Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5243/18.8T8LSB-A.L1-2
Relator: JORGE VILAÇA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
REQUISITOS
RECURSO SUBORDINADO
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTES
Sumário: I – O decretamento de providências não especificadas está dependente da conjugação dos seguintes requisitos: a) Probabilidade séria da existência do direito invocado; b) Fundado receio de outrem, antes da ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; c)            Adequação da providência à situação de lesão iminente; d)            Não existência de providência específica que acautele aquele direito.
II - Na análise da probabilidade séria da existência do direito não se pode confundir o direito que pretende acautelar com a ofensa que se pretende evitar contra tal direito.
III - Antes da ofensa tem que existir o próprio direito a acautelar e este acautelamento não se confunde com a declaração da existência do direito em si mesma própria da ação declarativa a propor ou já proposta.
II – No procedimento cautelar não se pede a declaração indiciária do direito, mas tão só se age contra ato que ofenda ou possa por em causa o efeito a obter através do reconhecimento daquele direito.
III- O meio adequado a evitar um ato próprio da ação executiva é intervindo adequadamente e nos termos previstos na lei de processo dentro dessa ação e não por via de um procedimento cautelar que não é instrumental da ação executiva, mas de uma outra ação declarativa diferente.
IV - Na providência em que se visa acautelar exatamente os mesmos direitos que na ação principal o seu valor deverá corresponder ao desta, fazendo-se apelo ao n.º 1 do artigo 304º do Código de Processo Civil, no que respeita aos incidentes.
V - Na providência cautelar o valor da causa será diferente do da ação principal apenas e quando o valor do prejuízo que aquela visa evitar for diferente do direito que se visa definir nesta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

Américo ......
Instaurou, por apenso à ação principal e ao abrigo do disposto nos artigos 2.º n.º 2 in fine, 362.º n.º 1 e 2 e 379.º do Cód. Proc. Civil, procedimento cautelar comum contra:
1- Maria ...... e marido João Manuel ......, e
2- Isabel ......
Alegando, sem síntese, o seguinte:
· Foi efetuada pela 3.ª requerida, na qualidade de agente de execução, no processo 9505/12.0TDLSB.1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa – JL Criminal – Juiz 12, mediante a venda (adjudicada) à primeira requerida, Maria ......, a “½ indiviso do prédio urbano, situado na Rua ….. n.º49, a 49-B, da freguesia de Santa Isabel concelho de Lisboa, composto por casa do rés-do-chão com habitação de porteira, quatro andares e logradouro, prédio que se encontra descrito na CRP de Lisboa sob a ficha n.º …….., da Freguesia de Santa Isabel e inscrito na matriz predial urbana, na freguesia de Campo de Ourique sobre o artigo ……;
· A mesma é nula, nos termos dos artigos 285.º, 286.º e 294.º do Código Civil, com referência ainda ao artigo 4.º da Lei de Prevenção ao Branqueamento de Capitais, porquanto a compra efetuada pela primeira requerida, Maria ......, é efetuada com produto proveniente da prática dos crimes de abuso de confiança qualificada, fraude fiscal qualificada, falsificação de documento, corrupção e branqueamento de capitais, como também se vai procurar demonstrar, sem prejuízo, claro, do seu apuramento nas outras instâncias formais de controlo;
· Com efeito, e sumariamente, a requerida Maria ...... e o seu marido, o requerido João ......, nunca tiveram rendimentos suficientes, para acumular riqueza, até ao óbito da mãe do requerente e daquela (são irmãos), sendo que, após o decesso, os referidos requeridos, tirando partido do facto daquela exercer o cabeçalato, por ser mais velha, e por via do mesmo, apropriaram-se de todo o acervo patrimonial, quer através de processo judiciais, para dar um ar de licitude, quer através de apropriações ocultas e repetidas ao longo de mais de 17 anos às receitas da herança e da sociedade Maria …… & Filhos, Lda., que faz parte da herança e proprietária do conhecido estabelecimento situado no Chiado denominado Pastelaria ......;
· Aliás, refira-se ainda em conexão com esta matéria que o requerido João ......, já beneficiou de uma dispensa de pena, pela prática de crime fiscal no âmbito do processo 577/07.0TDLSB – 05 do DIAP de Lisboa, sendo que não tendo o aqui requerente acesso ao relatório da Direção Distrital de Finanças, está por apurar por este se os ilícitos ali apurados tiveram por base a passagem pelas contas bancárias daquele de verbas que a sua mulher desviava da herança e da sociedade, mas que aquele, em face da investigação, justificou como sendo rendimentos forenses não declarados, matéria que de resto se vai melhor apurar no local próprio e naturalmente nesta ação;
· O requerente e a requerida Maria ......, são únicos herdeiros de Maria Augusta ……., sendo o requerido João …….. ...... casado com aquela.
· Augusta ………., mãe do requerente e da requerida Maria ......, faleceu no dia 19.11.2003, deixou um considerável pecúlio hereditário avaliado, aliás, em mais de 5 000 000,00€.
· A requerida Maria ......, no princípio do ano de 2003, aproveitando-se do debilitado estado de saúde de sua mãe, locupletou-se de todo o acervo patrimonial incluído na herança. Para alcançar tal desiderato, a requerida Maria ......, engendrou um cuidadoso e aturado plano com a colaboração ativa do seu marido o aqui requerido, João ......, que é advogado de profissão, com a fidelização de testemunhas e mobilização de vários outros advogados e “assistência” profissional de agentes de execução.
· A requerida Maria ......, no âmbito daquela sua resolução “acabou” por ficar “dona” de todo o acervo hereditário avaliado em mais 5 000 000,00€ (cinco milhões de euros), e não satisfeita ainda se tornou dona do prédio sub judice adquirido pela mãe, embora em nome de ambos (autor e aquela), avaliado em não menos de 4 000 000,00€ (quatro milhões de euros).
· E ainda se prepara para se tornar dona do último prédio que supostamente foi adquirido por uma transação judicial que a ela voltaremos.
· Para a concretização deste maligno plano, a requerida Maria ...... contou com a decisiva colaboração ativa da filha do requerente, Filipa .......
· Não se pretendendo, de modo algum, que este tribunal vá sindicar o julgado na sobredita ação 960/05, mas demonstrar a cabala de que o requerente foi vítima, resultado da atuação insidiosa dos primeiros requeridos, sempre sendo de referir que os fundamentos de facto que conduziram àquela decisão são manifestamente insuficientes;
· Como referido, retornamos à transação outorgada no referido processo de Vieira do Minho, para referir que a requerida Maria ......, intentou uma execução para pagamento da quantia fixada pelos peritos e em cumulação com a sanção fixada para o “incumprimento do acordado” designando um agente de execução da sua confiança, Manuel ………;
· Não obstante o conteúdo do título, não se levantaram dúvidas ao agente de execução «nomeado» e, assim, procedeu à penhora de bens, numa primeira fase dos saldos das contas bancárias, para dar aparência de licitude do ato de penhora do bem subsequente que foi – nada menos – do que a penhora do quinhão hereditário em toda a sua extensão e em clara violação dos princípios da legalidade e proporcionalidade.
· O requerente num primeiro momento deduziu oposição à execução e à penhora, com fundamento não na insuficiência do título (como devia ter sido), mas, no vício de formação da vontade, que foi julgada improcedente, estando convicto até há bem pouco tempo de que havia sido interposto recurso de tal decisão o que, porém, não sucedeu dado o desinteresse do advogado de então por, julga o requerente, falta de meios financeiros;
· Entretanto, em tal execução e sem que o requerente tenha sido ouvido ou achado, e por razões não publicitadas no processo, deu-se a substituição do agente de execução entrando em cena a requerida Isabel ...... que deu continuidade à execução promovendo a venda – com abertura de propostas perante o juiz, que, deste modo, é mais solene e credível – determinando que o preço base para o quinhão da ½ da herança fosse de apenas 473.359,77€, referindo uma alegada avaliação, necessariamente defeituosa porque só a quota na sociedade vale no mercado mais de 2 500 000,00€ (dois milhões e meios de euros), a que se somam as elevadas disponibilidades de caixa desviadas pela requerida Maria ...... e os prédios foram avaliados em mais de um milhão de euros a que acrescem os frutos da herança e os lucros da sociedade desde o óbito e, ainda, a enormíssima quantidade de pratas da mãe,
· Certo é que e naturalmente a adjudicante de tal «bem» foi a requerida Maria ...... que, tendo ficado dispensada do depósito da quantia exequenda, depositou o remanescente e que pouco tempo depois lhe foi devolvido ainda através de uma tramitação aparentemente legal;
· Posto isto, a requerida Maria ......, ficou “dona” “provisória” de todo o acervo hereditário, com valor de mercado de cerca de 5 000 000,00€ (cinco milhões de euros) sem investir um cêntimo de dinheiro próprio, que, aliás, nunca teve, posto que o dinheiro usado foi subtraído da sociedade e da herança na qual o requerente detinha- e detém - um direito patrimonial equivalente ao dela, ou seja de metade.
· O requerente apresentou requerimento de nulidade de toda a execução, por: (i) manifesta falta de título, questão do conhecimento oficioso e a todo o tempo; (ii) clara violação da lei pelos senhores de execução, designadamente falta de isenção e imparcialidade; (iii) violação dolosa do princípio da proporcionalidade; (iv) violação das regras de avaliação e fixação dos valores dos bens, tudo conforme cópia que aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo que ainda não houve decisão de mérito sobre tal requerimento;
· Não saciada, a requerida Maria ......, intentou (2006) contra o requerente uma outra ação de responsabilidade civil conexa com o alegado crime de abuso de confiança, peticionando a quantia de 242 324,33€ que correu termos com o n.º 5733/06.5TYLSB, nas Varas Cíveis de Lisboa;
· O requerido João ......, instaurou uma execução para pagamento da quantia de 2 605,03€, crédito que obteve pela circunstância de o requerente ter sido condenado no pagamento de uma indemnização àquele no âmbito de um dos vários processos-crime que instauraram contra o autor, o 9505/12, sentença que não se coloca aqui em causa, mas que, adiante-se, desde já, vai ser objeto do recurso de revisão logo que reunidos os respetivos elementos probatórios;
· Refira-se que a requerida Isabel …………, agente de execução, tinha, como de facto teve, acesso às rendas e direitos de crédito que o requerente detinha e que à data satisfaziam de forma célere, justa, proporcional, transparente e legal o crédito do exequente aqui requerido.
· Dito isto, vemos que o requerimento executivo foi apresentado no dia 28.04.2014, sendo a quantia exequenda de 2 605,03€, sendo 2 584,00€ de capital e 9,34€ a título de juros.
· A consulta à base de dados da Autoridade Tributária foi efetuada no dia 06.06.2014, i. e., um mês depois do início do processo. E na informação da Autoridade Tributária, galga à vista, mesmo de um leigo, por muito estúpido ou iletrado que seja nestas coisas, para mais uma profissional habituada rectius que pratica tais atos diariamente, a existência de 14 prédios, um veículo, que tem rendimento dependentes e prediais, participações sociais e que consta como herdeiro na herança ali melhor referenciada, mais constando de tal informação que as cadernetas prediais podem ser obtidas no site das Finanças.
· No dia 23.06.2014 a requerida Isabel ………., agente de execução, elaborou acto de penhora de saldo de conta bancária no BPI da quantia de 60,20€
· Em 07.08.2015, i. e., mais de um ano depois, a senhora agente de execução elabora uma informação ao tribunal, não para dar conta de alguma dificuldade em penhorar um de qualquer dos bens constantes na base de dados da Autoridade Tributária penhorável de acordo com a ordem sequencial prevista na lei, mas, note-se, para informar no que aqui interessa que “…A penhora de saldos resultado positiva no valor de 60,20€…” e que “Foi posteriormente localizado um bem imóvel, sob o qual foi registada a penhora...”
· A requerida Isabel ......, não informou o tribunal das abundantes informações da Autoridade Tributária relativas a outros bens que de acordo com a lei deviam ter sido penhorados em primeiro lugar.
· Pela requerida Isabel ...... foi penhorado no dia 27/09/2014 o bem entretanto, vendido, e que corresponde a ½ indivisa do Prédio Urbano composto por 5 (e não quatro) andares, sito na Rua ...... n.º 49 a 49B, descrito na Constituição da República Portuguesa sob o número ….. e inscrito na matriz sob o artigo ……;
· Com data de 30.05.2017, o requerente apresentou requerimento de reclamação de nulidades dos atos praticados pela senhora agente de execução e pedido de substituição de penhora e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
· No dia 06.06.2017, o tribunal onde decorreu o processo de execução sub judice, acabou por indeferir a reclamação de nulidade, quer atribuindo efeito preclusivo aos atos do agente de execução que - adiante-se – não tem, não pode ter, quer por desconhecer normas legais que o habilitassem ao ali requerido (Doc. 71).
· A requerida Maria ...... licitou pelo valor mínimo, acrescido da «generosa» quantia de 5,00€, pelo que lhe foi adjudicado;
· A requerida Maria ......, efetuou o «depósito» com dinheiro proveniente das apropriações que foi e vem efetuando quer na sociedade Maria ......, Lda., quer na herança e que ocultou com falsificação de documentos, circulação em contas bancárias de terceiros e no estrangeiro, como resulta, para já, dos extratos que se juntou e que são suficientes quanto baste.
· O requerente reclamou para o tribunal nulidade da venda, nos termos do artigo 195.º ex vi artigo 839.º n.º 1 al. c), ambos do CPC, reclamação que foi indeferida e que quanto ao pedido de fracionamento do prédio, considerou o tribunal ter ficado prejudicado o seu conhecimento uma vez que a venda do prédio se havia concretizado;
· O requerente interpões recurso da decisão que indeferiu a reclamação da nulidade da venda atrás referida, bem como do anterior despacho de 06.06.2017;
· O Tribunal admitiu o recurso quanto à parte da reclamação da nulidade da venda, mas já não quanto ao despacho de 06.06.2017, por decidir que o mesmo havia transitado;
· Porque não concordou com tal decisão, o requerente apresentou reclamação contra a não admissão do recurso nessa parte, tendo a senhora juíza desembargadora e vice-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, proferindo decisão singular em 28.12.2017 determinado ser o recurso admissível, sendo que por acórdão de 30.11.2017, negou provimento ao recurso,
· Tribunal de primeira instância perante tais decisões tenha decidido devolver o processo in totto ao tribunal superior para que ali seja resolvida a situação, mantendo o indeferimento dos insistentes requerimentos da ré Isabel ...... para requisição do auxílio da força pública para entrega do local à adjudicante com o consequente despejo do autor que não tem para onde ir.
· Até à presente data, o requerente não foi notificado de qualquer decisão, sendo certo que entretanto, i. e., após a propositura da ação, foi proferido decisão singular razão pela qual apresentou reclamação de nulidade.
Pedindo que
(i) Declarada, indiciariamente e até ao trânsito em julgado da ação principal, nula a venda efetuada pela 3.º ré, na qualidade de agente de execução, no processo 9505/12.0TDLSB.1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa – JL Criminal – Juiz 12, mediante a qual foi vendida (adjudicada) à primeira ré, Maria ......, a “½ indiviso do prédio urbano, situado na Rua ...... n.º49, a 49-B, da freguesia de Santa Isabel concelho de Lisboa, composto por casa do rés-do-chão com habitação de porteira, quatro andares e logradouro, prédio que se encontra descrito na CRP de Lisboa sob a ficha n.º ….., da Freguesia de Santa Isabel e inscrito na matriz predial urbana, na freguesia de Campo de Ourique sobre o artigo …..., ou quando assim se não entenda,
(ii) Anulada, indiciariamente, até ao trânsito em julgado da ação principal, a venda efetuada pela 3.ª ré, na qualidade de agente de execução, no processo 9505/12.0TDLSB.1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa – JL Criminal – Juiz 12, mediante a qual foi vendida (adjudicada) à primeira ré, Maria ......, a “½ indiviso do prédio urbano, situado na Rua ...... n.º49, a 49-B, da freguesia de Santa Isabel concelho de Lisboa, composto por casa do rés-do- chão com habitação de porteira, quatro andares e logradouro, prédio que se encontra descrito na CRP de Lisboa sob a ficha n.º ….., da Freguesia de Santa Isabel e inscrito na matriz predial urbana, na freguesia de Campo de Ourique sobre o artigo …...
(iii) A titulo de pedido subsidiário, em caso de improcedência de qualquer um dos pedidos anteriores, o que por mera hipótese, se admite, declarado, indiciariamente, até ao trânsito em julgado da ação principal, que o autor é usufrutuário vitalício das frações referentes ao 1.º andar direito e esquerdo, rés-do-chão e casa da porteira do prédio sito na Rua ………… n.º 49, em Lisboa e que o mesmo tem eficácia ergo omnes e não caduca com a venda executiva, nos termos dos artigo 824.º n.º 2 e do Código Civil, ordenando-se aos réus a obrigação de reconhecerem esse direito e, por via disso, se absterem de qualquer ato que esbulhe, perturbe ou cause qualquer diminuição ao seu pleno exercício; quando se entenda de modo diferente;
(iv) Que o autor tem o direito real de uso e habitação vitalício das frações referentes ao 1.º andar direito e esquerdo, rés-do-chão e casa da porteira do prédio sito na Rua ……… n.º 49, em Lisboa e que o mesmo tem eficácia ergo omnes e não caduca com a venda executiva, nos termos do artigo 824.º n.º 2 do Código Civil, ordenando-se aos réus a obrigação de reconhecerem esse direito e, por via disso, se absterem de qualquer ato que esbulhe, perturbe ou cause qualquer diminuição ao seu pleno exercício.
(v) Por via da procedência de qualquer um dos pedidos acima formulados, ordenado à requerida Isabel ...... que se deve abster de proceder à entrega aos primeiros requeridos da ½ do prédio sub judice, bem como devem todos os requeridos reconhecer e abster-se de perturbar o direito de propriedade e de posse, bem como o da habitação do requerente até ao trânsito da decisão que vier a ser proferida na ação principal já proposta.

Foi proferida decisão no sentido de julgar improcedente o presente procedimento cautelar comum.

Não se conformando com aquela decisão, dela interpôs o presente recurso de apelação o requerente, que nas suas alegações formulou as seguintes CONCLUSÕES:
– Vem o presente recurso interposto da decisão do tribunal a quo que indeferiu liminarmente o requerimento inicial da providência cautelar, negando, assim, o acesso à tutela jurisdicional cautelar efetiva, não obstante a sua previsão constitucional e no próprio processo civil.
– Ab ovo, e com o devido respeito, para salientar que uma peça processual, eventualmente extensa, não se confunde com prolixidade, justificando-se uma maior extensão da peça pelo ónus de alegação dos factos (nucleares e concretizadores) e das razões de direito, e pelo dever de cautela que impende sobre o mandatário de organizar a peça processual em função dos interesses que lhe foram confiados.
– Disto isto, vemos que o tribunal a quo, errou ao concluir que com a presente providência o requerente pretende obter o mesmo que na ação, o que, na ótica do tribunal a quo, lhe está vedado, sendo que, porém, do confronto dos pedidos e causas de pedir se conclui que a presente providência é, e ao invés, idónea a prevenir a grave e irreparável lesão ao direito do requerente, assumindo-se, como instrumental em relação à ação e com a característica de provisoriedade decidida numa sumaria cognitio.
– A provisoriedade da providência resulta da respetiva pretensão cautelar, sendo certo que a mesma é conservatória na medida em que com ela se pretende assegurar o status quo atual de modo a assegurar o efeito útil da decisão na ação, ou seja, o requerente pretende ver reconhecido provisoriamente o seu direito de propriedade e consequentemente a manter o seu direito de fruição, de habitação própria, das partes do prédio que, aliás, constituem a sua habitação há mais de 30 anos.
- E a mesma caraterística instrumental e provisória está outrossim presente no pedido cautelar subsidiário quanto ao usufruto e/ou uso para habitação na absurda hipótese de não se considerar nula ou anulável a venda ocorrida no processo judicial 9505/12, o que por mero dever do patrocínio se equaciona.
– Sendo que, adiante-se, em ambos os casos se pretende que o tribunal intime a requerida Isabel ...... de se abster de proceder à entrega do imóvel à primeira requerida Maria ......, no âmbito da referida execução, porquanto a compra por esta foi efetuada com produto proveniente da prática dos crimes de abuso de confiança qualificado (a vítima é o recorrente e o Estado), branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal e também a requerida Isabel ......, para beneficiar os primeiros requeridos (com a consciência que prejudicava gravemente o requerente), violou de forma grave e deliberada os seus deveres funcionais resultando incurso nos crimes de corrupção, falsidade informática e falsificação de documentos.
– Não concordamos com o tribunal a quo, quando não encontra norma que o habilite a intimar a agente de execução aqui requerida, porque, desde logo, é a Constituição (art. 202.º) e a Lei (art. 2.º e 4.º da LOSJ) que o habilita, além de que o próprio estatuto da agente de execução (Lei 154/2015 de 14.09) no seu artigo 123.º consagra a responsabilidade civil, criminal e disciplinar dos agentes de execução e a responsabilidade aqui desencadeada é civil conexa com os referidos crimes funcionais, responsabilidade essa que tem sido afirmada desde 2011 pelo STJ e pelo Tribunal Constitucional em termos de já não deixar margem para discussão.
– Ora, na responsabilidade civil o dever que impende sobre o lesante é de reconstituir a situação anterior à lesão e “o escopo da reparação natural é o de tutelar o património do lesado, e não apenas o seu valor, mas também a sua composição e consistência, pelo que é ele quem deve escolher,” sendo que in casu tal dever impende sobre os requeridos por, os primeiros, não só utilizarem dinheiro proveniente da prática de crimes graves contra o requerente, como outrossim compelirem e, assim, formaram uma associação, a terceira requerida à prática de ilícitos funcionais (criminais) de extrema gravidade com o que lesaram gravemente o património do requerente que tem tutela constitucional, criminal e civil.
– À presente providência não obsta a existência da faculdade do executado poder reclamar dos atos do agente de execução para o juiz da execução, que, ao contrário do que se afirmou na decisão sub judice não se consubstancia em inúmeros instrumentos, porquanto, e desde logo, da decisão do juiz não cabe recurso (art. 723.º/1 al. c) do CPC), além de que se trata de um mecanismo processual de mera legalidade, ou seja, de mera cassação, sem, portanto, garantias de um processo de contencioso de plena jurisdição, com contraditório e produção de prova plena (modelo de contencioso puro e, acrescentamos, duro), o que, de resto, se coaduna com o regime de responsabilidade civil consignada no respetivo estatuto do agente de execução - é impensável exercer ou acionar a responsabilidade civil legalmente consagrada numa reclamação.
10ª - Por outro lado, a pendência de um recurso naquela execução, interposto à cautela, não conduz ao indeferimento liminar da providência, podendo, quando muito, levar à sua suspensão por eventual existência de “causa” prejudicial, nos termos do artigo 272.º/1 do CPC, sendo certo que inexiste legalmente um ónus de prévio esgotamento dos meios de impugnação (único e de mera cassação - relembre-se - e sem possibilidade de recurso) contra atos do agente de execução no processo executivo.
11ª - Salienta-se que acentuando a vertente privatística da execução, com a consequente remessa para o regime de responsabilidade civil, não existe mais no nosso ordenamento jurídico a sentença de extinção da execução, sendo certo que tanto no atual como no anterior regime não só não se forma caso julgado material como não existe um ónus de preclusão e, muito importante reter, na execução não se torna certo o direito do credor.
12ª - Salvo o devido respeito, que é muito, não se compreende que o estimado tribunal a quo, enquanto tribunal de instância central cível, não tenha divisado na factualidade alegada causas de pedir suficientes para os pedidos formulados, não sendo correta a precipitada asserção de que se trata de um conjunto de intenções, cuja prolixidade dificulta a retenção dos factos essenciais, havendo, desde logo, que notar que tal conclusão está em contradição com a primeira parte da decisão recorrida.
13ª - Na verdade, pela primeira parte da sentença sub judice, resulta claro que o tribunal a quo compreendeu que os fundamentos da ação e, logicamente, da providência são a prática pelos requeridos de ilícitos graves com muita relevância criminal dada a intensa ofensividade a bens jurídico-penais (património e autonomia intencional do Estado), restando acrescentar que neste Portugal hodierno e por condutas muito menos desvaliosas e menos danosas há quem cumpra pesadas penas de prisão e esteja em prisão preventiva.
14ª - Brevitatis causa, sempre podemos concretizar nestas conclusões que a requerida Maria ......, não trabalha desde finais de 2002 e com a morte da mãe de ambos (requerente e aquela) em 2003 tirando partido de ser ex vi legis cabeça-de-casal, tem vindo a apropriar-se de elevadas quantias pertencentes à herança e à sociedade Maria ......, Lda. (Pastelaria ...... no Chiado) numa quantia superior a 2 000 000,00€ (dois milhões de euros) tendo aplicado parte do produto dessas apropriações na aquisição do prédio em causa, pelo que incurso está nos citados crimes patrimoniais e de ofensa à realização da justiça.
15ª - Por seu turno, o requerido, João ......, que já beneficiou, não há tanto tempo quanto isso, de uma isenção de pena pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, além de comungar dos proveitos da atividade ilícita da mulher, providencia pela parte jurídica e testemunhal pois ora intervém nos processos como testemunha, ora como advogado em causa própria ou daquela, ora como vítima, ora como interveniente acidental ora asseverando a genuinidade dos documentos ostensivamente truncados ou fabricados por aquela, sendo certo que não é conhecido por ser advogado de barra nem de obra publicada que justifique as aquisições que em conjunto com a sua mulher vem efetuando com o claro propósito de ocultar o rasto do dinheiro.
16ª - Doutra banda, a requerida Isabel ......, com o propósito de satisfazer os desígnios criminosos daqueles violou, nos termos melhor descritos no requerimento inicial, os seus deveres profissionais, funcionais e a autonomia intencional do Estado, pois no processo de execução sub judice, não penhorou ab initio as rendas, créditos e bens de menor valor.
17ª - Enganou literalmente o tribunal ao informar que aqueles não existiam e que entretanto penhorara um imóvel; enganou o executado, o mandatário e o tribunal quando efetuou uma notificação de penhora sem, contudo, a identificar e nem juntar o auto de penhora; enganou o tribunal durante 3 nos ao informar que estavam em curso diligências em curso para venda, quando sabia que isso não era verdade, pois o processo estava a marinar para que os primeiros requeridos obtivessem o trânsito na revel ação 14650/14.
18ª - Ainda a requerida Isabel ......, enganou ou induziu em erro os avaliadores ao informar que existiriam obras ilícitas ou não licenciadas ao nível do primeiro andar; ao informar que o prédio estava em mau estado de conservação; ao omitir a existência do 5.º andar que com o 4.º andar formam um luxuoso duplex; ao fixar um valor 5 vezes inferior ao valor de mercado pretendeu beneficiar, como beneficiou, os primeiros requeridos.
19ª - Ao fazer constar no anúncio de venda de que o estado de conservação era médio e ilegal a requerida Isabel ......, pretendeu afastar potenciais interessados o que quis e conseguiu; ao não se abster de proceder à venda do prédio para que o tribunal pudesse decidir o pedido de fracionamento (porque, entretanto, nos 3 anos que passaram os primeiros requeridos sugaram o que restava do património do requerente) a requerida Isabel ...... condicionou de forma intolerável a ação da justiça; ao realizar a venda em menos de 15 dias, devolvendo o dinheiro da compra ao comprador – dá para perceber? – mesmo sabendo que a sentença de verificação de créditos e da inaudita cessão de créditos não só ainda não foram notificadas ao recorrente como não transitaram.
20ª - Toda esta intensa e nociva atividade delitual dos requeridos está melhor concretizada e documentada no requerimento inicial e constituindo causa de nulidade da venda consubstancia o fumus boni juris suficiente para que a providência seja decretada sem necessidade de mais prova complementar, ou seja, os documento falam por si.
21ª - Até porque as ilegalidades suporá denunciadas, são de tal monta, que “relevam num plano onde se insere interesse e ordem pública: não só será determinante de nulidade como de atribuição ao conhecimento oficioso. Pelo contrário, incrustar-se-ia severa desconfiança quanto a uma das bases da independência judicial, garantida pela Constituição, e como direito fundamental análogo. Também perigaria evidentemente o direito ao devido e leal processo que, neste caso, é de aplicação constitucional direta, sem dúvida. (Ac. da RP não publicado com referência 1810.01).
22ª - No que concerne aos danos que o requerente sofre com a não concessão da providência, os mesmos, a par com aquele dano jurídico de ataque ou ofensa à administração da justiça que é per se, grave e irreparável, consubstanciam-se ainda na perda do direito à propriedade plena que detém sobre a metade do prédio com os inerentes direitos de gozo, avultando o direito à habitação constituído há mais de 30 anos.
23ª - Sendo ainda de salientar que o requerente, por mais surreal que pareça, está indigente, pois ficou sem trabalho e sem remuneração, em virtude do, verdadeiro, golpe executado com ostensiva perfídia pelos primeiros requeridos, não recebeu, passados quinze anos, um cêntimo da herança nem da sociedade, não obstante os avultados proveitos de ambas e a Segurança Social dele não pode cuidar, pelo que, retornando à vertente criminosa, a censura ético-penal se faz sentir com especial sentido e intensidade o que releva outrossim no plano de censura ético-civil.
24ª - Por outro lado, o direito do requerente à propriedade e à habitação tem consagração constitucional e certo é que no caso concreto não se coloca ou não há que ponderar qualquer eventual colisão de direitos porque o comprador (neste caso a primeira requerida e é um enigma, por que surge no registo o segundo requerido) não pode obter a tutela do direito, uma vez que contra ele agiu e age de forma que repugna à consciência comum, i.e., das pessoas sérias, honestas, probas, retas, trabalhadoras, colocando-se, pois, no lado contrário do devir social ao adquirir o prédio com dinheiro sujo de que se foi apropriando anos a fio e que pertence a seu irmão (o requerente) lançando-o na mais completa e degradante miséria ou inópia.
25ª - Violaram os requeridos outrossim a consciência ético-social de respeito institucional devido aos tribunais, onde a execução corre em paralelo (art. 551.º/5 do CPC), vilipendiando os rituais de administração da justiça seja truncando documentos, seja engrupindo o julgador, seja  deduzindo pretensões infundadas como, de resto, havia a Maria ...... “confidenciado, por escrito” com a sobrinha pela expressão “tenha ele ou não razão” (cfr. teor do documento 8 que aqui se dá por integralmente reproduzido).
26ª - Terminamos repetindo que naturalmente que estas questões não se colocavam se o requerente, ao invés de ser vítima deste monumental embuste judicial e não jurisdicional que são coisas distintas, tivesse visto atuar um processo judicial de acordo com os pergaminhos de um Estado de Direito, relembrando - e insistindo que o nosso modelo de justiça é o continental -, onde os tribunais procuram a verdade e não a aparência da verdade, em papéis martelados, restando dizer que se assim sucedesse nunca teria havido execução.
27ª - Por todo o exposto, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 2.º e 4.º da LOSJ com referência ao artigo 202.º da Constituição, artigo 2.º/1 e 2, 6.º/1, 272.º/1, 362.º/1, 365.º/1, 368.º/1, 522.º/1 al. d), 590.º/1, 723.º/1 al. c) (na interpretação de que este impede a ação) do Cód. Proc. Civil, artigos 280.º/1 e 2, 483.º, 490.º, 497.º/1, 562.º, 563.º, 566.º/1, 1302.º, 1305.º, 1311.º/1 e 1315.º, todos do Cód. Civil e artigo 123.º da Lei 154/2015, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nas conclusões deste recurso.
28ª - Também, o tribunal a quo violou, ainda que de forma mediata, o disposto nos artigos 719.º n.º1, 735.º n.º 1 e 3, 749.º n.º 1, 751.º n.º1, 773.º n.º 1 e 6, 776.º n.º 1 e 2, 779.º n.º 1, 796.º n.º 1, 803.º n.º1, 804.º n.º 1, 805.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido de que na ação de responsabilidade civil contra o agente de execução, plasmada no artigo 123.º da Lei 154/2015 de 14/09, o tribunal é chamado a aferir da legalidade e conformidade da atuação do agente de execução com aquelas, não se formando caso julgado ou de preclusão no processo executivo inibitório da ação.
29ª - A norma extraída da conjugação dos artigos 719.º n.º1, 735.º n.º 1 e 3, 749.º n.º 1, 751.º n.º1, 773.º n.º 1 e 6, 776.º n.º 1 e 2, 779.º n.º 1, 796.º n.º 1, 803.º n.º1, 804.º n.º 1, 805.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil é inconstitucional, por violar os artigos 18.º/1, 20.º/1, 4 e 5 da Constituição na interpretação de que na ação de responsabilidade civil prevista no artigo 123.º da lei 154/2015 de 14/09 o tribunal não pode aferir da legalidade da atuação do agente de execução por se formar no processo executivo caso julgado ou de preclusão inibitório da ação de responsabilidade civil.

Após prolação de despacho de admissão do recurso de apelação, veio o requerente apresentar “pedido de convolação do pedido cautelar para RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE E INTERVENÇÃO PROVOCADA”.

O recorrido João ...... veio apresentar contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso, e apresentar recurso subordinado, para o que formulou as seguintes CONCLUSÕES:
– O valor da causa fixado pelo Tribunal a quo, com base no valor atribuído pelo recorrente, de € 4.500.000,00, não se baseia em qualquer razão de facto ou de direito objetiva.
– Tal atribuição corresponde a uma estratégia que o recorrente recente e arbitrariamente tem adotado, no conforto do seu apoio judiciário, por forma a onerar os recorridos, de forma infundada, com custas judiciais exorbitantes.
– Segundo o disposto no art.º 301º, n.º 2, do CPC, quando a ação tiver por objeto a validade de determinado ato é o valor deste que determina o valor da causa.
– Assim, e considerando que o valor da venda executiva, cuja validade o recorrente ataca, foi de 455.005,00, deve o despacho recorrido ser revogado na parte que fixou o valor da ação em € 4.500.000,00 e ser substituído por outro que fixe o valor no montante de € 455.005,00.

II- Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir.

O objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação do recorrente, pelo que cabe conhecer, fundamentalmente, se foram devidamente alegados os requisitos do procedimento cautelar comum que foi requerido.
Além disso, no recurso é invocada a inconstitucionalidades de várias normas do Código de Processo Civil.
O recurso subordinado tem como objeto o valor da causa.

1. Questões prévias
1.1.Requerimento de extinção da instância
O recorrido João ...... veio requerer seja declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em que a diligência que se pretende evitar já foi concretizada.
O recorrente veio responder, defendendo que o fundamento invocado serve para reforçar o deferimento da providência.
Decidindo
Na presente providência são formulados vários pedidos todos relacionados com a nulidade ou anulação de determinados atos.
Em caso de procedência da providência todos os atos que venham a ser praticados ficam sem efeito.
Assim, é irrelevante, face à providência requerida, o agora alegado pelo recorrido.
Em consequência, indefere-se o requerido.

1.2.Requerimento de extinção da instância
O recorrente veio pedir a convolação da providência cautelar não especificada em providência cautelar especificada.
Esta questão extravasa o objeto do presente recurso, pelo que nos absteremos de conhecer da mesma.

2. Inconstitucionalidade

O apelante invoca a inconstitucionalidade dos artigos 719º, n.º 1, 735º, nºs 1 e 3, 749º, n.º 1, 751º, n.º 1, 773º, nºs 1 e 6, 776º, nºs 1 e 2, 779º, n.º 1, 796º, n.º 1, 803º, n.º 1, 804º, n.º 1, e 805º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, por violação do disposto no artigos 18º, n.º 1, e 20º, nºs 1, 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
Os tribunais devem, efetivamente, recusar a aplicação de normas que violem a CRP.
A fiscalização concreta da constitucionalidade por via de recurso pressupõe a aplicação anterior de tais normas ou que as mesmas possam vir a ser aplicadas pelo tribunal de recurso (art.º 204º da CRP).
Além disso, o apelante confunde a ação de responsabilidade civil prevista no art.º 123º da Lei n.º 154/2005, de 14 de setembro, com a ação principal proposta.
Sendo certo que a aferição da legalidade da atuação do agente de execução deve ser aferida no âmbito da ação referida ou, enquanto a ação em que o agente de execução intervém ou já interveio estiver pendente, deve ser nela que devem ser atacados os atos de tal agente.
De qualquer modo, entendemos que tal segmento interpretativo em nada contende com a constituição.
Em suma, as normas invocadas e arguidas de inconstitucionalidade não foram de forma expressa ou implícita aplicadas pela decisão recorrida, nem são aplicáveis no âmbito do objeto do presente recurso, enquanto requisito fundamental para apreciação e fiscalização concreta de constitucionalidade (vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 721/97, disponível em www.dgsi.pt).
Mais se acrescenta que a fiscalização de constitucionalidade prevista na Constituição da República Portuguesa é normativa, não podendo ser assacadas de inconstitucionais as decisões judiciais em si, mas tão só as normas aplicadas.

Improcede, por isso, nesta parte a apelação.

3. Providência cautelar: requisitos

Da decisão recorrida, que considerou desde logo não se verificar a probabilidade séria da existência do direito invocado, destaca-se o seguinte:
“…
Partindo do respectivo fundamento normativo, pode considerar-se que as providências cautelares, em geral, são o tipo de medidas que são requeridas e decretadas tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efectiva do direito.

Face aos pedidos formulados pelo Requerente, quer do por si alegado: …
Não temos dúvidas de que os pedidos formulados são próprios de uma ação declarativa de condenação e não de um procedimento cautelar.
Efectivamente, na eventualidade de o procedimento cautelar proceder, não se vê qual seria o litígio a dirimir na ação principal, uma vez que que teria sido necessariamente analisada a validade do negócio jurídico atacado e retiradas as devidas consequências legais.
Aliás, basta atentar no pedido deduzido pelo ora Requerente na ação declarativa apensa, para concluir que estamos perante pedidos idênticos, com excepção do pedido que concretiza na pessoa da requerida Isabel ......, no sentido desta se abster de proceder à entrega aos primeiros requeridos da ½ do prédio sub judice.
Não podem as partes, através de procedimentos cautelares, esvaziar na íntegra o objeto das acções principais de que são dependência – vide Acs. Da Relação de Coimbra de 28.6.2005, in Proc. 1345/05.dgsi.net e do S. T. J. de 27.6.2000, in B. M.J. 498-187 e Sumários, 42º - 25, entre outros, ambos citados in “Código de Processo Civil Anotado”, Abílio Neto, Ediforum, 21ª Edição, em anotação ao art. 381.º desse diploma legal.
Por sua vez, pretende o Requerente que este Tribunal determine que Isabel ......, na qualidade de agente de Execução, se abstenha de proceder à entrega aos primeiros Requeridos de ½ indivisa do prédio sub judice.
Se bem percebemos o prolixo requerimento inicial, encontra-se pendente uma ação executiva, sob o n.º 9505/12.0TDLSB.1, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa – JL Criminal – Juiz 12, no âmbito da qual, foi adjudicada à primeira Requerida, Maria ......, a “½ indivisa do prédio urbano, situado na Rua ...... n.º49, a 49-B, da freguesia de Santa Isabel concelho de Lisboa, composto por casa do rés-do-chão com habitação de porteira, quatro andares e logradouro, prédio que se encontra descrito na CRP de Lisboa sob a ficha n.º 3569/20080929, da Freguesia de Santa Isabel e inscrito na matriz predial urbana, na freguesia de Campo de Ourique sobre o artigo 2328., ou quando assim se não entenda.
Por sua vez, no âmbito de tal processo executivo, o ora Requerente atacou os atos praticados pela Sra. Agente de Execução, ora Requerida. Não se vislumbra legalmente admissível que este Tribunal possa determinar à Sra. Agente de Execução que se abstenha de praticar determinado acto, no âmbito do processo executivo acima referido, quanto a titularidade de tal processo está a cargo do juiz respectivo e, segundo o Requerente, atacou os atos praticados pela mesma, inexistindo trânsito em julgado das decisões aí proferidas.
Efectivamente, em sede do processo executivo acima identificado, dispõe o Executado de inúmeros mecanismos processuais específicos para pugnar pelo aqui requerido, os quais deverão ser esgotados.
Acresce que na petição inicial deve o Requerente formular o pedido, i.e., solicitar ao tribunal a providência processual que julgue adequada para a tutela de uma situação jurídica de interesse juridicamente protegido de que é titular, devendo, igualmente, indicar a causa de pedir, ou seja, o facto constitutivo da situação jurídica material que pretende fazer valer em juízo, já que a toda a ação corresponde um pedido e uma causa de pedir, sendo o pedido o efeito jurídico pretendido pelo e a causa de pedir os factos concretos que geram o efeito pretendido, sendo a causa de pedir composta pela narração de um conjunto de factos que permitem concluir por um pedido, i.e., por um determinado efeito jurídico apontado pelo autor (Ac. RP de 15.03.1990, in BMJ 395, 665).
A causa de pedir é consubstanciada pela alegação dos factos que sustentam o pedido efectuado, ou seja, “a alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito” (Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, op. cit., pp.189).
Face ao alegado pelo Requerente no seu requerimento inicial, cuja prolixidade dificulta a retenção dos factos essenciais, afigura-se-nos estar em causa a existência de um conluiou entre os Requeridos com o único propósito da Requerida Maria ...... se assenhorar de todo o acervo hereditário da mãe de ambos, avaliado em mais 5 000 000,00€ (cinco milhões de euros).
Para fundamentar tal intuito persecutório, o Requerente atira inúmeros factos, que perpassam por acções judiciais de diferente natureza, litígios familiares, prática dos crimes de abuso de confiança qualificada, fraude fiscal qualificada, falsificação de documento, corrupção e branqueamento de capitais, insuficiência de rendimentos para a aquisição de ½ do bem imóvel, cuja nulidade se pretende invocar.
Enfim, o processo de intenções invocado, bem como, as generalidades que o acompanham são manifestamente insuficientes para aferir sequer da probabilidade séria da existência de um direito.
Deste modo, consideramos prejudicada a análise dos demais pressupostos acima enunciados, face á manifesta improcedência do presente procedimento cautelar.”.

Aos fundamentos da decisão pouco se oferece acrescentar.
A decisão recorrida faz referência aos artºs 381º, 387º 392º, 393º e 401º do Código de Processo Civil de 1961, os quais correspondem aos artºs 362º, 368º, 376º, 377º e 386º do novo Código de Processo Civil.
Tendo em conta o disposto nos artºs 362º a 368º do NCPC, o “procedimento cautelar comum é, pois, o instrumento apropriado à dedução e apreciação de pretensões de natureza cautelar que não encontram guarida em qualquer dos restantes procedimentos.” cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, 3ª edição, pág. 66).
Também refere Abrantes Geraldes, no domínio da vigência do anterior código e que mantém atualidade perante as normas correspondentes do código de 2013, o seguinte:
“Dada a extensão da área dos direitos subjectivos que pode ser coberta pelo procedimento cautelar comum, são exigidos naturalmente requisitos que nem sempre encontram reflexo tão imediato nas normas reguladoras de alguns dos restantes procedimentos específicos.
Partindo do modo como vem regulada a matéria, a jurisprudência tem frequentemente afirmado que o decretamento de providências não especificadas está dependente da conjugação dos seguintes requisitos:
a) Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b) Fundado receio de outrem, antes da ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;
c) Adequação da providência à situação de lesão iminente;
d) Não existência de providência específica que acautele aquele direito. (obra citada, págs. 97/98).

Tais requisitos foram enunciados na decisão recorrida.
Acrescentamos ao que foi dito na decisão recorrida, a propósito da análise da probabilidade séria da existência do direito, que o apelante confunde o direito que pretende acautelar com a ofensa que se pretende evitar contra tal direito.
Antes da ofensa tem que existir o próprio direito a acautelar e este acautelamento não se confunde com a declaração da existência do direito em si própria da ação declarativa a propor ou já proposta.
O petitório formulado nesta providência é o próprio e mesmo que se visa declarar por via da ação, ainda que seja formulado em termos provisórios ou indiciários.
O procedimento cautelar requerido e nos termos em que o foi não se confunde com a inversão do contencioso agora previsto no art.º 369º do Código de Processo Civil, porquanto o requerente pretende aqui apenas regular de forma provisória o próprio direito.

Convém também reter, ainda, o que escreve Abrantes Geraldes:
“Atenta a natureza instrumental do procedimento cautelar e a sua dependência relativamente ao resultado a alcançar através da ação principal, não é o efeito definitivo corre4spondente ao exercício do direito potestativo que pode ser alcançado imediatamente através do procedimento cautelar….
Por isso, mesmo quando através da providência cautelar se antecipam certos efeitos da decisão a proferir na ação principal, sempre a provisoriedade continua a pairar sobre aquela medida, cuja manutenção pressupõe a posterior confirmação judicial do direito sumariamente apreciado.

Em algumas das acções referenciadas o pedido correspondente ao direito potestativo surge normalmente cumulado com uma pretensão condenatória em determinada prestação, como sucede, por exemplo, com as acções de anulação ou de resolução, onde, a par da pretensão principal, é deduzido o pedido de condenação na restituição daquilo que fora entregue em execução do contrato.
Nestes casos, a providência antecipatória, quando seja admissível, pode não visar directamente o efeito potestativo, antes a eficácia do pedido de condenação que da ação constitutiva está dependente.” (obra citada, págs. 92 a 94).

Em face de tais ensinamentos e fora dos casos de inversão de contencioso previsto no art.º 369º do CPC, que não é aqui aplicável, o procedimento cautelar é meramente instrumental e não visa o mesmo objetivo que a ação principal, mas tão só acautelar o direito que aquela visa definir.
Na ação principal são formulados os seguintes pedidos:
“Deve ser julgada procedente, por provada a presente ação, e, consequentemente,
(i) Declarada nula a venda efetuada pela 3.º ré, na qualidade de agente de execução, no processo 9505/12.0TDLSB.1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa – JL Criminal – Juiz 12, mediante a qual foi vendida (adjudicada) à primeira ré, Maria ......, a “½ indiviso do prédio urbano, situado na Rua ...... n.º49, a 49-B, da freguesia de Santa Isabel concelho de Lisboa, composto por casa do rés-do-chão com habitação de porteira, quatro andares e logradouro, prédio que se encontra descrito na CRP de Lisboa sob a ficha n.º 3569/20080929, da Freguesia de Santa Isabel e inscrito na matriz predial urbana, na freguesia de Campo de Ourique sobre o artigo 2328., ou quando assim se não entenda,
(ii) Anulada a venda efetuada pela 3.ª ré, na qualidade de agente de execução, no processo 9505/12.0TDLSB.1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa – JL Criminal – Juiz 12, mediante a qual foi vendida (adjudicada) à primeira ré, Maria ......, a “½ indiviso do prédio urbano, situado na Rua ...... n.º49, a 49-B, da freguesia de Santa Isabel concelho de Lisboa, composto por casa do rés-do-chão com habitação de porteira, quatro andares e logradouro, prédio que se encontra descrito na CRP de Lisboa sob a ficha n.º 3569/20080929, da Freguesia de Santa Isabel e inscrito na matriz predial urbana, na freguesia de Campo de Ourique sobre o artigo 2328.
(iii) A titulo de pedido subsidiário, em caso de improcedência de qualquer um dos pedidos anteriores, o que por mera hipótese, se admite, declarado que o autor é usufrutuário vitalício das frações referentes ao 1.º andar direito e esquerdo, rés-do-chão e casa da porteira do prédio sito na Rua Sampaio e Bruno n.º 49, em Lisboa e que o mesmo tem eficácia ergo omnes e não caduca com a venda executiva, nos termos dos artigo 824.º n.º 2 e do Código Civil, ordenando-se aos réus a obrigação de reconhecerem esse direito e, por via disso, se absterem de qualquer ato que esbulhe, perturbe ou cause qualquer diminuição ao seu pleno exercício; quando se entenda de modo diferente;
(iv) Que o autor tem o direito real de uso e habitação vitalício das frações referentes ao 1.º andar direito e esquerdo, rés-do-chão e casa da porteira do prédio sito na Rua Sampaio e Bruno n.º 49, em Lisboa e que o mesmo tem eficácia ergo omnes e não caduca com a venda executiva, nos termos do artigo 824.º n.º 2 do Código Civil, ordenando-se aos réus a obrigação de reconhecerem esse direito e, por via disso, se absterem de qualquer ato que esbulhe, perturbe ou cause qualquer diminuição ao seu pleno exercício.
(v) Em todo e qualquer um dos pedidos que venha a proceder, ordenado o averbamento na conservatória do registo predial da sentença que vier a ser proferida ordenando o cancelamento do registo da compra efetuada pela ré Maria .......
(vi) Em qualquer caso, deve os réus serem reconhecidos como litigantes de má-fé, e consequentemente, condenados no pagamento de uma multa e indemnização condigna a favor do autor um montante não inferior a 200 000,00€
Valor: 4 500 000,00€”

Efetuado o confronto entre os pedidos formulados na ação e os formulados no presente procedimento cautelar, verificamos que estes são um decalque daqueles, com o acréscimo da palavra indiciariamente e do 5º pedido.
O apelante, na realidade, confundiu o objetivo de um procedimento cautelar com o de uma ação declarativa definitiva e o pressuposto que é a existência do direito com o ato ofensivo daquele direito e, este, sim, o verdadeiro objeto do procedimento previsto nos artºs 362º e segs. Do CPC.

No que respeita ao pedido (v), cabe referir o meio adequado a evitar um ato próprio da ação executiva é intervindo adequadamente e nos termos previstos na lei de processo dentro dessa ação e não por via de um procedimento cautelar que não é instrumental da ação executiva, mas de uma outra ação declarativa diferente.

Em suma, improcede, também nesta parte, a apelação do requerente.

4. Recurso subordinado: valor da causa

O requerido João ...... pretende a alteração do valor da causa nos termos do art.º 301º, n.º 1, do CPC.
Ora, tal normativo reporta-se à ação declarativa.
Na providência cautelar não especificada, como é o presente caso, é valor é o do prejuízo que se quer evitar (art.º 304º, n.º 3, alínea d), do CPC).
Como na presente providência se visa acautelar exatamente os mesmos direitos que na ação principal o seu valor deverá corresponder ao desta, fazendo-se apelo ao n.º 1 do mesmo preceito no que respeita aos incidentes.
Na providência cautelar o valor da causa será diferente do da ação principal apenas e quando o valor do prejuízo que aquela visa evitar for diferente do direito que se visa definir nesta.
Entendemos, portanto, ser de manter o valor fixado na decisão recorrida.

Em conclusão, ambos os recursos, principal e subordinado, terão de improceder na íntegra.

IV– Decisão

Em face de todo o exposto, acorda-se em julgar improcedentes a apelação do requerente e do requerido, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes relativamente ao recurso que cada um interpôs.
Lisboa, 05/07/2018

Jorge Vilaça

Vaz Gomes

Jorge Leitão Leal