Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1118/13.5TYLSB.L1-6
Relator: NUNO SAMPAIO
Descritores: ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: -Da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do art.º 23º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, decorre que o legislador aí consagrou a equiparação do administrador da insolvência com o administrador judicial provisório, ao prever também para este uma remuneração variável (n.º 2) que acresce à remuneração fixa (n.º 1), equiparação que não estava prevista quando a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, aditou ao CIRE o processo especial de revitalização, conforme se verifica pela sua omissão no n.º 3 do art.º 32º, aplicável por remissão da al. a) do n.º 3 do art.º 17º-C.
-O direito do administrador judicial provisório à remuneração não pode ser questionado pela falta de publicação da portaria regulamentadora, o que obriga o intérprete e o aplicador do direito a procurarem o melhor critério para assegurar a justa atribuição do montante.
-Um caminho possível, pela similitude das situações subsequente à equiparação da dupla remuneração, passa pela Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, publicada com a finalidade única e específica de regulamentar a remuneração do Administrador da Insolvência, cuja actividade é substancialmente diferente daquela que posteriormente veio a ser atribuída ao Administrador Judicial Provisório.
-Outra via passa por afastar esta portaria, por ser anterior ao PER e a previsão da remuneração variável atender à “liquidação da massa insolvente”, impondo-se o recurso à equidade “tout court”; será a solução mais adequada porque as tabelas anexas à portaria destinaram-se exclusivamente às especificidades da insolvência, tanto assim que o coeficiente aplicável incide sobre o valor da liquidação da massa insolvente, que não existe sequer no processo de recuperação, dificultando de forma substancial o recurso à analogia.
-Os n.ºs 2 a 4 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial distinguem, para efeitos de quantificação da remuneração variável, o “resultado da recuperação” e o “resultado da liquidação”, diferenciação que só pode significar que os valores a fazer constar da portaria ainda não publicada seriam necessariamente inferiores aos concedidos pela portaria n.º 51/2005, diferença essa que só pode ser encontrada na aplicação ao caso concreto pelo recurso à equidade, utilizando ou não como referência as tabelas em vigor para o processo de insolvência.
-Tendo como pano de fundo um juízo da cariz equitativo e considerando que o Sr. Administrador exerceu funções durante cerca de cinco meses num processo com 33 credores e créditos reclamados de quase 2.000.000,00€, obtendo sucesso na aprovação do plano de recuperação não obstante a oposição de alguns credores, ponderando ainda a actividade efectivamente exercida, considera-se adequada a quantificação da remuneração variável em 12.000,00€.
-Apesar da Lei n.º 22/2013 consagrar os estatutos de ambos os administradores judiciais, o art.º 30º restringe ao da insolvência o pagamento da remuneração pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça – e só nas situações previstas nos art.ºs 39º e 232º do CIRE, isto é, de insuficiência da massa insolvente.
-Esta restrição não existiria se fosse intenção do legislador conceder o mesmo direito ao administrador judicial provisório, que dispõe da faculdade de exigir o pagamento à entidade a quem prestou o serviço, requerente do PER e, eventualmente, à sua massa insolvente na qualidade de credor.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


Recorrente:
J…, Administrador Judicial Provisório no Processo Especial de Revitalização requerido por C…, S.A., com sede na Rua … em Lisboa.

Decisão recorrida:
O despacho proferido a fls. 459, no qual foi fixada uma remuneração global de 2.700,00 €, crédito a reclamar no processo de insolvência entretanto declarada, por não estar legalmente previsto o pagamento pelo IGFEJ, IP.

Conclusões da apelação:
1.-Não concorda o recorrente com a decisão recorrida em dois vectores, repristinados ao segmento decisório supra transcrito, designadamente:
f.-a crítica ao entendimento jurídico que o Tribunal realiza quanto à inaplicabilidade da regras contidas no art.º 23.º da Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro ao cálculo da remuneração do Administrador Judicial Provisório.
g.-a crítica ao entendimento jurídico que o Tribunal realiza quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração do Administrador Judicial Provisório.

I-APLICABILIDADE DAS REGRAS DEFINIDAS PARA O CÁLCULO REMUNERATÓRIO.
2.-Primeiramente, não concorda o recorrente com a decisão recorrida na parte em que, arredando a aplicação do cálculo remuneratório constante da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, enquanto cálculo matemático encontrado pelo legislador, se socorre de considerações genéricas para determinar a fixação da remuneração global do Administrador Judicial Provisório em 2.700,00 € (dois mil e setecentos euros) – arredando a aplicação da fixação da remuneração fixa e variável –, razão pela qual se invoca a nulidade do entendimento expresso na decisão em causa, já que,
3.-Com o devido respeito, a decisão assim eivada, constitui um erro na aplicação do direito, por, nos termos do disposto no art.º 616.º, n.º 2, alínea a) do CPCivil, ocorrer um manifesto erro na qualificação jurídica dos factos.
Ou seja,
4.-Encontramo-nos perante um errado entendimento do direito já que, no entender do recorrente, o douto Tribunal se socorreu de norma incorrectamente interpretada/aplicada para o efeito, enquanto NULIDADE emergente do erróneo entendimento subscrito na decisão recorrida de fixação discricionária pelo M.mo Juiz a quo do valor retributivo do Administrador Judicial Provisório.
5.-Deste modo, sempre com o devido respeito, é entendimento do Administrador Judicial Provisório que a sua actividade se encontra remuneratoriamente submetida à atribuição da fixação de uma remuneração fixa e uma remuneração variável devida pela actividade do recorrente, no âmbito do Processo Especial de Revitalização, a qual, tal como infra se fundamenta e discrimina, ascende a € 40.737,31. É que;
6.-em virtude da entrada em vigor, no dia 26 de Março de 2013, da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, a remuneração do Administrador Judicial Provisório calcula-se nos termos do art.º 23.º, n.ºs 1 a 3 da citada Lei, com referência à Portaria n.º 51/2005, de 20 de Fevereiro e Tabelas conexas.

7.-Significando:
1.-o Administrador Judicial Provisório tem direito a ser remunerado pelo exercício das suas funções [art.º 22.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro] e
2.-o Administrador aufere uma remuneração fixa e uma remuneração variável fixada e majorada em função da satisfação dos créditos reclamados e reconhecidos no procedimento de revitalização deduzidas as dívidas da massa [art.º 23.º, n.ºs 1 a 5 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro];

8.-Legalmente, definam-se, ainda as seguintes balizas.
a.-as disposições transitórias condicionantes da aplicação da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro e elencadas no art.º 32.º do diploma não derrogam a capacidade remuneratória do Administrador Judicial Provisório ou a condicionam à entrada em vigor da portaria a que se refere a parte final do n.º 1 do art.º 23.º do CIRE
b.-o art.º 33.º do novo Estatuto do Administrador Judicial não revoga a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro e
c. a Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro entrou em vigor no dia 26 de Março de 2013 – cfr. art.º 34.º da Lei citada.

9.-Assim sendo, e porque se entende e admite que o legislador soube expressar adequadamente a sua intenção legislativa e previu o resultado e as consequências da entrada em vigor do produto do seu labor no ordenamento jurídico português – cfr. art.º 9.º, n.º 3 do CCivil.

10.-Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no Processo n.º 4725/14.5T8CBR.C1, datado de 08.07.2015, e ainda o Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no Processo n.º 1539/13.3TBFAF.G1, datado de 24.11.2014.

11.-Tal dito, para o cálculo remuneratório devem atentar-se nos seguintes pressupostos concretos,
d.-valor global reclamado …………………….………. € 1.989.468,96
e.-valor global satisfeito pelo Plano …………………. € 1.897.163,05
f.-percentagem de créditos abarcados/satisfeitos 95,36 %.

12.-Neste contexto o critério remuneratório contido na Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro na parte em que o cálculo remuneratório se alcança a partir das Tabelas contidas na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, conduz às seguintes considerações,
i.-ao resultado da recuperação calculado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano aprovado e homologado, aplicam–se duas taxas percentuais, sendo que o escalão marginal se deve contar a partir “… do limite do maior dos escalões que nele couber …”, ou seja, e in casu, o que se inicia em € 500.000,01,
ii.-razão pela qual se aplica ao valor apurado de satisfação de € 1.000.000,00 a TAXA MARGINAL de 1,9725 % calculada de forma percentual. Logo,
iii.-e sequentemente, aplicar-se-á a TAXA BASE RESPEITANTE AO ESCALÃO IMEDIATAMENTE SUPERIOR de 0,5 % ao valor residual remanescente que se estipula em € 897.163,05 / € 1.897.163,05 - € 1.000.000,00,
iv.-Por seu lado, o grau de satisfação dos credores faz recair a majoração sobre o valor 1,60 constante do citado Anexo II/Tabela da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro,

13.-o qual, aplicado ao cálculo da remuneração variável encontrada nos termos do Anexo I da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro perfaz o valor global reclamado a título de remuneração variável de € 38.737,31.

14.-Acresce ao valor da remuneração variável agora encontrado, o montante devido pela remuneração fixa prevista no art.º 1.º, n.º 1 da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro por referência ao n.º 1 do art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, no valor de € 2.000,

15.-perfazendo um total de € 40.737,31, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

16.-CAUTELARMENTE, ainda que assim não se entendesse, e independentemente da publicação da portaria a que se referem os n.ºs 2 e 3 do art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, o cálculo da remuneração variável do recorrente se faz com recurso à NÃO REVOGADA Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro,

17.-Devendo, neste caso cautelar, o Tribunal a fixar, com recurso a critérios de equidade, razoabilidade, legalidade e oportunidade, a remuneração variável devida à aqui recorrente, a quantificar em valor nunca inferior a € 20.000,00 €, o que se pugna, a vingar a tese antecedente.

II-da RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO.

18.-Não se conforma o recorrente com a decisão no sentido de estabelecer que o pagamento dos valores remuneratórios, aqueles fixados no despacho recorrido ou aqueles que venham a ser fixados neste recurso incumbe à requerente/revitalizanda e não ao Estado (entenda-se ao Tribunal/I.G.F.I.J., I.P.), ainda que a entrar em regra de custas.

19.-O segmento decisório ora recorrido quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração desconsidera a verificação da nomeação do Administrador Judicial Provisório pelo Tribunal o qual;

20.-Foi nomeado por se encontrar inscrito nas listas de Administrador Judicial, inserindo-se as suas funções neste âmbito;
21.-E exercendo-as em funções análogas às dos peritos/intervenientes nomeados pelos tribunais, revertendo o seu crédito de remuneração e despesas a título de ENCARGOS, nos termos dos art.ºs 16.º n.º 1, alíneas a), d), h) e i), 17.º n.ºs 1 e 2, 19.º e 20.º todos do RCProcessuais, a entrar em regras de custas, pelo que;

22.-Encontrando-se nomeado pelo Tribunal a quo, revelarse-ia manifestamente desproporcional que o mesmo tivesse de exigir tal pagamento ao requerente/revitalizando.

23.-E ainda mais absurdo que, a assim se considerar resultasse que, por inércia do Tribunal a quo na determinação do quantum da sua remuneração, ficasse vedado ao recorrente o recurso aos meios de defesa e garantia dos seus créditos.

24.-Assim, as funções do signatário englobam-se nas competências de um administrador judicialmente nomeado, e não de um credor da devedora, já que não mantém qualquer vínculo ou obrigação para com esta.

25.-Deste modo, entende o recorrente que a incumbência pelo pagamento de tais valores deverá caber, em sede de adiantamento, ao I.G.F.I.J., I.P.,

26.-Tudo em situação análoga à dos peritos/intervenientes/administradores nomeados pelo Tribunal, conforme já supra referido;

27.-Devendo tais ulteriores pagamentos entrarem em regra de custas no processo principal;

28.-E serem assacadas, aí sim e nos termos legais, à requerente/revitalizanda.

29.-Salvo melhor opinião, tal pedido assenta na consagração do art.º 59.º da CRPortuguesa que garante a retribuição do trabalho, entendimento aplicável ao desempenho da função de Administrador Judicial Provisório nomeado, como nos presentes autos, tornando-se por essa via, inadmissível a prestação de serviços a título de gratuitidade, em benefício de terceiros.

30.-Assim e por tudo quanto resulta exposto, deverá ser ordenada a revogação da sentença recorrida também nesta parte, e substituída por outra que determine que o montante a título de remuneração seja adiantado pelo I.G.F.I.J., I.P., a entrar em regra de custas no processo principal, nos termos dos art.ºs 16.º n.º 1, alíneas a), d), h) e i), 17.º n.ºs 1 e 2, 19.º e 20.º todos do RCProcessuais.

31.-A decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs art.º 32.º n.º 3 do CIRE, por remissão dos art.ºs 24.º e 17.º-C n.º 3, alínea a), nos art.ºs 22.º e 23.º, n.ºs 1 a 5 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro e nos art.ºs 16.º n.º 1, alíneas a), d), h) e i), 17.º n.ºs 1 e 2, 19.º e 20.º todos do RCProcessuais, 32. devendo a mesma ser objecto de revogação e substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, declare, sem embargo do julgamento prévio e possível da nulidade reclamada no intróito das alegações de recurso, pela

a.-determinação do pagamento do valor de € 40.737,31, a título de remuneração fixa e variável devida pela actividade do signatário nos presentes autos, a que acresce IVA à taxa legal ou,
b.-Cautelarmente e independentemente da publicação da portaria a que se referem os n.ºs 2 e 3 do art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, o cálculo da remuneração variável do recorrente se faz com recurso à NÃO REVOGADA Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro,
c.-Devendo, neste caso cautelar, o Tribunal a fixar, com recurso a critérios de equidade, razoabilidade, legalidade e oportunidade, a remuneração variável devida à aqui recorrente,
d.-O qual, considerando a aplicação analógica da tabela supra evidenciada, se deveria quantificar em valor nunca inferior a € 20.000,00 €, acrescido de IVA à taxa actual de 23%, o que se pugna, a vingar a tese antecedente,
e.-Sempre com o pagamento a ser efectuado, por adiantamento, pelo Cofre Geral dos Tribunais/I.G.F.I.J., I.P., porquanto, sendo um encargo compreendido nas custas do processo, é uma
dívida da Massa insolvente, nos termos do art.º 32.º n.º 3 do CIRE, por remissão dos art.ºs 24.º e 17.º-C n.º 3, alínea a) do mesmo código.
*

Contra-alegou o Ministério Público pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
 
Questões a decidir na apelação:
1ª-“Nulidade do entendimento” expresso na decisão recorrida.
2ª-Inaplicabilidade das regras contidas no art.º 23º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, ao cálculo da remuneração do Administrador Judicial Provisório;
3ª-Responsabilidade pelo pagamento da remuneração do Administrador Judicial Provisório.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

II-Apreciação do recurso

Factos provados:

1º-C…, S.A.., com sede na Rua … em Lisboa apresentou-se a Processo Especial de Revitalização.
2º-A presente acção teve início em 14 de Junho de 2013 e o Sr. Administrador foi nomeado por despacho de 3 de Julho.
3º-Foram reclamados 33 créditos no valor global de 1.989.469,96€.
4º-O Plano de Recuperação foi aprovado por credores representando um total de 1.418.243,85€, com a oposição de dois.
5º-A sentença homologatória do plano de recuperação conducente à revitalização da requerente foi proferida em 5 de Dezembro de 2013 (fls. 228).
6º-A C…, S.A., veio a ser declarada insolvente por sentença proferida em 2 de Fevereiro de 2015 na 1ª secção da Instância Central do Comércio de Lisboa.
7º-O Sr. Administrador Judicial Provisório requereu a fixação da remuneração em 25 de Março de 2014 (requerimento de fls. 321), reiterando o pedido em 16 de Outubro de 2015 e solicitando “o seu pagamento – nos termos do art.º 32º n.º 3 do CIRE – pelo Instituto de Gestão Financeira da Justiça, uma vez que a sociedade foi declarada insolvente”.
8º-Por despacho proferido a fls. 459, datado de 14 de Junho de 2016, foi fixada em de 2.700,00 € a remuneração global do Sr. Administrador Judicial Provisório, consignando-se que “a responsabilidade pelo pagamento da remuneração do administrador judicial provisório é da própria requerente do PER, que no caso terminou com homologação do plano de recuperação conducente à sua revitalização, não estando legalmente previsto o pagamento pelo IGFEJ,IP. Tendo a devedora sido declarada insolvente, deverá o crédito do Sr. Administrador (constituído nesta data) ser reclamado no processo de insolvência”.

Enquadramento jurídico:

1ª questão: nulidade do entendimento expresso na decisão recorrida.

O recorrente inicia as suas alegações invocando “a nulidade do entendimento expresso na decisão em causa” ao arredar a aplicação do cálculo remuneratório constante da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, acrescentando logo a seguir que “a decisão assim eivada constitui um erro na aplicação do direito” e “encontramo-nos perante um errado entendimento do direito…”.
No final solicita o julgamento prévio de tal nulidade, depois de enquadrar o alegado vício no art.º 616º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil (cfr. a terceira conclusão).
Conforme facilmente se verifica pelas transcrições efectuadas não tem qualquer sentido a referida arguição, da qual se conhece por mera precaução, pela simples razão de que a nossa lei processual não prevê nulidades de entendimentos, constatando-se que o recorrente se limita a discordar da aplicação do direito efectuada no despacho recorrido; e o citado art.º 616º versa sobre a reforma da sentença e não sobre a sua nulidade, disciplinada no preceito antecedente, o que deixa antever alguma confusão ou lapso na origem de tão insólita nulidade.
Assim se conclui que não é nula, a qualquer título, a decisão recorrida.

2ª questão: inaplicabilidade das regras contidas no art.º 23º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, ao cálculo da remuneração do Administrador Judicial Provisório.

Está igualmente longe de ser rigorosa a afirmação que identifica esta questão, expressa no início das alegações e repetida na primeira conclusão do recurso.
O que ficou escrito no despacho recorrido é o seguinte: “cotejando as regras relativas às funções do administrador judicial provisório em PER resulta claro que as regras do art.º 23 n.ºs 1, 2 e 3 da referida Lei n.º 22/2013 não são aqui passíveis de aplicação singela”(sublinhado nosso), restrição da qual se infere a aplicabilidade de tais regras.
Antes deste excerto a Sr.ª Juíza reconhecera o direito do Administrador Judicial Provisório a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, nos termos desse preceito, acrescentando que a portaria nele prevista ainda não tinha sido publicada, mantendo-se em vigor a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, regulamentando a “remuneração variável em função do resultado da liquidação, mas sem qualquer regra aplicável, em concreto, quer ao processo especial de revitalização…”.

De seguida resumiu as funções exercidas pelo administrador judicial provisório para encontrar o critério determinante para a fixação da remuneração no caso concreto, concluindo por uma remuneração global de 2.700,00 €.

Faltará, porventura porque se trata de um simples despacho e não de uma exposição acerca da problemática resultante da falta de publicação da portaria, explicitar que a Portaria n.º 51/2005 regulamentava exclusivamente a remuneração do administrador da insolvência e que, desempenhando tarefas diversas das que vieram posteriormente a ser atribuídas ao administrador judicial provisório, os critérios aí consignados não podiam ser aplicados, sem mais, à remuneração deste – daí o afastamento da “aplicação singela” (em rigor desta portaria e não propriamente do art.º 23º da Lei n.º 22/2013) e a subsequente descrição das funções do recorrente como critério para quantificar a remuneração que considerou adequada.

Efectuado o reparo à forma como foi colocada a questão e explicado o teor do despacho, impõe-se nesta sede um maior desenvolvimento dos problemas criados pelo atraso na publicação da portaria e dos caminhos preconizados para os resolver, a fim de sindicar o montante remuneratório atribuído e alterá-lo, se assim se justificar.

A Lei n.º 22/2013 é aplicável aos presentes autos porque já vigorava à data da sua entrada em juízo, 14 de Junho de 2013, mais precisamente desde 26 de Março (cfr. o art.º 34º).

Da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do art.º 23º decorre que o legislador aí consagrou a equiparação do administrador da insolvência com o administrador judicial provisório, ao prever também para este uma remuneração variável (n.º 2) que acresce à remuneração fixa (n.º 1), equiparação que não estava prevista quando a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, aditou ao CIRE o processo especial de revitalização, conforme se verifica pela sua omissão no n.º 3 do art.º 32º, aplicável por remissão da al. a) do n.º 3 do art.º 17º-C.

É assim indiscutível que o recorrente tem direito a uma remuneração fixa e a uma remuneração variável pelo trabalho efectuado nos presentes autos, direito que não pode ser questionado pela falta de publicação da portaria regulamentadora, o que obriga o intérprete e o aplicador do direito a procurarem o melhor critério para assegurar a justa atribuição do montante.

O caminho possível, pela similitude das situações subsequente à equiparação da dupla remuneração, passa pela Portaria n.º 51/2005, publicada com a finalidade única e específica de regulamentar a remuneração do Administrador da Insolvência, cuja actividade é substancialmente diferente daquela que posteriormente veio a ser atribuída ao Administrador Judicial Provisório.

Do seu intróito consta que “aprova o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função dos resultados obtidos”; o art.º 1º estabelece em 2.000,00€ o valor da remuneração fixa e o art.º 2º reporta-se às tabelas de remuneração variável anexas ao diploma.
Outro caminho, que cremos maioritário, passa por afastar esta portaria por ser anterior ao PER e a previsão da remuneração variável atender à “liquidação da massa insolvente”, impondo-se o recurso à equidade “tout court” porque a ausência de regulamentação não pode privar o administrador do direito reconhecido pela lei; e, convenhamos, será o mais adequado, porque na realidade as tabelas anexas à portaria destinaram-se exclusivamente às especificidades da insolvência, tanto assim que o coeficiente aplicável incide sobre o valor da liquidação da massa insolvente, que não existe sequer no processo de recuperação, dificultando de forma substancial o recurso à analogia.

No caso concreto a primeira pretensão do recorrente é o cálculo da remuneração variável nos mesmos moldes em que é calculada para o administrador da insolvência, por meio das tabelas, concluindo pelo montante de 38.737,31€, a que acresce o da remuneração fixa, perfazendo um total de 40.737,31€; e, subsidiariamente (conclusões 16 e 17), por aplicação da mesma portaria mas com recurso somente a critérios de equidade, razoabilidade, legalidade e oportunidade, a quantificar em valor nunca inferior a € 20.000,00 €.

Para sustentar a primeira alternativa o recorrente apoia-se em dois acórdãos: da Relação de Coimbra de 08/07/2015, processo n.º 4725/14.5T8CBR.C19, que não conseguimos localizar; e da Relação de Guimarães de 24/11/2014, proferido no processo n.º 1539/13.3TBFAF.G1, no qual a tese do recorrente tem efectivo apoio.

Porém, neste aresto não foram distinguidas as situações: não se teve em consideração o entendimento já explicitado de que as tabelas da portaria n.º 51/2005 não podem ser aplicadas nos mesmos termos aos diferentes administradores, atendendo a que a equiparação não é total nem poderia ser, atentas a diferença de funções exercidas; o tempo normal de duração de cada espécie processual (o despacho recorrido refere-se, com razão, a uma “tarefa com limites temporais certos”, conforme se comprova pelo n.º 5 do art.º 17º-D do CIRE); e a respectiva complexidade, em que só por si a liquidação da massa insolvente marca a diferença.

Tanto assim é que os n.ºs 2 a 4 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial distinguem, para efeitos de quantificação da remuneração variável, o “resultado da recuperação” e o “resultado da liquidação”.

Esta diferenciação só pode significar que os valores a fazer constar da portaria ainda não publicada seriam necessariamente inferiores aos concedidos pela portaria n.º 51/2005, diferença essa que só pode ser encontrada na aplicação ao caso concreto pelo recurso à equidade, tendo ou não como referência as tabelas em vigor para o processo de insolvência.

Foi este o entendimento seguido no acórdão da Relação de Évora de 28/5/2015 (processo n.º 1111/14.0TBSTR.E1, publicado em www.dgsi.pt, à semelhança de todos os arestos subsequentemente identificados), que fixou a remuneração variável em 12.000,00 €; no acórdão da Relação de Coimbra de 16/2/2016 (processo n.º 5543/14.6T8CBR.C1), fixando a remuneração variável em 8.000,00€ apenas com recurso à equidade, por considerar inaplicável a portaria n.º 51/2005 e suas tabelas; seguindo o mesmo critério pronunciou-se recentemente a Relação de Guimarães em acórdão de 12/07/2016 (processo n.º 2032/14.2TBGMR.G1), atribuindo 18.000,00€ num processo com 165 credores e ultrapassando os créditos reclamados os 5.000,000,00€.

Neste último aresto é feita uma resenha da jurisprudência, com breves indicações do número de créditos reclamados, seus montantes e remunerações variáveis atribuídas, que oscilaram entre os 3.000,00€ e os 11.000,00€, todos aquém dos 18.000,00€ aí fixados.

Regressando ao caso dos autos é manifesto que a remuneração de 2.700,00€ é muito reduzida, porque em pouco excede os 2.000,00€ que corresponderão à fixa e fica bastante aquém dos valores praticados pela jurisprudência dos tribunais superiores, seja com recurso analógico às tabelas em vigor para o processo de insolvência ou tão-somente à equidade.

Tendo como pano de fundo um juízo da cariz equitativo e considerando o teor dos factos n.ºs 2 a 5, designadamente que o Sr. Administrador exerceu funções durante cerca de cinco meses num processo com 33 credores e créditos reclamados de quase 2.000.000,00€, obtendo sucesso na aprovação do plano de recuperação não obstante a oposição de alguns credores, ponderando a actividade efectivamente exercida que transparece dos autos e, ainda, os montantes arbitrados nas decisões judiciais supra referenciadas, considera-se equitativa a quantificação da remuneração variável em 12.000,00€, perfazendo com a fixa um total de 14.000,00€.

3ª questão: responsabilidade pelo pagamento da remuneração do Administrador Judicial Provisório.

No despacho recorrido decidiu-se que ““a responsabilidade pelo pagamento da remuneração do administrador judicial provisório é da própria requerente do PER, que no caso terminou com homologação do plano de recuperação conducente à sua revitalização, não estando legalmente previsto o pagamento pelo IGFEJ,IP. Tendo a devedora sido declarada insolvente, deverá o crédito do Sr. Administrador (constituído nesta data) ser reclamado no processo de insolvência”.

Sustenta o recorrente, nas conclusões 18 a 30, que o pagamento da remuneração incumbe “ao Estado (entenda-se ao Tribunal/I.G.F.I.J., I.P.), ainda que a entrar em regra de custas” e não à sociedade revitalizanda.

No segundo requerimento apresentado para o efeito, junto aos autos em 16/10/2015, indicou como base legal o n.º 3 do art.º 32º do CIRE, nos termos do qual “A remuneração do administrador judicial provisório… constitui… um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta”.

Porém, apesar da Lei n.º 22/2013 consagrar os estatutos de ambos os administradores judiciais, o art.º 30º restringe ao da insolvência o pagamento da remuneração pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça – e só nas situações previstas nos art.ºs 39º e 232º do CIRE, isto é, de insuficiência da massa insolvente.

Esta restrição não existiria se fosse intenção do legislador conceder o mesmo direito ao administrador judicial provisório, que dispõe da faculdade de exigir o pagamento à entidade a quem prestou o serviço e, eventualmente, à massa insolvente na qualidade de credor, como poderá suceder no caso dos autos.

Neste sentido decidiu a Relação de Évora no já citado acórdão de 28/5/2015 (processo n.º 1111/14.0TBSTR.E1).

Por outro lado, citando a resposta do Ministério Público “Em matéria de despesa pública rege o princípio da legalidade. Para que um organismo público assuma o pagamento de determinada despesa é necessário que a mesma esteja enquadrada e determinada por lei expressa. Só são pagas as despesas que se encontrem legalmente autorizadas e nos termos em que o forem”.

Perante esta realidade não pode prevalecer a argumentação desenvolvida nas conclusões 19 a 29, designadamente no que se refere à garantia constitucional de retribuição do trabalho, que não é posta em causa e que também é assegurada aos trabalhadores que, apesar de também dela beneficiarem, são forçados a reclamar salários e indemnizações nos processos de insolvência das respectivas entidades patronais.  

No caso dos presentes autos há que reconhecer uma particularidade que influiu em manifesto desfavor do recorrente: o decurso de mais de dois anos entre o primeiro pedido de fixação da remuneração e o despacho correspondente (mais concretamente de 25 de Março de 2014 a 14 de Junho de 2016), período durante o qual a sociedade recuperanda veio a ser declarada insolvente em 2 de Fevereiro de 2015, o que significa que o Sr. Administrador poderia ter sido pago pela própria devedora e não se sujeitar às contingências da parte que lhe venha a caber da massa insolvente.

Apesar do desconforto causado por tal situação, o eventual prejuízo daí decorrente não tem reflexos na presente decisão pelas razões já expostas, sem prejuízo de o recorrente procurar ressarcir-se por outra via que considere ao seu dispor.

III–Decisão.

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente, fixando-se num total de 14.000,00€ a remuneração devida ao Sr. Administrador Judicial Provisório pelo exercício de funções nos presentes autos.
Custas pelo recorrente na proporção de 50%.



Lisboa, 9 de Fevereiro de 2017    

                 

Nuno Sampaio (relator)            
Maria Teresa Pardal                    
Carlos Marinho
Decisão Texto Integral: