Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6470/14.2T8ALM.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: PERSI (PROCEDIMENTO EXTRA-JUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO)
OBJECTO
CONTRATO DE CRÉDITO
AVALISTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1- O regime do PERSI previsto no DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art.º 2, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da LDC, e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade.
2- O art.º 21.º do referido diploma legal não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
A [ ….BANCO SA]  instaurou acção executiva contra os executados:
B , e
C , todos melhor identificados nos autos, para pagamento da quantia de € 33.777, 69 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos. O título executivo é constituído por uma livrança subscrita pelo primeiro executado e avalizada pelo segundo.
Foi proferido despacho de citação e foi ordenada a notificação da Exequente para “esclarecer se deu cumprimento ao disposto no art.º 9.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e, em caso afirmativo, o documentar”.
Como a Exequente nada disse, foi seguidamente proferida sentença que absolveu os Executados da instância executiva.
Inconformada com esta decisão, veio a Exequente interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1-Vem o presente recurso interposto de sentença proferida pelo Tribunal a quo, notificada ao exequente no dia 12.01.2018, que determinou o seguinte: “consubstancia este não cumprimento do disposto no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, uma excepção dilatória não inominada – art. 577.º do CPC, que impede, pois, o prosseguimento dos presentes autos, para efectiva satisfação do crédito do banco exequente. Pelo exposto, julga-se verificada a excepção dilatória inominada e absolve-se os executados B , e C, da instância executiva (artigos 551.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º e 731.º todos do CPC)” .
2. Não existiu por parte do Exequente/Recorrente qualquer incumprimento do mencionado D.L. 227/2012, de 25 de Outubro, uma vez que este regime legal não é, de forma alguma, aplicável ao crédito que foi executado nos presentes autos
3.A acção executiva correspondente aos autos em epígrafe foi intentada pelo aqui Recorrente contra B , na qualidade de subscritor de uma Livrança e contra o avalista da referida Livrança, o executado C .
4.Ora, foi quanto a ambos os Executados, que o Tribunal a quo entendeu que o Banco exequente incumpriu as formalidades previstas no Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro.
5.A Livrança, enquanto título de crédito, é dotada de duas características essenciais: a sua literalidade e autonomia. Ora, a relevância das duas supra referidas características para a questão em apreço, está no facto de para o portador de uma Livrança, neste caso o Banco recorrente, ser suficiente, para provar que detém o seu crédito, a apresentação da mesma à execução, sendo aquela título suficiente para prova de que o portador é credor do montante inscrito na livrança. 
6. Na verdade, o Tribunal a quo não teve em conta que, quanto ao executado C, o Recorrente só se tornou credor do mesmo após o preenchimento da Livrança dada à execução e que até essa data, ou seja, até 05.09.2014, o Recorrente não tinha legitimidade para exigir ao executado C qualquer montante referente a tal Livrança. 
7. Em nenhum dos artigos do referido diploma legal é dito, pelo legislador, que o regime que advém do mesmo se aplica, indiscriminadamente, a todos os contratos bancários e a todas as pessoas singulares. 
8. Conforme decorre dos artigos supra descritos, o Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro tem, como não poderia deixar de ser, um âmbito objectivo e subjectivo de aplicação bem definidos. 
9. Não se vislumbra, de forma alguma, nem tal é devidamente fundamentado na sentença recorrida, em que alínea do artigo 2.º, enquadra o Tribunal a quo a referida Livrança, nem de que forma o Tribunal a quo conseguiu incluir o avalista da Livrança dada à execução na definição de cliente bancário, definida pelo artigo 3.º, alínea a), para efeitos de aplicação de tal diploma legal. 
10. E isto acontece pelo simples facto de o executado avalista da Livrança dada à execução não ser mutuário no contrato subjacente a tal Livrança.
11. Desta forma, não se entende, nem tal resulta fundamentado na sentença recorrida, em que alínea ou artigo do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro se baseou o Tribunal a quo para considerar que tal diploma se aplicava ao Avalista da Livrança dada à execução.
12. O executado subscritor da Livrança B, entrou em incumprimento das suas obrigações contratuais para com o Banco Exequente/ Recorrente em 09.01.2000, sendo que o contrato apenas foi denunciado em 29.12.2012. 
13. O vencimento antecipado da dívida ocorreu antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro, pelo que a situação em apreço não era enquadrável no referido Diploma. 
14. Desde que o mutuário entrou em incumprimento das suas obrigações para com o Banco Exequente/ Recorrente, até ao momento em que o contrato foi denunciado, passaram vários anos, não tendo as partes obtido qualquer acordo com vista à regularização da situação de incumprimento, não obstante os diversos contactos desenvolvidos pelo Exequente nesse sentido. 
15. Dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro, que “no cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adoptando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa”. 
16. Mesmo antes da entrada em vigor do referido Diploma, foi precisamente isto que o Banco Exequente/ Recorrente procurou fazer desde que o mutuário entrou em incumprimento das suas obrigações, envidando esforços, através de contactos estabelecidos com o mutuário (e avalista) no sentido de regularização do incumprimento em causa. 
17. Tal significa que, antes mesmo da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 272/2012, de 25 de Outubro, o Banco Exequente/ Recorrente havia iniciado, no plano substancial, um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento do mutuário equiparado ao PERSI, na tentativa de encontrar uma solução para o problema, o que não aconteceu por culpa exclusiva do próprio. 
18. Assim, para além de não ser enquadrável no PERSI, não teria qualquer sentido integrar esta situação de incumprimento no PERSI, quando tudo o que este preconiza já tinha sido levado a cabo pelo Exequente durante anos, uma vez que o Exequente já tinha tentado obter, de forma extrajudicial, a regularização da situação de incumprimento, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro. 
19. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão na obrigatoriedade da integração automática do mutuário (e do avalista) no PERSI, com a consequente impossibilidade de instauração da acção executiva antes de concluído aquele procedimento. 
20. A Lei não deve ser interpretada de forma absolutamente literal, devendo procurar-se reconstituir o pensamento legislativo a partir do seu texto, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a Lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada, conforme artigo 9.º do CC.
21. O caso dos presentes autos apresenta vicissitudes que, tendo em conta e teleologia do Diploma em causa e as condições específicas em que o mesmo tem aplicação, levam à conclusão de que andou mal o Tribunal a quo ao considerar que deveria ter ocorrido a integração automática do mutuário (e avalista).
22. Com efeito, os documentos juntos agora, designadamente as cartas de regularização/ vencimento antecipado do contrato, demonstram, claramente, a abertura do Banco Exequente/ Recorrente para que fosse paga a quantia em dívida de forma extrajudicial, sem recurso a quaisquer mecanismos judiciais, mesmo antes da entrada em vigor do referido Diploma.
23. Efectivamente, o mutuário beneficiou, materialmente, de oportunidades para liquidar o valor em dívida de forma extrajudicial, o que daria plena concretização aos objectivos do PERSI, entretanto instituído pelo referido DL nº 272/2012, de 25 de Outubro. A circunstância de não ter sido formalmente integrado nesse procedimento não lhe retirou nenhum direito, nem lhe reduziu expectativas legítimas, uma vez que a acção executiva só foi instaurada vários anos após a denúncia do contrato, após o Banco Exequente/ Recorrente ter tentado obter uma solução extrajudicial junto do mutuário. 
24. Acresce a isso que, como já referido, que o Título Executivo é uma Livrança que, enquanto título de crédito, é dotada de duas características essenciais: a sua literalidade e autonomia. Não é, assim, necessário a invocação da relação subjacente para prova da existência do crédito decorrente da Livrança dada à execução. 
25. Como se sabe, os títulos executivos são documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório para certificar a existência do direito do portador, pelo que o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título. 
26. A relevância de tal conclusão assenta no facto de que o Banco Exequente/ Reclamante executou, nos presentes autos, a Livrança e não o contrato cujo incumprimento serviu de base ao preenchimento daquela. 
27. A Livrança não se encontra prescrita, nem foi utilizada como mero quirógrafo, o que nesse caso, teria de constar no requerimento executivo a relação subjacente ao preenchimento da mesma. 
28. O Tribunal a quo veio, salvo o devido respeito, substituir-se aos executados, que são quem tem legitimidade para questionar a relação subjacente ao preenchimento da Livrança dada à execução. 
29. Não se podendo olvidar, naturalmente, que as livranças não fazem parte do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro, como se poderá concluir através da análise ao artigo 2.º do referido Diploma.
30. Assim, jamais o Tribunal a quo poderia ter julgado a absolvição dos executados da instância, ignorando que a Livrança dada à execução é um título verdadeiro, autónomo, exequível, exigível e o Banco Exequente/ Recorrente é o seu portador legítimo. 
31. Desta forma e pelo supra exposto, verifica-se que a sentença proferida está em desconformidade com a lei, violando, no mínimo, o Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro e os artigos 607.º n.ºs 3, 4, 5 e os artigos 703.º e 726.º do CPC.
Não foram apresentadas contra alegações.
II-OS FACTOS
Os elementos relevantes para a decisão são os que constam do relatório, destacando-se ainda, para melhor esclarecimento, o teor da sentença recorrida:
«O Novo Banco SA, regularmente notificado, não veio alegar nem fazer a prova das formalidades referentes ao PERSI (Procedimento Extra judicial de Regularização de Situações de Incumprimento) previstas no Dec. Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, como lhe competia, nos termos do art.º 342º do Cód. Civil tendo vindo alegar que o contrato dos autos não se encontra abrangido por aquele diploma legal.
De facto, o regime aprovado pelo Dec.Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, já estava em vigor aquando da instauração de presente acção executiva. Pelo que, automaticamente, “ope legis”, os executados acima referidos, estariam integrados no PERSI, uma vez que se encontrariam em mora há mais de 30 dias, conforme o disposto no art.º 39.º n.º 1 do Dec. Lei nº 227/25 de Outubro. A partir desta data incumbia ao banco ora exequente cumprir as obrigações decorrentes do citado diploma. Não tendo dado sequência à integração automática dos ora executados, no PERSI, não se mostra, por isso, o procedimento concluído. E não estando o procedimento concluído não poderia o banco exequente intentar a presente acção judicial para satisfação do seu crédito, conforme o que dispõe art.º 18.º n.º 1 al. b) do Dec. Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro.
Dispõe, aliás, o n.º 1 do artigo 39.º que “ São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias”. E o n.º 2 que “ Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º. Esclarecendo, ademais, o Banco de Portugal no documento, “Entendimentos do Banco de Portugal sobre o novo quadro legal e regulamentar relativo à prevenção e regularização do incumprimento de contratos de crédito celebrados com clientes bancários particulares” de 09 de Janeiro de 2013, que “ (…) o artigo 39.º, n.º 1 do Regime Geral obriga à integração em PERSI, no dia 1 de janeiro de 2013, dos contratos de crédito em incumprimento há mais de 30 de dias, independentemente de estarem ou não a ser objeto de negociação de soluções de regularização.
Assim sendo, dúvidas não restam de que o exequente deveria ter comunicado aos executados que os mesmos se encontravam integrados no PERSI, em função da mora no cumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de financiamento a que aqueles se vincularam na qualidade de subscritor e de avalista, através de comunicação em suporte duradouro, nos termos da parte final do n.º 4 do artigo 14.º do citado diploma legal.
Nos termos dos Artºs 77º e 32º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, o dador do aval é responsável da mesma forma que a pessoa por ele afiançada.
Consequentemente, o Banco é igualmente credor do avalista sendo que a livrança não foi paga ao exequente na data marcada para o vencimento, nem posteriormente.
Sendo certo, ademais, que o exequente não concluiu, pelo menos até à data em que preencheu a livrança dada à presente execução, que os executados (pessoas singulares) não dispunham de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento em que se encontravam, em função do decurso de qualquer processo de execução movido contra estes.
Ressalvando-se, além disso, que, ainda que o exequente tivesse concluído pela indisponibilidade financeira dos executados, tal facto não a desobrigava de os integrar no PERSI, conforme supra referido, podendo quando muito aquele, a posteriori, e facultativamente, ou seja, por sua iniciativa, proceder à extinção do PERSI, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
Pelo que consubstancia este não cumprimento do disposto no Dec. Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, uma excepção dilatória não inominada—art.º 577º do CPC, que impede, pois, o prosseguimento dos presentes autos, para efectiva satisfação do crédito do banco exequente.
Pelo exposto, julga-se verificada a excepção dilatória inominada e absolve-se os executados B e C da instância executiva (artigos 551.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 2, 577.º e 731.º todos do CPC)».
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões a apreciar são:
1-Aplicação ao caso do regime aprovado pelo DL nº 227/2012, de 25.10;
2-Saber se o art.º 21.º daquele diploma apenas se aplica aos fiadores e não também aos avalistas de títulos cambiários.
1-O DL nº 227/2012, de 25.10, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013, veio estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
No preâmbulo do Diploma podemos ler a justificação para tal regime: “(…) A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.
Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.
Em concreto, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (
PARI), fixando, com base no presente diploma, procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a deteção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adoção célere de medidas suscetíveis de prevenir o referido incumprimento.
Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor. (…).”
Por sua vez, estabelece o art.º 2.º do mesmo diploma que: “1 - O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
2 - O disposto no presente diploma não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março.”
Nos arts. 12.º a 21.º , encontra-se concretamente regulado o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) que às instituições de crédito cabe implementar relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
O art.º 3.º a)  define cliente bancário como:
- “ o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”.
Ora, desde logo, o título executivo na presente execução é constituído por uma livrança que tal como sabemos, apresenta duas características fundamentais: a literalidade e abstracção. A literalidade da obrigação significa que a reconstituição da obrigação se faz pela simples inspecção do título. Por sua vez a abstracção da obrigação quer dizer que a obrigação decorrente do título é independente da “causa debendi”.[1]
Não sendo necessário invocar e não tendo sido invocada a relação subjacente para prova da existência do crédito decorrente da livrança dada à execução, não podemos em rigor saber se tal relação subjacente se insere na previsão legal do art.º 2.º do D. L. n.º 227/2012 de 25 de Outubro. Não pode também, de imediato, através da análise do título cambiário, retirar a conclusão de que os respectivos subscritores são “clientes bancários”, na definição legal.
Assim sendo, concluímos que o Tribunal a quo não dispunha de elementos suficientes para se pronunciar pela excepção dilatória inominada consubstanciada no não cumprimento do disposto no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro. Não existia, pois fundamento legal para a absolvição da instância dos executados.

                            2-Prevê ainda o referido art.º 21, sob a epígrafe “Fiador”, o seguinte:
                            “1 - Nos casos em que o contrato de crédito esteja garantido por fiança, a instituição de crédito deve informar o fiador, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida.
                            2 - A instituição de crédito que interpele o fiador para cumprir as obrigações decorrentes de contrato de crédito que se encontrem em mora está obrigada a iniciar o PERSI com esse fiador sempre que este o solicite através de comunicação em suporte duradouro, no prazo máximo de 10 dias após a referida interpelação, considerando-se, para todos os efeitos, que o PERSI se inicia na data em que a instituição de crédito recebe a comunicação anteriormente mencionada.
                            3 - Aquando da interpelação para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição de crédito deve informar o fiador sobre a faculdade prevista no número anterior, bem como sobre as condições para o seu exercício.
                            4 - Sem prejuízo de se tratar de um procedimento autónomo relativamente ao PERSI desenvolvido com o cliente bancário, é aplicável ao PERSI iniciado por solicitação do fiador o disposto no n.º 4 do artigo 14.º e nos artigos 15.º a 20.º, com as devidas adaptações.”
                            No que respeita ao fiador, como resulta do art.º 21.º acima transcrito, o procedimento de integração no PERSI não é, à partida, obrigatório, mas a instituição de crédito deve informar o mesmo sobre essa possibilidade e sobre as condições para o seu exercício quando lhe exija o cumprimento das obrigações emergentes de contrato de crédito, ficando obrigada a iniciar o PERSI com tal fiador sempre que este lho solicite.
                            Repare-se, contudo, que o indicado art.º 21.º não faz qualquer alusão à figura do avalista, não deixando de assinalar-se, que o Banco de Portugal entende, a propósito da referida norma, que não se “prevê a integração no PERSI dos avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento.”[2]
                            E, na verdade, caso o avalista do título de crédito não seja fiador em contrato de crédito, a sua obrigação cambiária está claramente fora do âmbito de aplicação do D.L. n.º227/2012.
                            Deste modo, também por esta razão, em relação ao avalista - executado C - não podia ser julgada verificada a referida excepção dilatória inominada.
                            IV-DECISÃO
                            Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso e, por consequência, revogando a decisão recorrida, determinar que a execução prossiga os seus termos.
                            Custas pelos Apelados.

                            Lisboa, 6 de Junho de 2019.

                            Maria de Deus Correia
                            Maria Teresa Pardal
                            Carlos de Melo Marinho

                            [1] Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, 5.ª edição, Livraria Petrony, p.115.
                            [2] Vide a este respeito, o Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa de 09-10-2018, Processo 5070/16.7T8ALM-C.L1-7, disponível em www.dgsi.pt