aos documentos existentes nos autos;
- Os factos considerados como não provados e descritos na alínea a) e f) da sentença a fls. 14 "que os 1° a 24° RR tenham negociado com a 25° R I, Lda a venda e compra por esta de dois prédios (um com os nºs l,3,5 e outro com os  nºs 7,9) com preços distintos (€ 230 000,00 cada)" correspondem aos PONTO 1 e 7 dos temas de prova, assentam em documentos emitidos pelas autoridades competentes) autoridade tributária e não impugnados, sendo que alguns reflectem as declarações dos Recorridos;                                                                                                      
- Embora das escrituras de compra e venda juntas como documentos nºs 11 e 12 à p.i. (fls. 122 a 139) conste um único preço de venda de € 460.000,00 pela aquisição pela 25a R. I, Lda", e de € 800 000,00 pela aquisição a esta pela 26a R. do "imóvel", não será por demais observar mais atentamente o restante conteúdo das escrituras.
- Em primeiro lugar , nessa escritura apesar de se falar de um único prédio urbano "sito B...- R, nºs 1,3,5,7 e 9" a Sra Notária faz constar dessa escritura que o "único" imóvel encontra-se afinal inscrito nas finanças com dois artigos, os artigos 104 (para o imóvel 1 e 3) e 105 (para o imóvel 5,7 e 9) da freguesia de S...M... M..., sendo as inscrições prediais dos dois imóveis perfeitamente distintas, autónomas e identificando sem dúvidas a sua autonomia de iure;
- Da certidão de teor emitida pela Autoridade Tributária relativa ao prédio do B...- R, 5, 7 e 9 , com a inscrição matricial n° 105, consta a seguinte descrição "prédio composto de loja 5-7-9 -vinhos e mercearia, sendo 1 armazém inferior com 35 metros2 e 1 saguão com 117m2, 1º e 2º e mansarda, com 5 pisos, tendo como área total do terreno 166,000m2, a área de implantação do edifício de 49,000m2, com valor patrimonial total de 139.450,38" (este valor consta como provado no Ponto 25), conforme documento de fls. 706 a 709.
- Já a certidão de teor emitida pela Autoridade Tributária relativa ao prédio sito B...- R nºs 1 e 3 , com a inscrição matricial n° 104, consta a seguinte descrição "prédio em propriedade total com andares ou div. Susc. de utiliz. Independente. Composto por r/c e três andares, com 4 pisos com uma área total de terreno de 74,000m2 e área de implantação do edifício de 74, 000m2 e com o valor patrimonial total de 144.080,00 "( este valor consta como provado no Ponto 25 da sentença), conforme documento de fls. 710 a 713.
- Ou seja, os dois prédios, são distintos quanto ao número de pisos, quanto às áreas de implantação e total do terreno e quanto ao valor patrimonial total;
- Em segundo lugar, porque os intervenientes nas compras e vendas - quer dos 1 ° a 24° RR a favor da 25ª R, quer desta a favor da 26ª R. - fizeram declarações fiscais autónomas para efeitos de pagamento do IMT e do imposto de selo junto da autoridade tributária, conforme resulta dos documentos juntos à p.i. como documentos 6 e 7 e documentos 14 e 15, respetivamente e constantes a fls. 97 a 101, pelo que compradores e vendedores tinham consciência da existência de dois prédios, tendo atribuído a cada um deles o valor de € 230.000,00 relativo ao negócio aprazado (primeira transacção) e 400.000,00 (segunda transacção);
- Face a duas declarações distintas dos Recorridos, UMA, nas escrituras indicando um preço único para a transação e OUTRA junto da Autoridade Tributária de forma a liquidar o IMT e Imposto de Selo devidos, entendemos que releva a que prestaram perante a autoridade tributária;
                                                                             
- Nos termos do art° 352 do CCivil constitui confissão " ...  o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária ", pelo que a declaração que os Recorridos fazem nas escrituras realizadas, porque favoráveis à sua tese, não relevam, sendo as declarações fiscais que efetuaram para pagamento de IMT e Imposto de Selo que lhes são desfavoráveis e à sua tese e favorável à tese da Recorrente, que constituem declarações confessórias (vd. Art° 369 do C. Civil);
- E deste modo, tais documentos autênticos (declarações à Autoridade Tributária) " .. fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados ... " (art° 371, n° 1 do C. Civil);
- E, assim, sendo atestados nessas declarações dos Recorridos para efeitos de pagamento do IMT e Imposto de Selo que cada prédio era comprado e vendido por € 230 000,00, no caso da compra e venda dos lºs a 24° Recorridos a favor da 25a e desta a favor da 26a Recorrida pelo valor de € 400 000,00 para cada um dos prédios, deveria o Tribunal ter dado como provado tal matéria constante dos pontos 1 e 7 dos temas de prova definidos;
- Igualmente o Ponto 2 dos Temas de prova, do qual constava o seguinte facto a provar" Os prédios ERAM e SÃO autónomos" deveria ser considerado como provado;
- Os dois prédios desde sempre foram considerados como dois prédios distintos, quanto à sua inscrição matricial e igualmente distintos em termos de descrição no registo predial, pelo menos desde Junho de 1886 e até 8 de Julho de 1911, cabendo o nº 5704 ao prédio sito nos nºs 1 e 3 e o n° 5705 ao prédio nºs 5,7 e 9. Isto pelo menos desde Junho de 1886.
- Portanto, não pode deixar de se considerar provado que os dois prédios eram inicialmente autónomos em termos de registo predial, com duas diferentes descrições e igualmente autónomos em termos de inscrição matricial, com duas distintas inscrições matriciais.
- E continuam a ser autónomos, presentemente, apesar de terem apenas uma única descrição predial, mas da qual consta a referência a dois artigos distintos de matriz (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa aqui junto);
- Impõe o Código de Registo Predial no seu Artigo 28.° que exista harmonização " ... quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de retificação ou alteração desta " (nº 1 desta disposição );
                                                                                                   
- Do registo resulta que a descrição n° 21 contém duas inscrições matriciais, perfeitamente identificadas , e dessas inscrições (art°s 104 e 105) constam os elementos fundamentais à caracterização de cada um dos prédios, conforme resulta dos documentos matriciais juntos aos autos e anteriormente referidos, sendo que essas duas inscrições constantes da descrição dela fazem parte há muitos anos, anteriormente identificadas pelos arts 72 e 73 e da freguesia do C...;
- Ou seja, a identificação matricial dos dois prédios era do conhecimento do respetivo registo predial, pois os serviços de finanças a comunicaram à respetiva conservatória , para efeitos de registo a existência de dois prédios, fiscalmente autonomizados, pelo que esta situação deveria ter conduzido à existência de duas descrições cabendo, em caso de omissão dos proprietários, oficiosamente à Conservatória promover a correspondência/harmonização entre as inscrições e as descrições, o que não foi feito;
- Entendemos, assim, com os elementos matriciais do conhecimento do Sr. Conservador e/ou dos serviços , oriundos de autoridade pública , a criação oficiosa de uma nova descrição para harmonizar aqueles ao registo deveria ter ocorrido, à imagem do que sucede por força do disposto no art° 59-A do Código de Registo Predial, até porque "a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios"  como refere o n° 1 do art° 79 do Código de Registo Predial, adequando e harmonizando as descrições prediais à respetivas inscrições matriciais, mantendo a descrição n° 21 para um dos prédios e criando uma nova descrição correspondente ao outro artigo matricial;
- Aliás, nos termos dos disposto no art° 80, n° 1 do Código de Registo Predial "as descrições são feitas na dependência de uma inscrição ou de um averbamento", sendo que o art° 79, n° 2 deste Diploma dispõe que "de cada prédio é feita uma descrição distinta", sendo que a norma contida no art° 85, n° 1, alínea c) do Código de Registo Predial impõe a abertura de nova descrição quando o registo incidir sobre prédio constituído "por prédios descritos e outro ou outros não descrito  ";
- A autonomização dos dois prédios é tão evidente para os anteriores e actual proprietários, bem como para a Autoridade Tributária, que foram emitidas duas distintas guias de pagamento de IMT e Imposto de Selo, ou seja, uma para o prédio inscrito sob o art° 104 e uma outra para o prédio inscrito sob o art° 105 ;
                                                                                                               
- Consideramos, assim, que a inscrição matricial é como o "cartão de identificação" de cada prédio, consubstanciando a mesma um registo ad substantiem, enquanto a descrição predial - que assenta sempre numa prévia inscrição matricial descritiva das características de cada prédio - limita-se a ter um carácter ad probationem, identificando os ónus, os proprietários, mas não as características intrínsecas de cada prédio;
- Não será, pois, o facto de existir uma única descrição predial - e inicialmente existiam duas descrições, uma para cada prédio, repete-se - quando na mesma dois prédios não impedia que a Recorrente exercesse o direito de preferência apenas sobre o imóvel onde se situava o arrendado, ou seja, o prédio com os nºs 5,7 e 9, sendo tal possível, pois para tanto ocorreria - como deveriam ter anteriormente ocorrido, não existisse a omissão que impede sobre os proprietários e o Sr. Conservador de ajustar uma descrição a cada prédio identificado matricialmente - a abertura de uma nova descrição predial, conforme à inscrição matricial com o n° 105;
- Portanto, entende-se que o direito de preferência da Recorrente poderia e deveria ter sido respeitado pelos Recorridos 1º a 24°, permitindo o seu exercício pelo valor de venda que aceitaram ser de € 230 000,00, como resulta das declarações de liquidação de IMT e Imposto de Selo;
- Por outro lado, os Recorridos 1° a 24° tinham a obrigação de informar a Recorrente de todos os elementos do negócio, sendo que entre eles está a existência de ónus e encargos, o que não sucedeu;
- Na informação dirigida à Recorrente sobre o negócio visando o exercício por esta do direito de preferência que lhe assistia e assiste, os I ° a 24 Recorridos referem as condições de pagamento nos seguintes termos "o preço global de compra e venda do prédio deverá ser pago na totalidade aos vendedores no dia da realização da respetiva escritura pública mediante cheque visado ou bancário" , o que não corresponde ao acordado e constante do contrato promessa de compra e venda em que as condições de pagamento combinadas entre os vendedores, ora Recorridos 1° a 24° e a compradora, recorrida 25ª eram outras distintas implicando a divisão do preço fixado em três tranches , uma de € 20 000,00 , a título de sinal, outra de € 30 000,00 a titulo de reforço de sinal e a terceira de € 410.000,00 no acto da escritura.
- O facto dos dois prédios terem uma única entrada comum correspondente ao n° 3 não é bastante para descaracterizar a autonomia dos dois prédios, isto, porque a ser assim, jamais teriam existido duas descrições distintas - as descrições nºs 5704 e 5705 - como são referidas em Junho de 1886 (vd. Doc. de fls. 445 a 448)                
- Aliás, ficou demonstrado até, em abono da distinção dos dois prédios e da sua autonomia que "o edificio com os nºs 5,7 e 9 do B...- R foi construído posteriormente ao edifício com os nºs 1 e 3 e, a partir de momento não apurado, passaram a ter uma escada comum" (Ponto 26 da matéria provada);
Esta aparente unidade física é comum nas zonas históricas de cidades como Lisboa ou Porto, em que proprietários de prédios contíguos optavam, para ganhar espaço, em ter acessos comuns, como é caso dos prédios dos autos que são contíguos e se situam junto à muralha do C... S. J...;
- Demonstrando-se que a Recorrente declarou pretender exercer o seu direito de preferência sobre a totalidade do prédio sito nos nºs 5, 7 e 9, e que os primitivos proprietários , ora Recorridos la a 24°, não tinham informado plenamente o interessado, ora Recorrente, do ónus de inalienabilidade que se veio a apurar posteriormente recair sobre o prédio, deveriam aqueles ter garantido à Recorrente essa informação, por forma a poder habilitá-la a decidir sobre a preferência que lhe assistia e assiste;
- O facto dos vendedores lº a 24° pretenderem vender em simultâneo os dois prédios não impedia que a recorrente exercesse o direito de preferência apenas sobre o imóvel onde se situa o arrendada, ou seja, o prédio com os nºs 5, 7 e 9, sendo tal possível pois para tanto ocorreria a abertura de uma nova descrição predial, conforme à inscrição matricial com o nº 105.
- Por outro lado, ficou demonstrado que a Recorrente era e é arrendatária da mercearia sita no r/c do prédio sito B...- R, nºs 5,7 e 9, em Lisboa, desde 6.03.1961 (vd. Ponto 2 da matéria provada) pelo que o direito de preferência que lhe assiste resulta do seu titulo de locatário e apenas incide sobre o prédio onde se situa o seu estabelecimento comercial que, no caso sub iudice é tão somente o prédio sito nos nºs 5, 7 e 9, inscrito na matriz predial urbana sob o art° 105, face ao disposto no art° 1091, n° 1, alínea a) do C.Civil;
- Assim, tendo ficado provada a tempestividade desta acção, o depósito do preço pago e respetivas despesas , a não identificação dos ónus, bem como a indicação da forma de pagamento de preço distinta da acordada com o comprador, a 24ª recorrida e entendendo-se pela identidade própria do prédio sito nos nºs 5,7 e 9 do B...- R, só restava ao Tribunal decidir em conformidade, aplicando o Direito e , assim, conferindo à Recorrente o seu direito de preferência sobre este imóvel;
  
- Mas, sem prejuízo do referido quanto ao direito de preferência que assistia à Recorrente aquando da primeira transacção dos 1 ° a 24° Recorrido a favor da 25a Recorrida, temos que recordar que ,então, no que respeita à segunda transacção da 25a Recorrida para a 26a Recorrida, nem sequer foi comunicado à Recorrente a venda pois a vendedora I, Lda não comunicou por qualquer forma ou meio que o prédio que comprara iria ser vendido a outrem, ou seja, nem sequer notificou a Recorrente para exercer o seu direito de preferência, em clara violação do disposto no art° 416 do CCivil;
- Por isso, a Recorrente em sede de pedido subsidiário, peticionou o reconhecimento do seu direito de preferência nesta segunda transação, para o caso de claudicar o pedido principal;
- Entendemos, assim, que sendo os prédios autónomos e distintos, ainda que contíguos e com acesso comum, tal possibilitava à recorrente exercer o seu direito de preferência quer quanto à primeira venda, quer quanto à segunda, face ao disposto no art° 1091º, nº 1, alínea a) do CCivil pelo que, não tendo o Tribunal a quo reconhecido tal direito, ERROU, violando as normas contidas nos art°s 417º e 1091º nº 1 a) do Código Civil e arts. 28º, 79º nºs 1 e 2, 80º nº 1 e 85º nº 1 do Código do Registo Predial.
 
Os RR contra-alegaram sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

Na medida em que existe impugnação sobre a decisão factual, é por esta que iniciaremos a análise da apelação.

A recorrente não impugna a matéria dada como provada mas sim a parte da decisão relativa a factos considerados não provados, nomeadamente os que integram os nºas 1, 2 e 7 dos temas de prova.

Diremos desde já que o nº 2 dos temos de prova, quando alude a saber se “os prédios eram e são autónomos”, parece-nos integrar matéria conclusiva. Com efeito um dos pontos em apreço na presente acção é a de saber se o prédio vendido correspondia afinal a dois prédios autónomos. Este carácter autónomo dos prédios é uma conclusão que terá de ser alcançada depois da apreciação e ponderação dos elementos probatórios Ou seja, é um juízo que o tribunal terá de efectuar no plano de facto e de direito, depois de apreciar a factualidade provada.

Daí que, em nosso entender, não tenha cabimento enquanto quesito inserido na matéria de facto a provar.

Quanto ao nº 1 dos temas de prova – respondido como “não provado” - tinha o seguinte teor:
“Os 1º a 24º RR negociaram com a 25ª Ré “I, Lda, a venda e a compra por esta de dois prédios (um com os nºs 1, 3 e 5 e outro com os nºs 7 e 9) com preços distintos (€ 230.000,00 cada).
                                                                                             
E o nº 7 dizia que:
“A 25ª Ré “I, Lda negociou com a 26ª Ré, “I, Lda” a venda e a compra por esta de dois prédios (um com os nºs 1, 3 e 5 e outro com os nºs 7 e 9) com preços distintos (€ 400.000,00  cada)”.

A recorrente alega que esta matéria devia ter sido considerada como provada com base em:
- Inscrição do prédio nas Finanças sob dois artigos diferentes, 104 e 105;
- Certidões emitidas pela Autoridade Tributária relativamente ao prédio correspondente aos nºs 5, 7 e 9 e ao prédio correspondente aos nº 1 e 3;
- Declarações fiscais autónomas nos contraentes na compra e venda, para efeitos do pafamento do IMT e do imposto do selo junto da autoridade tributária;
- Tais declarações constituem a seu ver confissões nos termos do art. 352º do Código Civil.

Quanto àquilo que se provou, consta de 3 e 18) que, desde pelo menos 08/07/1911 que o prédio sito B...- R nºs 1, 3, 5, 7 e 9 em Lisboa, está submetido a uma única descrição na Conservatória do Registo Predial.

O prédio no seu todo foi objecto de um programa de execução de obras coercivas municipais ao abrigo do programa RECRIA/REHABITA, existindo registo na CRP de um ónus de inalienabilidade a favor do Município de Lisboa referente a tais obras (nºs 18, 20 e 22).

Existe uma escada comum no prédio (nº 26), os dois blocos são contíguos (nº 32) e interligados no seu interior (nº 33). Enquanto as lojas e R/C têm acesso directo para o exterior o acesso aos andares superiores é feito exclusivamente pelo nº 3 através de uma escada interior que serve os dois blocos (nºs 27, 32, 33, 36 e 37. O acesso ao logradouro, após as obras realizadas no âmbito do programa “Recria/Rehabita” passou a ser feito pelo nº 3 (nº 38).

Contudo, também se provou que o prédio com os nºs 4, 7 e 9 do B...- R foi construído posteriormente ao prédio com os nºs 1 e 3 (nº 26).

Também se provou que o prédio descrito unitariamente na CRP é composto por dois blocos, um correspondente aos nºs 1 e 3 e inscrito na matrix predial urbana da freguesia de S...M...M... sob o art. 104º, outro correspondente aos nºs 5, 7 e 9 e inscrito na matriz predial urbana nº 105  da freguesia de S...M...M....
                    
Os 1º a 24º RR e o 25º Réu, junto da autoridade tributária, para efeitos de pagamento do IMT e do imposto de selo, declararam os valores atribuídos por ambas a cada um dos prédios, € 230.000,00 cada (nº 9 da matéria provada). O mesmo ocorrendo na sequência da compra e venda do prédio efectuada entre a 25ª e 26ª Rés, só que o valor atribuído a cada um dos prédios foi de € 400.000,00 (nº 11).

A questão centra-se pois em saber se estamos perante um ou dois prédios e se as sucessivas compra e venda foram feitas relativamente a um prédio unitariamente considerado ou a dois.

Relativamente à impugnação da decisão fáctica nos pontos 1 e 7 dos temas de prova, entendemos que aquilo que podia ser dado como provado, face à documentação indicada pela recorrente, é o teor da declaração feita pelos 1º a 24º e 25º RR junto da autoridade tributária, para efeito de pagamento de IMT e do Imposto do Selo, atribuindo um valor a cada um dos prédio - € 230.000,00 – em vez do preço unitário do prédio globalmente considerado. O mesmo se diga das declarações perante a mesma autoridade tributária e para os mesmos efeitos da 25ª e 26ª RR.

Ora, esta factualidade já consta da matéria dada como provada, artigos 9º e 11º.

As considerações sobre o valor da inscrição matricial em face da descrição predial são questões de direito que poderão eventualmente ser formuladas em termos da integração jurídica da factualidade. Enquanto meios de prova só podem ser consideradas no seu respectivo teor. As conclusões jurídicas tirar-se-ão depois.

Quanto ao valor de confissão das declarações efectuadas junto da autoridade tributária, essa confissão, a aceitar-se, limita-se ao próprio teor das declarações. Ou seja, vendedores e compradores indicaram dois valores, um para cada prédio (1-3 e 5-9), enquanto no contrato o preço abrangia um prédio,cobrindo os nºs 1,3,5,7 e 9.

Existem declarações diferentes, e cada uma deve ser dada como provada, já que, a existir contradição ela situa-se ao nível do teor das próprias declarações, que foram feitas pelos RR e incluídas na matéria provada.

Ou seja, existem as declarações negociais no contrato de compra e venda (1º a 24º e 25º RR e 25º e 26º RR) em que se fixa um único preço para a compra e venda e as declarações à Autoridade Tributária em que se declaram os valores que os contraentes atribuem a cada um dos prédios.

Logo, nada há a alterar na matéria de facto, quer provada quer a não provada.                                                                                                              
Passando à análise jurídica do pleito.

Logo à partida, como vimos, existe o entendimento dos recorrentes de que as declarações feitas pelos RR à Autoridade Tributária têm o valor de confissão.

Confissão, nos termos do art. 352º do Código Civil é “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.

Ora, nas declarações referidas não se afirma que compradora e vendedores tenham negociado a compra e venda de dois prédios (um com os nºs 1 e 3 e outro com os nºs 5, 7 e 9) com preços distintos (€ 230.000,00 cada). O que se provou é o que consta do nº 9 da matéria de facto provada, a saber:
Junto da autoridade tributária, para efeitos de pagamento do IMT e do imposto de selo, os 1º a 24º RR e a 25ª Ré Importantaltura Lda declararam os valores atribuídos por ambas a cada um dos prédios - € 230.000,00 para cada”.

Na escritura pública, as ditas RR fizeram diferentes declarações, retratando uma realidade diversa, nomeadamente de que existia apenas um preço pela totalidade do prédio.

São declarações que se enquadram em diferentes contextos e para finalidades diferentes. Enquanto uma consubstancia o próprio negócio jurídico a outra comunica à autoridade tributária a realização desse negócio.

Na verdade, e reportando-nos à discrepância entre a descrição predial – um só prédio – e a inscrição na matriz sob dois números diversos, não pode, para efeitos do que está em causa na presente acção, ser a mesma resolvida atribuindo mais relevância à descrição predial ou à inscrição matricial.

A inscrição matricial, como se observa no Acórdão da Relação do Porto de 02/04/1981 – CJ 1981, 2, pág. 103 a 106 - “não acarreta nenhuma presunção de natureza civil, pois tem significado meramente fiscal. Fora, pois, desse domínio nenhumas consequências se podem tirar (...)”. No caso dos autos, não é por existirem inscrições matriciais distintas relativamente ao imóvel, uma para os nºs 1 e 3, outra para os 5, 7 e 9, que teremos só por isso de concluir que estamos perante dois prédios.

Relativamente à descrição no registo predial – e continuando a seguir o mesmo acórdão - “os limites prediais que constam da descrição não se impõem à realidade substantiva. É certo que segundo os artigos 147º e 148º do Código do Registo Predial, as descrições têm por fim a identificação física, económica e fiscal do prédio a que se referem os factos inscritos, sendo, de cada prédio levado a registo,feita uma descrição distinta dos demais e que, por outro lado, o registo se compõe da descrição do prédio a que respeita, da descrição dos direitos e encargos que recaem sobre esse prédio e dos respectivos averbamentos, constituindo tudo uma unidade, de forma a termos sempre definida a situação jurídica do prédio (...)”.    
                                                                                            
Simplesmente, se, de acordo com os artigos 5º e 95º do mesmo Código, os factos ou direitos sujeitos a registo devem estar devidamente comprovados em documentação bastante, já o mesmo não acontece com a descrição dos prédios que, em geral, pode resultar de simples declarações complementares dos interessados (...)”.
   
Daqui resultando que a presunção prevista nos arts. 7º e 8º do CRP, ou seja, presunção de que o direito registado existe e pertence à pessoa em cujo nome está inscrito, não abrange os elementos de identificação do prédio constante da descrição.

Como se afirma no Acórdão que temos vindo a seguir, “não é com base no registo que poderá afirmar-se que um certo prédio tem esta ou aquela constituição mas apenas que em relação a ele ocorre certa situação jurídica”.

Relativamente à matriz predial, esta define-se como “registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários” nos termos do art. 12º nº 1 do DL nº 287/03 de 12/11.

O art. 12º nº 3 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis” estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial” sendo que esta discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

É este critério essencialmente tributário que nos leva a não poder atribuir às declarações feitas pelos RR à Autoridade Tributário o sentido de uma confissão relativamente à constituição do prédio em termos físicos. Essa declaração é feita tendo em consideração a obrigação de dupla liquidação do IMT e do Imposto do Selo, face à existência de dois artigos matriciais autónomos.

Daí que, sendo o preço global declarado na escritura pública de € 460.000,00, em termos de declaração à Autoridade Tributária os RR indicassem valores patrimoniais de € 230.000,00  a cada uma das inscrições matriciais existentes (ou seja, metade do valor unitário da venda).  

A realidade física, substantiva, do prédio, teria assim que se aferida por outros meios, nomeadamente, como fez o tribunal a quo, por via da inspecção judicial ao local.

De tal inspecção, bem como demais prova documental, resultam alguns factos essenciais: o prédio tem uma única entrada comum situada no nº 3, onde existem as únicas escadas de acesso aos andares superiores, quer os dos nºs 1 e 3, quer dos nºs 5, 7 e 9.

É certo que o edifício com os nºs 5, 7 e 9 foi construído posteriormente ao que tem os nºs 1 e 3. A partir de certa altura, como vimos, passaram ambos os edifícios a ter uma escada comum, sendo contíguos, interligados no seu interior, dotados de uma frente comum para o arruamento que o serve (B...- R), sendo o acesso aos andares superiores de cada bloco feito por uma escada interior que serve os dois blocos, sendo o acesso ao logradouro feito pelo nº 3.

Daqui podemos concluir que na evolução estrutural deste prédio mais que centenário, se veio a configurar um único prédio, com diversas partes que poderão ter autonomia económica entre si mas que são interdependentes numa estrutura funcional unitária que leva, insiste-se, a que os moradores dos andares superiores do prédio inscrito na matriz e correspondente aos nºs 5, 7 e 9, só possam sair para o exterior por uma porta no nº 3 do prédio objecto da outra inscrição matricial.

E foi este prédio, visto na sua identidade unitária, que foi objecto de compra e venda pelos 1º a 24º e 25º RR – e depois, pelos 25º e 26º RR – como de resto consta das respectivas escrituras.

Na carta enviada pelos 1º a 24º RR à Autora, de 24/03/2015, com vista ao exercício do direito de preferência, verificamos que consta o objecto da venda, que é a totalidade do prédio (nºs 1, 3, 5, 7 e 9), o nome do comprador (a sociedade “I, Lda, 25ª Ré), o preço (€ 460.000,00), condições de pagamento (a totalidade do preço no acto da escritura), a data e local de outorga da escritura. Ou seja, os RR comunicaram à Autora os elementos essenciais do negócio, como lhes cumpria – ver a este respeito o Acórdão do STJ de 11/01/2012.

É verdade que não consta da comunicação o ónus que impendia sobre o prédio, ou seja, o ónus de inalienabilidade registado a favor do Município de Lisboa. Contudo, na próprio escritura de compra e venda, refere-se a respeito de tal ónus de inalienabilidade que o cancelamento do mesmo se encontra assegurado, pelo que a escritura é feita livre de quaisquer ónus ou encargos (ver fls. 130).

O cancelamento desse ónus teria de decorrer do pagamento da dívida ao Município de Lisboa no montante de € 377.679,33, mas esse pagamento não era elemento constitutivo do contrato nem parte do preço da compra e venda. E, na medida em que os declarantes assumem na escritura que o cancelamento desse ónus já está assegurado não vemos razão para que o mesmo houvesse de ser comunicado à Autora na carta para exercício da preferência.

Diremos ainda que as condições de pagamento previstas no contrato-promessa celebrado entre os RR nºs 1 a 24 e a 25ª Ré - € 20.000,00 a título de sinal pagos com a assinatura do contrato-promessa, € 30.000,00 a título de reforço de sinal até 30 dias após tal assinatura e € 410.000,00 no acto de outorga da escritura de compra e venda – não se nos afiguram relevantes.
                                                                                                  
O que releva são as condições e elementos contratuais da compra e venda, pois é a esta que se dirige o direito de preferência da Autora. As negociações e acordos prévios entre os RR só seriam significativos se se reflectissem no contrato final. Contudo, como vimos, o que consta da escritura de compra e venda é o pagamento do preço na sua totalidade.

A objecção dos recorrentes só vingaria caso no próprio contrato de compra e venda os RR vendedores e a 25ª Ré compradora tivessem convencionado um pagamento fraccionado em diversas tranches. E não foi isso que aconteceu.

De qualquer modo, a questão também será irrelevante na medida em que na carta em que responde à comunicação dos 24 primeiros RR para exercício do direito de preferência, a Autora assume sem margem para dúvidas que pretende exercer o direito de preferência mas apenas do prédio em regime de propriedade total a que correspondem os nºs 5, 7 e 9 do B...- R em Lisboa.

Cumpre apreciar agora as características que rodeiam o próprio direito de preferência invocado pela Autora. Esta é a questão crucial da sentença recorrida.

O art. 47º nº 1 do RAU – aprovado pelo DL nº 321-B/90 de 15/10 – previa que o arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma, tinha o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano.

Entendia-se então que, não tendo sido constituída a propriedade horizontal, ao arrendatário de uma parte do prédio urbano assistia o direito de preferência na venda de todo o imóvel em que o locado se integra – Acórdão da Relação de Lisboa de 30/04/96, transcrito por Pais de Sousa - “Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano” pág. 154.

Em caso de ter sido constituída a propriedade horizontal, a preferência do arrendatário de uma fracção circunscrevia-se à venda ou dação de tal fracção.

Colocava-se a dúvida no caso de um direito de preferência ao locado, sem estar constituída a propriedade horizontal, já que a parcela locada mas não autónoma não poderia ser objecto de venda ou dação. Nesta medida, entendia-se que o direito de preferência a que aludia o mencionado art. 47º nº 1 do RAU, se reportava à venda da totalidade do prédio ou à respectiva dação.

A não ser assim, o nº 2 do art. 47º que previa a licitação sendo dois ou mais os preferentes, deixaria de ter aplicação, já que cada um deteria apenas o direito de preferência aferido a uma parte não autónoma do prédio (de que seria arrendatário), não podendo existir concurso de preferentes no caso de venda do prédio na sua globalidade. Neste sentido se pronunciou o acórdão desta Relação de Lisboa de 30/04/1996, in CJ 1996, II, pág. 133.
                          
Existiam teses contrárias, nomeadamente Oliveira Ascensão, que afirmava que face ao aludido normativo o direito de preferência só podia ser exercido em relação ao local arrendado. Se este não estiver autonomizado, através de constituição da propriedade horizontal, o exercício do direito de preferência seria impossível.
Pelas razões já indicadas, nomeadamente o teor do nº 2 do art. 47º, sempre nos pareceu preferível a primeira das citadas interpretações.

Com o NRAU e a actual redacção do art. 1091º nº 1 a) do Código Civil, a situação apresenta-se de modo diferente.

Com efeito, este preceito prevê que:
“O arrendatário tem direito de preferência (...) na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado (...)”.

Eliminando-se pois a referência à dicotomia entre arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma.Tal como se eliminou a referência à licitação entre arrendatários.

Isto levou a que diversa doutrina e jurisprudência passassem a entender que o direito de preferência se restringia aos casos em que estava constituída a propriedade horizontal.

Abílio Neto, no seu “Código Civil Anotado”, pág. 970, refere assim que:
“... deixou de se fazer menção ao arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma (...) e de prevenir a hipótese de que, sendo dois ou mais os preferentes, abre-se entre eles licitação (...) o que pode ser havido como significando que só o arrendatário de fracção autónoma goza de direito de preferência, e não o arrendatário de um fogo em prédio não submetido ao regime de propriedade horizontal, o qual deixa de exercer a preferência em relação à totalidade do prédio (...)”.

Do mesmo modo, o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 26/03/2015, defende a tese de que “a obrigação de preferência do senhorio só existe em caso de venda ou dação em cumprimento do local arrendado, pelo que o correspondente direito de preferência também só pode ser exercido em relação ao local arrendado. E, não estando o prédio constituído  em propriedade horizontal, o local arrendado não goza de autonomia jurídica, não constitui um bem jurídico autónomo. Logo, o senhorio no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio, tem por objecto todo o prédio, único bem jurídico que pode ser individualizado, não uma parte desse imóvel. Por isso, nessa circunstância, não se pode falar em direito de preferência do arrendatário, ou da atribuição de um direito de execução difícil, mas de um não direito.”
                                                                                                    
Ou seja, a actual redacção do art. 1091º nº 1 a) do Código Civil, parece efectivamente circunscrever o direito de preferência do arrendatário ao local arrendado. O legislador terá assim pretendido estabelecer a sua opção no sentido de retirar ao arrendatário a existência de um direito de preferência relativamente à totalidade do prédio.

Antes, essa preferência só podia existir na esfera jurídica do arrendatário de um fogo em prédio não constituído em propriedade horizontal. Na medida em que a anterior legislação abarcava esta situação bem como a do arrendatário de fracção autónoma no âmbito da propriedade horizontal deparávamos com as seguintes alternativas:
a)- O prédio estava constituído em propriedade horizontal. Nesse caso, o arrendatário de uma fracção autónoma só dispunha do direito de preferência no caso de venda ou dação de tal fracção e em relação à mesma.
b)- O prédio não estava constituído em propriedade horizontal. A venda só podia operar em relação à totalidade do prédio e não a uma parte dele, destituída de autonomia jurídica. Mas, como a lei previa o direito de preferência do arrendatário ao locado em prédio não constituído em propriedade horizontal, tinha de se concluir que o seu direito seria exercido em caso de venda da totalidade do prédio e em relação a este.

Com o NRAU, eliminando-se as referências a arrendatário de fracção autónoma ou de locado em prédio não constituído em propriedade horizontal e reafirmando-se como objecto do direito de preferência o “local arrendado”, parece lógico concluir que o direito de preferência só existe em relação ao arrendatário de fracção autónoma no caso de venda ou dação em cumprimento de tal fracção.

Deixa de existir um direito de preferência relativamente à venda ou dação da totalidade do prédio. E deixa igualmente de ser atribuído um direito de preferência ao arrendatário de locado em prédio não constituído em propriedade horizontal.

Podendo afirmar-se em síntese, como faz José Pedro Cadete - “Da Preferência do Arrendatário Habitacional” - “actualmente, portanto, a questão da preferência de um arrendatário sobre a totalidade do prédio não constituído em propriedade horizontal já não se coloca, tendo vingado a tese de Oliveira Ascensão: se o local arrendado não for um bem juridicamente autonomizável, não há lugar ao exercício da preferência”.

Na sentença recorrida parece seguir-se este entendimento. Contudo, acaba por se dizer que “assim sendo, no caso em apreço,conclui-se que apenas sobre a totalidade do prédio sito Beco R mºs 1, 3, 5, 7 e 9 em Lisboa, podia a Autora ter exercido o seu direito de preferência.” Ora, esta conclusão representa exactamente o oposto da interpretação dada pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 26/03/2015, que o Mº juiz a quo afirma seguir de perto.
                                                                                                     
Seja como for, a acção não poderia proceder.

O prédio em causa, objecto da compra e venda – correspondente aos nºs 1, 3, 5, 7 e 9 do B...- R em Lisboa, não está constituído em propriedade horizontal, pelo que a Autora não é arrendatária de fracção autónoma. Logo, dentro da perspectiva que expusemos, não lhe assiste direito de preferência à totalidade do prédio em termos da respectiva venda.

Por outro lado, a Autora pretende apenas exercer o direito de preferência relativamente a parte do prédio com os nºs 5, 7 e 9, que não integra uma fracção autónoma nem detém qualquer autonomia jurídica. Assim, também aqui inexiste um direito de preferência a ser exercido pela Autora.

E isto é verdade em relação ao contrato de compra e venda entre os RR 1º a 24º e a 25ª Ré, como em relação ao contrato de compra e venda entre a 25ª e a 26ª Rés, já que ambos os contratos têm por objecto o mesmo prédio.  
    
Sendo certo que neste último contrato a Ré vendedora não procedeu a qualquer comunicação à Autora para que esta pudesse exercer um direito de preferência, também nos parece evidente que não dispunha a Autora de qualquer direito de preferência – quer sobre o prédio na sua totalidade quer sobre parte do mesmo.

Conclui-se assim que:
– Nos termos do art. 1091º nº 1 a) do Código Civil, na redacção dada pelo NRAU, em caso de venda de prédio não constituído em propriedade horizontal, não assiste ao arrendatário de um fogo de tal prédio qualquer direito de preferência, quer em relação à totalidade do prédio quer em relação à parte locada.
– Actualmente, o direito de preferência do arrendatário circunscreve-se ao caso de prédio constituído em propriedade horizontal, dispondo o arrendatário de uma das fracções autónomas do direito de preferência em caso de venda ou dação em cumprimento dessa mesma fracção.
                                                                                                               
Termos em que se julga a apelação improcedente, confirmando-se ainda que por razões não inteiramente coincidentes a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

LISBOA, 8/2/2018

António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais