Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5807/20.0T8SNT-B.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
DIREITO DE ACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 5.1. –  Como o refere expressis verbis o nº 6, do art.º 732º, do CPC, “Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”;
5.2. – Em face do disposto no art.º 734º, nº 1, do CPC [o qual reza que pode o juiz “conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”],nada obsta a que o Tribunal da Relação venha a conhecer de questão recursória – v.g. de  excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI e enquanto causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção executiva – que não foi pelo tribunal a quo apreciada/resolvida ;
5.3. - Proferido porém Acórdão [em apelação dirigida a sentença proferida em embargos de executado] pelo Tribunal da Relação que aprecia expressamente, resolvendo-a, a questão da  excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI, vedado está ao tribunal da Relação voltar a apreciar tal questão [em razão do referido em 5.1. ] , maxime no âmbito de instância recursória dirigida a decisão interlocutória que na execução conheceu do mérito da referida excepção (na sequência de instrumento avulso atravessado pelo executado na execução);
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: 1.- Relatório
CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, apresentou, em 15 de Abril de 2020, requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra A e B, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 73.037,11, e baseando o correspondente título executivo invocado em documento autenticado denominado “Contrato de Mútuo n.º 269-27.000179-6”,  celebrado em 28 de Novembro de 2013 [  mediante o qual a exequente concedeu aos executados um empréstimo no montante de €53.500,82, e cujo reembolso seria efectuado em prestações, mensais e sucessivas ].
1.1. - Para tanto alegou a exequente, em síntese, que:
- Acordaram exequente e executadas que o pagamento do mútuo seria efectuado em prestações, mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 28 de Dezembro de 2013, tendo a quantia mutuada sido creditada na conta de depósitos à ordem dos executados, aberta num balcão da exequente;
- Mais acordado ficou ser devido o pagamento de juros de mora, acrescidos de 3% em caso de mora e despesas;
- Acontece que a executada deixou de pagar as prestações contratadas que se venceram a partir de 2 de Julho de 2014, o que conduziu ao vencimento de todas as prestações.
1.2.- Regularmente citadas para, em prazo [cfr. artigo 726.º, n.º 6, do Código de Processo Civil], querendo, deduzirem oposição, veio a executada A fazê-lo, em 2 de Julho de 2020, deduzindo oposição à execução mediante embargos, e no âmbito do qual invocou em síntese os seguintes fundamentos:
- A executada aceita a celebração do contrato de empréstimo e admite a sua subscrição, mas impugna o demais, porquanto a exequente não cumpriu a sua obrigação, isto é, nunca depositou o montante mutuado à ordem/disposição da executada,
- O montante de 53.500,00€ deveria ter sido depositado numa conta bancária sob o n.º 269-10.001203- 9, o que nunca aconteceu, apesar das diversas solicitações, assim como dessa conta não foi descontada qualquer mensalidade referente ao contrato de mútuo, nem em nenhuma das contas de que a executada é/era titular;
- O contrato será anulável uma vez que a exequente nos termos contratuais nunca procedeu ao cumprimento da obrigação a que estava vinculada.
- Conclui pela procedência da oposição/embargos e pela sua absolvição do pedido executivo.
1.3. – Após contestação dos embargos pela exequente, foi em 13 de Abril de 2021 realizada a AUDIÊNCIA PRÉVIA [ No âmbito da qual foi proferido DESPACHO/SANEADOR, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, designando-se de imediato a data para a audiência ] e, realizada a audiência final a 23/11/2021 e 14/1/2022 , em 26 de Fevereiro de 2022 veio a ser proferida a competente sentença que julgou os embargos de executado improcedentes e determinou o prosseguimento da execução .
1.4. - Inconformada com a sentença identificada em 1.3., da mesma interpôs a executada/embargante A – em 1/4/2022 - o competente recurso de APELAÇÃO, inserindo nas respectivas conclusões, designadamente, o seguinte:
“ (…)
58) Por alegado incumprimento, a Recorrida instaurou, a 22-04-2020, ação executiva contra a Recorrente.
59) Acontece que, a Recorrida nunca interpelou a Recorrente para pagamento voluntário do alegado montante em incumprimento.
60) Muito menos se encontra cumprido o regime instituído pelo Decreto-Lei N.º 227/12 de 25 de Outubro, que estabelece Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (Doravante PERSI).
61)   O referido diploma entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013.
62) Assim, quando a Recorrente entrou em alegada mora no cumprimento das prestações do contrato de mútuo, era obrigação legal da Recorrida a integração da Recorrente no instituto PERSI, nos termos e para os efeitos dos Artigos 12.º, 13.º e 14.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 227/2012.
63) Ora, referido diploma é aplicável ao presente contrato de mútuo, atendendo ao disposto no Artigo 1 c) do Decreto-lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, uma vez que, se trata de contrato de crédito ao consumidor.
64) De acordo com o n.º l do Artigo 4 do referido diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa.
65) Por conseguinte, e conforme disposto no Artigo 12 do aludido diploma, o PERSI determina que, em caso de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
66) Pelo que, e atendendo ao Artigo 14.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa. O que não sucedeu.
67) Assim, a Recorrida estava, pelo exposto, obrigada a iniciar 0 PERSI, devendo informar a aqui Recorrente da sua integração no referido procedimento, através de comunicação em suporte duradouro (Artigo 14.º n.º 4 do PERSI).
68) Ora a Recorrente nunca foi notificada da referida comunicação, não se tendo verificado a sua integração no PERSI.
69) Acontece que, nos termos do Artigo 18.º n.º 1 a) e b) do referido diploma, até à extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
70) Uma vez que, como já referido, está em causa contrato de crédito englobado na previsão no Artigo n.º 1 b) do PERSI, verificando-se uma situação de mora da Recorrente, teria esta de ser obrigatoriamente integrada no PERSI, ficando assim sujeita à disciplina deste diploma, o que impediria à instituição bancária o recurso às vias judiciais para a satisfação do seu crédito, antes de extinto tal procedimento extrajudicial.
71) A presente execução, foi instaurada, sem que se mostrem reunidas e cumpridas estas condições, o que "implica a ocorrência de uma exceção dilatória inominada ou atípica, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva, exceção esta suscetível de conhecimento oficioso."
72) A Recorrida desrespeitou a imperatividade constante do art.º 18.º n.º 1 al. b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, o que se traduz numa condição objetiva de procedibilidade da própria execução, e a invocação dessa exceção conduz à absolvição da instância.
73) Em processo executivo a falta de condição objetiva de procedibilidade não é sanável, atenta a natureza do próprio processo.
74) O PERSI constitui uma fase pré-judicial de composição do litígio por mútuo acordo, obrigatória e cuja falta, traduzindo violação de normas de carácter imperativo, configura uma falta de condição objectiva de procedibilidade, exceção dilatória atípica ou inominada que impede que a instituição de crédito interponha ação judicial destinada à satisfação do seu crédito, de conhecimento oficioso.
1.5. - Concomitantemente, em 31/3/2022 vem a executada e embargante A a atravessar nos próprios autos de execução instrumento Refª nº 41812163, no âmbito do qual invoca e reclama – alegadamente nos termos do Artigo 578º do Código de Processo Civil -  que , sendo certo que a exequente instaurou, a 22-04-2020, uma acção executiva contra a Executada, a verdade é que nunca a Exequente interpelou a Executada para pagamento voluntário do alegado montante em incumprimento e, muito menos cumpriu o regime instituído pelo Decreto-Lei N.º 227/12 de 25 de Outubro, que estabelece o PERSI, razão porque sendo o referido diploma aplicável ao contrato de mútuo dos autos, estava a Exequente obrigado a iniciar o PERSI, devendo informar a aqui Executada da sua integração no referido procedimento, através de comunicação em suporte duradouro.
No instrumento referido, termina assim a executada por invocar que a Exequente desrespeitou a imperatividade constante do art.º 18.º n.º 1 al. b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, o que se traduz numa condição objetiva de procedibilidade da própria execução, e, porque a invocação dessa exceção conduz à absolvição da instância, reclama que deve a referida “solução” ser a decretada na execução.
1.6. - Satisfeito o contraditório com referência ao instrumento identificado em 1.5. [no qual veio a exequente CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, em instrumento de 26/4/2022, vem invocar a extemporaneidade do requerido , além de alegar a ostensiva e despudorada má fé da executada e por isso exercida em abuso de direito e desrespeitosa do direito e dos tribunais, devendo improceder a excepção invocada, prosseguindo a execução ate final], veio em 5/7/2022 a ser proferida decisão  que conheceu o requerimento identificado em 1.5., sendo a mesma, em parte, do seguinte teor :
“(…)
Cumpre decidir.
Deve esclarecer-se que a excepção prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que, na acção executiva, pode ser conhecida em sede despacho liminar (artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC) ou até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados (artigo 734.º do CPC).
No caso concreto, não foi praticado ainda qualquer acto de transmissão dos bens penhorados, pelo que nada obsta ao conhecimento da referida excepção dilatória.
O contrato dado à execução configura um contrato de crédito a consumidores (artigos l.º, n.º 2, e 2.º, n.º 1, a contrario sensu, do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho), pelo que lhe é aplicável o regime imperativo consagrado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, como alegado pela executada e não contraditado pela exequente.
Ora, considerando o teor das missivas juntas aos autos pela exequente com o seu requerimento de 26/02/2022, remetidas para o domicílio convencionado (cfr. cabeçalho e cláusula 16.º do contrato de mútuo dado à execução), é de concluir que foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 14.º, n.ºs 1 e 4, e 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012, incluindo quanto ao prazo mínimo de integração estabelecido no n.º 1 do primeiro dos citados preceitos legais (cfr. cláusula 6.º do referido contrato de mútuo e carta de integração no PERSI, donde decorre que a primeira prestação não paga se venceu em 29/06/2014, pelo que a data de integração nesse procedimento (30/07/2014) corresponde ao 31.º dia subsequente à data do vencimento da obrigação).
Finalmente, não se pode ignorar que, como se julgou provado em sede de embargos de executado (cfr. ponto 3. da fundamentação de facto da sentença de 26/02/2022, proferida no Apenso A), o contrato dado à execução destinava-se à liquidação de outras responsabilidades bancárias da embargante, decorrendo, pois, de uma reestruturação de dívidas bancárias anteriormente vencidas e não pagas, pelo que, ainda que a exequente não tivesse dado cumprimento ao regime legal em causa, seria, nesse contexto, abusiva a invocação da excepção ora deduzida, destinada a impelir as instituições de créditos a renegociar e agilizar o cumprimento de obrigações vencidas e não pagas, o que comprovadamente a instituição de crédito havia substancialmente feito em relação à dívida reestruturada por via do contrato de mútuo dado à execução.
Por tais razões, não deve a presente excepção proceder.
Pelo exposto, julgo improcedente a excepção dilatória deduzida pela executada no requerimento em apreço.
Notifique.
Comunique ao AE.”.
1.7. - Inconformada com a DECISÃO identificada em 1.6., da mesma interpôs a executada/embargante A o competente recurso (em 21/7/2022), fazendo constar das respectivas conclusões o seguinte:
1 - A Recorrida e a Recorrente celebraram contrato de mútuo no valor de €53.500,00 (Cinquenta e Três Mil e Quinhentos Euros) a 28-11-2013.
2 - No referido contrato ficou estipulado que o pagamento do referido empréstimo seria efetuado em prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira a 28-12-2013.
3 - Por alegado incumprimento, o Exequente instaurou, a 22-04-2020, ação executiva contra a Executada.
4 - Acontece que, a Exequente nunca interpelou a Executada para pagamento voluntário do alegado montante em incumprimento.
5 - Muito menos se encontra cumprido o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/12 de 25 de Outubro, que estabelece Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (Doravante PERSI).
6 - O decreto-lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013, e por isso,
7 - Quando a Executada entrou em alegada mora no cumprimento das prestações do contrato de mútuo, era obrigação da Exequente a integração da Executada no instituto PERSI, nos termos e para os efeitos dos Artigos 12.º, 13.º e 14.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 227/2012.
8 - O referido diploma é aplicável ao presente contrato de mútuo, atendendo ao disposto no Artigo 1 c) do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, uma vez que, que se trata de contrato de crédito ao consumidor.
9 - De acordo com o n.º 1 do Artigo 4 do referido diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa.
10 - Por conseguinte, e conforme disposto no Artigo 12 do aludido diploma, o PERSI determina que, em caso de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
11 - Pelo que, e atendendo ao Artigo 14 n.º 1 do Decreto-lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
12 - O que não sucedeu.
13 - Não havendo prova da regular notificação da executada para integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (Doravante PERSI), nem da receção das referidas missivas, a mesma não poderá ter-se como provada.
14 - Pelo que a executada nunca foi interpelada para a integração no PERSI.
15 - Assim, o Exequente estava, pelo exposto, obrigado a iniciar o PERSI, devendo informar a aqui Executada da sua integração no referido procedimento, através de comunicação em suporte duradouro (Artigo 14 n.º 4 do PERSI).
16 -Acontece que, nos termos do Artigo 18 n.º 1 a) e b) do referido diploma, até à extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
17 - Uma vez que, como já referido, está em causa contrato de crédito englobado na previsão no Artigo 18.º n.º 1 b) do PERSI, verificando-se uma situação de mora da executada, teria esta de ser obrigatoriamente integrada no PERSI, ficando assim sujeita à disciplina deste diploma, o que impediria à instituição bancária o recurso às vias judiciais para a satisfação do seu crédito, antes de extinto tal procedimento extrajudicial.
18 - A presente execução, foi instaurada, sem que se mostrem reunidas e cumpridas estas condições, o que "implica a ocorrência de uma exceção dilatória inominada ou atípica, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva, exceção esta suscetível de conhecimento oficioso." (Crf. Acórdão Relação do Porto de 23-02-2021, processo 8821/19.4T8PRT-A.P1, relator Rodrigues Pires e Acórdão Relação Porto de 09.5.2019, proc. 21609/18.0T8PRT-A.P1, relatora Judite Pires).
19 - A Exequente desrespeitou a imperatividade constante do art.º 18.º n.º 1 al. b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, o que se traduz numa condição objetiva de procedibilidade da própria execução, e a invocação dessa exceção conduz à absolvição da instância.
20 - Em processo executivo a falta de condição objetiva de procedibilidade não é sanável, atenta a natureza do próprio processo.
21 - O PERSI constitui uma fase pré-judicial de composição do litígio por mútuo acordo, obrigatória e cuja falta, traduzindo violação de normas de carácter imperativo, configura uma falta de condição objetiva de procedibilidade, exceção dilatória atípica ou inominada que impede que a instituição de crédito interponha ação judicial destinada à satisfação do seu crédito, de conhecimento oficioso e que, nos termos do artigo 726.º, n.º 2, alínea b) do C.P.C. deveria ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo; (Cfr. Acórdão Relação do Porto de 23/02/2021, processo 8821/19.4T8PRT-A.P1, relator Rodrigo Pires).
22 - Tal exceção é invocável a todo o tempo e determina a extinção da instância por verificação de exceção dilatória inominada.
23 - Por outro lado, a Executada reagiu contra a ação executiva, deduzindo embargos de executado.
24 - Contudo, os mesmos foram julgados totalmente improcedentes.
25 - Poderá eventualmente alegar-se que a Executada, vem invocar a referida exceção posteriormente à dedução de embargos de executado, onde a exceção referida não foi alegada, não podendo agora usar desse meio para aditar argumentos que não foram atempadamente usados na sua defesa.
26 - No entanto, uma vez que a sujeição do devedor ao PERSI se traduz numa condição objetiva de procedibilidade da execução, será de concluir, que estamos perante uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e como tal a sua invocação ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo por isso a última parte do n.º 2 do Artigo 573.º que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
27 - Veja-se ainda a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/06/2018, processo 2791/17.0T8STB-C.E1, relator Mata Ribeiro, "Entendida a falta de integração do cliente bancário no PERSI como uma excepção dilatória inominada, a jurisprudência tem vindo a reconhecer a possibilidade do seu conhecimento oficioso, aplicando o regime decorrente dos art.ºs 576.º, n.ºs 1 e 2 e 578.º do CPC, de tal modo que, (...) a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado, tal como resulta da ressalva prevista no art.º 573.º, n.º 2, in fine do CPC, para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados - cf. Art.ºs 726.º, n.º 2, b) e 734.º do CPC."
28 - No mesmo sentido, Acórdão Relação de Lisboa de 29-9-2020, processo 1827/18.2TOALM-B.L1-1, relator Micaela da Silva Sousa, quando se refere "(...) Quanto às exceções dilatórias, estatui o art.º 578.º do C.P.C. que o Tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo das que vêm expressamente elencadas nessa disposição legal, em nenhuma das quais se integra a exceção invocada (...); Todavia, o art.º 577.º do C.P.C., enumera exemplificativamente as exceções que são dilatórias, sendo que, poderão existir outras exceções dilatórias que não apenas as contidas na norma. A exceção invocada (...) é dilatória inominada, de conhecimento oficioso e que pode ser deduzida depois da defesa, porquanto pode ser conhecida pelo próprio Tribunal, independentemente de invocação da parte; (...)".
29 - Por conseguinte, e conforme dispõe o art.º 576.º n.º 2 do C.P.C., as exceções dilatórias obstam a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância, solução que se impõe e se requer, no caso em apreço.
30 - No âmbito do disposto no n.º 1 e n.º 2 a) do Art.º 14 do PERSI, a Recorrida estava, no caso em apreço, obrigada a iniciar o PERSI, solicitando através de comunicação em suporte duradouro a integração da Recorrente no mesmo.
31 - Ora a Exequente nunca interpelou a Executada para pagamento voluntário do alegado montante em incumprimento, muito menos interpelou a recorrente para a sua integração no PERSI.
32 - Como tal, a Recorrente desconhece a existência das missivas (de 30-07-2014 e 30-10- 2014) a que se reporta a exequente nos Artigos 5.º e 6.º do requerimento da Recorrida datado de 26 de Abril de 2022, e não Requerimento de 26 de Fevereiro de 2022 como se refere no Douto Despacho.
33 - Na realidade, a Recorrida não submeteu aos autos qualquer requerimento na data indicada no despacho de que se recorre.
34 - Por conseguinte, a Recorrente nunca recebeu qualquer documentação por parte da Recorrida, nas referidas datas, nem com o conteúdo ali elencado.
35 - Para mais, a Recorrida não demonstrou, salvo melhor opinião, qualquer elemento probatório nem da expedição das missivas, nem receção das mesmas pela Recorrente para integração PERSI.
36 - No requerimento executivo, que motivou e iniciou o presente processo, a Recorrida não junta qualquer documentação probatória da comunicação do PERSI.
37 - Nem sequer alega, no seu articulado, qualquer fato referente a essa circunstância.
38 - Da prova testemunhal produzida em sede de embargos (Processo 580720.0T8SNT-A), nenhuma das testemunhas, funcionários da Recorrida, referiu o cumprimento da obrigação de comunicação que consta do n.º l e n.º 2 a) do Art.º 14 do PERSI, nem da eventual expedição da comunicação para integração (e posterior extinção) do referido procedimento.
39 - Não foi junto, até ao momento em que a Recorrente requereu, a 31 de Março de 2022, a apreciação da exceção dilatória inominada aqui invocada, qualquer documentação probatória por parte da recorrida que faça prova do cumprimento da regra do n.º l e n.º 2, a) do Art.º 14 do PERSI.
40 - A invocação de factos que não estão provados e a argumentação com base neles é, como se vê, uma constante que surge na sequência do que é requerido e alegado pela Recorrente, o que põe a nu a total falta de prova do envio das cartas, pois que é isso que leva a que se invoquem factos que não estão provados.
41 - Encontrando-se a situação dos autos abrangida pelo PERSI, a integração da Recorrente no PERSI e a respetiva extinção teriam de lhe ser devidamente comunicadas, em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º, do Código Civil ( Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, Processo 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, relator Graça Amaral).
42 - A mera alegação por parte do banco Exequente (Aqui Recorrida) de que integrou a Recorrente no PERSI, e comunicou posteriormente a extinção do referido processo, juntando cópias de supostas cartas, constitui meio insuficiente para demonstrar tal envio (carecendo de um elemento objetivo que o corrobore: como um aviso de receção, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, Processo 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, relator Graça Amaral).
43 - Apesar de constarem cópias de escritos nos autos, às quais a Recorrida não faz referência no requerimento executivo, e junta apenas em resposta ao requerimento (de 31 de Março de 2022) da Recorrente relativo à apreciação da exceção dilatória inominada, a Recorrida não logrou provar que expediu os referidos documentos (dado que nada diz sobre isso mesmo), nem provou a receção das referidas cartas.
44 - Os referidos documentos juntos pela Recorrida aos autos, a 26 de Abril de 2022, são cópias simples de um documento processado a computador (referência que ambos os documentos fazem), sem qualquer assinatura de um funcionário da Recorrida, sem carimbo dos serviços da Recorrida e sem qualquer referência ao registo do correio associado.
45 - Pelo que, não existe prova nem da expedição das cartas, nem da sua receção pela Recorrente.
46 - Por maioria de razão, atendendo aos elementos invocados, não foi feita nos autos a demonstração do envio à Executada/Recorrente da comunicação de integração no PERSI (nem da sua extinção), que constituía ónus da Exequente/Recorrida, porquanto, tal demonstração não se basta com cópias de cartas alegadamente enviadas (desconhecemos por que meio e sem estarem assinadas), dado que se não consta dos autos mais nenhuma prova documental a esse respeito, designadamente talão de registo, prova de depósito, aviso de entrega da qual resulte a expedição e muito menos a receção dessas cartas (ou mesmo outra correspondência comprovadamente rececionada em que seja feita menção àquelas).
47 - Provas essas que efetivamente não se verificam, dado que,
48 - A apresentação, embora tardia, do teor das alegadas comunicações, por si só, não demonstram o envio e receção pela Executada (aqui Recorrente).
49 - De acordo com o disposto nos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do citado DL, a integração no PERSI e a extinção do procedimento, têm de ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente "através de comunicação em suporte duradouro", sem prejuízo dos requisitos exigíveis quanto ao conteúdo dessas comunicações.
50 - Atendendo a todos os factos descritos, verifica-se que a executada nunca foi interpelada para a integração no PERSI, condição de admissibilidade da ação executiva, consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576, n.º 2, do Código de Processo Civil).
51 - Para mais, em nenhuma da restante documentação junta aos autos, pela Recorrente e pela Recorrida se demonstra, a referência à integração no PERSI ou a referência àquela correspondência.
52 - Neste sentido, veja-se também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora 27/04/2017, Processo 37/15.5T80DM-A, quando refere que no âmbito do PERSI exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no referido procedimento, através de comunicação em suporte duradouro.
53 - O significado da expressão "suporte duradouro" é dado no Art.º 3, alínea h) do citado diploma: "qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas".
54 - Exigindo a lei, como forma de tal declaração uma "comunicação em suporte duradouro", ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, significa-se que o legislador nos reconduz ao conceito legal de documento constante do art. 362 do Código Civil.
55 - Pelo que, constitui ónus da Recorrida (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), demonstrar do efetivo envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, prova que não foi não produzida.
56 - Como tal, a simples aposição nas missivas do domicílio convencionado da Recorrente, em duas cópias simples de documentos "processados a computador" (referência que ambos os documentos fazem), sem qualquer assinatura de um funcionário da Recorrida, sem carimbo dos serviços da Recorrida e sem qualquer referência ao registo do correio associado, não permitem o cumprimento legal do disposto no n.º l e n.º 4 do Art.º 14 e do n.º 3 do Art.º 17.º do PERSI.
57 - Assim, nem a Recorrida, nem o Tribunal de l.ª Instância demonstraram o cumprimento dos normativos invocados.
58 - Tratando-se a comunicação para integração (e extinção) no PERSI, de uma declaração reptícia, por maioria de razão, não é prova suficiente da existência da comunicação, muito menos do envio e da receção, a data que consta desses referidos documentos (atendendo ao regime do Art.º 224.º n.º l do Código Civil), ou uma fotocópia da mesma, sem um único elemento objetivo que o corrobore, como por exemplo um aviso de receção do correio, um registo do correio, um aviso ou uma referência posterior a essa carta num outro documento remetido aos autos (No mesmo sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-06-2018, Processo 144/13.9TCFUN-A.L1-2, Relator Pedro Martins).
59 - Não se demonstrando a existência da comunicação da integração da Recorrente no PERSI, não existe uma condição objetiva de procedibilidade da execução (Art.º 18 n.º 1 b) do referido DL 227/2012), pelo que esta não pode prosseguir.
60 -No mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-06-2018, Processo 144/13.9TCFUN-A.L1-2, Relator Pedro Martins, quando refere, "(...) quem se quer prevalecer de declarações reptícias, isto é, cuja eficácia depende da prova da receção das declarações pelos seus destinatários (art.º 224/1 do CC), tem de ter o cuidado de fazer prova dessa receção (art.º 342/1 do CC). Essa prova pode fazer-se através de notificações avulsas (art.ºs 256 a 258 do CPC), mas faz-se normalmente com um aviso de recepção devidamente assinado de uma carta enviada pelo correio. Essa prova pode ainda ser feita, mais dificilmente, com um registo do envio da carta (...), junto com a prova do depósito na caixa de correio do destinatário, conjugados com as regras dos art.º 224.º do CC).
Toda a gente sabe isto (que são regras da experiência comum e da lógica das coisas) e sabem-no principalmente as empresas habituadas a lidar com situações em que é necessário fazer prova daquelas declarações, principalmente quando elas são feitas em negociações no âmbito de litígios ou de incumprimentos contratuais. Não lembraria a ninguém que um tribunal dissesse que notificou alguém com base apenas no facto de um juiz ou de um funcionário judicial dizer que essa pessoa foi notificada. Naturalmente que existe sempre um registo dessa notificação que pode ser exibido quando necessário. O mesmo vale para (...) os bancos, que não podem vir dizer, em questões que podem ter consequências graves para as contrapartes, que notificaram ou comunicaram fosse o que fosse, sem prova objetiva de o terem feito."
61 - Como diz igualmente Jorge Morais de Carvalho, " Se o objectivo é, por um lado, a prova do envio da mensagem e, por outro lado, uma maior certeza na efetiva receção desta, o meio mais eficaz talvez ainda seja o correio tradicional, mas, neste caso, apenas se o envio for registado [...]." (Cfr. em " Os contratos de consumo, Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo", Almedina, Junho 2012, pág. 151).
62 - Assim, conclui igualmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-06-2018, Processo 144/13.9TCFUN-A.L1-2, Relator Pedro Martins, "quando se quer provar o envio de uma carta, faz-se pelo menos o registo dela; quando se quer provar a recepção de uma carta, pede-se ainda o aviso de receção ou requer-se uma notificação avulsa. (...). Quer isto dizer que se num processo judicial se diz que uma declaração reptícia foi feita e enviada, se exige logo, naturalmente, a prova disso através de uma certidão de uma notificação avulsa, ou de um a/r, ou de um registo e aviso, ou pelo menos de um elemento objectivo qualquer (por exemplo, uma referência, não impugnada, numa carta posterior à carta em causa).
A simples exibição de uma fotocópia de uma carta, que pode ser feita em qualquer altura, (...) não têm valor probatório suficiente para convencer desse envio”.
63 - Muito menos, como no caso em apreço, em que não existe qualquer elemento de prova objetivo corroborativo (como por exemplo um outro documento junto aos autos cujo conteúdo que fizesse referência ao teor da carta que interessava provar).
64 - Como resulta dos usos e costumes comuns, ninguém, em questões minimamente importantes, espera fazer prova do envio de cartas apenas com um documento simples, sem qualquer assinatura, nem carimbo ou rubrica de algum funcionário, e onde se pode ler "documento processado por computador".
65 - Por outro lado, tal como acima se disse, os documentos juntos pela Recorrida no requerimento datado de 26 de Abril de 2022 não evidenciam nem a respetiva expedição, nem a receção das referidas cartas.
66 - Admitindo, por mera hipótese e sem conceder, que se entenda como admissível prova testemunhal na matéria em causa, sempre se impõe dizer que da prova testemunhal produzida em sede do processo de embargos da execução não resultou a confirmação sequer do envio das aludidas comunicações.
67 - Por conseguinte, tendo em conta o disposto nos Art.ºs 364º n.º 2 e 393º, n.º 1, ambos do Código Civil, estamos perante, por maioria de razão, uma exigência legal de uma dada forma para uma comunicação de uma informação, com o fim de fazer prova dela, pelo que "a razão de ser daquelas normas é a mesma da que está em causa no caso e por isso pode ser aplicada por analogia (art.º 10/1 e 2 do CC): se a lei exige uma forma para a [prova da] comunicação, não se pode saltar por cima da forma(...)". (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-06-2018, Processo 144/13.9TCFUN-A.L1-2, Relator Pedro Martins)
68 - Antes de mais, as declarações de integração no PERSI e de extinção do PERSI são declarações receptícias, pelo que, como já se disse, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (art.º 224/1, lº parte, do Código Civil), sendo sobre a Recorrida que recaía o ónus de o provar, o que não se verificou (Art.º 342/1 do Código Civil e o já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora 27/04/2017, Processo 37/15.5T80DM-A).
69 - Cabia, pois, à Recorrida, o ónus de demonstrar, em relação a cada umas das comunicações impostas pelo PERSI, enquanto comunicações reptícias que são, de que a comunicação foi realizada em "suporte duradouro", provar consequentemente a respetiva expedição das cartas e por último provar a chegada ao conhecimento da Recorrente.
70 - Tal ónus não foi de todo cumprido pela Recorrida, o que expressamente se invoca para todos os efeitos.
71 - Quer isto dizer que, para além de, pelos fatos em discussão, não haver prova da existência e envio das comunicações de integração (e de extinção) do PERSI em suporte duradouro, mesmo que houvesse faltaria a prova direta e objetiva da sua receção pela Recorrente (como por exemplo um registo dos correios ou um aviso de receção).
72 - Se por mera hipótese de raciocínio aqui se concebe que, mesmo que se se verificasse a regular expedição e receção das comunicações indicadas pela Recorrida, não se encontram cumpridos os requisitos constantes do Artigo 14º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, dado que,
73 - O alegado incumprimento ocorre a 2 de Julho de 2014, conforme aliás a própria recorrida alega no artigo 5.º do requerimento executivo que originou o presente processo, e não a 2º de Junho de 2014 como se refere no Douto Despacho de 6 de Julho de 2022.
74 - De nenhum facto alegado pela Recorrida, nem da leitura de qualquer outro documento se retira, como se refere no Douto Despacho, a data de 2º de Junho de 2014 como a data a primeira prestação vencida.
75 - Nesse sentido, e salvo melhor opinião, o despacho de que aqui se recorre, considerou fatos não alegados, nem invocados por qualquer das partes, nem corroborados por qualquer elemento probatório.
76 - Se por mera hipótese académica se considerar a regular comunicação para integração no PERSI a 30-07-2014, alegada pela Recorrida, a Recorrente teria sido notificada para integrar o PERSI vinte e nove dias após a data de vencimento da obrigação.
77 - Ora, atendendo ao disposto no Artigo 14º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
78 - Assim, não só não se verifica qualquer prova de que a Recorrente foi regularmente interpelada para a sua integração no PERSI, como não se encontram igualmente observados todos os requisitos exigidos pelo regime legal em causa, dado que não haviam decorrido 31 (trinta e um) dias desde o incumprimento.
79 - Quando a Recorrente entrou em alegada mora no cumprimento das prestações do contrato de mútuo, isto é, a 02-07-2014, conforme artigo 5.º do requerimento executivo que originou o presente processo, a Recorrida estava, pelo exposto, obrigado a iniciar o PERSI, devendo informar a aqui Recorrente da sua integração no referido procedimento, através de comunicação em suporte duradouro (Artigo 14 n.º 4 do PERSI), mas só e apenas a partir de 31.º (Trigésimo primeiro) dia desde o incumprimento.
80 - Por conseguinte, por mera hipótese de raciocínio as referidas cartas tivessem sido regularmente expedidas e rececionadas, verifica-se igualmente que o prazo indicado no Artigo 14º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro não havia sido observado, não podendo a Recorrida enviar interpelação para integração no PERSI, antes do 31.º dia do incumprimento.
81 - Não havendo prova da comunicação da integração dos executados no PERSI, o exequente não podia ter requerido execução contra eles, por força da norma do Art.º 18 n.º 1 b) do DL 227/2012, como também já se viu acima.
82 - Por isso, quer o tribunal quer o Recorrida, tentam convencer que, a integração dos executados no PERSI afinal não seria obrigatória nas circunstâncias dos autos, ou melhor, seria obrigatória, mas a invocação da falta deveria ser impedida com recurso ao instituto do abuso de direito (art.º 334º do CC).
83 - No entanto atendo aos factos provados e à documentação junta aos autos, não existem elementos que permitiram tal construção no caso em apreço.
84 - A recorrida não conseguiu provar ter expedido as comunicações e notificado a Recorrente para a sua integração (e extinção) no PERSI.
85 - O PERSI constitui uma fase pré-judicial de composição do litígio por mútuo acordo, obrigatória e cuja falta, traduzindo violação de normas de carácter imperativo, configura uma falta de condição objetiva de procedibilidade.
86 - O PERSI surgiu como um instrumento criado pelo legislador, para atender às dificuldades financeiras dos cidadãos no pagamento das prestações do empréstimo bancário, em épocas de crise económica. Enquadra-se na política geral de defesa do consumidor, visando também fazer face às assimetrias informativas entre a instituição bancária e as famílias que recorrem ao crédito.
87 - No preâmbulo do referido diploma lê-se "as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor».
88 - Nesses termos, não se poderá dizer que é abusiva a invocação da exceção ora deduzida, dado se atentarmos aos fatos em causa, verificamos que existe um hiato de tempo considerável entre o vencimento da dívida (2 de Julho de 2014) e a entrada do presente processo executivo (15 de Abril de 2020), período entre o qual, a Recorrida não contatou a Recorrente para alertar do incumprimento, verificar a razão do mesmo ou tentar encetar negociações com vista à liquidação das prestações vencidas.
89 - Se estamos perante instituição bancária com uma estrutura significativa e características próprias não se percebe tal hiato temporal, dado que a Recorrida tem capacidade para se organizar e dar resposta adequada às situações que decorrem das relações comerciais com os seus clientes, sendo que quanto maiores forem, mais isso é exigível e mais condições têm para o efeito.
90 - E porque razão não o fez? E esperou mais de 5 (Cinco anos) para executar um contrato que não se encontrava a ser, alegadamente, cumprido?
91 - Por conseguinte, no caso em apreço não existem, salvo melhor opinião, quaisquer factos que indiciem sequer que a Recorrente, ao invocar a impossibilidade da execução, por força do já alegado, esteja a agir com abuso de direito (art.º 334 º do CC), pois
92 - A integração no regime do PERSI é de carácter obrigatório (por força da lei) e não havendo prova da existência da sua integração no referido procedimento, nem da expedição e receção das comunicações dessa integração (e extinção) à Recorrente, a invocação por esta das normas jurídicas PERSI não constitui um abuso do direito.
93 - Verificando-se uma situação de mora da Recorrente, teria esta de ser obrigatoriamente integrada no PERSI, ficando assim sujeita à disciplina deste diploma, o que impediria à instituição bancária o recurso às vias judiciais para a satisfação do seu crédito, antes de extinto tal procedimento extrajudicial.
94 - Como entendeu este Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 19-05-2020 (Processo n.º 6023/15.8T80ER-A.L1.S1), "Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.º 18º daquele diploma). 3. O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância".
95 - Não se tendo verificado a integração no PERSI, não poderá constituir abuso de direito a invocação pela aqui Recorrente das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI, dado que o recurso ao mesmo corresponde ao exercício de um direito que a lei concedeu aos devedores precisamente por entender que os clientes bancários, em dificuldades financeiras para assumirem as suas obrigações, precisam de proteção.
NESTES TERMOS, e no melhor de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o douto despacho ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
1.8. - A  apelada/exequente  CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL , veio apresentar contra-alegações, impetrando a improcedência do recurso pela executada apresentado, deduzindo para tanto as seguintes conclusões:
1 - O recurso ora apresentado pela Recorrente é, no entendimento da Recorrida, manifestamente improcedente in totum.
2 - Toda a defesa da executada, quer por excepção, quer por impugnação, deve ser expendida na sua contestação / oposição à execução, só assim se cumprindo o princípio da concentração da defesa.
3 - Pelo que, a invocação da excepção dilatória inominada de falta de integração no PERSI da Recorrente é manifestamente extemporânea.
4 - O contrato dado à execução é um contrato destinado a liquidar as responsabilidades financeiras de outros contratos de crédito contraídos pela Recorrente junto da Recorrida, alvo de negociação entre ambas as partes e que culminou numa reestruturação da divida contraída pela Recorrente junto da Recorrida.
5 - É um contrato novo, posterior à vigência dos contratos de crédito que foram extintos com a declaração de resolução de contratos anteriormente contraídos e que culminaram com a celebração de um novo acordo.
6 - Somente em relação aos contratos de créditos anteriormente contraídos estaria a Recorrida obrigada a integrar a Recorrida em PERSI.
7 - Sustenta a nossa jurisprudência que "Tendo ocorrido incumprimento de dois contratos de crédito e existido declaração de resolução desses contratos por parte da instituição financeira, que foi aceite pelo cliente, tendo as partes formalizado a seguir um acordo de pagamento, com fixação e escalonamento de prestações destinadas a pagar a dívida resultante desses dois contratos de crédito, este acordo configura um novo contrato cujo incumprimento já não está sujeito ao PERSI devido a não se tratar de um dos contratos tipo sujeitos a este procedimento." (Ac. TRC de 07/10/2020, processo n.º 1055/18.7T8CBR.C1 in www.dgsi.pt).
8 - Pelo que legalmente e na situação em apreço, a Recorrida não está obrigada a efectuar a integração da Recorrida no PERSI.
9 - A Recorrida juntou aos autos as cartas de integração e extinção de PERSI remetidas à Recorrida, pelo que não se pode colocar em causa a sua existência e o suporte duradouro das mesmas.
10 - O regime jurídico do PERSI não determina qual a forma de envio das cartas a serem enviadas pelas instituições bancárias, pelo que é admissível o seu envio por intermédio de cartas simples.
11 -Refira-se, na esteira, o ac. TRE de 22/09/2021, processo n.º 173/21.9T8ENT-A.E1:
I - As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-maif), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, n.º 4 e 17º n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10.
II - Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente.
Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal.
12 - Em suma, não se pode concluir pelo incumprimento das comunicações efectuadas pela Recorrida no âmbito do PERSI.
13 - Em conclusão, nenhuma matéria invocada pela Recorrente nas suas alegações merece qualquer provimento, devendo assim ser mantido na integra o douto despacho recorrido.
ASSIM SE FARÁ A MAIS LÍDIMA JUSTIÇA
1.9. – Por último e em razão de conhecimento por virtude do exercício de funções [cfr. artº 5º, nº 2, alínea e), do CPC , e acesso directo por este tribunal da Relação ao competente apenso através do citius] , importa precisar que este Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 13/9/2022 [ Referência: 18842324, e transitado em julgado], julgou improcedente a apelação identificada em 1.4., mantendo, em consequência, a decisão recorrida, a qual julgou os embargos de executado improcedentes.
*
Thema decidendum
2. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. art.ºs 635º, nº 3 e 63º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões que importa apreciar e  decidir são as seguintes:
 iAferir – como questão prévia – se o decidido no Acórdão identificado em 1.9. [de 13/9/2022, que julgou improcedente a apelação identificada em 1.4., mantendo, em consequência, a decisão recorrida e que julgou os embargos de executado improcedentes] preclude/obsta ao conhecimento do OBJECTO da apelação [que é aquela e só aquela que é objecto do presente acórdão] pela executada interposta da decisão identificada em 1.6.;
ii - Aferir se [e a improceder a questão prévia referida em i] a decisão recorrida ( que é a que se mostra parcialmente transcrita em 1.6. ), porque errada, merece ser revogada, sendo substituída por decisão diversa que julgue procedente a excepção dilatória deduzida pela executada no requerimento indeferido.
***      
3. - Motivação de Facto
Da decisão recorrida (parcialmente transcrita em 1.6.) não consta a fixação de qualquer FACTUALIDADE, provada e/ou não provada.
Ainda assim, porque decisiva/relevante para o conhecimento da questão prévia identificada em 2, importa consignar - no âmbito de subjacente factualidade provada - que, do acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, em 13/9/2022 (identificado em 1.9.) consta o seguinte:
3.1. - Em 28/11/2013, a embargada, por um lado, o co-executado B e a embargante, por outro, celebraram um acordo escrito, autenticado por notário, com a designação «Contrato de Mútuo N.º 269-27.000179-6», onde os dois últimos figuram como «Parte Devedora».
3.2. - No referido acordo, as partes estipularem, além do mais, o seguinte:
Cláusula 1.a
(Montante e finalidade do capital mutuado)
1 - Os SEGUNDOS CONTRATANTES confessam-se solidariamente devedores à CEMG da quantia de €53.500,00 (...), que a título de mútuo dela recebem, destinando-se a PART-OUTROS CRÉDITOS, obrigando-se a fazer prova dessa aplicação caso a CEMG o solicite.
2 - A quantia mutuada será creditada na conta de depósito à ordem n.º 269-10.001203-9, constituída na CEMG, em nome da PARTE DEVEDORA».
(...)
Cláusula 6.ª
(Amortização)
1- O presente empréstimo beneficia de um período de carência de capital de 12 (doze) meses, durante o qual a PARTE DEVEDORA fica apenas obrigada ao pagamento de juros calculados sobre a totalidade do capital mutuado.
2- Findo o mencionado período de carência, o presente será reembolsado em 228 (...) prestações mensais, constantes e sucessivas, incluindo capital e juros (...).
3- A primeira das prestações é devida em 28/12/2014 e as restantes em igual dia dos meses seguintes
(...).
(...).
Cláusula 13.ª
(Autorização de débitos)
1- Todos os pagamentos a que a Parte Devedora fique obrigada pelo presente contrato serão efectuados através da conta de depósitos à ordem número 269-10.001203-9, constituída na CEMG, em nome da PARTE DEVEDORA, obrigando-se esta a manter a citada conta com provisão suficiente para o efeito.
2- A CEMG fica desde já autorizada a debitar, sem que a citada conta de depósitos à ordem se encontre devidamente provisionada, as quantias correspondentes às prestações referidas na cláusula relativa à Amortização (...).
(…)
5.- A CEMG fica igualmente autorizada pela PARTE DEVEDORA a proceder à compensação, total ou parcial, das quantias em dívida emergentes deste contrato, com valores existentes em quaisquer contas de que a PARTE DEVEDORA seja titular ou co-titularem conta de depósito solidária.».
3.3. - O contrato acima referido destinava-se à liquidação de outras responsabilidades bancárias da embargante e do co-executado B.
3.4. - Em 29/11/2013, a embargada depositou, no âmbito do acordo acima referido, a quantia de 53.000,00€ na conta de depósito à ordem n.º 269-10.001203-9, constituída na CEMG, cujo primeiro titular é B e segundo titular A.
3.5. - Na mesma data, transferiu desse montante a quantia de 52.384,99€ para a conta de depósito à ordem n.º 269-10.001562, para pagamento do empréstimo com o n.º 269 26 000092 3.
3.6 - A embargada debitou na conta referida no ponto 3.4. juros e encargos, por conta do contrato referido no ponto 1., e, entre 02/01/2014 e 29/05/2014, valores devidos por conta das prestações estipuladas no âmbito desse mesmo contrato (corrige-se a menção ao ponto 6., porquanto os débitos ocorreram, como decorre da fundamentação de facto e do documento n.º 1 junto com a contestação, na conta n.º 269-10.001203-9).
3.7. - A executada reuniu em 18/12/2018 nas instalações do núcleo de recuperação de crédito da embargada, onde a mesma foi informada do incumprimento do contrato referido no ponto 3.1. e se discutiu esse mesmo incumprimento.
3.8. - Nessa reunião, a embargante não suscitou qualquer questão respeitante ao depósito do capital mutuado, tal como não o fez aquando dos débitos referidos no ponto 3.5. supra.
3.9. – No âmbito de subjacente fundamentação de direito, do acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, em 13/9/2022 (identificado em 1.9.) consta o seguinte:
“(…)
Da excepção de falta de integração da executada no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento
Em sede de alegações vem a recorrente suscitar, inovatoriamente, a excepção decorrente da falta de integração no PERSI alegando que, quando entrou em mora, era obrigação da recorrida integrá-la nesse instituto, considerando que o regime previsto no DL 227/2012, de 25 de Outubro é aplicável ao contrato de mútuo, por se tratar de contrato de crédito ao consumidor, ou seja, deveria a executada/embargante ter sido informada da sua integração nesse procedimento, o que nunca sucedeu, pelo que a execução foi instaurada sem estarem reunidas as condições para tanto, impondo-se a sua absolvição da instância executiva; mais sustenta que se trata de falta de uma condição objectiva de procedibilidade, o que constitui excepção dilatória inominada que pode ser invocada a todo o tempo, impondo-se, por essa razão, a revogação da sentença recorrida.
(…)
O DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações, consignando-se ainda no seu preâmbulo que se pretendeu “estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas".
Como concretização de tais medidas, além de prever que cada instituição de crédito crie um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), foi instituído “um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor".
O citado diploma visou, assim, “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários".
(…)
Compete, pois, às instituições de crédito, nos termos do art.º 12º do DL 227/2012, promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, começando por, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, informar o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento - cf. art.º 13.º.
Se o incumprimento persistir, o cliente é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cf. art.º 14º), após o que se segue a fase de avaliação e proposta, a que se reporta o art.º 15º do DL 227/2012, de 25-10 e a fase da negociação (art.º 16.º).
(…)
Daqui decorre que a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória.
E porque essa integração é obrigatória, verificados que sejam os respectivos pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI - cf. art.º 18º, nº 1, b) do Decreto-Lei nº 227/2012.
Da conjugação dos normativos disciplinadores do regime em apreço resulta que, reunidos os pressupostos da aplicação do DL 227/2012, de 25 de Outubro, a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória; sendo obrigatória e havendo lugar à integração do devedor no PERSI, enquanto o procedimento não for extinto, não é possível o accionamento judicial do devedor.
De igual modo, deve também ter-se por verdadeiro que a falta de integração no PERSI, verificados que estivessem os pressupostos para tanto, impede também que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta de tentativa extrajudicial de regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial.
(…)
Entendida a falta de integração do cliente bancário no PERSI como uma excepção dilatória inominada, a jurisprudência tem vindo a reconhecer a possibilidade do seu conhecimento oficioso, aplicando o regime decorrente dos art.ºs 576º, n.ºs 1 e 2 e 578º do CPC, de tal modo que, tal como sustenta a recorrente, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado, tal como resulta da ressalva prevista no art.º 573º, n.º 2, in fine do CPC, para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados - cf. art.ºs 726º, n.º 2, b) e 734º do CPC (…)”
Estabelece o art.º 573º do nº 1 do CPC que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”, acrescentando o nº 3 do mesmo preceito que “Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes, e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente".
(…)
Porque se trata de questão de conhecimento oficioso, ainda que apenas aduzida em sede de alegações de recurso, considerando que a recorrente pugna, precisamente, pela verificação dos pressupostos para a sua integração no PERSI, questão sobre a qual a exequente/recorrida teve oportunidade de se pronunciar, passa-se a conhecer de tal questão.
Sustenta a recorrente que estão preenchidos os pressupostos para considerar verificada uma situação abrangida pelo campo de aplicação do regime instituído pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro, o que faz referindo que este diploma legal estava em vigor quando entrou em mora, sendo que o respectivo regime é aplicável ao contrato por se tratar de contrato de crédito ao consumidor.
O art.º 1º, n.º 1 do DL 227/2012, de 25 de Outubro anuncia desde logo, que o diploma estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento e na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, referentes aos contratos de crédito mencionados no n.º 1 do artigo seguinte.
Por sua vez, decorre do estatuído no art.º 2º, n.º 1, a) e b) do referido DL 227/2012, no que diz respeito ao âmbito de aplicação deste diploma, que este incide sobre os contratos de crédito celebrados com clientes bancários para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento e contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel.
Encontram-se ainda abrangidos pelo regime ali instituído os contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72 -A/2010, de 18 de Junho, com excepção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo e os contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, com excepção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato e os contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês - cf. alíneas c), d) e e) do n.º 1 do referido art.º 2º.
A factualidade apurada sob os pontos 1. a 3. e 5. apenas permite aferir que entre a recorrente e B, e a recorrida foi celebrado um contrato de mútuo, mediante o qual esta lhes mutuou a quantia de 53.500,00€ de que aqueles se confessaram solidariamente devedores, quantia que se destinava à liquidação de outras responsabilidades bancárias de ambos, sendo que parte dela foi utilizada para pagamento do empréstimo com o n.º 269 26 000092 3.
Importa ter presente que o art.º 3º do DL 227/2012 introduziu um elenco de conceitos que, para efeitos do presente diploma, devem ser tidos em conta, entre eles o de «Cliente bancário» que, para tanto, é “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito” - cf. alínea a).
O art.º 2.º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor estatui: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios".
Tal como se referiu o valor mutuado em causa nos autos foi destinado ao pagamento de um outro empréstimo, cuja finalidade não resulta demonstrada nos autos.
Dado que a inobservância do PERSI constitui causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção executiva contra o devedor que devesse ser abrangido por essa medida extrajudicial, revestindo, pois, como acima se expendeu, a natureza de excepção dilatória inominada, o ónus de alegação e prova dos factos que a integram recai sobre quem a invoca, ou seja, neste caso, a embargante - cf. art.º 342º, n.º 2 do Código Civil.
Em sede de petição inicial de embargos de executado, a embargante limitou-se a argumentar que a exequente não cumpriu a obrigação que para si decorria do contrato de mútuo, qual seja, a de entregar a quantia mutuada, não tendo sequer aflorado qualquer questão atinente seja à finalidade do contrato, seja à sua qualidade de cliente bancária, na acepção do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
Em sede de contestação, a exequente veio sustentar que o capital mutuado se destinava à liquidação de outras responsabilidades bancárias da executada, pelo que, tendo sido depositado na conta de depósitos à ordem indicada no contrato, foi posteriormente transferido para outra conta para proceder à liquidação de um outro empréstimo, factos que, aliás, resultaram demonstrados (cf. pontos 2. a 5.).
Em sede de resposta à excepção de abuso de direito invocada pela embargada - na parte admitida, ou seja, artigos 1º a 7º -, a embargante confirmou que conferiu o seu consentimento à reestruturação das suas responsabilidades, em conformidade com o que consta das mensagens de correio electrónico de 28 de Outubro de 2013 e de 7 de Novembro de 2013 (cf. documento n.º 5 junto com a contestação), sendo que quanto à finalidade do mútuo - relativamente ao que afirmou que o subscreveu por ter uma dívida por conta da aquisição de um veículo -, a matéria alegada apenas foi admitida enquanto impugnação da afirmação da exequente de que o mútuo se destinava a liquidar outras responsabilidades e não como excepção inovatoriamente deduzida impeditiva do direito da exequente.
Ora, nada emerge dos autos, muito menos da factualidade provada, que permita afirmar ou qualificar a executada como consumidora, ou melhor, que permita reconhecer-lhe a qualidade jurídica de cliente bancária, à luz do disposto no art.º 3.º, a) do DL 227/2012, qualidade que a poderia colocar ao abrigo do regime previsto neste diploma legal para efeitos da sua integração no PERSI.
A alegação de tais factos incumbia à embargante, que não o fez, sendo tal dado essencial para o funcionamento da excepção invocada, que, assim, terá de improceder - cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-11-2020, processo n.º 3655/18.6T8CBR-B.C1.
De todo o modo, ainda que a ausência de tais factos não bastasse - e basta - note-se que as cartas a que alude a recorrida nas suas contra-alegações, juntas aos autos de execução por requerimento de 26 de Abril de 2022 (ou seja, em momento posterior à prolação da decisão recorrida), com datas de 30 de Julho de 2014 e 30 de Outubro de 2014, dão conta da integração da executada no PERSI, em função do incumprimento das responsabilidades assumidas no âmbito dos contratos ali identificados, entre eles, o contrato n.º 269-27.000179- 6 identificado em 1. dos factos provados, figurando como data do último vencimento a de 29-07-2014 e, posteriormente, da extinção do enquadramento da executada no aludido procedimento, de onde decorre que, contrariamente, ao que a recorrente vem sustentar, aquela foi, efectivamente, integrada no PERSI por força do contrato que constitui o título executivo, no âmbito do qual não foi lograda a resolução do incumprimento.
Improcede, assim, a excepção deduzida.”.
*
4. - DO DIREITO
4.1.Da questão prévia [se o decidido no Acórdão identificado em 1.9.  -  de 13/9/2022, e que julgou improcedente a apelação identificada em 1.4., mantendo, em consequência, a decisão recorrida que julgou os embargos de executado improcedentes - preclude/obsta ao conhecimento do OBJECTO da apelação pela executada interposta da decisão identificada em 1.6.].
Como decorre do exposto no relatório do presente acórdão, pacífico é que a montante do requerimento que é objecto da decisão recursória ora em análise e sindicância, veio a executada A a deduzir embargos de executado, sendo que, na respectiva petição inicial não invocou a excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI e enquanto causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção executiva.
Consequentemente, na sentença proferida em primeira instância e que julgou improcedentes os embargos de executado, não foi a excepção dilatória inominada referida e decorrente da inobservância do PERSI, e enquanto causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção executiva, objecto de conhecimento/apreciação e resolução.
Destarte, e tal como assim o veio a decidir este Tribunal da Relação de Lisboa (no Acórdão de 13/9/2022 identificado em 1.9. e tal como decorre do fragmento inserto em 3.9. da motivação de facto do presente acórdão ) , nada obstava a que viesse a executada, em sede de mero requerimento de 31/3/2022 (identificado em 1.5.), e já após o decurso do prazo para a dedução de oposição à execução por embargos (art.º 728º, nº 1, do CPC), a suscitar a questão da excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI e enquanto causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção executiva.
Ocorre que, outrossim no âmbito da instância recursória desencadeada pela apelação que deduziu tendo por objecto a sentença que julgou os embargos de executado improcedentes, veio a executada A a suscitar (de forma inovadora , porque não invocada no articulado inicial dos embargos , não tendo o juiz titular dos embargos apreciado tal questão, nos termos do artº 608º , nº 2, do CPC) a questão da excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI e enquanto causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção executiva.
Ou seja, e como decorre claramente do confronto das conclusões recursórias atinentes à apelação ora em apreciação (a identificada em 1.7.)  e à apelação identificada em 1.4. e 1.9., inquestionável é que a questão da excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI e enquanto causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção executiva e ora em apreciação foi pelo Tribunal da Relação de Lisboa resolvida no âmbito do acórdão proferido em 13/9/2022, acórdão este que confirmou a decisão/sentença da primeira instância que julgou os embargos de executado improcedentes.
E, perante a referida constatação, quid júris?
Será que, porque não suscitada no requerimento inicial dos embargos pela executada deduzidos, tal permite concluir que não está este tribunal de recurso impossibilitado de conhecer da questão recursória da excepção dilatória inominada e a qual foi resolvida pela decisão recorrida?
Entendemos que a resposta só pode/deve ser negativa.
Senão vejamos.
Não se olvida que, a propósito dos ónus e preclusões aplicáveis à oposição à execução, e porque constituindo petição duma acção declarativa e não contestação duma acção executiva, é a doutrina de alguma forma consensual (1) em defender que o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução (ónus da contestação; ónus de impugnação especificada, aliás, não é citado ou notificado sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição).
Na linha do referido, a mesma doutrina, é outrossim consensual em aduzir que, “na medida em que a oposição é o meio idóneo à alegação de factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo.” (2)
Mais exactamente, “A não observância do ónus de excepcionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso”. Mas, “com uma diferença, porém, relativamente ao processo declarativo: enquanto neste o efeito preclusivo se dissolve, com a sentença, no efeito geral do caso julgado, pelo que nada impede a invocação duma excepção não deduzida em outro processo. A decisão neste subsequentemente proferida não tem eficácia no processo executivo, mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido”. (3)
Ao acabado de expor acresce - importa outrossim não olvidar -  , como nos revela o art.º 734º, nº 1, do CPC, que pode o juiz “conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”, sendo que, foi precisamente outrossim com arrimo no citado art.º 734º, nº 1, do CPC, que veio este Tribunal da Relação de Lisboa - no âmbito do acórdão proferido em 13/9/2022 -  a conhecer e a resolver da questão recursória que é objecto da “nossa” apelação – a da excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI e enquanto causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção executiva .
E, conhecendo-a, não vemos como possa o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e de 13/9/2022 , e precisamente  no âmbito da questão da excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI  , deixar de produzir efeitos em sede de caso julgado formado nos embargos de executado e necessariamente com reflexos necessários na acção executiva  [ a ponto de, porque ligado funcionalmente ao processo executivo, o acertamento que nele se faz consubstancia no mínimo um acertamento sobre pressupostos processuais da acção executiva ]. (4)
É que, como o refere expressis verbis o n.º 6, do art.º 732º, do CPC, “Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”.
Ademais, a decisão de mérito que julgou os embargos de executado improcedentes, ao apreciar e conhecer (ainda que no âmbito de instância recursória) expressamente da questão da excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI , não pode inclusive deixar de desencadear uma eficácia extraprocessual de caso julgado material, o que tudo sopesado contribui para que não possa este tribunal, voltar a conhecer e a apreciar a referida questão, porque já resolvida [em rigor, o que se exige é que se  aplique o efeito positivo do caso julgado ou da verdadeira autoridade do caso julgado formado com o trânsito em julgado da sentença dos embargos designadamente na parte em que decidiu expressamente da questão da excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI] .
Neste conspecto, recorda-se que como decorre do disposto no artº 619º, nº 1, do CPC, “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”,  e, já o art.º 621º, do mesmo código, reza que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).”
O entendimento acabado de explanar, de resto e porque claramente o correcto, é aquele que veio já a ser subscrito pelo STJ em diversos acórdãos, designadamente no proferido em 03-02-2005 (5), nele se tendo concluído que:
I - O caso julgado visa essencialmente a imodificabilidade da decisão transitada e não a repetição do juízo contido na sentença: não se pretende que os tribunais doravante confirmem ou ratifiquem o juízo contido na sentença transitada, sempre que a questão por ela julgada volte a ser posta, directa ou indirectamente, em juízo; o que essencialmente se exige, em nome do caso julgado, é que os tribunais respeitem ou acatem a decisão, não julgando a questão de novo.
II - Se no despacho saneador proferido em embargos de executado, que transitou em julgado por falta de impugnação, se decidiu que o título dado à execução era dotado de exequibilidade, ficou definitivamente assente a validade e exequibilidade do título que serviu de base à execução, não podendo o recorrente questionar no recurso de apelação, ainda que com diverso fundamento, a sua qualidade, validade e exequibilidade”
 Em conclusão, tendo sido apreciada nos embargos de executado a questão da excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI, e, tendo a mesma ficado resolvida (no sentido da inexistência de tal excepção) por decisão transitada em julgado, não pode obviamente a mesma voltar a ser discutida, na presente apelação.
Pelo exposto, não se nos impõe apreciar do objecto da apelação sobre a qual incide o presente acórdão, maxime aferir da  pertinência da reclamada revogação da decisão recorrida [que é a de 5/7/2022 e identificada em 1.6], a qual de resto não se mostra contrariada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e de 13/9/2022 .
Uma última nota.
Não se olvida que, subjacente ao desfecho referido da nossa instância recursória , mostra-se em rigor o conhecimento oficioso por este tribunal de “factos novos[em rigor, da facto objectivamente superveniente, porque posterior à data da decisão recorrida] , porque não constantes da base factual sobre a qual incidiu a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância e que foram determinantes para que fosse proferida a decisão objecto da nossa apelação.
Não se olvida outrossim que, como é entendimento pacífico, quer na doutrina (6), quer na jurisprudência dos nossos tribunais superiores (7), e sem prejuízo do conhecimento oficioso que alguma questão reclame, os recursos visam possibilitar que o tribunal superior reaprecie questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas/julgadas no tribunal a quo, não se destinando eles, portanto, a conhecer de questões novas, ou seja, de questões que não tenham sido, nem o tinham que ser (porque não suscitadas pelas partes), objecto da decisão recorrida .
É que, como bem refere o STJ (8) “(…) sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes ( não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art.º 676º CPC).”
Dito de uma outra forma, e como efectivo meio impugnatório de decisões judiciais, a interposição do recurso apenas vai desencadear a reapreciação do decidido [ o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida ], não comportando ele o ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria que não tenha sido submetida (no momento e lugar adequado) à apreciação do tribunal  a quo (nova, portanto).
Concluindo, no nosso direito adjectivo a função do recurso ordinário tem pois como desiderato a reapreciação de uma decisão recorrida, sendo o respectivo modelo adoptado o da reponderação, que  não o de reexame (9), logo, o tribunal ad quem terá de se ater aos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido, pois visando apreciar se a decisão padecia de algum erro judiciário, então interessa apenas comparar a decisão com os dados que o juiz a quo possuía à data da sua prolação.
Não obstante o acabado de expor, certo é que o obstáculo – alicerçado vg no princípio da estabilidade da instância -  de apreciação de questão nova em sede de recurso não afasta todavia a obrigação que igualmente incide sobre o tribunal ad quem de apreciar e resolver as questões que são de conhecimento oficioso e que não tenham sido decididas com trânsito em julgado [podendo as mesmas referir-se à relação processual, como sucede no caso da quase totalidade das exceções dilatórias] , como o é a v.g. a excepção do caso julgado – cfr. art.º 608º,nº2, ex vi do nº 2, do art.º 663º, do mesmo diploma legal .
É assim que, ABRANTES GERALDES (10) , reconhecendo é certo que na fase de recurso, as partes e o Tribunal Superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação, sendo que, a demanda do Tribunal Superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, tal não invalida a “possibilidade de se suscitarem ou de serem apreciadas questões de conhecimento oficioso, como a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existam nos autos elementos de facto suficientes” .
Ademais, também em face do disposto no art.º 264º, do CPC [o qual reza que “ Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito], tal obriga a concluir que o “nosso” recurso de apelação não segue o modelo do recurso de reponderação em absoluto, sem margem para quaisquer excepções/desvios.
O referido entendimento, recorda-se, é precisamente aquele que designadamente perfilha CARDONA FERREIRA (11), mesmo no âmbito do atual CPC, reconhecendo que não obstante o direito recursório nele plasmado seguir o regime de reponderação pelo Tribunal ad quem - só podendo incidir sobre questões já expostas no Tribunal a quo, salvo se forem de conhecimento oficioso – a verdade é que mesmo relativamente à factualidade objecto de ponderação ser a cognoscível no Tribunal a quo, na medida em que o Tribunal ad quem, dela possa aperceber-se, tal “ não pode esquecer a orientação do artigo 611.º e, daí, a possibilidade de conhecimento actualístico de factualidade desde que seja conveniente e, decerto, respeitadora de todos os pressupostos da superveniência e de relevância exigidos pelo artigo 611º”, acrescentando também de seguida que “ não obstante os recursos cíveis serem, em Portugal, basicamente, de reponderação (revisão do que foi decidido) e não de reexame (realização, ex novo, de julgamento), não se podem esquecer os princípios da verdade e da atualidade decisória (art.º 611.º)” .
Bem a propósito do acabado de expor, e em Acórdão recente (12), veio já o Tribunal da Relação do Porto a admitir que os factos supervenientes (conhecidos após a apresentação das alegações) podem ser valorados em sede de recurso ordinário, desde que se não situem fora da causa de pedir , isto é, podem/devem ser tidos em conta pela Relação, já que a decisão, quer em primeira, quer em segunda instância, deve reflectir sempre a situação de facto existente no momento em que é encerrada a discussão, tal como o prescrevem os art.ºs 611º e 663º, nº 2 do CPC.
Seja como for, sendo é vero a questão da alegabilidade e atendibilidade de factos supervenientes em recurso objecto de soluções contraditórias e não consensuais (13), pacífico é todavia que os factos elencados no n.º 2 do artigo 5.º, do cpc, sendo de conhecimento oficioso, podem ser oficiosamente considerados pelo Tribunal da Relação, sejam eles anteriores ou posteriores ao encerramento da discussão em primeira instância, desde que seja respeitado o contraditório, por força da regra geral do artigo 3.º, n.º3 , do CPC, isto por um lado e, por outro, pacífico é também que sobre o tribunal ad quem recai o dever de apreciar e resolver as questões que são de conhecimento oficioso e que não tenham sido decididas com trânsito em julgado [podendo as mesmas referir-se à relação processual, como sucede no caso da quase totalidade das exceções dilatórias] , como o é a v.g. a da excepção do caso julgado – cfr. art.º 608º, nº 2, ex vi do nº 2, do art.º 663º, do mesmo diploma legal .
Destarte, porque observou este Tribunal o princípio do contraditório, notificando as partes [por despacho do relator de 5/12/2012, refª 19297158] para, querendo, se pronunciarem sobre a QUESTÃO PRÉVIA acima identificada [em 2. I], nada obsta ao conhecimento e procedência da excepção de conhecimento oficioso por este tribunal de recurso apreciada.
Em suma, do objecto da apelação não pode/deve este tribunal conhecer, verificando-se circunstância (excepção dilatória de conhecimento oficioso) que obsta ao conhecimento do recurso por extinção da respectiva instância (art.º 652º, nº 1, alíneas a) e h), do CPC).
*
5.- Sumariando (cfr. art.º 663º, nº 7, do CPC).
5.1. –  Como o refere expressis verbis o nº 6, do art.º 732º, do CPC, “Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”;
5.2. – Em face do disposto no art.º 734º,nº1, do CPC [ o qual reza que pode o juiz “conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”],nada obsta a que o Tribunal da Relação venha a conhecer de questão recursória – v.g. de  excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI e enquanto causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção executiva – que não foi pelo tribunal a quo apreciada/resolvida ;
5.3. - Proferido porém Acórdão [em apelação dirigida a sentença proferida em embargos de executado] pelo Tribunal da Relação que aprecia expressamente, resolvendo-a, a questão da  excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI, vedado está ao tribunal da Relação voltar a apreciar tal questão[em razão do referido em 5.1.] , maxime no âmbito de instância recursória dirigida a decisão interlocutória que na execução conheceu do mérito da referida excepção ( na sequência de instrumento avulso atravessado pelo executado na execução ) ;
***
6.- Decisão
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em:
6.1. - Não conhecer do objecto do recurso de apelação interposto por A (o identificado em 1.7.), para tanto considerando extinta a respectiva instância recursória em face da verificação de excepção dilatória de conhecimento oficioso.
***
Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, n.ºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).       
***
LISBOA, 26/1/2023
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
_______________________________________________________
(1) Designadamente LEBRE de FREITAS, em A Acção Executiva, Depois da Reforma de Reforma, 5ª ed., pág. 190 e Anselmo de Castro, em A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., págs. 303 a 305.
(2) Cfr. LEBRE de FREITAS, ibidem, pág. 190  
(3) Cfr. LEBRE de FREITAS, ibidem, pág. 191  
(4) Cfr. LEBRE de FREITAS, ibidem, pág. 192/193
(5)  Proferido no Processo n.º 4009/04, da 7.ª Secção, sendo Relator Araújo de Barros, e acessível em www.dgsi.pt.
(6) Cfr. designadamente o Prof. João de Castro Mendes, in " Recursos ",edição da AAFDL, 1980, págs. 27 e segs. ; Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I , 2ª Edição, pág. 566 ; Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 153 a 158; Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, pág. 81 e António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Almedina, pág. 103 e segs..
(7) Cfr. v.g. e de entre muitos outros: os Acs. do STJ 07.07.2009 e de 28.05.2009 (proc. nº 160/09.5YFLSB), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
(8)  In ac. citado de 28.05.2009, proc. nº 160/09.5YFLSB.
(9)  Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, ibidem.
(10) Em Recursos no Novo código de Processo Civil, 4ª ed., Coimbra, Almedina, págs. 29/30.
(11) Em Guia de recursos em processo civil: atualizado à luz do CPC de 2013 (6.ª ed.). Coimbra editora, pág. 123.
(12) Ac. de 30.05.2018, proferido no proc. nº 6676/17.2T8PRT.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
(13) Vide designadamente sobre esta matéria a muito competente TESE de Mestrado de CAROLINA da SILVA GUERRA [FACTOS SUPERVENIENTES EM RECURSO CIVIL], em Direito e Prática Jurídica Especialidade de Ciência Jurídico-Forenses, da Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, de 2020, e acessível em
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/50651/1/ulfd0149698_tese.pdf