Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2923/10.0TTLSB.L1-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: RELAÇÃO DE EMPREGO PUBLICO
CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1.      O nomen juris atribuído ao contrato e as suas cláusulas constituem elementos relevantes para ajuizar da vontade das partes no que toca ao regime jurídico que elegeram para regular a relação contratual, se essa designação e essas cláusulas estiverem em correspondência com a realidade, ou seja, com aquilo que, de facto, aconteceu na vigência da relação.
2.      Quando isso não suceder, a relação contratual deve ser qualificada juridicamente em função da relação que realmente existiu, da sua vida e da sua dinámica e não em função da denominação e de cláusulas totalmente desfasadas da realidade que nos é retratada pela matéria de facto provada no processo.
3.      Apresunção de laboralidade prevista no art. 12° n. ° 1 do CT de 2009 apresenta duas grandes diferenças em relação à prevista no art. 12° do CT de 2003: a primeira tem a ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o elemento de subordinação do trdalhador; a segunda diferença tem a ver com a natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho;
4.  Esta presunção aplica-se não só às relações contratuais iniciadas após a entrada em vigor do CT de 2009, mas também às relações iniciadas antes dessa data e se mantenham em execução; ou seja, ao contrato em vigor em determinado momento, aplica-se a presunção que nesse momento conste da lei vigente;
5.      Se o empregador puser termo a um contrato de trabalho nulo ou anulável, invocando a sua invalidada, a cessação deverá ser considerada lícita e o trabalhador terá apenas direito à- prestações correspondentes ao tempo em que o contrato esteve em execução; mas se puser temo ao contrato inválido através de um acto unilateral que não consubstancie a invocação desse vício, e a cessação da relação vier a ser qualificada como despedimento ilícito e o contrato declarado inválido, por sentença judicial, a declaração da ilicitude do despedimento confere ao trabalhador o direito aos salários e à indemnização previstas nos arts. 390°, n.°1 e .91°, n.°1 do CT.
1.      Sendo o contrato nulo ou anulável, a cessação do contrato será sempre lícita, desde que o empregador invoque, por qualquer forma, a sua desconformidade com a lei ou faça uma qualquer referência, ainda que menos rigorosa, à impossibilidade legal da sua subsistência.
         (Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

            I. RELATÓRIO

AA instaurou acção declarativa, com processo comum, contra

Estádio Universitário de Lisboa, EP, [primeiro réu] e Estado Português (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) [segundo réu], na qual pediu que o tribunal:

            a) Declare que entre autor e os réus existiu um contrato de trabalho;

b) Declare que esse contrato cessou por despedimento promovido pelos réus;

c) Considere ilícito esse despedimento;

c) Condene os réus a pagar-lhe a quantia de € 10.599,36, a título de indemnização de antiguidade, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; a quantia de € 39.184,30, a título de férias, subsídios de férias e de Natal já vencidos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento, bem como as retribuições e os subsídios de férias e de natal que deixou de auferir desde o 30º dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, acrescidas de juros à taxa legal em vigor até efectivo e integral pagamento;

d) Condene os réus a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00, a título de indemnização, por danos não patrimoniais sofridos.

Alegou para tanto e em síntese o seguinte:

Demanda o Estado Português cautelarmente, precavendo a hipótese de vir a ser considerado não ter o primeiro réu personalidade jurídica;

Em 15.11.2001, celebrou com o primeiro réu contrato denominado de prestação de serviços em regime de avença, sendo depois celebrados sucessivos contratos sempre denominados de prestação de serviços, tendo a relação contratual cessado em 31/07/2009, data em que o réu lhe comunicou o fim dessa relação, em virtude das tarefas por ele desempenhadas terem passado a ser asseguradas pela empresa “BB, Lda” em regime de outsourcing;

A relação contratual estabelecida configurava um contrato de trabalho, pelo que a sua cessação, através de comunicação verbal, consubstancia um despedimento ilícito;

Em consequência do despedimento ficou no desemprego, o que lhe causou grande angústia, preocupação e ansiedade, bem como privações, desestabilizando a vida pessoal e familiar, e grande sofrimento, sentindo-se profundamente vexado e ofendido na sua honra e consideração pessoais e profissionais.

Realizada audiência de partes frustrou-se a tentativa de conciliação.

O 1º réu contestou a acção, por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocaram a excepção da ilegitimidade do 1º réu e a incompetência em razão da matéria do tribunal para conhecer desta acção;

Por impugnação, negaram a existência de qualquer contrato de trabalho, mas ainda que a relação não consubstancie um contrato de trabalho sem termo, mas se entenda que existiu relação laboral tem de se entender que foram celebrados contratos de trabalho a termo certo distintos, verificando-se a prescrição em relação a todos, excepto o que vigorou entre 1/04/2009 e 31/07/2009;

Concluíram pela procedência das excepções de ilegitimidade passiva e da incompetência absoluta, em razão da matéria, e pela sua absolvição da instância, ou se assim não se entender, deve a acção ser julgada improcedente, não se reconhecendo a existência de contrato de trabalho, absolvendo-se os réus de todos os pedidos, ou caso venha a ser reconhecida a existência de diversos contratos de trabalho a termo certo, distintos entre si, devem os créditos laborais reclamados considerarem-se prescritos, salvo os que resultem do último contrato celebrado entre as partes, que vigorou entre 1/04/2009 e 31/07/2009, e a considerar-se, em última instância, a existência de um único contrato de trabalho entre 15.11.2001 e 31.07.2009 o mesmo deve ser declarado nulo.

O segundo réu, por seu turno, invocou a sua ilegitimidade, alegando que o primeiro réu tem personalidade jurídica autónoma, e a excepção da incompetência do tribunal do trabalho em razão da matéria para conhecer da acção.

Concluiu pela procedência das excepções e pela sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos.

O autor respondeu à matéria das excepções.

No despacho saneador, foi fixado o valor da acção [em € 59.184,30], foi julgada improcedente a excepção da incompetência do tribunal, em razão da matéria para conhecer da acção, foi considerado ser o primeiro réu parte legítima e o 2º parte ilegítima e, em consequência, o Estado Português foi absolvido da instância.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença na qual se decidiu;

a) Julgar prescritos os créditos emergentes dos contratos de trabalho celebrados pelas partes que findaram antes de 27/07/2009;

b) Condenar o réu Estádio Universitário de Lisboa, EP, a pagar ao autor AA a quantia de € 4.878,76 (quatro mil oitocentos e setenta e oito euros setenta e seis cêntimos), a título de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde 27.07.2010 até integral pagamento, absolvendo o réu dos demais pedidos.

Inconformado, o Réu Estado Universitário interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo sintetizado a sua alegação, nas seguintes conclusões:

(…)

O autor, na sua contra-alegação, pugnou pelo não provimento do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

O recurso foi o próprio, foi interposto em tempo e admitido na forma, com o efeito e no regime de subida devidos.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

As questões que se suscitam, neste recurso, são as seguintes:

1. Saber se a relação contratual que existiu entre as partes, entre 15/09/2008 e 31/07/2009, consubstancia uma relação de trabalho subordinado ou uma relação de trabalho independente (contrato de prestação de serviços);

2. Se se concluir por uma relação de trabalho subordinado, saber se o recorrido tem direito a receber às prestações salariais que a sentença recorrida lhe reconheceu.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. O réu tem como atribuições, entre outras, proporcionar a prática desportiva e apoiar o desenvolvimento do desporto e recreação.

2. O autor é professor técnico desportivo de condição física e celebrou com o réu o contrato de “Avença”, cuja cópia consta de fls. 25 a 29 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

3. Para a prestação sucessiva, pelo autor em regime de profissão liberal, dos serviços de Técnico Desportivo de Condição Física.

4. No exercício das suas funções, o autor assegurava a concepção, planeamento, supervisão e orientação de actividades inerentes a programas e actividades de saúde e condição física, assim como na metodologia de desportos colectivos.

5. O contrato referido em B), foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com início em 15/11/2001, e nele estava previsto que não seria objecto de renovação.

6. No contrato referido em B), foi fixada a retribuição mensal de € 889,85, acrescida de € 151,27 referentes ao IVA à taxa de 17%.

7. No contrato referido em B), foi ainda estipulado que “O presente contrato não confere ao Segundo Outorgante a qualidade de funcionário ou agente, não ficando este sujeito a subordinação hierárquica, nem ao regime legal da Função Pública”.

8. O autor celebrou com o réu o contrato de “Prestação de Serviços em Regime de Avença”, cuja cópia consta de fls. 30 a 33 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a vigorar por 7 meses, com início em 1 de Janeiro de 2003 e termo a 31 de Julho de 2003.

9. O autor dirigiu ao réu a proposta cuja cópia consta de fls. 234 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 30/08/2003, para prestar, até ao final de 2003, o serviço de Técnico, traduzido no apoio ao desenvolvimento das Actividades nas Salas de Exercício, no Estádio Universitário de Lisboa, integrado no projecto Centro de Actividades Físicas, pelo montante de € 3.185,00.

10. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito.

11. O autor celebrou com o réu o contrato de “Prestação de Serviços em Regime de Avença”, cuja cópia consta de fls. 235 a 238 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a vigorar por 3 meses, com início em 1 de Janeiro de 2004 e termo a 31 de Março de 2004.

12. O autor celebrou com o réu o contrato de “Prestação de Serviços de Enquadramento Técnico de Actividades Físicas e Desportivas”, cuja cópia consta de fls. 239 a 244 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com início em 1 de Abril de 2004 e termo a 31 de Julho de 2004.

13. Por ofício n.º 2097/2004, datado de 10/12/2004, cuja cópia consta de fls. 34 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o réu convidou o autor a apresentar uma proposta, no âmbito do procedimento de consulta prévia n.º 54/EUL/2004, visando a “Aquisição de Serviços de Técnico Desportivo de Condição Física e de Desportos Colectivos”, a prestar entre 01/01/2005 a 31/07/2005, conforme anexo ao dito ofício cuja cópia consta de fls. 35 a 38 dos autos e que aqui se dá, igualmente, por integralmente reproduzida.

14. O autor celebrou com o réu o contrato de “Prestação de Serviços de Técnico Desportivo de Condição Física e de Futebol”, cuja cópia consta de fls. 39 a 42 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a vigorar por 7 meses, com início em 1 de Janeiro de 2005 e termo a 31 de Julho de 2005.

15. No período compreendido entre 1 de Setembro de 2005 e 31 de Dezembro de 2005, o autor foi contratado pelo réu por ajuste directo, mediante o pagamento da quantia global de € 4.338,80 (que se traduzia na quantia mensal de € 1.084,70).

16. Por ofício n.º 2435/2005, datado de 22/12/2005, cuja cópia consta de fls. 43 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o réu convidou o autor a apresentar uma proposta, no âmbito do procedimento de consulta prévia n.º 50/EUL/2005, visando a “Aquisição de Serviços de Técnico Desportivo de Condição Física e de Desportos Colectivos”, a prestar entre 1/01/2006 a 31/07/2006, conforme anexo ao dito ofício cuja cópia consta de fls. 44 a 47 dos autos e que aqui se dá, igualmente, por integralmente reproduzida.

17. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito.

18. No período compreendido entre 15 de Setembro de 2006 e 31 de Dezembro de 2006, o autor foi contratado pelo réu por ajuste directo, por ter sido adjudicada a proposta por ele apresentada, no valor global de € 3.754,92, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, a pagar em três prestações mensais.

19. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito.

20. Por ofício n.º 5534, datado de 20/12/2006, cuja cópia consta de fls. 316 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o réu convidou o autor a apresentar uma proposta, no âmbito do procedimento de consulta prévia n.º 72/EUL/2006, visando a “Aquisição de Serviços de Técnico Desportivo de Condição Física e de Desportos Colectivos”, a prestar entre 01/01/2007 a 31/07/2007, conforme anexo ao dito ofício cuja cópia consta de fls. 318 e 319 dos autos e que aqui se dá, igualmente, por integralmente reproduzida.

21. A proposta do autor viria a ser adjudicada, em detrimento da proposta apresentada pelo outro concorrente, dando assim origem a um novo contrato, no âmbito do qual o autor receberia a quantia mensal de € 1.260,35 (para um preço global de € 8.822,40), acrescida do IVA à taxa legal em vigor.

22. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito.

23. O contrato, entre o autor e o réu, que vigorou entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 2007, resultou da adjudicação da proposta apresentada pelo autor, no âmbito de procedimento prévio de contratação por ajuste directo (nº 519/EUL/2007), cujo preço global foi de € 4.447,56 (traduzido numa quantia mensal de € 1.482,52), acrescido do IVA à taxa legal em vigor.

24. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito.

25. O réu procedeu à abertura de um procedimento de consulta prévia, com o n.º 65/EUL/2007, visando a “Aquisição de Serviços de Técnico Desportivo de Condição Física e Escola de Desportos Colectivos”, a prestar entre 01/01/2008 a 31/07/2008, documentos de fls. 336 e 343 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

26. A proposta do autor viria a ser adjudicada, em detrimento da proposta apresentada pelo outro concorrente, dando assim origem a um novo contrato, no âmbito do qual, o autor receberia a quantia mensal de € 1.192,00 (num preço global de € 8.344,00), acrescida do IVA à taxa legal em vigor.

27. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito.

28. O réu contratou o autor, para o período de 15 de Setembro a 31 de Dezembro de 2008, mediante abertura de um procedimento de ajuste directo simplificado (sob o nº 126/EUL/2008), cuja cópia consta de fls. 353 a 356 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, mediante o pagamento da quantia global de € 4.539,00, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.

29. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito.

30. O réu contratou o autor, para o período de 1 de Janeiro a 28 de Fevereiro de 2009, mediante abertura de um procedimento de ajuste directo simplificado (sob o nº 346/EUL/2008), cuja cópia consta de fls. 357 a 360 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, mediante o pagamento da prestação mensal de € 1.301,00, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.

31. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito.

32. O réu contratou o autor, para o período de 1 de Março a 30 de Abril de 2009, mediante abertura de um procedimento de ajuste directo simplificado (sob o nº 54/EUL/2009), cuja cópia consta de fls. 361 a 364 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, mediante o pagamento da prestação mensal de € 1.301,00, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.

33. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito.

34. O réu contratou o autor, para o período de 1 de Maio a 31 de Julho de 2009, mediante abertura de um procedimento de ajuste directo simplificado (sob o nº 228/EUL/2009), cuja cópia consta de fls. 365 a 368 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, mediante o pagamento da prestação mensal de € 1.301,00, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.

35. O respectivo contrato não foi reduzido a escrito e cessou em 31/07/2009, não tendo sido celebrado qualquer outro contrato posterior.

36. O autor passou ao réu os recibos cujas cópias constam de fls. 122 a 153 e 48 a 57 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

37. O período de 1 a 31 de Agosto, correspondia ao tempo de encerramento das actividades do réu.

38. O trabalho desempenhado pelo autor foi prestado nas instalações do réu, quer em “Actividades de Grupo”, quer em “Salas de Exercício”.

39. Fazendo uso dos utensílios e equipamentos do réu, material de ginásio, aparelhos, objectos diversos e demais instrumentos de trabalho.

40. Pelos quais, e relativamente ao seu bom uso, era responsável o autor.

41. Quando o fim do horário de trabalho, prestado pelo autor coincidia com o horário de fecho da sala de Actividades de Grupo, o autor, tinha a responsabilidade de deixar arrumada a respectiva sala, desligar as luzes e fechar a mesma.

42. No desempenho das funções, o autor usava equipamento, com o logótipo do réu com identificação da Universidade de Lisboa.

43. Na prestação do seu trabalho, o autor tinha um horário fixado, anualmente, compreendido de segunda-feira a sábado e definido para cada actividade.

44. Em caso de impedimento do autor de prestar o seu trabalho, deveria diligenciar junto dos demais colegas, pela sua substituição.

45. Caso não conseguisse assegurar a sua substituição, as faltas eram descontadas na retribuição do autor, por acerto das horas realizado no final de cada época anual.

46. O autor tinha um cartão de acesso às instalações do réu, que registava o início e terminus do seu trabalho diário.

47. O desempenho das funções do autor era coordenado pelo Coordenador de Sala de Exercício e pelo Coordenador das Aulas de Grupo.

48. Dos coordenadores, o autor recebia instruções e orientações técnicas sobre o modo e os critérios de como o trabalho deveria ser prestado.

49. Existia uma ficha de treino que deveria se utilizada pelo autor e por todos os técnicos, como modelo para prescrever os treinos dos atletas/utentes.

50. Anualmente, no início de cada época, o autor e os demais técnicos reuniam com os coordenadores a fim de lhe ser transmitido:

- “As metodologias de treino a adoptar”;

- “As diversas tarefas de preparação de início da época”, bem como as “tarefas de preparação das salas de exercício”, onde se incluíam as seguintes tarefas:

- “Arrumação das salas de exercícios”;

- “Arquivar programas da época anterior”;

- “Preparar os arquivos das fichas programas”;

- “Fotocopiar as fichas programas”;

- “Introdução das metodologias de treino no sistema informático da sala de exercício”;

- “Definição das fichas de programa a adoptar”;

- “Definição dos questionários de avaliação inicial e dos procedimentos a adoptar na 1ª sessão de treino”.

51. O trabalho prestado pelo autor, bem como a sua pontualidade e assiduidade eram objecto de avaliação por parte do réu.

52. A avaliação avaliava separadamente o trabalho desempenhado pelo autor na Sala de Exercício e nas Actividades de Grupo.

53. A avaliação tinha os seguintes critérios de apreciação:

 - Pontualidade;

 - Assiduidade;

 - Plano de aula de acordo com a metodologia definida e adequado às características da classe;

 - Organização e gestão da aula/treino;

 - Organização e gestão dos materiais necessários à aula/treino;

 - Definição correcta dos objectivos para a aula/treino e explicação das tarefas de forma concisa;

 - Intervenção activa transmitindo o feedback adequado;

 - Durante os períodos de instrução e feedback, utilizar uma dicção perceptível e uma linguagem ajustada;

 - Equilíbrio entre o tempo de aula/treino gasto na informação, na actividade motora e nas transições;

- Demonstração dos exercícios sempre que necessário;

- Controlo sobre os utentes evitando os comportamentos desvio e promovendo um clima positivo na aula/treino;

-Apresentação do professor (equipamento desportivo adequado), disponibilidade e simpatia;

 - Preparação prévia e participação activa nas reuniões e formações;

 - Apresentação de artigos para a revista e site do EUL;

 - Participação activa nas actividades internas (torneios);

 - Disponibilidade para colaborar em tarefas fora do âmbito da aula/treino;

 - Contribuição para a melhoria do serviço prestado;

 - Cooperação com os colegas.

54. A comparência em reuniões periódicas com os coordenadores, era sujeita a avaliação, sendo a sua ausência registada.

55. O autor foi retribuído em função das horas de trabalho prestado.

56. O autor e os demais colegas foram informados que a sua colaboração com o réu iria cessar, porque iria ser contratada uma empresa, em regime de outsourcing, para desempenhar essa tarefa.

57. O réu entregou ao autor as declarações anuais de retenção na fonte cujas cópias constam de fls. 116 a 121 e 154 e 155 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

58. No âmbito de um programa específico de “Personal Training” de dez sessões, o réu adquiriu os serviços técnicos do autor, em 24 de Julho de 2008, no valor de € 187,50, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que seria pago no final do mês de Agosto de 2008.

59. O réu celebrou, em Setembro de 2009 um contrato de prestação de serviços desportivos com a empresa “Fuga à rotina”.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como dissemos atrás, a questão fulcral que se suscita neste recurso é a de saber se a relação contratual que existiu entre as partes entre 15/09/2008 e 31/07/2009 consubstancia uma relação de trabalho subordinado ou uma relação de trabalho independente (contrato de prestação de serviços).

A sentença recorrida considerou que essa relação consubstanciou um contrato de trabalho inválido, que produziu efeitos, como se fosse válido, enquanto esteve em execução.

O recorrente discorda.

Alega que da matéria de facto provada, resulta que o contrato celebrado pelas partes, em 15/09/2008, foi de prestação de serviços, em regime de avença; que nunca existiu subordinação jurídica do Autor em relação ao Réu; que nunca existiram ordens específicas quanto aos exercícios das aulas, a definição prévia dos horários das aulas e a inexistência de pagamentos de subsídios de férias e de natal; que não foram dados como provados factos que permitam concluir que o Autor desempenhou uma actividade subordinada, ou seja, sob as ordens do Réu e, por conseguinte, sob a autoridade deste, devendo, por isso, concluir-se pela inexistência de subordinação jurídica e, por conseguinte, de qualquer relação de carácter laboral.

Alegou ainda que, no caso de se considerar que o autor prestou a sua actividade de forma subordinada, deve concluir-se pela nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 10º, do DL 184/89, de 2/06, nulidade esta que não poderá produzir as consequências que a sentença reconheceu, porquanto se reporta aos efeitos que resultam do contrato tal como ele foi celebrado, isto é, aos efeitos do contrato de prestação de serviços, e não aos efeitos de qualquer eventual contrato de trabalho, pelo que, nesta hipótese, terá de se manter a declaração do contrato como nulo, sem os efeitos atribuídos pela sentença, nada sendo devido ao apelado, seja a título de subsídio de férias e subsídio de natal, seja a título indemnizatório pela cessação do contrato.

Vejamos se lhe assiste razão.

A lei define o contrato de trabalho como sendo “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” (art. 10º do Código do Trabalho de 2003) ou, como dispõe o art. 11º do CT de 2009, “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.

Por seu turno, o contrato de prestação de serviço (trabalho autónomo) é definido como sendo “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” (art. 1155º do Código Civil).

Enquanto no contrato de trabalho um dos contraentes se obriga a prestar ao outro o seu trabalho, a prestação de serviços tem por objecto o resultado do trabalho e não o trabalho em si, e para chegar a esse resultado, não fica o obrigado sujeito à autoridade e direcção do outro contraente.

O único critério legítimo para distinguir um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviços consiste em averiguar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora. Em caso afirmativo promete-se trabalho em si, porque à outra parte competirá, ainda que porventura em termos bastante ténues dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução dos resultados que se propõe.

Como resulta da própria definição legal, a existência de contrato de trabalho implica a verificação cumulativa de dois elementos: a subordinação jurídica, que se traduz no facto de o trabalhador, na prestação da sua actividade, estar sujeito às ordens, direcção e fiscalização da pessoa servida, sendo irrelevante que essa sujeição seja efectiva ou simplesmente potencial; e a subordinação económica do trabalhador ao dador de trabalho, que se revela pelo facto de aquele receber deste certa remuneração, com a qual, em princípio subsiste ou faz face às necessidades do seu agregado familiar.

No entanto, para a doutrina e para a jurisprudência dominantes, só a subordinação jurídica constitui elemento essencial do referido contrato, isto é, o que o caracteriza é o facto de o trabalhador não se limitar a promover a execução de um trabalho ou a prestação de um serviço, mediante o pagamento de determinada retribuição – o que também pode suceder com os trabalhadores independentes – mas que se coloque sob a autoridade da pessoa servida para a execução do referido serviço.

Em termos gerais, a subordinação jurídica traduz-se no poder do empregador conformar a actividade do trabalhador através de instruções, de directivas, de ordens e no correlativo dever de este as acatar. O núcleo irredutível do contrato de trabalho traduz-se, pois, de acordo com este critério, numa relação de poder juridicamente regulada: no poder do beneficiário da prestação de trabalho de programar a actividade do devedor e definir como, quando, onde e com que meios a deve executar [1].

A subordinação jurídica traduz-se, pois, no poder de a entidade empregadora orientar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, fiscalizando a sua actuação.

Essa subordinação, como dissemos atrás, até nem exige que as ordens, directivas e instruções sejam efectivamente dadas ao trabalhador, bastando apenas que o possam ser, estando o trabalhador sujeito a recebê-las e a cumpri-las. Como refere Menezes Cordeiro, a subordinação jurídica analisa-se em termos técnicos, numa situação de sujeição em que se encontra o trabalhador, de ver concretizada, por simples vontade do empregador, numa ou noutra direcção, o dever de prestar em que está incurso[2].

Naturalmente, que esta relação de poder tem os seus limites, como os que decorrem do próprio contrato, das leis que o regulam e dos direitos, liberdades e garantias que a ordem jurídica reconhece ao trabalhador enquanto tal, e, além disso, o seu conteúdo e intensidade são variáveis. Tem até vindo a assistir-se a uma progressiva flexibilização da subordinação jurídica, em termos de a considerar compatível com uma grande, ou mesmo completa, autonomia técnica, reduzindo as suas manifestações a aspectos externos à própria prestação de trabalho, embora com ela conexos.

Em certos contratos de trabalho a prestação de trabalho é efectuada com tanta autonomia que dificilmente se divisam os traços de subordinação jurídica ou a retribuição está tão ligada à execução de produtos acabados que a situação se aproxima muito das do trabalho autónomo. Por outro lado, a autonomia do trabalho não é incompatível com a execução de certas directivas da pessoa servida e de algum controlo desta sobre o modo como o serviço é prestado[3].

A subordinação jurídica pode comportar, assim, diversos graus, nomeadamente em função das aptidões profissionais do trabalhador e da tecnicidade das próprias tarefas, podendo atenuar-se ao ponto de constituir pouco mais do que uma genérica supervisão por parte da entidade patronal, que pode até nunca ser exercida, sendo apenas meramente potencial.

No contrato de prestação de serviços, pelo contrário, a referida subordinação jurídica não existe, sendo o trabalho prestado de forma autónoma e independente, relativamente à pessoa que dele vai beneficiar.

Assim, para qualificar a referida relação contratual, bastará indagar se o trabalho da autora foi prestado em regime de subordinação jurídica ou em regime de autonomia.

É, porém, aqui, no plano prático, que as dificuldades começam, porque nem sempre é fácil determinar qual foi o regime que as partes quiseram adoptar e porque a subordinação, sendo um conceito jurídico, não pode ser directamente apreendida pelos sentidos. A sua existência só poderá dar-se por verificada pela via da dedução, o que também não é tarefa fácil, não só porque a subordinação jurídica comporta, como dissemos, diferentes gradações, por haver actividades cujo exercício pressupõe uma maior ou menor autonomia técnica, a qual, por si só não é inconciliável com o poder de direcção do empregador, mas também porque a existência do poder de direcção não depende tanto do seu efectivo exercício mas sim da mera possibilidade de ser exercido e, ainda, porque o trabalho autónomo não é incompatível com a existência de instruções e orientações emanadas da parte que beneficia do trabalho[4], como, por exemplo, acontece no contrato de mandato que constitui uma das modalidades do contrato de prestação de serviços (art. 1.161º, al. a) do Cód. Civil).

Para resolver estas dificuldades, a doutrina e a jurisprudência recorrem ao chamado método indiciário que consiste em detectar na situação concreta em análise, factos que normalmente andam associados à existência do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços. Cada um desses elementos de facto constituirá um indício que militará a favor ou contra a existência da subordinação.

Como refere Monteiro Fernandes[5] no elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferido especial ênfase aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: vinculação a horário de trabalho definido pela pessoa a quem se presta a actividade; a execução da prestação de trabalho em local definido pelo empregador; a existência de controlo externo do modo da prestação, a obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa. E a estes acrescem os elementos relativos à modalidade da retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e da segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.

Na mesma linha navega Pedro Romano Martinez[6], que àqueles indícios acrescenta outros, como o pagamento de subsídios de férias e de Natal, a integração do prestador da actividade na estrutura da empresa; o trabalhador exercer a sua actividade exclusivamente para o dador de trabalho e depender unicamente dos rendimentos provenientes da actividade que lhe presta; a prestação da actividade sem recurso a colaboradores, etc.

É evidente que cada um dos referidos indícios, tomados de per si, assumem natural relatividade, pelo que deve ser sempre em função da análise em globo dos diversos elementos factuais apurados que deve formular-se o juízo sobre a natureza da prestação da actividade em causa[7].

Quer isto dizer que a almejada qualificação do contrato deverá ser feita caso a caso, sem valorizar os indícios de forma atomística, o que comporta necessariamente alguma margem de indeterminação, e até de subjectividade, na valoração dos vários indícios atendíveis.

O ónus da prova dos diversos elementos de facto integradores da subordinação jurídica e do contrato de trabalho cabe, como é evidente, ao trabalhador, ou seja, àquele que invoca o direito às prestações salariais e à reintegração ou à indemnização pela cessação da relação contratual (art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil), estabelecendo, contudo, o art. 12º do CT de 2003 que se presume existir contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.

Esta não é, em nossa opinião, uma verdadeira presunção.

As presunções são, geralmente, concebidas como um meio de facilitar a prova de determinados factos ou para suprir dificuldades de prova em relação a determinadas matérias (cfr., por exemplo, as presunções previstas nos arts. 6º, n.º 5 da LAT e 7º, n.º 1 do DL 143/99, de 30/4, para o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente de trabalho). Porém, no que respeita à presunção estabelecida no art. 12º do CT, tanto na sua primitiva redacção, como na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2006, de 20/3, não se pode- afirmar, no rigor dos termos, que se trata de uma verdadeira presunção, pois para que a presunção funcione como meio facilitador de prova, não se pode exigir, para que ela intervenha, um esforço igual ou praticamente equivalente ao que é necessário realizar para provar “directamente” o facto que se presume, e a prevista no art. 12º do CT, tanto na primitiva como na redacção actual, exige um esforço praticamente igual ao que o trabalhador tem que realizar para provar o contrato de trabalho.

Para beneficiar da “presunção legal” prevista no art. 12º, na sua redacção inicial, era necessário provar que se verificavam cumulativamente os principais indícios tradicionalmente referidos pela doutrina e pela jurisprudência para qualificar como subordinada determinada relação (estar inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realizar a prestação sob as orientações deste; prestar o trabalho na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido; ser retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou encontrar-se numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade; os instrumentos de trabalho serem essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade) e ainda mais um elemento que, geralmente, não era apresentado como indício de relação de trabalho subordinado, que era a prestação de trabalho por um período ininterrupto superior a 90 dias.

Além de inútil, esta presunção podia (até) ser perniciosa, sobretudo pela exigência de um período mínimo de duração do contrato para que este se presumisse, a qual poderia ser confundida com a exigência de uma duração mínima para que o contrato de trabalho existisse, exigência que nunca existiu nem existe no nosso ordenamento.

A redacção introduzida pela Lei n.º 9/2006, de 20/3, continua a ser uma redacção infeliz e continua a não facilitar o esforço probatório do trabalhador. Consideramos positivo que tenha desaparecido a referência a qualquer duração mínima da actividade prestada; no entanto, o texto continuou muito confuso e impreciso e a exigir demasiado para que a presunção opere. Confuso ou impreciso porque, por exemplo, se refere a dependência do trabalhador, sem esclarecer que dependência está em jogo. Pensamos tratar-se da dependência económica e não da jurídica, já que não faria sentido que se presumisse a existência de contrato de trabalho depois de o trabalhador demonstrar a subordinação jurídica e a retribuição – seria o mesmo que afirmar que se presume a existência de contrato de trabalho depois de o trabalhador provar a existência deste... É confuso e impreciso ainda, na parte em que exige, para que se verifique a presunção, que o trabalhador demonstre que realiza a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização do beneficiário da actividade. Esta fórmula não é exactamente a mesma que é utilizada no art. 10º para descrever a subordinação jurídica – no art. 10º fala-se em “sob a autoridade e direcção” – mas, em boa verdade, não parece menos exigente. Daí que haja quem sustente que o art. 12º, na sua nova versão, continua tão inútil e nocivo, como na sua versão originária. Inútil porque é necessário, para que a presunção funcione, que o trabalhador prove os factos de onde já é possível retirar a conclusão da existência de subordinação jurídica (e de retribuição). Nocivo porque ao colocar, para que a presunção de contrato de trabalho opere, todas as exigências que o art. 10º do CT de 2003 estabelece para que se possa falar em contrato de trabalho, e, ainda, exigências adicionais não mencionadas no art. 10º (por exemplo, a inserção na estrutura organizativa do beneficiário da actividade), pode levar a que se suscite legitimamente a questão de saber se a definição do contrato de trabalho contida no art. 10º não estará incompleta e não terá que ser integrada e complementada com o próprio art. 12º [8].

Com o CT de 2009, tudo isto mudou.

Nos termos do n.º 1 do seu art. 12º “presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”  

Como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho[9]“(…) o tratamento desta matéria no actual Código do Trabalho apresenta três grandes diferenças em relação ao regime anterior: a primeira diferença tem a ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o elemento de subordinação do trabalhador; a segunda diferença tem a ver com a natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho; e a terceira diferença reporta-se às consequências da qualificação fraudulenta do vínculo de trabalho para o empregador, que são agora mais gravosas, dando um sinal claro do desvalor associado pelo legislador à qualificação fraudulenta do negócio laboral.”

Com a actual configuração, pode, pois, dizer-se, pela primeira vez, que a presunção de laboralidade desempenha uma função útil na qualificação do contrato de trabalho.

Em sentido semelhante, nomeadamente admitindo que basta a verificação de dois dos indícios enumerados no n.º 1 do art. 12º do CT de 2009 para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho, vejam-se António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 2012, págs. 126-127), João Leal Amado (Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 4ª edição, 2014, Almedina pág. 89 a 92), Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Almedina, 2013, pág. 307) e, ainda que de forma mitigada, Bernardo da Gama Lobo Xavier (Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2014, pág. 366 e segs.).

É certo que, sem prejuízo deste mesmo entendimento, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sustentado que, neste tipo de situações em que se discute a qualificação duma relação jurídica constituída antes da entrada em vigor da versão inicial do Código do Trabalho de 2003, da sua versão introduzida pela Lei n.º 9/2006 ou do Código do Trabalho de 2009, e que subsistiu sem alteração substancial a partir de então, se aplica o regime jurídico em vigor na data da constituição do vínculo, não tendo aplicação a presunção de contrato de trabalho nos moldes legais posteriormente reconhecidos.

Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do STJ de 16/12/2010 (in www.dgsi.pt), no qual se afirma o seguinte: “O art. 12.º do Código do Trabalho de 2003 estabelece uma presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, pelo que esse preceito só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003. Caso não funcione a referida presunção, por não preenchimento de algum dos seus requisitos cumulativos, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, através da demonstração a efectuar dos pertinentes índices de laboralidade, mediante factos que os integrem.”

E ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/2013 (in www.dgsi.pt), no qual se diz o seguinte: “Para efeitos de qualificação de uma relação de trabalho iniciada em 17.02.1999 e que cessou em 22.07.2010, não resultando da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os termos daquela relação a partir de 1 de Dezembro de 2003, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24.11.1964, de onde que não tenha aplicação à mencionada relação a presunção de laboralidade decorrente do Código do Trabalho de 2003 ou do Código do Trabalho de 2009. Daí que nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, compita ao trabalhador a alegação e a prova dos factos constitutivos da relação laboral, nomeadamente os que consubstanciam a subordinação jurídica, elemento essencial à caracterização da dita relação.”

Discordamos desta jurisprudência do STJ e acompanhamos, nesta parte, António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho,  pág. 128), quando afirma:

“Ela procura legitimação nas disposições transitórias constantes das leis preambulares dos Códigos de 2003 (art. 8.º/1 Lei 99/2003, art. 7º da  Lei n.º 7/2009) segundo as quais os respectivos regimes eram aplicáveis aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, “salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente (àquela entrada em vigor)”. Ora não se vê que se trate aqui de condições de validade do contrato de trabalho, nem de factos ou situações totalmente passados. Não se trata, também, de uma nova valoração de factos, no sentido de lhes ser referido um novo juízo normativo. A noção do contrato de trabalho é a mesma, os seus elementos e características fundamentais não mudaram. Não há nada, nas bases da presunção, que seja novo em relação a essa noção e a essas características. Trata-se, simplesmente, de qualificar um contrato para se determinar a lei aplicável – um contrato que é uma realidade jurídica actual, e não viu a sua natureza alterada ao longo do tempo em que tem produzido efeitos. A presunção é um elemento adjuvante da qualificação que é necessária para que se saiba qual a lei a aplicar, problema que se suscita em certo momento e nele deve ser resolvido com os meios disponíveis. É por se constatar que o contrato revela o seu conteúdo actual por certos factos ou situações actuais (e não “totalmente passados”) que o legislador autoriza a presunção e altera, com isso, a repartição do ónus da prova. Supomos, pois, que é aplicável aos contratos existentes em cada momento a presunção que nesse momento conste da lei vigente.”

Neste sentido, vejam-se ainda João Leal Amado (op. cit., pág. 91, nota 112) e Acórdãos desta Relação de Lisboa de 7 de Maio de 2008 e 21 de Novembro de 2012 (ambos em www.dgsi.pt).

Seja como for, no caso em apreço, verificam-se não só os indícios previstos no art. 12º do CT de 2003, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 7º da Lei n.º 9/2006, de 20/03: o prestador de trabalho estava na dependência e inserida na estrutura da beneficiária da actividade; o trabalhador realizava a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização da beneficiária da actividade e era retribuído pela realização da sua prestação;

Como, aliás, praticamente todos os indícios previstos no n.º 1 do art. 12º do CT de 2009, bem como os que a jurisprudência e a doutrina consideram suficientes para qualificar uma relação contratual, como contrato de trabalho.

Na verdade, o autor prestou sempre o seu trabalho nas instalações do réu, fazendo uso dos utensílios e equipamentos deste, material de ginásio, aparelhos e todos os demais instrumentos de trabalho, sendo responsável pelo seu bom uso; teve sempre um horário fixado, de segunda-feira a sábado, definido para cada actividade; tinha um cartão de acesso às instalações do réu, que registava o início e o termo do seu trabalho diário; quando o fim desse horário de trabalho, coincidia com o horário de fecho da sala de Actividades de Grupo, o autor, tinha a responsabilidade de deixar arrumada a respectiva sala, desligar as luzes e fechar a mesma; o desempenho das suas funções era coordenado pelo Coordenador de Sala de Exercício e pelo Coordenador das Aulas de Grupo, dos quais recebia instruções e orientações técnicas sobre o modo e os critérios de como o trabalho deveria ser prestado; no início de cada época, o autor reunia com os coordenadores a fim de lhe ser transmitido as metodologias de treino a adoptar, as diversas tarefas de preparação de início da época, bem como as tarefas de preparação das salas de exercício; o trabalho prestado pelo autor, bem como a sua pontualidade e assiduidade eram objecto de avaliação por parte do réu; a sua comparência em reuniões periódicas com os coordenadores, era controlada e sujeita a avaliação, sendo a sua ausência registada; como contrapartida da actividade prestada ao réu, o autor auferia a retribuição mensal de € 1.301,00, o autor era retribuído em função das horas de trabalho prestado.

Verificando-se todos estes indícios, temos necessariamente de presumir que a relação contratual que vinculou ambas as partes, no período compreendido entre Janeiro de 2006 e Maio de 2012, consubstanciava uma relação de trabalho subordinada.

Mesmo sem a referida presunção, que não foi ilidida pela ré, teremos sempre de concluir, face à matéria de facto provada, que a referida relação contratual consubstancia um verdadeiro contrato de trabalho.

Tudo o que o réu refere, na sua alegação de recurso, não tem o menor cabimento.

O nomen juris atribuído ao contrato e as suas cláusulas só constituem elementos relevantes para ajuizar da vontade das partes no que toca ao regime jurídico que elegeram para regular a relação contratual, se essa designação e essas cláusulas estiverem em correspondência com a realidade, ou seja, com aquilo que, de facto, aconteceu na vigência da relação.

Quando isso não suceder, a relação contratual deve ser qualificada juridicamente em função da relação que realmente existiu, da sua vida e da sua dinâmica, e não em função da denominação e de cláusulas totalmente desfasadas da realidade que nos é retratada pela matéria de facto provada no processo.
No caso em apreço, da matéria de facto provada no processo resulta que o apelado sempre exerceu as suas funções servindo-se da estrutura e da organização de meios que o réu lhe disponibilizava; o seu trabalho, durante a vigência da relação que manteve com o apelante, sempre se integrou, de forma continuada, nessa organização, cuja titularidade e controlo lhe era alheia; durante esse período, o réu sempre conformou a sua actividade, através de ordens, instruções e orientações e sempre lhe definiu o modo como, quando, onde e com que meios o autor a devia executar.
Deve, assim, concluir-se, como concluiu a sentença recorrida, que a relação contratual que vinculou A. e R., no período compreendido entre 15/09/2008 e 31/07/1012, consubstancia um verdadeiro contrato de trabalho.
E consubstanciando tal relação um contrato de trabalho nulo, pelas razões invocadas na sentença recorrida, o mesmo produziu efeitos como se fosse válido em relação ao tempo em que esteve em execução (art. 122º, n.º 1 do CT).
Daí que o autor tenha direito à retribuição de férias e ao subsídio de férias vencidas em 1/01/2009, no montante de € 2.602,00 (2 x 1.301,00), bem como à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessão dão contrato, no montante de € 2.276,76 (3 x 1.301,00:12), que reclamou e que o réu não provou que lhe pagou, valores estes acrescidos de juros de mora, à taxa legal, nos termos referidos na sentença recorrida.

IV. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique e registe.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2014
 Ferreira Marques

Maria João Romba

Paula Sá Fernandes

[1] Cfr. Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho, 1985, pág. 56.
[2] Cfr.  Manual de Direito do Trabalho, 1ª edição, pág. 535.
[3] Cfr. Bernardo Lobo Xavier – Curso de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 302.
[4] Cfr. Bernardo Lobo Xavier – Curso de Direito do Trabalho, pág. 302.
[5] Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, pág. 114.
[6] Direito do Trabalho, Almedina, Abril 2002, pág. 308 e segs.
[7] Acs. da RL de 5/02/2003; CJ 2003, Tomo 1º, pág. 161; de 17/03/2004, in www. dgsi.pt e Acs. do STJ de 18/11/1999, CJ/STJ/1999, Tomo 3º, pág. 275 e de 17/10/2007, Revista n.º 2.187/07.
[8] Cfr. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Coimbra Editora, I Volume, pág. pág. 140.
[9] Vide Tratado de Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2014, pág. 55.


Decisão Texto Integral: