Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA LUÍSA GERALDES | ||
Descritores: | PODER PATERNAL DIREITO DE VISITA INCUMPRIMENTO SANÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/21/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Sumário: | 1. O incumprimento do acordado em matéria de regulação de poder paternal, com o simultâneo desrespeito pela decisão proferida pelo Tribunal, tem uma sanção específica estatuída na lei, nos termos do art. 181º, nº 1, da OTM. 2. Tendo sido igualmente objecto de regulação o direito de visita, com as respectivas visitas acordadas entre os progenitores, o incumprimento desse direito de visita por parte de um dos progenitores enquadra-se, em abstracto, na referida norma. 3. Com efeito, assumindo o direito de visita a natureza jurídica de um direito/dever, constitui ele próprio a essência dos direitos parentais para o progenitor não guardião do menor, funcionando, neste sentido, como um meio desse progenitor, não guardião do menor, manifestar a sua afectividade para com o filho, estreitando laços, partilhando emoções e ideias, e transmitindo-lhe valores, sentimentos de todo indispensáveis ao real crescimento do menor e ao seu desenvolvimento harmonioso do ponto de vista psicológico. 4. Por isso, o afastamento de um dos pais da vida da criança é uma situação que se configura, em si mesma, como contrária aos interesses da própria criança e, por conseguinte, urge salvaguardar, com vista à manutenção das relações pessoais e fortalecimento dos laços afectivos entre pais e filhos. 5. O recurso a meios coercivos estabelecidos no art. 181º, nº 1, da OTM, pressupõe o não cumprimento culposo por parte do faltoso. (A.L.G.) | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I – 1. I instaurou incidente de incumprimento do acordo de regulação do exercício do poder paternal, de suas duas filhas menores, contra o pai destas: J Pedindo a condenação do Requerido no pagamento de uma multa no valor de 249,90 Euros, a favor das menores, por cada um dos incumprimentos, num total de 2.249,10 Euros, bem como na sua condenação nas custas do presente incidente. Para tanto a Requerente inventaria sete incumprimentos do regime de visitas ao fim de semana, por parte do progenitor não guardião das menores, no período compreendido entre 25 de Junho e 17 de Outubro, ambos de 2004, um incumprimento no período de férias de 2004 e outro incumprimento no dia de aniversário de uma das menores, no dia 17.06.2004. Nestas datas o Requerido não cumpriu os termos do Acordo de Regulação do Exercício do Poder Paternal, homologado por sentença, proferida no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, que correu termos no mesmo Tribunal de Família. Alega ainda que, embora esteja a correr termos no mesmo Tribunal um novo processo, (...), no qual o Requerido vem pedir a alteração do dito Acordo, enquanto tal acordo não for alterado (desconhecendo-se até se isso vai acontecer) o Requerido tem a obrigação de cumprir o Acordo vigente. E como não o cumpriu, conclui pedindo a sua condenação. 2. O Requerido pronunciou-se nos termos que constam dos autos e onde, embora reconhecendo implicitamente que não conviveu com as menores nesses períodos, explicitou as suas razões referindo, nomeadamente, que não pretende continuar a sujeitar-se e a sujeitar as menores aos constrangimentos por que vinha a passar quando aquelas eram levadas e trazidas à casa da mãe das menores, aqui Requerente. Por isso apresentou requerimento em Tribunal no sentido de se proceder à alteração da regulação do exercício do poder paternal, dando assim origem ao referido Proc. Nº (...) e decidiu ele próprio suspender o regime instituído. 3. Teve lugar uma conferência de pais onde se fez constar a existência do referido processo e, posteriormente, foi exarado despacho no sentido de que o Tribunal “a quo” consultara o citado processo. 4. A fls. 115 e segts. o Tribunal “a quo” proferiu decisão julgando o presente incidente improcedente, com a consequente absolvição do Requerido do pedido. 5. Inconformada a Requerente Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões: 1. Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que decidiu julgar improcedente o incidente, absolvendo o Requerido do pedido formulado pela Requerente, sem que tivesse havido lugar a quaisquer diligências probatórias, como resulta do teor da Acta de Conferência de Pais, realizada e 9 de Janeiro de 2006, lavrada nos autos a fls. 2. O Requerido apresentou a sua oposição ao requerimento inicial fora de prazo, mesmo para além dos três dias subsequentes ao termo do prazo, pelo que deveriam as mesmas ter sido desentranhadas dos autos, pelo que deve ser revogada a decisão “a quo” e substituída por outra que tenha as alegações do Requerido/Apelado por não escritas ou as mande desentranhar; 3. O Tribunal “a quo” procedeu à fixação da matéria de facto dada como provada de forma deficiente, dado ter fundado a sua convicção na consulta dos autos que correram termos sob o Proc. N.º (...), do mesmo Tribunal, que tem os apensos A, B, C, D, E e F, porquanto não verteu na decisão factos essenciais à boa decisão da causa e verteu outros que não ficaram aí provados e se mostravam controvertidos; 4. Assim, deve o Tribunal “ad quem” alterar tal decisão sobre a matéria de facto, adicionando à mesma os factos referidos nos pontos 31, 32, 33, 34, 36, 38 (na parte sublinhada), 40, 41, 42 e 43, destas alegações, ao abrigo do disposto na 1ª parte do nº 1, do art. 712º, do CPC, ou então, anular a decisão proferida por deficiente quanto à matéria de facto, sendo indispensável a ampliação desta, ao abrigo do disposto no n.º 4, do art. 712º, do CPC; 5. Por outro lado, verifica-se no caso concreto a gravidade, a culpa, a ilicitude e a reiteração dos comportamentos incumpridores do Requerido/Apelado, pelo que o Tribunal “a quo” deveria ter condenado o Requerido/Apelado no pagamento da multa máxima prevista no n.º 1, do art. 181º da OTM, e não o tendo feito violou a lei, pelo que a decisão proferida deve ser revogada e substituída por outra que: · Condene o Apelado nos 9 incumprimentos, declarando o presente incidente procedente, por provado, nos termos do disposto no art. 181º da OTM; · Condene o Apelado no pagamento de uma multa no valor de 249,90 Euros, por cada um dos 9 incumprimentos, nos termos do disposto no art. 181º, n.º 1, da OTM; · Considere que a decisão sobre deslocações do menor ao estrangeiro estão incluídas no exercício do poder paternal, atribuído à Apelante; · Condene o Apelado e não a Apelante no pagamento das custas, quer do incidente, quer do presente recurso. 6. Foram apresentadas contra-alegações. 7. Tudo Visto. Cumpre Apreciar e Decidir. II – Factos Provados: 1. Por acordo, homologado por sentença transitada e julgado e datada de 28 de Janeiro de 2002, além do mais, ficou estabelecido, quanto à regulação do exercício do poder paternal relativamente às menores A e M o seguinte: · Cláusula 4ª: "As menores passarão os fins-de-semana alternadamente, ora com o Requerente pai, devendo este, para tanto, ir buscá-las às respectivas escolas ou a casa da Requerente mãe, nas respectivas sextas-feiras, até às 18 horas, no primeiro caso, e até às 19 horas no segundo caso, e entregá-las, na casa da mãe, até às 19h45m d domingo respectivo"; · Cláusula 6ª: "As menores passarão quinze dias seguidos de férias de verão com cada um dos Requerentes pais, de acordo com calendário escolar e das férias dos mesmos e nas datas em que, em função destes mesmos calendários, venham a ser acordadas entre ambos"; · Cláusula 9ª: "Nos dias dos aniversários das menores, estas tomarão uma refeição com o Requerente pai, ou os Requerentes reunir-se-ão em tais dias a fim de passarem com as filhas os seus aniversários". 2. Correu termos no 2° Juízo, 3ª Secção, deste Tribunal, processo de alteração da regulação do exercício do poder paternal em relação às ditas menores, o qual teve o seu início com requerimento apresentado em 08.04.2003, pelo aqui Requerido, terminando por transacção homologada por sentença transitada em julgado, datada de 29.11.2004; 3. No âmbito dos referidos autos de Alt.REEP. por requerimento de 02.06.2004, o aqui Requerido solicitava que o Tribunal decidisse uma «forma alternativa para que se [processasse] o regime de visitas», na sequência do relato de situações embaraçosas vivenciadas por si e pelas menores, à porta do prédio onde habita a aqui Requerente, por ocasião da entrega das mesmas, num domingo; 4. Também no dito processo, por requerimento de 24.06.2004, o aqui Requerido dirigiu-se assim ao Tribunal: "Em face de tudo o que se descreveu e expôs supra, o pai, ora Requerente, considera não ter condições para ir buscar as filhas a casa da mãe nos moldes em que se tem vindo a processar, uma vez que se recusa a violentar as suas filhas, tão pequenas, sujeitando-as a este género de situações. Por conseguinte, vê-se obrigado a comunicar ao Tribunal que não as irá mais buscar a casa da mãe até algo ser determinado quanto a outro local e forma de recolha das menores"; isto, alegadamente, na sequência de, no fim-de-semana de 12 e 13 de Junho de 2004, o aqui Requerido ter tido necessidade de se fazer acompanhar de pessoas amigas, aquando dos actos de ir buscar e entregar, respectivamente, as menores à porta do prédio onde reside a mãe daquelas, pois, também alegadamente, estaria a ser alvo de ameaças por parte do namorado da mãe das mesmas, sendo certo que toda aquela sucessão de intercorrências anormais num relacionamento que se quer sadio estavam a provocar imenso sofrimento ás menores; 5. Antes de 29.11.2004, não veio a ser tomada qualquer decisão a respeito da pretensão deduzida pelo aqui Requerido, no dito processo, tendo, então, sido homologado o referido acordo; 6. O Requerido não foi buscar as menores nos seguintes fins-de-semana de 2004, que, de acordo com o inicialmente acordado, lhes pertenciam: 25 a 27 de Junho, 9 a 11 de Julho, 23 a 25 de Julho, 3 a 5 de Setembro, 17 a 19 de Setembro, 1 a 3 de Outubro e 15 a 17 de Outubro; 7. O Requerido não tomou qualquer refeição com a menor A, no dia 17 de Junho de 2004 – dia do aniversário desta última; 8. O Requerido não passou o período entre 30.07.2004 e 15.08.2004 com as menores, apesar de ter sido tal período o previamente (acordado) com a Requerente, para gozo de férias com aquelas. III – O Direito: 1. De acordo com as conclusões formuladas pela Recorrente são as seguintes, em síntese, as questões a decidir: a) O Requerido apresentou as suas alegações fora de prazo, pelo que deveria ter sido mandada desentranhar dos autos; b) A decisão recorrida foi proferida sem que tivessem sido efectuadas previamente as respectivas diligências probatórias; c) A matéria de facto dada como provada é deficiente, não tendo sido atendidos os factos essenciais para a decisão da causa; d) A decisão recorrida devia ter condenado o Requerido pelo seu incumprimento quanto ao regime de visitas já estabelecido pelo Tribunal, face à gravidade dos factos alegados nos autos, tal como também devia ter sido condenado na multa máxima prevista no nº 1 do art. 181º da OTM. Apreciando cada uma de per si. 2. A Recorrente alega que o Requerido apresentou a sua resposta fora do respectivo prazo legal. E tem razão. Contudo, dessa extemporaneidade não se podem extrair as consequências pretendidas pela Recorrente. Efectivamente, resulta dos autos que o presente incidente de incumprimento do Acordo de Regulação do Exercício do Poder Paternal foi instaurado em 26 de Outubro de 2004. Em 17/12/2004, foi proferido despacho pelo Tribunal “a quo” deferindo a promoção do Ministério Público, que era no sentido de ser determinado o cumprimento do art. 181º, nº 2, da OTM. Tal normativo estabelece que, uma vez junto o requerimento ao processo, o juiz mandará notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente. Determinada a notificação, esta foi remetida ao Requerido por carta registada com aviso de recepção, no dia 04/01/2005, tendo o aviso de recepção sido devolvido ao Tribunal “a quo”, com carimbo aposto de 12/01/2005; contudo, a resposta do Requerido só deu entrada em 25/01/2005. Ou seja: muito para além da data legal. Pelo que, conforme alega a Recorrente, deveria tal resposta ter sido logo mandada desentranhar e determinada a devolução ao seu apresentante, seguindo-se o demais previsto na lei, nomeadamente o preceituado no nº 3 do art. 181º da OTM. Acontece, porém, que não foi esse o rumo processual seguido e, ao invés, o Tribunal “a quo” designou logo data para a conferência de pais. Mais se constata que, nesse acto de conferência, estiveram presentes as partes, devidamente representadas pelos seus mandatários, que não suscitaram qualquer questão e nada requereram ao Tribunal. Tal como também nada foi suscitado ou requerido logo após o Recorrido ter apresentado a referida resposta fora do prazo legal. Assim sendo, e uma vez que nada foi requerido nos sucessivos momentos processuais em que as partes intervieram, nem tão pouco na data em que a Recorrente teve conhecimento da referida apresentação do articulado fora do prazo, não pode agora, nesta fase, já depois de decorrido mais de dois anos sobre a prática de tal acto e depois da decisão ter sido proferida, pretender extrair daí quaisquer consequências. (1) É que a lei veda a arguição da nulidade tanto a quem lhe tenha dado causa como a quem, expressa ou tacitamente, renunciou à sua arguição – cf. art. 203º, nº 2, do CPC. Como foi o caso. Tão pouco obsta a que a nulidade fique sanada ou não possa ser arguida o facto de ter sido cometida num processo de jurisdição voluntária. (2) Por fim dir-se-á também que nada impedia no âmbito de um processo desta natureza – processo de jurisdição voluntária – que o próprio Tribunal “a quo” tivesse ponderado e aceitado a justificação então apresentada pelo Apelado no sentido de que o atraso na apresentação do seu articulado se ficara a dever à constituição de nova mandatária. Nessa medida, improcede a Apelação nesta parte. 3. Alega a Apelante que a decisão recorrida padece dos seguintes vícios: a) Foi proferida sem que tivessem sido previamente efectuadas as respectivas diligências probatórias; b) A matéria de facto dada como provada é deficiente, porquanto não atendeu aos factos essenciais para a decisão da causa. Vejamos. A este propósito, e cotejados os autos, constata-se que: a) Foi marcada data para conferência de pais, como se disse supra, e que teve lugar a 9 de Janeiro de 2005. b) Nesse acto, foi dado conhecimento ao Tribunal “a quo” que tinha sido “determinado provisoriamente a suspensão do regime de visitas”, no “âmbito do Proc. Nº(...). Tendo então o Tribunal “a quo” determinado que tal processo lhe fosse apresentado para consulta – cf. fls. 57. c) Seguidamente o Tribunal consignou no processo que procedeu “à consulta de tal processo, constituído por cinco volumes e cinco apensos”. E mandou “extrair certidão das respectivas peças processuais referentes ao incumprimento do exercício do poder paternal” – cf. fls. 59. d) E, em seguida, exarou a sentença recorrida – cf. fls. 116 e segts – na qual deu como provados os factos que se elencaram supra, com diversos incumprimentos por parte do Requerido – cf. factos inseridos nos pontos 7) e segts da matéria de facto provada. Ora, sendo embora verdade que o Tribunal “a quo” não determinou outras diligências probatórias, tal circunstância não permite, contudo, que se conclua no sentido pretendido da imprescindibilidade das mesmas. Atente-se que o presente processo já se encontra pendente desde 2004 e, paralelamente, correm noutro Juízo, do mesmo Tribunal de Família e Menores, outros autos, mas de alteração do Poder Paternal, constituído por cinco volumes e cinco apensos. A matéria de facto vertida em todos esses processos, e que se encontra provada, é de todo suficiente para se decidir se existiu ou não incumprimento por parte do Apelado, relativamente ao regime estabelecido no âmbito do processo de regulação do exercício do poder paternal e que envolve, mais precisamente, o regime de visitas estipulado. Efectuar outras diligências quando os autos são prolixos em factos que evidenciam os referidos incumprimentos – e tanto mais que o Recorrido não os nega (apesar de, naturalmente, apresentar a sua versão dos factos e justificação para tais ocorrências) e o próprio Tribunal “a quo” considerou tal matéria como provada – constituiria uma repetição de actos processuais cuja utilidade, neste contexto, não se vislumbra. Bem andou, pois, o Tribunal “a quo” quando prescindiu de outras diligências, tanto mais que o poder exercido se enquadra nos termos previstos no art. 181º, nº 4, da OTM, onde se estabelece expressamente que o juiz só as determinará se assim o “entender” como “necessárias”. Amplitude e ponderação que se compreende atenta a natureza jurídica do processo em causa. Destarte, improcede também, nesta parte, a Apelação. 4. Por fim, resta aferir se se deve manter a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que absolveu o Apelado do incidente de incumprimento do acordo de regulação do exercício do poder paternal. Incumprimento, segundo a Requerente, do direito de visita. Trata-se, porém, de matéria cuja decisão impõe que se aprecie qual a natureza jurídica de tal direito e se averigúe, em concreto, se existiu ou não incumprimento e, em caso afirmativo, se o mesmo deve ser, ou não, sancionável. Vejamos. 5. Sabe-se, a este respeito, que o incumprimento do acordado em matéria de regulação de poder paternal, com o simultâneo desrespeito pela decisão proferida pelo Tribunal, tem uma sanção específica estatuída na lei. Com efeito, prevê o art. 181º da OTM que possa existir condenação do remisso em multa até ao montante de 249,49 Euros e ainda a sua condenação no pagamento de uma indemnização, nomeadamente, a favor dos menores – cf. art. 181º, nº 1, da OTM. Tal norma estabelece, expressamente, que: “se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao Tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até € 249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos”. Resulta, pois, deste preceito legal, que o progenitor remisso, que não cumpra com o acordado, pode vir a ser condenado em multa e em indemnização “a favor do menor ou do requerente ou de ambos”. E a questão que se coloca é a de saber se, em abstracto, tal condenação deverá ou não abarcar o incumprimento do direito de visita por parte de um dos progenitores. E a resposta, quanto a nós, só pode ser no sentido afirmativo. 6. A este propósito importa salientar que, já na edição de 1979, da Organização Tutelar de Menores, Comentada e Anotada por Antonino Antunes, aparecia veiculado o entendimento de que o incidente de incumprimento previsto no art. 181.º da OTM é aplicável aos casos de incumprimento que compreendam igualmente o regime de visitas. (3) Entendimento que tem vindo a ser reforçado, hodiernamente, a nível Europeu, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, como forma de manter e preservar os laços afectivos entre os filhos menores e o progenitor a quem não foi atribuída a guarda desses filhos. Funda-se tal entendimento na natureza jurídica do direito de visita que se assume como um direito-dever e não um direito subjectivo propriamente dito, como forma de tal progenitor colaborar também com o progenitor, que tem a seu cargo os menores, no exercício efectivo das responsabilidades parentais em relação aos seus filhos. (4) Daí que alguns Autores apelidem o direito de visita de “um acto de amor” que “constitui a essência dos direitos parentais para o progenitor não guardião do menor”, (5) funcionando como um meio de o progenitor, naquelas circunstâncias, manifestar a sua afectividade para com o filho, estreitando laços, partilhando emoções e ideias, e transmitindo-lhe valores, sentimentos indispensáveis ao real crescimento do menor e ao seu desenvolvimento harmonioso do ponto de vista psicológico, de molde a que não veja a sua vida cerceada de tais sentimentos, v.g., de atenção, amor e carinho. Para além de, naturalmente, impor-se a salvaguarda do interesse do próprio menor em manter com aquele progenitor, a quem não foi confiada a guarda, a “relação de grande proximidade” a que se alude, no nosso ordenamento jurídico, no art. 1905º do CC, possibilitando, quanto a nós e na prática, por essa via, ao progenitor não guardião dos menores, que o conteúdo do poder paternal inserido nos arts. 1885º e segts. do CC alcance expressão real e faça todo o sentido. Segundo esses Autores que vimos citando, o princípio a defender é o do reconhecimento ao progenitor, a quem a guarda não foi confiada, de um direito de visita de forma quase automática ou presumida, (6) porquanto se tem entendido que o afastamento de um dos pais na vida da criança é uma situação que se configura, em si mesma, como contrária aos interesses da própria criança e que, por conseguinte, urge salvaguardar. Neste contexto não é, pois, de estranhar, a tendência actual – quer legal, quer jurisprudencial – em se incentivar ao máximo esses contactos parentais, com vista à manutenção das relações pessoais e fortalecimento dos laços afectivos entre pais e filhos. A ponto de, em caso de incumprimento, se sancionar a conduta respectiva. Na senda de tal orientação pode citar-se Rivero Hernandez, que defende que o direito de visita “constitui um direito irrenunciável, devido à indisponibilidade das relações familiares” e que o incumprimento desse direito “acarreta as sanções correspondentes”. (7) 7. O direito português também não ficou insensível a tal problemática. E exemplo disso é o normativo consagrado no âmbito da Organização Tutelar de Menores, sob a epígrafe de “incumprimento” – o art. 181º da OTM. Visou tal norma, fundamentalmente, a tutela das decisões judiciais proferidas no âmbito dos processos de regulação de poder paternal, de molde a evitar que, quer o decidido, quer o aí acordado, se traduzisse em pura letra morta, prevendo-se a adopção de medidas coercivas para o respectivo incumprimento. Aí se incluindo, também, o próprio direito de visita, enquanto direito/dever do progenitor não guardião (8) , sancionando-se, por conseguinte, o incumprimento desse direito/dever de visita por aquele que não cumpra a decisão judicial ou o acordo proferido nessa matéria. A este propósito salienta-se que, teoricamente, há até quem advogue, para situações desta natureza, a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias a pagar pelo progenitor sem a guarda do menor por cada dia, semana ou mês de atraso no cumprimento do seu direito/dever de visita. (9) Solução igualmente adoptada, segundo a A. citada, pela jurisprudência Francesa, que condenou um pai, que não visitava a filha, por violação ao direito/dever de visita, em 100 F por dia (1980). 8. Sendo despiciendo, em nosso entender, invocar, numa relação de normalidade, e em função dos interesses quer do menor, quer do próprio pai, o argumento “pretensamente arrasador” de que uma sanção dessa natureza só contribui para forçar uma relação que se pretende, entre pais e filhos, de todo espontânea. Embora o regime estabelecido de visitas tenha tido sobretudo em vista permitir a indispensável conservação dos laços afectivos da criança com o pai, não é aceitável qualquer argumentação que vise desvalorizar a necessidade ou frequência regular da ocorrência de tais visitas, ou a defesa de que esse direito de visitas constitui uma mera faculdade ao dispor do progenitor não guardião da criança, que tanto pode como não cumpri-lo. É que, para além da presença maternal, torna-se cada vez mais imprescindível a presença do pai na vida de um menor, à medida que este vai crescendo em idade, porquanto essa convivência regular com o pai e a sua natural intensificação não deixarão de facilitar aos menores uma adaptação tranquila às novas condições de vida familiares e sociais e de simultaneamente permitir o estabelecimento e manutenção dos laços afectivos com os menores, que importa, de todo, salvaguardar. Como também o reconhecem os AA. que vimos citando, nestas circunstâncias de ruptura do casal, nem sempre as relações que se estabelecem posteriormente com os filhos são preservadas do clima de conflito que envolve o ex-casal. E a verdade é que bastas vezes reflectem, ainda, esse estremar de posições, como forma reflexa de expressão de uma vingança pessoal que se pretende exercer de ex-cônjuge para ex-cônjuge, numa tensão irracional e emotiva permanente. Por isso importa criar mecanismos legais que contribuam para aproximar os pais dos filhos, mantendo os laços afectivos e de proximidade, independentemente das rupturas e conflitos vividos entre os adultos e ex-casais. É neste contexto que igualmente defendemos que o direito de visita não pode ser encarado – por parte do progenitor que não tem a guarda do menor – como uma mera faculdade que o mesmo ora exerce, ora não, consoante as suas apetências, estados de espírito e/ou disponibilidade. Antes reveste a natureza jurídica de um direito que assiste àquele pai – o direito de ver e estar com os seus filhos, de usufruir da sua presença e companhia e de zelar e acompanhar a sua educação e crescimento – direito a que corresponde, correlativamente, também um dever: o de comparecer e receber o filho para estar com ele, cumprindo a decisão judicial nos precisos termos em que tal direito foi instituído e regulado. Sob pena de, em caso de incumprimento, haver lugar à aplicação das sanções previstas expressis et apertis verbis no art. 181º da OTM. Contudo, não obstante o que referimos, temos para nós que o alcance do seu comportamento incumpridor, bem como a realidade que lhe subjaz, tem necessariamente que ser aferida in concreto, com a ponderação do circunstancialismo fáctico que, em cada caso concreto, o rodeia e, sobretudo, determinou o incumprimento. 9. No plano Jurisprudencial Português, e no mesmo sentido, encontramos defendida a orientação de que o recurso ao próprio regime estatuído no art. 181º da OTM é legítimo e adequado para situações desta natureza. (10) Porém a sua aplicação há-de pressupor uma crise, um incumprimento grave e reiterado por parte do progenitor remisso e não uma mera situação ocasional ou pontual de incumprimento, surgida por motivos imponderáveis alheios à vontade do próprio progenitor incumpridor. (11) Quer isto dizer, conforme se salientou supra, que a aplicação de sanções por incumprimento do que tiver sido acordado ou decidido há-de depender da ponderação e análise dos factos concretos carreados e provados nos respectivos autos, porquanto, só a análise das circunstâncias concretas em que incorreu o incumprimento permitirá verificar se existe culpa e ilicitude por parte do incumpridor ou, pelo menos, se revestem gravidade que justifiquem a sua condenação. Mal se compreenderia, aliás, outro entendimento, quanto mais não fosse pela própria natureza jurídica do processo em causa. Estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária (processo de regulação do poder paternal) no qual o juiz não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo, e devendo, adoptar, a solução que considere ser aquela que, em face de cada caso concreto, melhor se adequa aos interesses em presença e que importa sobretudo defender e salvaguardar: os interesses do menor. E, como é sabido, o exercício do poder paternal, a que está sujeito o filho menor, deve ser regulado de harmonia com o interesse do menor. E é este interesse que a lei erige como critério único da regulação e que corresponde a um conceito amplo e aberto, mas que deve ser preenchido casuisticamente, por se entender ser a forma mais adequada para definir, num dado momento, o real interesse do menor, dada a multiplicidade de situações susceptíveis de ocorrer, especialmente em termos de zelo pela sua segurança e saúde, provisão do seu sustento e direcção da sua educação – cf. art. 1878.º, n.º 1, do CC. Deste modo e em conclusão: - É em função de cada caso concreto a regular que se pode determinar se houve incumprimento, maxime, se tal incumprimento deve ser sancionado. 10. Posto isto e reportando-nos ao caso concreto, constata-se que está em causa o incumprimento por parte do progenitor, que não detém a guarda das menores, do regime de visitas instituído no âmbito de um processo judicial e ao qual o Requerido estava obrigado a cumprir. Sendo certa tal conclusão, impõe-se, contudo, agora, aferir, in concreto, as razões subjacentes a tal incumprimento. Ora, de acordo com o circunstancialismo fáctico retractado nos autos, sabe-se que: - O Apelado não foi buscar as menores nas datas em que deveria ter ido – cf. factos provados e inseridos supra nos pontos 7) e segts. da matéria de facto provada – e a que estava obrigado por acordo homologado por sentença transitada em julgado e datada de 28 de Janeiro de 2002. - Essas datas ocorreram entre 25 de Junho a 17 de Outubro de 2004 – cf. factos inseridos nos pontos 6) e segts. Porém, também nos é dado conhecimento, através dos autos, que: - O presente incidente de incumprimento deu entrada em 26 de Outubro de 2004. - Mas já antes, em 8 de Junho de 2003, o Requerido solicitou ao Tribunal uma alteração ao referido exercício de regulação do poder paternal. - Processo que terminou com uma transacção homologada por sentença transitada em julgado, datada de 29/11/2004. Ou seja: os presentes autos deram entradas já depois do Requerido ter solicitado alteração ao acordado na regulação do poder paternal, com reflexos no direito de visitas, e as “ausências” do Requerido situaram-se antes da celebração do novo acordo que ocorreu em 29/11/2004, sendo o seu requerimento de alteração também anterior a tudo isto – está datado de 8 de Junho de 2003. É certo que constam dos presentes autos outros requerimentos da autoria da Requerente, incorporados no referido Proc., em que esta dá conta que o Requerido não cumpriu o direito de visita depois desse acordo homologado em 29/11/2004. Contudo, consta também dos autos, a este propósito, que o Requerido se “queixou” ao Tribunal que compareceu para ir buscar as menores, mas estas é que se recusaram a acompanhá-lo, tendo o Requerido descrito diversos factos relativos, de acordo com a sua versão, à pressão exercida pela mãe sobre as menores, ao desequilíbrio daquela a ponto de condicionar a vontade das crianças, solicitando, assim, ao Tribunal, que fossem realizados exames pedopsiquiátricos às menores e exames psiquiátricos à mãe destas, de molde a apurar a verdade dos factos. E a fls. 109 consta que tais autos foram remetidos ao Hospital D. Estefânia (presume-se que para efectivação de exames dessa natureza às menores). Todo este circunstancialismo é revelador de uma grande tensão emocional na relação entre os ex-cônjuges e, independentemente das razões que lhe subjazem, a verdade é que tal situação tem repercussões no (in)cumprimento do direito de visitas aqui em causa. 11. Ora, tendo nós referido, em ponto anterior, que o incumprimento deve ser aferido em concreto, não pode deixar de se considerar que, no contexto citado, há todo um conflito latente que se encontra pendente e em apreciação em Tribunal e que ainda não está apurado. Inexistindo esses elementos fácticos de molde a tornar possível adjectivar o comportamento do Requerido e apurar da intencionalidade dos seus actos, e o grau com que agiu, a conclusão a que se chega é a de que não se pode sancionar a sua conduta por falta dos referidos pressupostos relativos à culpa e ilicitude desses comportamentos, bem como qualquer eventual reiteração. Efectivamente, e tal como já deixamos expresso, a aplicação da sanção do art. 181º, nº 1, da OTM, quanto ao incumprimento do direito de visitas, há-de pressupor uma crise, um incumprimento grave e reiterado por parte do progenitor remisso e não uma mera situação ocasional ou pontual de incumprimento, surgida por motivos imponderáveis alheios à vontade do próprio progenitor incumpridor. (12) E a inexistência da prova desses elementos obsta a que se condene o Requerido, no actual contexto, pelos alegados incumprimentos. Razão pela qual falece, também nesta parte, a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida. 12. Finalmente, quanto às deslocações das menores ao estrangeiro, não pode deixar de se considerar que as mesmas estão incluídas no exercício do poder paternal, atribuído à Apelante. Deverá, contudo, esta, dar conhecimento ao Recorrido de todas as saídas ao estrangeiro que envolvam as menores, antes de as efectuar. IV – Decisão: - Termos em que se acorda em julgar improcedente a presente Apelação, mantendo-se a sentença recorrida. - Custas a cargo da Requerente, em ambas as instâncias, porquanto decaiu – cf. art. 446º, nº 2, do CPC. Lisboa, 21 de Junho de 2007. Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora) Fátima Galante (voto a decisão) Ferreira Lopes ____________________ 1 Á mesma conclusão se chegou no Acórdão do STJ, de 6/01/1976, in BMJ, 253º, pág. 140, quanto à apresentação de uma contestação nos termos aí previstos. 2 Neste sentido cf. Acórdão da Relação de Coimbra, de 28/06/1988, in CJ, T. 4º, pág. 41. 3 Neste sentido cf. Antonino Antunes, in “Organização Tutelar de Menores”, Ed. 1979, Almedina, pág. 141, bem como o Ac. da Relação de Lisboa, de 1/3/2007, proferido no âmbito do Proc. Nº 1750/2007 – 6ª, em que tal questão aparece meramente aflorada, subscrito também pela presente Relatora, in www.dgsi.pt. 4 Cf., neste sentido, Maria Clara Sottomayor, in “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, págs. 66 e segts. 5 Cf. Novinson, in “Post-Divorce Visitation”, pág. 131, citado por Maria Clara Sottomayor, a fls. 65. 6 Ibidem, págs. 77 e segts. 7 In “El Derecho de Visita. Ensayo de Construction Unitaria, in El Derecho de Visita de Los Menores en Las Crisis Matrimoniales”, Ediciones Universidad de Navarra, Pamplona, 1982, pág. 242. 8 Neste sentido se pronuncia de forma clara e esclarecedora Maria Clara Sottomayor, in obra citada, págs. 82 e segts, que seguimos de perto. 9 Cf. Calvão da Silva sobre a utilização da sanção pecuniária compulsória no direito de família, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, págs. 465 e segts. 10 Cf., a este propósito, o Acórdão da Relação do Porto, de 29.03.1993, in www.dgsi.pt, relatado pelo Des. Araújo Carneiro. 11 Neste sentido cf. o Acórdão da Relação do Porto, de 30/01/2006, proferido no âmbito do Proc. Nº 0557105, in www.dgsi.pt. 12 Neste sentido cf. o Acórdão da Relação do Porto, de 30/01/2006, proferido no âmbito do Proc. Nº 0557105, in www.dgsi.pt. |