Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25940/17.4T8LSB.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ACORDO REVOGATÓRIO
ERRO-VÍCIO
CRÉDITOS LABORAIS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I– Os créditos abrangidos pelo artigo 337º nº1 do CT são aqueles que emergem directamente do contrato de trabalho ou os que resultem da sua violação ou cessação. Se o crédito tiver por fonte um acto diverso do contrato de trabalho ou da sua cessação, ainda que exigível em virtude da cessação do contrato de trabalho, não se lhe aplica tal preceito legal.

II– A apreciação da questão exige pois que atentemos na causa de pedir e no pedido formulado nos autos.

III– Estando em causa a situação invocada de erro-vício na celebração do acordo revogatório do contrato de trabalho, susceptível de conduzir à anulabilidade desse acordo, não tem aplicação o disposto no artigo 337º do CPT, pois não estamos em presença de um crédito laboral, não podendo o Autor ser coactado no exercício do seu direito, numa situação em que pode não depender de si o acesso ao conhecimento dos factos subjacentes ao alegado erro.


(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra BBB, pedindo
A- seja anulado o acordo revogatório celebrado entre si e a Ré desde a data da sua celebração, colocando-se as partes na situação imediatamente anterior à celebração do aludido acordo revogatório, por erro vício;
B- em consequência, seja a Ré condenada a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
C- seja a Ré condenada no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde 1 de Dezembro de 2016 até ao trânsito em julgado  da sentença, acrescidas dos respectivos juros de mora, que, à data da propositura da acção, se cifravam em 24.000€;
D- seja a Ré condenada a revogar junto da Segurança Social a declaração ínsita no formulário de modelo RP5044-OGSS e condenada a efectuar os competente “descontos” em sede de contribuições para a segurança social e bem assim em sede de IRS, desde a data da assinatura do acordo revogatório.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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Citada, a Ré contestou, invocando desde logo a excepção de prescrição dos créditos peticionados.
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O Autor respondeu à excepção, concluindo pela sua improcedência.
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Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, com os seguintes fundamentos:
“(…) Relevam, para o efeito, os seguintes factos:
a)- A relação laboral entre A. e R. cessou no dia 30 de Novembro de 2016 (cfr., artigo 6º da petição inicial, e artigo 3º da contestação);
b)- O A. propôs a presente ação no dia 29 de Novembro de 2017, pelas 21:49h;
c)- A R. foi citada para os termos da ação no dia 5/12/2017, cfr. fls. 29.
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De acordo com o disposto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o “crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua Violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Por força deste preceito, é inegável que os créditos peticionados pelo A. na presente acção estariam extintos, por prescrição, às 24 horas do dia 30 de Novembro de 2017, sendo, igualmente, pacífico, que a R. apenas foram citados para acção no dia 5 de Dezembro de 2017.
Nesta sede importa ter presente o disposto no art. 323.º do Código Civil, segundo o qual a “prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
No nº 2 do preceito refere-se que dizendo que se a “a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
A questão é hoje em dia pacífica e parece-nos claro que a ação tem de ser intentada cinco dias antes do fim do prazo prescricional de um ano.
Se a ação é do foro cível então o prazo pode ser o do código civil, mas a presente ação é claramente do foro laboral. Não serve aqui o argumento empregue pelo a. no sentido de pugnar pelo facto de à anulabilidade invocada prevalecer o prazo constante do código civil, pois não apenas, repetimos, a ação é do foro laboral, como ainda dessa anulabilidade o A. pretende retirar e peticionar créditos laborais. E estes têm o prazo de um ano para serem invocados.
O prazo de um ano é sempre contado nos termos do art. 337º do CT do dia em que cessou o contrato de trabalho, e não de qualquer prazo relativo a conhecimento de algum facto. Esses são prazos de ordem cível, invocados para arguições dessa natureza.
Não dos processos de trabalho onde a data relevante é, de facto, a do final do contrato de trabalho.
Refere-se a título de exemplo o Acórdão do STJ de 20 de Junho de 2012, proferido na Revista n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt, “se for feita uma retrospectiva da evolução histórica sobre as disposições que regeram esta matéria, constata-se que o legislador sempre considerou assente o princípio de que a prescrição se interrompe pela citação, mas evoluiu para a consideração de que a citação tardia não imputável ao autor não o deveria prejudicar», pressupondo o efeito interruptivo estabelecido no n.º 2 do art. 323 citado, a concorrência de três requisitos: «que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção; que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao Autor. É dizer que aquele benefício, assim concedido ao credor, exige necessariamente – para além da verificação daqueles dois primeiros requisitos – que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a informação não chegasse ao demandado no sobredito prazo de cinco dias; caso contrário, isto é, se a demora lhe for imputável, a lei retira-lhe o ficcionado benefício e manda atender, sem mais, à data da efectiva prática do acto informativo».
Em sentido semelhante o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-01-2009 (Recurso n.º 2060/08), e do mesmo STJ de 19 de Dezembro de 2012, proferido na Revista n.º 3134/07.7TTLSB, todos em www.dgsi.pt, refere que «[a] doutrina processualista orienta-se, também, neste sentido, defendendo que “não é imputável ao autor a prática, dentro dos prazos legais, dos actos processuais entre a propositura da acção e a citação, que não necessita para tanto de ser requerida como urgente, só lhe sendo imputável a conduta, posterior à apresentação da petição inicial, que, violando a lei, tenha o resultado de atrasar o acto de citação”.
Desde que a acção seja proposta cinco dias antes de terminar o prazo de prescrição, não releva para a determinação do conceito de “motivo imputável ao requerente”, o retardamento da citação causado por motivos de ordem processual ou de organização judiciária.
Esta solução é a que resulta da interpretação teleológica do art. 323.º, n.º 2 do C.C. A ratio legis ou finalidade da norma, como tem salientado a doutrina, visa “(…) defender o credor contra a negligência do tribunal ou do funcionário, o dolo do devedor, a acumulação de serviço, a entrada em férias judiciais, ou outras circunstâncias anómalas do juízo”.
Volvendo ao caso dos autos, diremos, pois, que o facto de a citação não se ter efectuado nos cinco dias após ter sido intentada a ação resulta das regras da orgânica judiciária e do tempo próprio que os actos processuais demoram. E note-se que nem a citação prévia foi requerida. Mas se o fosse já tal prazo teria ainda assim decorrido.
Relevante, para o efeito de imputabilidade ao A. do atraso da citação, são as acções ou omissões desta que traduzem em infracções à lei. E é o caso de ter intentado a ação com menos de cinco dias antes do fim do prazo prescricional.
No caso dos autos o A. claramente não observou a antecedência de mais de cinco dias relativamente à data em que ocorreria a prescrição, não agindo com a diligência de um prudente credor.
Salta à evidência que a exceção tem de proceder. E isso mesmo saltou à vista do A. que em resposta à excepção traz factos novos aos autos invocando a data do conhecimento de factos que determinaram a sua vontade de agir. Esses porém não assumem relevo para o efeito do art. 337º do CT.
Em suma, o A. sabia que corria o sério risco de a prescrição ocorrer precisamente porque sabia que dia 30/11/2016 tinha cessado o contrato e tinha sido dessa data que se iniciava o prazo de um ano da prescrição invocada. Devia pois ter intentado a presente ação cinco dias antes do final do prazo. O que não sucedeu.
É pois fácil concluir que a exceção peremptória de prescrição procede, cumprindo absolver a R. do pedido. (…)
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Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que “1. O que se mostra em causa nos autos em sindicância, é tão só o reconhecimento judicial e subsequente decretamento da anulabilidade de um acordo revogatório (negócio jurídico) de contrato de trabalho celebrado entre o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrida, com fundamento em vícios da vontade (erro vício) previstos nos artigos 252.º e seguintes do CC;
2. Nos presentes autos o Recorrente não peticiona qualquer crédito laboral, sendo a condenação da Recorrida a pagar ao Recorrente determinado crédito, um mero efeito da procedência dos presentes autos;
3. Aos presentes autos não se aplica o prazo prescricional do artigo 337.º, n.º 1 do CT, porquanto o mesmo prevê que os créditos quer do empregador quer do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho;
4. E de acordo com o disposto no artigo 340.º do CT, o contrato de trabalho pode cessar por: a) Caducidade; b) Revogação; c) Despedimento por facto imputável ao trabalhador; d) Despedimento coletivo; e) Despedimento por extinção de posto de 10/14 9 trabalho; f) Despedimento por inadaptação; g) Resolução pelo trabalhador; h) Denúncia pelo trabalhador;
5. Sendo as situações previstas no artigo 340.º, n.º 1, do CT, bem diferentes da situação dos presentes autos;
6. Na medida em que, no que respeita à revogação do contrato de trabalho, prevista no artigo 340.º, n.º 1, al.) b), do CT, o trabalhador propõe a ação contra a sua entidade patronal visando o pagamento de quaisquer créditos, já vencidos à data do acordo ou exigíveis em virtude do mesmo, e nessa situação e para essa ação o prazo a observar é o prazo prescricional estabelecido no artigo 337, n.º 1 do CT, ou seja, contando-se esse prazo de 01 (um) ano a partir do dia seguinte àquele em foi celebrado o acordo;
7. No entanto, e como referido supra nos presentes autos o Recorrente peticionou a declaração da anulação do acordo revogatório do contrato de trabalho com fundamento num erro vício, tendo alegado, para o efeito, que a Recorrida conseguiu o acordo em causa usando de um estado de coisas, com intuito de o enganar, pois o motivo invocado pela Recorrida, para conseguir o acordo, não correspondia à verdade (extinção do posto de trabalho);
8. Sendo, essa situação bem diferente não cabendo assim na previsão do artigo 337.º, n.º 1 do CT;
9. Logo, e atendendo, ao fundamento da presente ação, a mesma está sujeita ao prazo de caducidade fixado no artigo 287.º, do CC;
10. Sendo a eventual condenação da Recorrida a pagar ao Recorrente determinado crédito, mero efeito da procedência da ação intentada;
11. Além do que, o prazo prescricional do artigo 337.º, n.º 1 do CT, também não pode deixar de ser interpretado ao abrigo do artigo 306.º do CC, abarcando por isso apenas os créditos que o trabalhador possa conhecer, mesmo de forma ilíquida, à data da cessação do contrato;
12. Não fazendo, assim qualquer sentido aplicar o artigo 306.º do CC,
13. Assim sendo, considera o Recorrente que o prazo aplicar aos presentes autos será o prazo de caducidade fixado no artigo 287.º, do CC, atendendo ao fundamento da mesma, contado da data do conhecimento do facto (agosto de 2017)
14. Pelo que, a presente ação deu entrada em tempo considerando que o Recorrente tomou conhecimento dos factos que originaram a presente ação em agosto de 2017, a ação deu entrada no dia 29/11/2017, tendo a Recorrida sido citada no dia 05/12/2017.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença Recorrida, e consequentemente ser considerada improcedente a da exceção peremptória da prescrição dos créditos laborais decidida, mantendo-se o linear decurso dos autos fazendo-se assim A COSTUMADA JUSTIÇA.
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A recorrida contra alegou, concluindo nas suas alegações que:
I– O Recorrente alega que os créditos peticionados na Petição Inicial não são créditos laborais, uma vez que têm origem na requerida  anulabilidade de um acordo revogatório de contrato de trabalho, com fundamento em erro.
II– Mais alega o Recorrente que o prazo para o exercício da ação é de caducidade e não de prescrição.
III– Não assiste qualquer razão ao Recorrente e bem assim foi entendido pelo Digníssimo Tribunal a quo..
IV– A petição de tais créditos tem como única e exclusiva origem a cessação de um contrato de trabalho.
V– Se duvidas houvesse, ficariam em definitivo dissipadas pelo facto de os pedidos se consubstanciarem na reintegração do trabalhador e pagamento de remunerações que deixou de auferir pela cessação de contrato de trabalho.
VI– Como bem esclarece a douta sentença recorrida, “a presente ação é claramente do foro laboral”.
VII– Estamos assim em presença de créditos laborais cujo regime, no que releva para os efeitos do decurso do tempo em termos de exercício de ação, é o da prescrição, por efeito do que dispõe o artigo 337º Código de Trabalho ex vi do nº 2 do artº 298º do Código Civil.
VIII– Assim sendo, está prescrito o direito do A./Recorrente para a ação de que o presente articulado é contra-alegação.
IX– Como se diz na sentença, “a ação tem que ser intentada cinco dias antes do fim do prazo prescricional de um ano”.
X – E que prossegue: “O prazo de um ano é sempre contado nos termos do art. 337º do CT do dia em que cessou o contrato de trabalho, e não de qualquer prazo relativo a conhecimento de algum facto. Esses são prazos de ordem cível, invocados para arguições dessa natureza. Não dos processos de trabalho onde a data relevante é, de facto, a do final do contrato de trabalho”.
XI Assim, e considerando que a R. foi citada a 5 de Dezembro de 2017, a ação destinada a peticionar os créditos em questão deveria ter sido interposta até às 24 horas do dia 30 de Novembro de 2017.
XII– Face a todo o exposto, andou bem o Tribunal a quo que valorou com rigor os elementos constantes dos autos e apresentados por ambas as partes e, consequentemente, aplicou as normas legais de forma adequada, designadamente o art. 337º do Código do trabalho.
Neste termos, e nos melhores de Direito aplicáveis, e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., devem as presentes contra-ordenações ser recebidas e, a final, deve ser negado provimento ao Recurso, confirmando-se a Douta sentença recorrida, com o que farão a habitual Justiça.”
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O Exmo Procurador Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer, concluindo pela procedência do recurso, argumentando que “(…) estamos perante uma situação em que o autor pretende a anulação do acordo invocando erro-vício na formação da sua vontade de revogar o contrato de trabalho já que a ré terá actuado com reserva mental ao convencê-lo falsamente que o seu posto de trabalho seria extinto.
Trata-se, a nosso ver, de situação muito distinta da que está subjacente à norma do art. 337º nº1 do Código do Trabalho. (…)”
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos
Cumpre apreciar e decidir
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II–Objecto
Constitui objecto do presente recurso saber se o crédito peticionado se deve ou não considerar prescrito.
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III–Fundamentação de Facto
Os factos com interesse para a decisão são os resultam do relatório, e ainda que a relação laboral existente entre Autor e Ré cessou, por revogação, no dia 30 de Junho de 2016.
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IV–Enquadramento Jurídico
Determina o artigo 337º nº1 do CT que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele que cessou o contrato de trabalho.”
Trata-se de uma regra especial que não tem em conta para o início da contagem do prazo de prescrição, a data do vencimento do crédito ou a data em que o trabalhador tem conhecimento do mesmo, possibilitando-lhe que reclame tais créditos – laborais – mais tarde, quando cesse o contrato de trabalho, leia-se, quando cesse a relação de dependência com o empregador.
Nas palavras de Monteiro Fernandes “A contagem do prazo prescricional faz-se de acordo com o seu fundamento, que é o de que, durante a vigência do contrato, a situação de dependência do trabalhador não lhe permite, presumivelmente, exercer em pleno os seus direitos. “[1]

Ou, como afirma Maria do Rosário da Palma Ramalho, esta regra pretende “(…) sobretudo ultrapassar a real dificuldade que assiste ao trabalhador de accionar o empregador na pendência do contrato de trabalho. Para compensação da maior facilidade de reclamação dos créditos, em que esta regra se traduz (na medida em que defere para mais tarde a possibilidade de reclamar os créditos), o prazo de prescrição é, todavia, mais curto do que os prazos previstos pela lei civil[2]

Ainda de acordo com a citada Autora, “O conceito de créditos laborais constante desta norma é um conceito amplo, uma vez que se incluem aqui não apenas os créditos remuneratórios em sentido estrito, mas todos os créditos que resultem da celebração e da execução do contrato de trabalho, e ainda os que decorram da violação do contrato e da sua cessação.”[3]

Veja-se ainda o Acórdão do STJ de 03-02-2011, [4]1. O regime especial de prescrição dos créditos emergentes da violação de um contrato de trabalho, estabelecido nas leis laborais, só é aplicável aos créditos típicos da relação laboral, excluindo-se do seu âmbito os emergentes de uma relação de responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente quando esteja em causa uma responsabilidade delitual conexa com a criminal ou a entidade patronal exerça, no confronto de trabalhador que esteve ao seu serviço, um direito de regresso, pretendendo repercutir na esfera patrimonial do comissário o valor dos danos, decorrentes da conduta ilícita e culposa deste que lesou concomitantemente direitos de terceiro.” (sic)

Portanto, os créditos abrangidos pelo artigo 337º nº1 do CT são aqueles que emergem directamente do contrato de trabalho ou os que resultem da sua violação ou cessação. Se o crédito tiver por fonte um acto diverso do contrato de trabalho ou da sua cessação, ainda que exigível em virtude da cessação do contrato de trabalho, não se lhe aplica tal preceito legal.

A apreciação da questão exige pois que atentemos na causa de pedir e no pedido formulado nos presentes autos.

No presente caso, a relação laboral entre as partes cessou por força de um acordo revogatório, que constitui um negócio jurídico formal, que opera a desvinculação das partes, sem que, por si mesmo, envolva quaisquer outras consequências, nomeadamente patrimoniais, não havendo lugar às indemnizações e compensações previstas para os casos de despedimento, embora não fiquem inutilizados os créditos e débitos existentes entre os sujeitos por virtude da execução do contrato revogado, e sendo usual que o acordo revogatório confira ao trabalhador uma compensação pecuniária.

O Autor peticiona a anulação do acordo revogatório do seu contrato de trabalho, invocando uma situação factual que, na sua perspectiva, se reconduz a um erro na formação da vontade, invocando o disposto no artigo 252º do C.Civil, com as consequências que enumera no peticionado sob as alíneas B) a D) do petitório.

Ao contrário do referido na decisão recorrida, consideramos que não estamos perante créditos directamente emergentes do contrato de trabalho, ou que nasceram no âmbito de vigência do mesmo, e tão pouco de créditos que resultem da violação deste contrato ou da cessação do mesmo.

Claro que o peticionado tem uma relação com o contrato de trabalho, mas uma relação conexa com este, uma vez que a presente acção destina-se a discutir da existência de um erro na formação da vontade quanto à celebração do negocio jurídico da sua revogação. Mas não é alegada qualquer violação de deveres contratuais emergentes da relação de trabalho ou da sua cessação.

Citamos aqui o acórdão do STJ de 11-11-1998[5], tal como o fez o Ministério Público no seu douto parecer, acórdão que se pronuncia numa situação similar à presente, e explica de forma muito clara a diferença entre os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho e a peticionada anulabilidade do acordo revogatório desse contrato, com as legais consequências. Embora debruçando-se sobre a LCT e o Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, a fundamentação em causa mantém inteira actualidade, face à similitude das normas aplicáveis ao presente caso.

Ali se refere que “É jurisprudência uniforme dos nossos tribunais que a ilicitude (ou nulidade) do despedimento coloca um problema de prescrição de direitos laborais, e não de caducidade da acção de nulidade ("rectius" de anulabilidade) do mesmo, pelo que o prazo para o trabalhador arguir a nulidade do despedimento é o previsto no artigo 38, n. 1, da L.C.T[6]., isto é, um prazo de prescrição de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - cfr., entre outros, o acórdão de 24 de Abril de 1986, deste Supremo, in B.M.J., n. 356, página 238, e o acórdão n. 140/94, de 26 de Janeiro de 1984, de Tribunal Constitucional, in B.M.J., n. 433, página 168. Como se escreveu no acórdão de 24 de Abril de 1986.
"A prescrição abrange o pedido de nulidade do despedimento, não só porque os prazos de prescrição do direito civil são informados por princípios de natureza diferente, não centrados directamente em preocupação de estabilidade social, mas ainda porque essa nulidade, por meramente relativa, produz simples anulabilidade
(...). Menos ainda é admissível a inexistência de qualquer prazo de prescrição sem norma que expressamente o afirma na matéria (...). Daí que a declaração de nulidade do despedimento esteja sujeita ao prazo de prescrição do citado artigo 38, n. 1".
A razão de ser deste entendimento, que se sufraga, assenta também no pressuposto de que o trabalhador, ao ser despedido, em seu entender, "ilicitamente", conhece, ou pode conhecer os créditos sobre a entidade patronal a que tem direito, quer anteriores quer resultantes do despedimento, apenas sucedendo que a lei - citada n. 2 do artigo 12 do regime anexo ao Decreto-Lei n. 64-A/89 - reserva ao tribunal o poder de declarar "a ilicitude do despedimento", fonte dos direitos reclamados na própria acção.
Isto é, à data do despedimento "ilícito", o trabalhador sabe (ou entende) que o seu despedimento foi "ilícito", e desde logo pode determinar, computar os seus direitos, nomeadamente de crédito. Daí que nessa acção requeira a declaração da ilicitude do despedimento e, desde logo, a condenação da entidade patronal a pagar-lhe aquilo a que julga ter direito.
A finalidade "última" dessa acção é, ao fim e ao cabo, a "condenação" da entidade patronal a pagar ao trabalhador aquilo a que este tem direito e, se essa for a vontade deste, a reintegrá-lo. A declaração da ilicitude do despedimento não passa do pressuposto, do fundamento dessa condenação.
E o mesmo ocorre nos casos das acções previstas nos citados artigos 24 e 32 do referido regime jurídico, quando a ilicitude ou nulidade resultar das situações ou vícios previstos, respectivamente, nessas disposições legais, que o trabalhador pode desde logo conhecer.
Assim sendo, deve entender-se que, nessas situações, se o trabalhador não propuser a respectiva acção, prevista nesses preceitos legais, no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, o mesmo deixou prescrever os créditos a que porventura teria direito, "ex vi" do n. 1 do referido artigo 38 da L.C.T..
Podendo fazê-lo, o trabalhador não o fez, não propôs a respectiva acção no prazo legal e daí a consequente cominação legal.
No tocante à "revogação (do contrato de trabalho) por acordo das partes" - situação em causa nos presentes autos -, os artigos 7 e 8 do referido regime anexo ao Decreto-Lei n. 64-A/89 não prevêem a propositura de qualquer acção que declare a nulidade do acordo revogatório.
O legislador terá partido do princípio de que o acordo obtido pelas partes será, em princípio, válido.
Mas poderá não o ser, se lhe faltarem os elementos essenciais referidos naquele artigo 8.
E o trabalhador poderá ter necessidade de propor contra a entidade patronal acção visando o pagamento de quaisquer créditos (já vencidos à data do acordo ou exigíveis em virtude deste - cfr. n. 4 desse artigo 8), podendo mesmo, prévia e cumulativamente, pedir a declaração da nulidade do acordo, por falta de algum dos seus elementos essenciais, se for caso disso.
Nestas situações, deverá entender-se que se está, também aqui, perante problema de prescrição de direitos laborais - direito a retribuições ou compensações não pagas e, eventualmente, a reintegração -, tal como se viu relativamente ao despedimento ilícito.
Nesse caso, e para essa acção, haverá que observar o prazo prescricional estabelecido no n. 1 do referido artigo 38, contando-se esse prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que foi celebrado o acordo.
Mas é bem diferente a situação dos autos, que não cabe na previsão, quer daquele artigo 38 da L.C.T., quer das referidas disposições do regime anexo ao Decreto-Lei n. 64-A/89.
Os Autores querem, pediram ao tribunal que declare a nulidade dos acordos que celebraram com a Ré, entidade patronal, acordos esses para "revogação dos contratos de trabalho" entre eles existentes, alegando, para o efeito, que a Ré conseguiu os acordos em causa usando de reserva mental, com o intuito de os enganar, agindo dolosamente, pois que os motivos invocados pela Ré, para conseguir tais acordos, eram falsos, como vieram a saber cerca de seis meses antes.
Isto é, os Autores pretendem a anulação desses acordos, desses negócios jurídicos revogatórios (dos contratos de trabalho), com fundamento em vícios de vontade, previstos nos artigos 244, 252 e 253 do Código Civil, anulação que poderiam arguir, como arguiram, dentro do prazo (de caducidade) de um ano a partir do conhecimento desses vícios.
A Ré, que alegara nas instâncias a "caducidade" da arguição dos referidos vícios e a "prescrição" dos créditos reclamados, viu transitar a decisão proferida no sentido de se relegar o conhecimento da caducidade para a fase da sentença, restringindo a presente revista à questão da prescrição dos créditos reclamados pelos Autores, entendendo que é aplicável à situação em causa o prazo prescricional fixado no n. 1 do referido artigo 38.
Mas, como se pode deduzir das antecedentes considerações, não lhe assiste razão.
A acção intentada não se enquadra em nenhuma das disposições do referido regime anexo ao Decreto-Lei n. 64-A/89, nem mesmo no artigo 32 nºs 1, alínea a) e 2, invocado (também) pelos Autores, visto que esta disposição se refere (apenas) à cessação do contrato de trabalho decidida pela entidade patronal nas situações previstas no artigo 26 daquele regime jurídico.
Tendo em conta os fundamentos da acção, esta está sujeita ao prazo de caducidade fixado no artigo 287 do Código Civil, e visa essencialmente a declaração da nulidade ("rectius", a anulação), por vícios de vontade, dos acordos celebrados entre a Ré e os Autores, revogando os respectivos contratos de trabalho, e sendo a eventual condenação da Ré a pagar aos Autores determinadas quantias (determinados créditos) mero efeito da também eventual procedência da acção.
Por outro lado, e decisivamente, o n. 1 do referido artigo 38 não pode deixar de ser interpretado à luz do princípio que enferma o n. 1 do artigo 306 do Código Civil, abarcando, por isso, e tão só, os créditos que o trabalhador possa conhecer, mesmo de forma ilíquida, à data da cessação do contrato.
Não faria sentido que se aplicasse tal disposição aos créditos que só possam ser conhecidos, como no caso dos autos, muito para além do decurso do prazo de um ano fixado nessa disposição.
Nestas situações, o que releva é que a acção seja proposta em tempo, tendo em conta os seus fundamentos.
(…)
Não é, pois, possível, estender à situação (e à acção) em causa a doutrina e a jurisprudência, já expostas, no sentido de que "a prescrição abrange o pedido de nulidade do despedimento", por se tratar de situações bem distintas e não procederem, na situação em causa - de revogação de contrato de trabalho por acordo das partes - as razões que levam a aplicar ao pedido de nulidade do despedimento o prazo prescricional fixado no n. 1 do referido artigo 38 da L.C.T..”

Concordamos inteiramente com esta fundamentação. O que está em causa é a invalidade por erro na formação da vontade do negócio de revogação do contrato, e não um crédito laboral, pelo que o Autor não pode ser coactado no exercício do seu direito, numa situação em que pode não depender de si o acesso ao conhecimento dos factos subjacentes ao alegado erro. É assim que a lei fala em “crédito emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação”, que o trabalhador conhece, e pode accionar logo após a cessação da relação de dependência ao empregador, de créditos não laborais, que podem ter diversas origens, e cujo conhecimento pode escapar ao interessado, fazendo depender o termo inicial do prazo prescricional desse conhecimento.

Em face do exposto, estando em causa a situação invocada de erro-vício na celebração do acordo revogatório do contrato de trabalho, susceptível de conduzir à anulabilidade desse acordo, não tem aplicação o disposto no artigo 337º do CPT. Tendo o Autor alegado que tomou conhecimento dos factos que descreve na p.i. em Agosto de 2017, facto que não foi impugnado, e tendo a acção dado entrada em juízo em Novembro de 2017, cumpre concluir que também não decorreu o prazo de caducidade a que se refere o artigo 287º nº1 do C.Civil.

Procede, pois, o recurso interposto pelo Autor, com a revogação da decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine o prosseguimento da acção.
***

V–Decisão
Face a todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto por AAA, e, em consequência, revogam a decisão recorrida e determinam o prosseguimento dos autos nos termos legais aplicáveis.
Sem custas.
Registe.
Notifique.


Lisboa, 2018-09-12


(Paula de Jesus Jorge dos Santos)
(1º adjunto – José Feteira)
(2ª adjunta – Filomena Manso)
                                                          

[1]Direito do Trabalho , 6ª edição, pág. 415.
[2]Direito do Trabalho, Tomo II, Situações Laborais Individuais, 6ª edição, pág. 545.
[3]Ob. citada, pág. 545.
[4]Processo 1228/07.8TAGH.L1.S1.
[5]Processo 98S088.
[6]Dispõe o citado artigo 38, n. 1, da L.C.T.:
"1. Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes a "entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho (...)".