Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4692/21.9T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO EXEQUENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: MANTIDA A DECISÃO
Sumário: I. A responsabilidade do exequente prevista no art.º 858.º do CPC tem por objeto a instauração de execução em que as diligências de agressão do património do executado (penhora) se efetuam sem audição prévia do executado nem, em regra, o controlo preliminar, pelo juiz, da admissibilidade da execução, da fiabilidade do título ou da provável existência da dívida exequenda.
II. Daí que, contrariamente ao que ocorre no regime geral da litigância de má-fé, em que o tipo subjetivo pressupõe o dolo ou a culpa grave, aqui a responsabilização do exequente basta-se com culpa leve (“se não tiver atuado com a prudência normal”).
III. Age com prudência normal, à luz do padrão de um “bom pai de família”, a sociedade comercial que dá à execução uma injunção convertida em título executivo nos seguintes termos: a aludida sociedade realizou trabalhos nas instalações de uma sociedade de advogados; considerando ter um crédito sobre a aludida sociedade, emergente dessa obra, a empreiteira instaurou procedimento de injunção contra aquela; no respetivo requerimento a requerente indicou, como local onde deveria ser efetuada a notificação da requerida, o endereço da sede desta, sito na Rua Marquês de Fronteira (em Lisboa); contudo o Balcão Nacional de Injunções (BNI), após averiguar que a sede da requerida que constava no ficheiro central das pessoas coletivas se situava na Rua de Campolide, para aí enviou a respetiva carta registada com aviso de receção; tendo a carta sido devolvida com a menção “mudou-se” o BNI enviou nova carta para o mesmo endereço, a qual foi depositada no respetivo recetáculo do correio, considerando-se assim a requerida notificada/citada; não tendo sido apresentada oposição, foi aposta fórmula executória na injunção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. Em 23.02.2021 S.– Sociedade de Advogados R.I. e S instauraram ação declarativa de condenação com processo comum contra B Lda.
Os AA. alegaram, em síntese, que em 14.12.2018 a R. instaurou contra a ora 1.ª A. uma ação de execução para pagamento de quantia certa, reclamando o pagamento da quantia de € 23 467,71 que alegadamente a executada lhe devia. A aí exequente apresentou como título executivo uma injunção a que havia sido aposta a fórmula de conversão em título executivo porque alegadamente a requerida/executada, apesar de devidamente citada no procedimento de injunção, não havia deduzido oposição. Ora, a exequente bem sabia que a suposta citação no âmbito do procedimento de injunção tinha sido realizada mediante o envio de carta simples para uma morada que não era a sede da requerida/executada e com a qual a requerida/executada não tinha contacto desde 01.10.2009. Apesar disso a exequente não se coibiu de instaurar a aludida execução, a que cabia processo sumário, ainda para mais indicando no requerimento executivo morada que sabia não ser a sede da executada, assim procurando apanhar a executada desprevenida, obtendo previamente a penhora dos seus bens e com tal choque obter um pagamento que não lhe era devido. E efetivamente a executada viu ser-lhe penhorada uma conta bancária e, nessa sequência, deduziu oposição à execução e à penhora, aí arguindo a falta de título executivo por nulidade da citação no procedimento de injunção e a inexistência da dívida reclamada e aí requereu a condenação da exequente nos termos do disposto nos artigos 858.º e 542.º do CPC, em multa correspondente a 10% do valor da execução e, como litigante de má-fé, em multa e em indemnização a favor da executada equitativamente fixada em € 5 000,00. A esses embargos a exequente opôs contestação. Em saneador-sentença transitado em julgado os embargos foram julgados procedentes (por ter ocorrido nulidade da citação no procedimento de injunção) e declarada extinta a execução, e absolveu-se a exequente do pedido de condenação como litigante de má-fé e em multa ao abrigo do art.º 858.º do CPC. Ora, nesta sequência os ora AA. pretendem imputar à R. responsabilidade na reparação de danos causados a cada um deles pela interposição da ação executiva e da penhora (passando a descrever os aludidos danos).
Os AA. terminaram pedindo:
 - Que a R. fosse condenada:
1. A pagar à 1.ª A., a título de danos materiais, a quantia de € 415,30, referente a juros que a quantia apreendida renderia à taxa de juros legais e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 17 500,00, tudo no total de € 17 915,30, acrescido de juros após a sentença e até integral pagamento;
2. A pagar ao 2.º A. o valor de € 25 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros após a sentença e até efetivo pagamento;
- Que se ordenasse a publicação da sentença condenatória a expensas da R., em jornal de âmbito nacional.
2. A R. contestou, alegando ter-se limitado a fazer uso dos mecanismos legais que tinha à sua disposição para se fazer pagar de um crédito que tinha e tem sobre a A. sociedade. No requerimento de injunção a requerente ora R. indicou aquela que sabia ser a morada da sede da requerida ora A.. Contudo, a morada que constava no Registo Nacional das Pessoas Colectivas como sendo a da sede da requerida ora A. era uma outra, e foi para aí que o BNI, em cumprimento do disposto no art.º 246.º do CPC, enviou a carta de citação. Se o BNI procedeu à citação/notificação em morada distinta da que foi indicada pela R., tal apenas se deveu ao BNI e aos ora AA. que, não obstante estarem obrigados a proceder à inscrição da sede da 1.ª A. no ficheiro central de pessoas coletivas do RNPC, não o fizeram. Foi com base na causa de pedir destes autos que a A. sociedade requereu, nos embargos que deduziu, a condenação da R. por litigância de má-fé. Ora, a R. foi absolvida de tal pretensão na sentença que julgou os embargos, absolvição essa que foi confirmada pela Relação de Lisboa na sequência do recurso que nessa parte fora interposto pela executada/embargante. Pelo que a ação cai pela base. Por outro lado, a R. impugna os danos alegados pelos AA.
A R. terminou pedindo que o tribunal julgasse, em sede de despacho saneador, a ação improcedente por não provada, absolvendo-se a R. dos pedidos.
3. Realizou-se audiência prévia e em 23.11.2021 foi proferido saneador-sentença no qual se julgou a ação improcedente e, em consequência, se absolveu integralmente a R. do pedido, com custas da ação pelos AA..
4. Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:
1.ª Tendo em vista o exposto em “II”, ao abrigo do disposto no artigo 607º, do C.P.C, deverão dar-se como provados ainda os factos:
c) A 1ª autora é uma sociedade civil de prestação de serviços jurídicos, ou de atos próprios dos advogados, da qual fazem parte, como advogados:
(e) S, titular da cédula profissional n.º (…).
(f) T, titular da cédula profissional (…).
(g) B, titular da cédula profissional (…).
(h) H, titular da cédula profissional (…).
Base de prova:
- Certidão emitida pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados de Lisboa junta aos autos como doc. 4 junta com a “p.i”.
d) A 1ª autora tem a sua sede social na Rua Marquês da Fronteira, (…)
Base da prova: - Certidão da Ordem dos Advogados existente nos autos e documento de fls. e 31 de autoria da Ré através do seu representante legal, doc. 8.
2ª. Considerando que:
a) A instauração da ação executiva pela Ré, constituiu um ato voluntário que claramente quis assumir e assumiu.
b) A ré na posse de um título executivo, com tal vício de nulidade, não tinha qualquer obrigação de promover a execução como veio a fazer.
c) A ação executiva instaurada pela Ré constituiu assim uma “ação” que claramente pretendeu assumir como assumiu, através de representante.
d) Tendo em vista o valor da ação de execução, a Ré obrigatoriamente teria de estar representada por mandatário judicial em face do patrocínio ser, no caso, obrigatório.
e) Conforme decorre da prova dos autos, a Ré apresenta-se como uma empresa de renome, nacional e internacional, inserida num grupo de empresas.
f) Com o patrocínio de advogados, conforme resulta dos autos e da procuração outorgada nos autos.
g) Os argumentos de desresponsabilização por ignorância da lei ou porque esta estaria representada por advogado, quanto à Ré, com o devido respeito, são inaceitáveis e sem factos de suporte que justifique tal argumento ilegal porque contraria normas de direito positivo.
h) Como o facto de remeter para o advogado a responsabilidade pela tomada de posição processual para afastar a responsabilidade da Ré, não tem cabimento legal em face do disposto no artigo 1161º, do CC dado que o advogado pratica os autos, em nome da mandante, no caso a Ré.
3.ª Tendo em vista o comportamento da Ré ao instaurar a ação executiva ter causado danos, é a Ré a responsável pelo ressarcimento de tais danos causados aos autores, a determinar no âmbito da ação.
4.ª Sem prejuízo da Ré responder também pelos danos causados pelos seus representantes ou auxiliares, à luz do disposto no artigo 499.º e segs, do CC.
5.ª Os pressupostos da responsabilidade civil reclamados na ação encontram-se inteiramente verificados:
- Ação voluntária;
- Culpa na modalidade de “dolo”;
- Inteiro nexo de causalidade posto que, sem tal comportamento, os AA. não teriam sofridos tais danos, os quais não podem ficar a cargo dos lesados nem são obra do destino mas do comportamento voluntário da Ré que no exercício da sua atividade tem de suportar também pelo risco, os danos próprios da mesma e da qual iria obter benefícios, como é notório.
5.ª [este número encontra-se repetido no original] Tal como os AA sustentaram na audiência prévia, os autos não fornecem, ainda, todos os elementos para a decisão de mérito. Daí que se entendem que este V.dº, tribunal deverá, em consequência do recurso:
a) Anular a decisão recorrida.
b) Ordenar o prosseguimento dos autos com a elaboração do despacho saneador, que fixe o objeto do litígio e dos temas de prova.
6.ª A R. decisão recorrida, violou as seguintes normas:
a) Do Código Civil:
Artigo: 9º, 160 e 165, 483, 484, 499,500,562.
b) Do EMJ:
-Artigo 3º. Nº.3
c) Do CSC:
Artigo 6º. Nº.5
d) Da C.P.C..
Artigo:2, nº.2, 5º nº.1, 590º, nº.2 e 607º, nº3 e 4 do C.P.C.
5. A R. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
6. Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Nas conclusões do recurso, que delimitam o seu objeto ressalvado o conhecimento de matérias de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4, 608.º n.º 2 e 663.º n.º 2 do CPC), indicam-se como questões a apreciar as seguintes: aditamento à matéria de facto assente; responsabilidade civil da R. e falta de elementos necessários à prolação de decisão final.
2. Primeira questão (aditamento de factos)
2.1. Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte
Matéria de facto
1. A aqui ré deduziu injunção quanto à sociedade autora em 23.3.2018 (fs. 68).
2. A aqui ré indicou no requerimento de injunção como morada da então requerida e agora autora a Rua Marquês da Fronteira (…) indicando ainda que não havia domicílio convencionado (fls. 68).
3. O Balcão Nacional de Injunções tendo em vista a citação da aí requerida, ora sociedade autora, não remeteu qualquer citação para a morada indicada pelo exequente e procedeu a pesquisa da morada da executada no RNPC, no qual constava a morada Rua de Campolide, (…) (fls. 69 a 73verso, resultante da sentença de execução e acordo das partes).
4. E nessa sequência, para efeitos de citação, remeteu carta registada com aviso de receção para a indicada morada da Rua de Campolide (provado por acordo das partes e documento de fls. ___).
5. Essa carta foi devolvida com indicação “Dizem-me que se mudou”.
6. Em seguida o BNI enviou nova carta para a mesma morada, citação via postal – 2.ª tentativa, tendo os serviços postais atestado que “No dia 9-5-18 às na impossibilidade de entrega depositei no recetáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente.”
5. [no original, a numeração voltou ao 5] A esse requerimento de injunção foi aposta fórmula executória no dia 7.8.2018, por não ter sido deduzida oposição (provado por acordo das partes e documento de fls. ___).
6. Em 14.12.2018, a ré instaurou contra a 1.ª autora, em Lisboa, uma ação executiva, a qual correu sob o nº (…), no J8 do Tribunal da Comarca de Lisboa, J8, sustentando a execução, com base no título executivo obtido como aludido em 5 FP, através do Balão Nacional de Injunções ao qual foi aposta a fórmula executória, aí invocando, em suma: a) Que a 1.ª autora lhe devia a quantia global de 23.467,71€ desde 7 de junho de 2010; b) Que, muito embora a 1.ª autora tivesse sido citada para pagar ou deduzir oposição, a “Executada” nada fez; c) Que, “apesar de devidamente interpelada para o efeito, a Executada continua sem efetuar o pagamento, pelo que se mantém em divida o valor peticionado em sede de injunção”; d) Que, “…a exequente é assim credora da executada no montante global de 23.467,71€ acrescido de juros”; e) Que, a dívida é certa, líquida e exigível.”
7. Na sequência da execução e, dado o facto de se tratar de execução sumária, o agente de execução indicado pela ré, promoveu atos de identificação de bens para satisfação do direito reclamado em sede executiva: a) Desenvolveu a pesquisa junto do Banco de Portugal para identificação de contas bancárias da 1.ª autora e ali executada, identificando contas no banco Montepio e no Santander; b) Fez a pesquisa junto do serviço de finanças para obter informação de património registável com tal ónus, como é, no caso de imóveis; c) Fez diligências junto da Conservatória de Registo Automóvel; d) Consultou o registo nacional de execuções para ver qual a situação da 1.ª autora do qual nada constava; e) Após a pesquisa que fez, o agente de execuções, notificou o mandatário da exequente do resultado obtido, em face do disposto no artigo 754º do C.P.C, e, em face da localização de bens ou direitos, penhorou a conta bancária da 1.ª autora, existente no Banco Montepio, onde ali apreendeu em 27.12.2018, o valor de 5.191,15€ conforme consta da certidão judicial; f) Sendo certo que, o Banco Santander informou o Agente de Execução de que naquele banco não havia saldo ou era devedor posto que a 1ª , autora já havia encerrado a conta naquele banco em data anterior à da instauração da ação executiva; g) A que se seguiu a citação da 1ª, autora para os termos da execução e da penhora efetuada.
8. Na sequência da penhora e apreensão do valor mencionado na alínea “e” do artigo antecedente, a 1.ª autora apresentou no processo onde pendia a execução com o n.º (…) do Juízo de Execuções de Lisboa – J8, oposição à execução e à penhora, nos exatos termos constantes do documento de fls. 79verso a 96 dos vertentes autos, cujo teor se dá por reproduzido.
9. O que foi contestado pela aqui ré (ali exequente), nos exatos termos constantes do documento de fls. 53 a 67 destes autos, cujo teor se dá por reproduzido.
10. No saneador foi proferida decisão constante da certidão ora junta, da qual consta:
Nada tendo vindo opor as partes na sequência do despacho proferido, dispenso a realização de audiência prévia.
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Valor dos embargos: o da execução.
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O tribunal é competente.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem excepções dilatórias que cumpra conhecer, nem outras excepções que obstem à apreciação do mérito da causa.
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• Falta/nulidade de citação no procedimento de injunção
A executada S. (…) – Sociedade de Advogados, RI, veio deduzir embargos à execução que lhe moveu B Lda., alegando, entre o mais, que há nulidade da citação no procedimento de injunção que afeta o titulo executivo, já que desde 2009 não tem sede na morada para onde foi enviada a carta de citação – Rua de Campolide, (…) – sendo a sua sede na Rua Marquês da Fronteira (…), desde 1.10.2009, o que a exequente sabia pois era o local onde realizou as obras e esse local constava dos serviços da autoridade tributária, da segurança social; e o BNI mesmo depois da carta para citação enviada para a Rua de Campolide ter vindo devolvida com a indicação “mudou-se”, enviou segunda carta – 2.ª tentativa - para a mesma morada, não tendo recebido a carta e por isso não teve oportunidade de se defender na injunção.
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A exequente contestou pugnando pela regularidade da citação efetuada, porquanto a mesma foi feita para a morada da sede da executada constante do registo nacional de pessoas coletivas (RNPC), em conformidade com o disposto no art.246.º do CPC. A exequente indicou no requerimento de injunção a morada da executada na Rua Marquês da Fronteira mas o BNI procedeu, como está obrigado, à pesquisa da morada da sede e enviou a notificação para essa morada, sendo que a executada enquanto sociedade de advogados estava obrigada ao registo no RNPC. (negrito nosso)
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Para a apreciação de tal fundamento de embargos os autos contêm, a nosso ver, os elementos necessários.
Está provado que:
1. A execução tem como título executivo requerimento de injunção, entrado em 23.3.2018, a que foi aposta fórmula executória no dia 7.8.2018. (provado em face do que consta ao processo executivo)
2. A exequente indicou no requerimento de injunção como morada da executada, aí requerida, a Rua Marquês da Fronteira (…), indicando ainda que não havia domicilio convencionado. (provado em face da análise da cópia do procedimento de injunção solicitada ao BNA e junta aos autos)
3. O Balcão Nacional de Injunções tendo em vista a citação da aí requerida, ora executada, não remeteu qualquer citação para a morada indicada pelo exequente e procedeu a pesquisa da morada da executada no RNPC, no qual constava a morada Rua de Campolide, (…). (provado em face da análise da cópia do procedimento de injunção solicitada ao BNA e junta aos autos)
4. E nessa sequência remeteu carta registada com aviso de recepção para a indicada morada da Rua de Campolide. (provado em face da análise da cópia do procedimento de injunção solicitada ao BNA e junta aos autos)
5. Essa carta foi devolvida com indicação “Dizem-me que se mudou”. (provado em face da análise da cópia do procedimento de injunção solicitada ao BNA e junta aos autos)
6. Em seguida o BNI enviou nova carta para a mesma morada, citação via postal – 2.ª tentativa, tendo os serviços postais atestado que “No dia 9-5- 18 às 11,32h na impossibilidade de entrega depositei no receptáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente.” (provado em face da análise da cópia do procedimento de injunção solicitada ao BNA e junta aos autos)
7. Após foi aposta a fórmula executória. (provado em face da análise da cópia do procedimento de injunção solicitada ao BNA e junta aos autos)
8. A morada acima referida da Rua de Campolide é que a que consta do RNPC como sede da executada. (provado em face da análise da cópia do procedimento de injunção solicitada ao BNA e junta aos autos e também da pesquisa no RNPC junto na execução)
9. Porém, a morada da executada que consta da segurança social e da AT é a Rua Marquês da Fronteira (…). (provado face às pesquisas juntas na execução, de dezembro de 2018, e também juntas a fls.35 e 36 dos autos).
10. A executada é uma sociedade de advogados cuja constituição foi registada no livro de registos das sociedades de advogados, em 4.2.2003 e nessa altura com sede na Rua de Campolide, (…). (provado face do documento de fls.21 dos autos, junto com a p.i.).
11. Em 1.10.2009 foi averbado no livro de registos mencionado no ponto anterior a alteração da sede da sociedade que passou a ser na Rua Marquês da Fronteira, (…). (provado face do documento de fls.21 dos autos, junto com a p.i.).
12. A exequente conhecia como morada da executada a que indicou no procedimento de injunção, Rua Marquês da Fronteira (…). (provado por acordo, já que a exequente admite que era a morada que conhecia da executada).
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Com interesse para a apreciação da exceção não existem factos não provados.
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Como já se disse invoca a executada a nulidade da sua citação no procedimento injuntivo por entender que a citação não foi feita na morada onde se encontrava desde 2009 e que correspondia à da sua sede, não tendo sido apuradas outras moradas. Ao invés a exequente entende que não foi preterida nenhuma formalidade já que a citação se fez em conformidade com o disposto no art.246.º do CPC.
Em face dos factos que resultam provados é de concluir que a citação da executada no procedimento injuntivo foi efetuada na morada que constava do registo nacional de pessoas colectivas, como sendo a sua sede. Resulta, também, dos factos que apesar da exequente ter indicado morada diferente no procedimento injuntivo o Balcão Nacional de Injunções não fez nenhuma tentativa de citação nessa morada, passando logo para a pesquisa de morada no RNPC e citando a executada na morada encontrada, primeiro por carta registada com aviso de recepção, que veio devolvida com indicação dos serviços postais de que a destinatária se mudou, e, em seguida, enviando, 2.ª carta que foi depositada no receptáculo postal correspondente à morada.
A questão que se coloca é a de saber se a executada se tem por validamente citada na injunção, ou se se verifica falta de citação ou incumprimento de formalidades que importem nulidade da citação, embora a executada invoque a nulidade de citação em sentido amplo, englobando ambas as situações.
No que concerne aos vícios da citação, o art.188.º do CPC, no seu n.º1, diz-nos que há falta de citação, quando o acto tenha sido omitido, quando tenha havido erro de identidade do citando, quando se tenha empregado indevidamente a citação edital, quando a citação tenha sido efectuada depois da morte ou extinção do destinatário, ou quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto por facto que não lhe seja imputável. E o art.191.º diz-nos que a citação é nula quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
Contudo, sendo a citação realizada no âmbito do procedimento de injunção que se rege por um regime legal específico, contendo também normas relativas à citação é por referencia a este regime legal que temos que analisar a questão que se impõe resolver.
O art.12.º do Regime anexo ao DL 269/98, de 1.9, que rege a matéria estipula, quando à notificação do requerimento:
“1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.os 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.
3 - No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação.
4 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.os 2 a 4 do artigo seguinte.
5 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.
6 - Se qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 236.º do Código de Processo Civil, diversa do notificando, recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver.
7 - Não sendo possível a notificação nos termos dos números anteriores, a secretaria procederá conforme considere mais conveniente, tentando, designadamente, a notificação noutro local conhecido ou aguardando o regresso do requerido.
8 - Não se aplica o disposto nos n.os 1 e 2 se o requerente indicar que pretende a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, caso em que se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil para a citação por solicitador de execução ou mandatário judicial.
9 - No caso de se frustrar a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, procede-se à notificação nos termos dos n.os 3 a 7.
10 - Por despacho conjunto do ministro com a tutela do serviço público de correios e do Ministro da Justiça, pode ser aprovado modelo próprio de carta registada com aviso de recepção para o efeito do n.º 1, nos casos em que o volume de serviço o justifique.”
As normas para as quais o n.º2 remete são do código processo civil na versão anterior a 1.9.2013, e não do CPC na versão actual, pelo que, fazendo a correspondência com o regime em vigor, esse numero 2 remete para os artigos 223.º e 224.º e para 228.º n.º2 a 5 do atual Código Processo Civil (neste sentido vide Salvador da Costa, A injunção e as Conexas Ação e Execução, 7.ª edição, 2020, Almedina, pag.98). Já quando à remissão para o art.237.º do CPC velho, tal norma não tem correspondência no atual código, e, adiantamos já, que a nosso ver não se pode ver na remissão feita no n.º2 do art.12.º qualquer remissão para o regime do atual art.246.º do CPC, norma inovatória sem correspondência no regime de pretérito o qual era, por via da remissão e com as necessárias adaptações, adquirido para os procedimentos de citação a levar a cabo no procedimento de injunção. Assim, são apenas acolhidas neste regime especial as normas acima identificadas do atual Código de Processo Civil.
Por outro lado, o art.10.º do mesmo regime anexo estipula que o requerente no requerimento de injunção deve indicar o lugar onde deve ser feita a notificação, devendo indicar se se trata de domicilio convencionado. E o art.11.º diz-nos que o requerimento só pode ser recusado nas situações aí mencionadas, entre as quais, se omitir o lugar da notificação do devedor.
Em conformidade, podemos concluir que este regime especial impõe ao requerente que indique o lugar onde deve ser feita a notificação e se o não indicar pode o requerimento ser recusado. Por conseguinte, tal norma só faz sentido se importar, no regime global, qualquer consequência, sob pena de se estar a fazer uma imposição legal e até com uma cominação gravosa (recusa do recebimento) sem que a mesma tenha qualquer relevância para os procedimentos seguintes. Ou seja, só faz sentido que o requerente tenha que indicar o lugar onde deve ser feita a notificação se esta notificação houver de ser feita no local indicado. E a nosso ver da conjunção desse art.10.º n.º1 c) com o art.12.º n.º1 do regime anexo que vimos analisado, resulta que a notificação prevista no n.º1 do art.12.º deve ser feita no local indicado para notificação pelo requerente, quer o requerido seja pessoa singular ou coletiva. Assim sendo, o Balcão Nacional de Injunção haverá em conformidade com o n.º1 do art.12.º proceder à notificação do requerido na morada indicada pelo requerente, por carta registada com aviso de recepção. E se a carta vier devolvida, então, haverá de agir em conformidade com o n.º3, fazendo as pesquisas aí mencionadas. Afigura-se-nos que não resulta deste art.12.º, que, como se viu, não procede atualmente a qualquer remissão para o art.246.º do CPC, a aplicação direta deste artigo 246.º em derrogação de todo o itinerário constante dos números 3 e seguintes desse mesmo artigo 12.º e, como, também, já se viu, descurando o local indicado pelo requerente para notificação do requerido por via da aplicação direta do art.246.º do CPC no caso do requerido ser pessoa coletiva. Efetivamente, se tal como ocorreu in casu, o Balcão Nacional de Injunção, tratando-se o requerido de pessoa colectiva iniciar o procedimento pela consulta do RNPC e proceder à notificação por cata registada com AR para essa morada, aplicando ao caso o regime do art.246.º do CPC sem mais, estabelece um procedimento para notificação que foge completamente ao determinado no conjunto do art.12.º acima transcrito, quer porque não atende em primeira linha à morada indicada pelo requerente que pode, como na presente situação, não coincidir com a sede constante do RNPC, e ser a morada efectiva do requerido, quer porque omite todos os demais procedimentos previstos nos n.º3 e seguintes daquele artigo 12.º e que, note-se, não têm correspondência no regime traçado no código de processo civil para a citação das pessoas coletivas. Contudo, cremos que esse regime especial do art.12.º quanto aos termos específicos aplicáveis à notificação do requerimento de injunção não foram afastados pela actual versão do código processo civil, tanto mais que o n.º2 já antes analisado não faz uma remissão global para aquele regime mas para normas especificas do mesmo. Queremos com isto dizer que não temos por certo que o art.246.º do CPC que regula a citação das pessoas coletivas no âmbito do processo civil deva ser aplicado diretamente e como primeiro passo à notificação a efetuar no âmbito do regime da injunção, pois o certo é que este regime não foi revogado com a entrada em vigor desse código, e apesar de já ter sido objecto de alterações posteriores a 2013, concretamente pela Lei 117/2019 de 13.9, o art.12.º não foi objecto de alteração, nem para v.g. incluir na remissão do n.º2 desse artigo o art.246.º do CPC, sendo certo que o legislador bem sabia que esta norma não tinha correspondência no anterior código de processo civil e por isso não podia estar incluída na remissão do n.º2 mesmo fazendo-se a sua interpretação com as normas correspondentes. Nesta medida, o art.12.º do regime anexo é o regime que regula a notificação no procedimento de injunção e como norma especial, própria daquele procedimento não haverá de ser adaptada – ainda que se conclua que há disparidades de regimes, o que é até natural – ao que veio a ser consagrado no processo civil quando à citação das pessoas coletivas. O que se acaba de dizer não afasta completamente e em qualquer caso a aplicabilidade do disposto no art.246.º do CPC, mas afasta a sua aplicabilidade direta em substituição do regime do art.12.º como, aliás, foi feito no procedimento injuntivo que deu lugar ao titulo executivo. E tanto assim é que visto tal procedimento o que sobressai nos procedimentos do BNI é a consulta ao RNPC e a notificação única para essa morada, diferente da indicada pelo requerente e sem se proceder à pesquisa que se mantém prevista no n.º3 e que engloba nessa previsão as pessoas colectivas. Contrapor-se-á que não tem razão de ser os diferentes regimes (porque a ser seguido o itinerário do art.12.º são ainda significativas as diferenças), e o regime geral consagra a relevância da sede oficial no RNPC, sendo certo que a importância das acções em que a citação se faz para essa sede oficial superará a importância dos interesses em jogo nos procedimentos injuntivos, sobretudo os de valor inferior a 15 mil euros. Sucede que se trata de situações distintas e que podem reclamar situações diferentes, porquanto o regime do processo civil se aplica a processos que pendem em tribunal e o procedimento injuntivo é um procedimento de natureza administrativa e que dá origem a um titulo executivo sem intervenção do juiz, diferença bastante em face da norma do art.566.º do CPC que impõe ao tribunal caso o réu não intervenha nem deduza oposição que verifique a regularidade da citação. Desta feita, não estamos em presença de situações idênticas e que exijam soluções idênticas, pelo que, à notificação do procedimento de injunção devem, a nosso ver, aplicar-se os comandos do art.12.º e os procedimentos devem estar em conformidade com esses comandos que não são exatamente os mesmos que serão aplicáveis à citação de acordo com o regime regra do código de processo civil, entre o qual se conta a citação das pessoas coletivas nos termos consignados no art.246.º. Em comentário ao referido art.12.º, Salvador da Costa. Ob.cit. pag.98 e 99, analisando os vários números desse normativo, e a propósito do n.º3, escreve “Onde este normativo se refere aos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral de Impostos e da Direção-Geral de Viação, deve entender-se, em interpretação atualista, aquela referência respetivamente, ao Insituto dos Registos e Notariado, I.P., ao Instituto da Segurança Social, I.P., à Autoridade Tributária e Aduaneira, I.P., e ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P.. Assim, o Balcão Nacional de Injunções, face à frustração da notificação do requerido por via postal registada, pesquisa nas mencionadas bases de dados o local de residência ou do local de trabalho do notificando pessoa singular, ou, sendo o requerido pessoa coletiva em sentido estrito, ou sociedade, o local da sua sede ou do funcionamento normal da sua administração.”, o que, se bem compreendemos, aponta no sentido antes perfilhado de que a notificação no procedimento de injunção tem que ser feita em conformidade com o estabelecido nesse art.12.º, mesmo no caso das pessoas coletivas.
No caso dos autos, a citação da executada não foi remetida como, a nosso ver, imporia o n.º1 do art.12.º para a morada indicada pelo requerente para notificação e não se observou o disposto no n.º3 e 4 do citado artigo, o que em nossa opinião não cumpre as formalidades prescritas na lei quanto à notificação do procedimento, gerando nulidade da citação, já que o desvio às formalidades legais, desde logo a remessa da carta para a morada indicada pelo requerente e que era a sede efetiva da executada, (embora não atualizada no RNPC), podia prejudicar a defesa do citando (art.191.º n.º4 do CPC).
A procedência do fundamento de embargos relativo à nulidade da citação, prejudica o conhecimento dos demais fundamentos dos embargos.
E quanto ao pedido da executada de condenação da exequente como litigante de má-fé, o qual está ainda relacionado com a nulidade da citação, porquanto, a executada imputa à exequente responsabilidade na forma como foi efetuada essa citação, e, bem assim, quanto à multa de 10% em que a executada pede que a exequente seja condenada, ao abrigo do art.858.º do CPC, que em parte também é atinente à instauração da execução não obstante conhecer, como alega a executada “a nulidade do título”, cremos que a executada não tem razão nos fundamentos em que alicerça tal pretensão. Como resulta provado a exequente indicou no procedimento injuntivo a morada que corresponde ao local da sede estatutária da executada e que figurava na base de dados e não a morada desatualizada que constava do RNPC. O procedimento seguido pelo BNI é que não considerou tal morada, não procedendo à citação para a mesma por ter efetuado de imediato pesquisa no RNPC e ter seguido o regime processual civil de citação das pessoas colectivas previsto no art.246.º, sem que se prove qualquer interferência ou responsabilidade da exequente nesse procedimento, tanto mais que, como também resulta dos factos, após o depósito da carta e sem mais procedimentos foi aposta fórmula executória. Neste circunstancialismo, não se mostram verificados os pressupostos que permitam a condenação da exequente como litigante de má-fé; por outro lado, tendo sido aposta fórmula executória no requerimento de injunção, a execução segue a forma sumária, e a citação na execução ocorre após a penhora por via do regime legal aplicável, não se evidenciando também por aí qualquer conduta processual da exequente que deva ser sancionada nos termos requeridos.
DECISÃO:
Em face do exposto:
- Julgo procedentes os embargos e declaro extinta a execução.
- Absolvo a exequente do pedido de condenação da exequente como litigante de má-fé e de condenação em multa ao abrigo do art.858.º do CPC.
Custas pela exequente.
Notifique e registe.”
12. [na sentença transcrita não há n.º 11] Da aludida decisão houve recurso da ali executada e aqui sociedade autora, na parte em que a ali exequente e aqui ré foi absolvida da condenação como litigante de má fé e de condenação em multa ao abrigo do art. 858º do CPC, tendo, porém, vindo a improceder, mantendo-se a decisão recorrida, nos termos constantes da cópia do respetivo acórdão, junto aos autos a fls. 195verso a 198 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2.2. O Direito
O art.º 662.º n.º 1 do CPC estipula que “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por sua vez na elaboração do acórdão a Relação deverá observar, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º do CPC (art.º 663.º do CPC).
O art.º 607.º, nos n.ºs 3 e 4, citados pelos apelantes, estipula que nos fundamentos da sentença o juiz deve “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” (n.º 3 do art.º 607.º) e que “[n]a fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Finalmente, o art.º 640.º do CPC estipula que se o recorrente pretender impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Do conjunto das normas mencionadas resulta que esta Relação poderá, oficiosamente ou a requerimento do recorrente, introduzir alterações na decisão de facto da sentença impugnada se os elementos constantes dos autos assim o determinarem. Essas alterações poderão consistir no aditamento de factos não enunciados na decisão recorrida.
In casu, os apelantes entendem que deverá ser ainda dado como demonstrado o seguinte:
A 1ª autora é uma sociedade civil de prestação de serviços jurídicos, ou de atos próprios dos advogados, da qual fazem parte, como advogados:
(e) S, titular da cédula profissional n.º (…).
(f) T, titular da cédula profissional (…).
(g) B, titular da cédula profissional (…).
(h) H, titular da cédula profissional (…).”;
A 1ª autora tem a sua sede social na Rua Marquês da Fronteira, (…).
Trata-se de matéria sobre a qual não existe controvérsia nos autos e que se encontra documentalmente demonstrada, conforme os recorrentes apontam na apelação, desde logo pela certidão emitida pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados de Lisboa junta aos autos como doc. 4 juntamente com a “p.i” (fls 35 v.º a 36 v.º dos autos em papel). Por outro lado, foi alegada e tem relevância.
Assim, adita-se à matéria de facto assente os seguintes factos n.ºs 13 e 14:
13. A 1ª autora é uma sociedade civil de prestação de serviços jurídicos, ou de atos próprios dos advogados, da qual fazem parte, como advogados:
- S, titular da cédula profissional n.º (…).
 - T, titular da cédula profissional (…).
- B, titular da cédula profissional (…).
- H, titular da cédula profissional (…).”;
14. A 1ª autora tem a sua sede social na Rua Marquês da Fronteira, (…)
3. Segunda questão (responsabilidade civil da R. e falta de elementos necessários à prolação de decisão final)
A presente ação assenta na imputação à R. da obrigação de prestação de uma indemnização aos AA. emergente de responsabilidade civil extracontratual.
A R. teria incorrido na previsão dos artigos 483.º, 484.º e 496.º do Código Civil, isto é, teria agido de forma ilícita e culposa, in casu na modalidade de dolo, causando aos AA. danos de natureza patrimonial e não patrimonial que deveria ressarcir.
Importa realçar que a conduta apontada à R. constitui uma modalidade de ilícito que mereceu do legislador uma atenção específica, sem prejuízo da aplicabilidade das regras gerais.
Está em causa, com efeito, um determinado comportamento processual, regulado no art.º 858.º do CPC.
Este preceito tem a seguinte redação:
Sanções do exequente
Se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver atuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10 % do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça”.
O art.º 858.º do CPC corresponde ao art.º 819.º do CPC anterior, na redação introduzida nesse Código pela reforma do processo de execução de 2003 levada a cabo pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08.3.
O art.º 858.º está inserido na regulação da forma sumária do processo comum de execução para pagamento de quantia certa. Tem por objeto, pois, a instauração de execução em que as diligências de agressão do património do executado (penhora) se efetuam sem audição prévia do executado nem, em regra, o controlo preliminar, pelo juiz, da admissibilidade da execução, da fiabilidade do título ou da provável existência da dívida exequenda (cfr. artigos 550.º, 726.º, 728.º, 855.º e 856.º do CPC).
No art.º 858.º visa-se responsabilizar o sujeito pelo recurso a um meio processual que determina a produção de efeitos negativos na esfera jurídica do demandado sem que este tenha a possibilidade de se defender previamente. Daí que, contrariamente ao que ocorre no regime geral da litigância de má-fé, em que o tipo subjetivo pressupõe o dolo ou a culpa grave (art.º 542.º n.º 2), aqui a responsabilização do exequente basta-se com culpa leve (“se não tiver atuado com a prudência normal”).
A obrigação de indemnizar do exequente depende, assim, da verificação dos seguintes pressupostos (cfr., à luz ainda do art.º 819.º do CPC anterior, equivalente ao atual, Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, p. 457):
a) Ter a penhora precedido a citação do executado;
b) Ter o executado deduzido oposição à execução;
c) Ter a oposição sido julgada procedente;
d) Ter a execução causado prejuízos ao executado;
e) Terem os prejuízos sido causados culposamente;
f) Não ter o executado agido com a prudência normal.
No caso destes autos, dúvidas não há que ocorrem os pressupostos previstos nas alíneas a), b) e c) (cfr. n.ºs 6 a 10 dos factos assentes).
Os autos não permitem ainda saber se a execução causou prejuízos à executada (e, bem assim, ao 2.º A.) e com que extensão.
Resta averiguar se é possível tecer um juízo definitivo acerca da verificação do elemento subjetivo da responsabilidade (culpa do exequente). Se se considerar que é já possível concluir pela inexistência de culpa por parte da ora R., ficará prejudicada a averiguação do elemento “dano”, isto é, confirmar-se-á o sentido da decisão recorrida.
Vejamos.
Nos termos do n.º 2 do art.º 487.º do Código Civil, “[a] culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.”
A este critério geral se reconduz afinal o art.º 858.º do CPC, ao focar o padrão do juízo de censura da conduta do exequente na “prudência normal” (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 12.01.2012, processo 1472/06.5TVLSB.L1.S1, nota 8; acórdão da Relação do Porto, de 07.12.2009, processo 2617/08.6TJVNF-B.P1; acórdão da Relação de Évora, de 17.01.2013, processo 279/10.0TTEVR-C.E1 – todos consultáveis, assim como os que adiante forem citados, em www.dgsi.pt).
Está em causa o recurso a uma ação judicial, in casu uma ação executiva.
A proibição da autotutela (art.º 1.º do CPC) pressupõe a garantia do acesso à tutela jurisdicional (art.º 20.º n.º 1 da CRP). Esta exerce-se por recurso à ação adequada (art.º 2.º n.º 2 do CPC).
Está assente entre as partes que a R. realizou trabalhos nas instalações da 1.ª A.. Considerando ter um crédito sobre a ora 1.ª A. emergente dessa obra, a R. recorreu ao meio processual adequado, isto é, instaurou procedimento de injunção emergente de transação comercial (art.º 10.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5). No respetivo requerimento a ora R. indicou, como local onde deveria ser efetuada a notificação da requerida, o endereço da sede desta, sito na Rua Marquês de Fronteira (em Lisboa). Contudo o Balcão Nacional de Injunções (BNI), a quem competia a notificação da requerida para os efeitos da injunção, após averiguar que a sede da requerida que constava no Ficheiro Central das Pessoas Coletivas se situava na Rua de Campolide, para aí enviou a respetiva carta registada com aviso de receção. E tendo a carta sido devolvida com a menção “mudou-se”, o BNI enviou nova carta para o mesmo endereço, a qual foi depositada no respetivo recetáculo do correio (n.ºs 1 a 6 dos factos provados), considerando-se assim a requerida notificada/citada. Não tendo sido apresentada oposição, foi aposta fórmula executória na injunção (cfr. o segundo n.º 5 dos factos provados, conforme enumeração da sentença).
Constata-se, assim, que o BNI aplicou ao procedimento de injunção o regime previsto no art.º 246.º do CPC. Este regime estipula que as pessoas coletivas que devam obrigatoriamente ser inscritas no ficheiro central das pessoas coletivas (cfr. art.º 4.º n.º 1 al. a) e art.º 6.º al. d) do Dec.-Lei n.º 129/98, de 13.5, que prevê o regime do Registo Nacional de Pessoas Coletivas) deverão ser citadas na morada que aí constar, se necessário mediante simples depósito no respetivo recetáculo postal. Tal regime foi considerado conforme à Constituição pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 476/2020, de 01.10.2020. Aí se ponderou que “ao considerar admissível «a citação efetuada por depósito do expediente na morada da sociedade comercial citanda, constante do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, apesar de a carta de citação prévia, expedida para a mesma morada, ter sido devolvida com a indicação “Mudou-se”», a norma sindicada [norma extraída dos n.ºs 2 e 4 do artigo 246.º e do n.º 5 do artigo 229.º, ambos do Código de Processo Civil] não colide com o conteúdo essencial do direito de defesa que decorre do princípio do processo equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, nem sujeita aquele direito ou este princípio a uma compressão incompatível com a relação de proporcionalidade entre o meio acionado e o fim visado postulada pelo princípio da proibição do excesso”.
A notificação do requerido na injunção está regulada no art.º 12.º do Regime anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 01.9, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 107/2005, de 01.7. Aí se estipula, no n.º 2, que “À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil”. As normas aqui referidas figuram no CPC de 1961. O legislador não procedeu à adaptação decorrente da entrada em vigor de um novo CPC, sendo certo que o art.º 246.º do CPC de 2013 constitui inovação face ao Código anterior. Por sua vez os números 3, 4 e 5 do art.º 12.º preveem que nas tentativas de localização dos notificandos, incluindo pessoas coletivas, se recorra à multiplicidade de fontes oficiais disponíveis e se proceda ao envio de notificação por via postal simples para cada um dos endereços detetados – o que parece arredar a aplicabilidade do regime contido no art.º 246.º do atual CPC. A aplicabilidade do art.º 246.º poderá ter a seu favor a regra do predomínio da lei nova sobre a lei antiga – mas a seu desfavor tem considerações de especialidade do regime de injunção face ao regime do processo declarativo comum.
Seja como for, a verdade é que não cabia à requerente interferir no processo de notificação da requerida. E tendo obtido a aposição de fórmula executória na injunção, a requerente não tinha legitimidade para contra ela se rebelar (o requerente apenas tem legitimidade para reclamar do ato de recusa da fórmula executória – art.º 14.º n.º 4 do regime anexo).
Mas então deveria a requerente, após ter arcado com as despesas inerentes a uma injunção que desencadeara regularmente, prescindir do título executivo que obtivera?
Tal equivaleria a privar-se do direito fundamental à jurisdição.
O máximo que poderia dizer-se é que a aplicação do art.º 246.º feita pelo BNI suscitava dúvidas. Ora, conforme afirma Blomeyer, citado por Paula Costa e Silva (ob. cit., p. 24), é função do processo pôr termo a litígios, que eclodem em torno de situações tendencialmente duvidosas. A dúvida é conatural ao processo. Por outro lado, a requerente ora R. é uma sociedade comercial, que prossegue o lucro, tendo em vista a satisfação do interesse dos seus sócios e a garantia do interesse dos seus credores (cfr. art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais). A subsequente inércia após a obtenção de título executivo contra a requerida, ora 1.ª A., colocá-la-ia aquém do padrão normal de diligência na prossecução dos seus interesses. Nessa perspetiva tal omissão constituiria, ela sim, um ato dissonante face ao que se esperaria de um “bom pai de família” (neste sentido, cfr. os já supracitados acórdãos da Relação do Porto, de 07.12.2009 e da Relação de Évora, de 17.01.2013). Razoável seria, pois, que a requerente desse à execução o título executivo que obtivera, sujeitando-o aí às vicissitudes do contraditório especificamente facultadas pelo legislador (cfr. o citado acórdão da Relação de Évora de 17.01.2013).
O facto de no requerimento executivo a exequente ter indicado como morada da executada aqueloutra que constava no ficheiro nacional das pessoas coletivas está em harmonia com o já mencionado regime da citação das pessoas coletivas previsto no art.º 246.º do CPC, o qual é aplicável à execução (art.º 551.º n.ºs 1 e 3 do CPC). De resto, tal menção não obstou a que a executada fosse devidamente citada na execução, no momento adequado da tramitação sumária.
A afirmação, contida no requerimento executivo, de que a executada, “regularmente citada para pagar ou deduzir oposição, nada fez, pelo que em 07/06/2018 foi aposta fórmula executória”, ajusta-se ao desenrolar do procedimento de injunção acima descrito e à interpretação que do regime legal foi efetuado pelo BNI. Interpretação essa que a exequente, dentro dos limites da prudência normal que lhe era exigível, aceitou.
A procedência da oposição à execução teve como efeito a extinção da execução e a oneração da exequente com as respetivas custas, incluindo encargos e as custas de parte da executada (artigos 527.º, 529.º, 530.º, 532.º e 533.º do CPC).
Mas, contrariamente ao peticionado na oposição à execução pela executada ora 1.ª A., a procedência da oposição à execução não implicou o sancionamento da exequente nos termos da litigância de má-fé (subordinada, como se viu, a dolo ou culpa grave), nem nos termos da responsabilização por multa prevista no art.º 858.º do CPC (esta tão só subordinada a culpa leve). Esse foi o veredito unânime da 1.ª e da 2.ª instância (n.ºs 10 e 12 dos factos provados).
O que se harmoniza com a improcedência da presente ação, cuja causa de pedir os AA. expressamente afirmaram coincidir com o factualismo apresentado na oposição à execução (cfr. art.º 6.º da petição inicial).
Tudo o acima ponderado desemboca na conclusão de que, tal como foi avaliado pelo tribunal a quo, os autos permitem a apreciação total dos pedidos deduzidos, sem necessidade de mais provas (art.º 595.º n.º 1 al. b) do CPC), saldando-se pela improcedência da ação.
A apelação é, pois, improcedente.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo dos apelantes, que nela decaíram (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lisboa, 12.5.2022
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva