Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
221/18.0YUSTR.L1-3
Relator: MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS SILVA
Descritores: RECURSO DA DECISÃO FINAL
INCIDENTE DE RECUSA
CONTRAORDENAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO
Sumário: Nos termos do artigo 73º/2, do RGCO, a possibilidade de recurso de sentença final ocorre apenas quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, mediante dedução prévia de requerimento, do arguido ou do Ministério Público, que justifique tal necessidade (artigo 74º/2, do RGCO) e de despacho que aceite o recurso - que constitui decisão da questão prévia, já que o deferimento é condição de prosseguibilidade (artigo 74º/3).
Tal admissibilidade exige a verificação de determinados requisitos, quais sejam:
i- Tratar-se de um recurso de sentença não subsumível à previsão do nº 1 do artigo 73º, o que é dizer, de sentença que conheça de mérito da decisão proferida no âmbito de processo de contra-ordenação (artigo 64º) ou de impugnação judicial rejeitada;
ii- Estar em causa uma questão de direito, o que, quanto ao segmento de «melhoria da aplicação do direito» vem sendo entendido mediante a subsunção a um tríplice requisito, a saber: a questão ser relevante para a decisão da causa, ser uma questão necessitada de esclarecimento, e ser passível de abstracção.
iii- Tratar-se de um caso de manifesta necessidade, ou seja, em que se conjuga um critério de necessidade com outro, de premência, por «avultamento do desacerto».
A decisão de um incidente de recusa não constitui uma sentença, nos termos em que é definida pelo artigo 64º e 73º/1, pelo que não é susceptível de recurso por força do referido normativo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:
I – Relatório:
Proferida que foi decisão que declarou improcedente o incidente de recusa dos membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal para intervir e decidir o processo contra-ordenacional n.º …/…/CO instaurado por RE…, veio o mesmo interpor recurso cingido ao segmento que julgou improcedente o incidente de recusa do Governador do Banco de Portugal.
Fundamenta a dedução do recurso ao abrigo do disposto no artigo 73º/2, do RGCO, com vista à melhoria da aplicação do direito e deduziu o respectivo requerimento autónomo, nos termos do nº 2 do artigo 74º/ RGCO.
Do requerimento consta, entre o mais, que
« (…) quanto ao incidente de recusa do Senhor Governador do Banco de Portugal, a sentença recorrida entendeu inter alia o seguinte:
(a)          o Recorrente "um argumentário plausível e sustentado" (sic, § 71);
(b) "a comunicação [do Senhor Governador do Banco de Portugal] de 3 de Agosto de 2014, (...) ao ter feito uma alocução final ao esquema de financiamento fraudulento desenvolvido pelo GES, terá extravasado o estritamente necessário para proceder à comunicação da deliberação da resolução no sentido de que esse conteúdo se apresenta excedente às condições financeiras subjacentes à resolução e se pode qualificar de excessivamente conclusivo (....)" (sic, parêntesis rectos nossos, § 87);
(c) As afirmações do Senhor Governador, de 3 de Agosto de 2014, consubstanciam 'excessos argumentativos" (sic, § 92); e
(d) "Quanto às declarações [do Senhor Governador do Banco de Portugal] aos jornais Expresso e Público, (...) Certamente que se conseguirá concordar que aquelas afirmações podem encerrar em si o comprometimento de alguma reserva perante a eventual repercussão ou incidências das realidades tratadas naquelas entrevistas sobre a gestão do BES em processos contra-ordenacionais em curso (...)" (sic, parêntesis rectos nossos, § 107 e § 108).
7. Não obstante a análise que se acaba de expor, a sentença recorrida acabou por entender que os factos objectivos provados sobre as referidas declarações públicas do Senhor Governador do Banco de Portugal, que visaram o Recorrente, enquanto administrador do BES (qualidade é que, precisamente, visado nos presentes autos).
8. Em particular, nomeadamente por referência às declarações do Senhor Governador do Banco de Portugal na conferência de imprensa que anunciou a resolução do BES em 3 de Agosto de 2014 ([1]), a sentença recorrida entendeu inter alia que "a excepcionalidade da medida de resolução, o impacto financeiro e o contexto sociopolítico experienciado pela sociedade Portuguesa em 2014 autorizariam que a comunicação da resolução visasse factores não técnicos e discursivamente menos concretos sobre o enquadramento desta intervenção radical do BdP junto do maior Banco privado em Portugal à data" (realçado nosso; cfr. § 90 e § 91 da sentença recorrida).
9. De resto, quanto às entrevistas do Senhor Governador do Banco de Portugal aos jornais "Público" e "Expresso" divulgadas no site do Banco de Portugal ([2]), a sentença recorrida entendeu que o "comprometimento de alguma reserva" pelo Senhor Governador estaria justificado porque estas entrevistas "se encontram contextualizadas pela sindicância pública das decisões do Banco de Portugal sobre a resolução do BES a perda de idoneidade, assuntos de óbvio interesse e assinalada relevância pública, e que eram susceptíveis de mereceram a devida justificação perante a comunidade" (realçado nosso; §108 e § 109 da sentença recorrida).
10. Neste contexto, afigura-se evidente que se afigura admissível recurso do segmento da sentença recorrida que julgou improcedente o incidente de recusa do Senhor Governador do Banco de Portugal, ao abrigo do n.° 2 do artigo 73.° do RGCO.
11. Com efeito, o presente recurso da sentença recorrida afigura-se "manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito" e a sua admissibilidade assenta nos seis factores, que são sinteticamente enunciados de seguida.
12. EM PRIMEIRO LUGAR, a admissibilidade do presente recurso deve ser aferida à luz do RGCO ex vi artigo 232.° do RGICSF.
13. Por uni lado, considerando que o RGCO prevê um regime próprio que regula os recursos em processos contra-ordenacionais, este diploma não tem qualquer lacuna no regime dos recursos (ao contrário do que sucede com os requisitos substanciais do incidente de recusa propriamente dito do decisor da entidade administrativa).
14. Por conseguinte, a admissibilidade do presente recurso deve ser aferida à luz das regras do RGCO e não à luz do CPP, já que não há lacuna no RGCO, em matéria de recurso em processos contra-ordenacionais, que justificasse a aplicação subsidiária do CPP.
15. Assim, em particular, a admissibilidade do presente recurso deve ser aferida à luz do artigo 73.°, n.° 2, do RGCO e não à luz do artigo 45.°, n.° 2, do CPP (que prevê a irrecorribilidade da decisão do Tribunal Superior sobre o incidente de recusa).
16. Por outro lado, ao contrário do que sucede no caso concreto, o incidente de recusa de Juiz no processo penal é decido, em 1.ª linha, por um Tribunal Superior, donde resulta que a decisão será proferida por um Magistrado Judicial tendencialmente mais experiente (sem qualquer nota de pessoalização quanto ao caso concreto).
17. Tanto assim é que decorre da al. a) do n.° 1 do artigo 45.° do CPP (ao referir-se ao "tribunal imediatamente superior") que o incidente de recusa é apreciado, em primeira linha, pela Relação quando esteja em causa a recusa de um Juiz de Direito de 1,a Instância ou pelo próprio STJ quando esteja em causa a recusa de um Desembargador da Relação.
18. No entanto, não é isto o que se verifica no caso do presente incidente de recusa.
19. Com efeito, o presente incidente de recusa do Senhor Governador do Banco de Portugal foi decidido, em primeira linha, pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que não é um Tribunal Superior, mas sim um Tribunal de competência especializada de "1.ª Instância".
20. Por conseguinte, é forçoso concluir a admissibilidade do presente recurso deve ser aferida à luz do artigo 73.° do RGCO e não à luz do artigo 45.°, n.° 5, do CPP.
21. EM SEGUNDO LUGAR, está em causa o recurso interposto de uma "sentença" (sic) e, portanto, verifica-se o primeiro requisito previsto no n.° 2 do artigo 73.° do RGCO.
22. É certo que esta norma prevê que "poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença (...)" (realçado nosso).
23. No caso concreto, a própria sentença recorrida auto-intitula-se de "sentença" (sic; cfr, referência a "sentença" no início da página 1 da decisão recorrida, imediatamente a seguir à abertura de conclusão): (…)
24. Na verdade, trata-se de uma decisão final da ta Instância, que põe termo ao incidente de recusa deduzido do Senhor Governador do Banco de Portugal (e, portanto, não se trata de um mero despacho interlocutório).
25. Note-se que a decisão recorrida é uma sentença proferida, em primeira linha, pelo Tribunal de 1.ª Instância.
26. Portanto, não se trata de uma decisão da 1.ª Instância que apreciou um recurso interposto de uma decisão do Banco de Portugal.
27. O que reforça, ainda mais, o facto de estar em causa uma verdadeira sentença, que coloca termo ao incidente de recusa do Senhor Governador do Banco de Portugal.
28. EM TERCEIRO LUGAR, o presente recurso suscita apenas questões de direito e move-se, exclusivamente, dentro da matéria de facto fixada pela 1.ª Instância.
29. A este propósito, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE refere o seguinte:
"(...) o recurso previsto no artigo 73.°, n.° 2, do RGCO só é admissível sobre questões de direito (acórdão do TRC, de 5.1.2004, processo 3/04)" (in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, 2011, página 303).
30. Aliás, conforme já antecipado acima, o objecto do presente recurso circunscreve-se ao segmento da sentença recorrida que julgou improcedente o incidente de recusa do Senhor Governador do Banco de Portugal (e já não quanto aos demais membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal).
31. No caso concreto, em particular, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 43.°, n.° 1, do CPP (ex vi artigo 41.°, n.° 1, do RGCO e artigo 232.° do RGICSF) e, ainda, no artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ("CEDH"), que com plena vigência e eficácia no nosso ordenamento jurídico, por força do artigo 7.°, n.° 1, da CRP.
32. EM QUARTO LUGAR, o presente recurso afigura-se "manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito", nos termos do n.° 2 do artigo 73.° do RGCO,
33. Na verdade, está em causa uma questão nova em sede contra-ordenacional e, portanto, o presente recurso afigura-se manifestamente necessário ao desenvolvimento e estabilidade na aplicação do direito.
34. Com efeito, tanto quanto é do conhecimento do ora Recorrente, este é o primeiro caso concreto em que se discute o mérito de um incidente de recusa de um membro do Conselho de Administração de uma entidade administrativa, no âmbito de um processo contra-ordenacional.
35. O que, como foi reconhecido na sentença recorrida, reveste particularidades.
36. Note-se que, no passado, o Tribunal da Relação de Lisboa já se pronunciou sobre a inadmissibilidade de recurso sobre a decisão do Banco de Portugal que apreciou (em primeira linha) um incidente de recusa, mas trata-se de um caso com contornos diferentes porque:
(i) apenas esteve em discussão a questão formal da recorribilidade (e não o mérito) da decisão do Banco de Portugal sobre um incidente de recusa do seu instrutor;
 (ii) o Tribunal Judicial não apreciou o mérito desse incidente; e
(iii) estava em causa o recurso do incidente de um instrutor do Banco de Portugal e não um incidente de um membro do Conselho de Administração do Banco de Portugal.
37. Aliás, algumas destas diferenças foram salientadas na própria sentença recorrida (cfr. § 15 e nota de rodapé 8 da página 8 da sentença recorrida).
38. O facto de estar em causa uma questão nova reveste, naturalmente, relevância para efeitos da aplicação do n.° 2 do artigo 73.° do RGCO, sobretudo numa questão relevante e fundamental, como é o domínio do direito fundamental à imparcialidade do decisor.
39. Neste sentido, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de Outubro de 2015, foi entendido o seguinte:
"Justifica-se a admissão do recurso ao abrigo do n.° 2 do artigo 73.° do RGCO — para melhoria da aplicação do direito e promoção da uniformidade da jurisprudência -, de decisão proferida em processo de contra-ordenação tributário no qual se suscite questão nova, sobre a qual ainda não houve oportunidade de fixar orientação jurisprudencial superior (...)" (realçado nosso; processo n.° 0983/15, disponível em www.dgsi.pt).
40. Ora, no caso concreto, está em causa uma questão nova de direito necessitada de esclarecimento por um Tribunal Superior, que preencha um vazio existente, até agora, no domínio contra-ordenacional.
41. EM QUINTO LUGAR, trata-se de uma questão relevante para a decisão da causa.
42. Com efeito, está em causa saber se o Senhor Governador do Banco de Portugal deverá, ou não, integrar o colégio que irá proferir decisão sobre o mérito do processo contra-ordenacional em causa.
43. Por um lado, no presente recurso, está em causa a discussão da essência do mérito do incidente de recusa do Senhor Governador do Banco de Portugal.
44. A este respeito, salvo o devido respeito, a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação da lei, maxime do artigo 43.°, n.° 1, do CPP (ex vi artigo 41.°, n.° 1, do RGCO e artigo 232.° do RGICSF) e do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH.
45. Portanto, a procedência do presente recurso determinará a modificação substancial e a revogação da sentença recorrida, na parte que diz respeito ao segmento que julgou improcedente a recusa do Senhor Governador do Banco de Portugal, com vista a que esta recusa seja julgada procedente.
46. Por outro lado, está em causa um dos mais importantes direitos fundamentais do arguido em processo contra-ordenacional: o direito a obter uma decisão de um decisor que não só seja imparcial, como também pareça imparcial (imparcialidade objectiva).
47. Conforme já reconhecido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a questão relativa à imparcialidade reclama uma apreciação e decisão imediata.
48. Com efeito, a efectiva garantia deste direito não se satisfaz apenas com a possibilidade de uma apreciação a posteriori ao julgamento, antes visa prevenir ex ante que a decisão seja proferida por um decisor que dê garantias de imparcialidade.
49. A este propósito, no § 308 do Guia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre o Artigo 6.° da CEDH, é referido o seguinte:
"O artigo 6 § 2 visa prevenir o perigar de um julgamento penal imparcial em virtude de declarações com pré-juízos que tenham sido feitas em estreita relação com o processo" ([3]).
50. A relevância desta questão é tanto maior caso se atente que a matéria das referências em público à culpa do arguido, por parte do decisor antes da decisão, são objecto de tratamento expresso nos n.ºs 1 e 2 do artigo 4.° da Directiva (UE) n.° 2016/343 ([4]), que prevê o seguinte:
"1. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que, enquanto a culpa do suspeito ou o arguido não for provada nos termos da lei, declarações públicas emitidas pelas autoridades públicas ou decisões judiciais que não estabelecem a culpa não apresentem o suspeito ou o arguido como culpado. Esta disposição aplica-se sem prejuízo de atos da acusação que visam provar a culpa do suspeito ou do arguido e de decisões preliminares de caráter processual proferidas pelas autoridades judiciárias ou por outras autoridades competentes e baseadas em suspeitas ou em elementos de acusação.
2. Os Estados-Membros asseguram a disponibilidade das medidas necessárias em caso de violação da obrigação prevista no n.° 1 do presente artigo de não apresentar o suspeito ou o arguido como culpado nos termos da presente diretiva e, em particular, nos termos do artigo 10.°.".
51. Ora, o artigo 10.° da Directiva (UE) n.° 2016/343 consagra a obrigação de os Estados-Membros consagrarem "vias de recurso" (sic) contra a violação da presunção de inocência, nomeadamente através de declarações e pré-juízos públicos sobre a culpa do arguido.        
52. Com efeito, o n.° 1 do artigo 10.° da Directiva (UE) n.° 2016/343 consagra o seguinte: "Os Estados-Membros asseguram que o suspeito ou o arguido dispõem de uma via de recurso efetiva em caso de violação dos direitos que lhe são conferidos pela presente diretiva".
53. É, portanto, evidente a crucial relevância jurídica da matéria em causa no incidente de recusa do Senhor Governador do Banco de Portugal e o facto de o recurso previsto no n.° 2 do artigo 73.° do RGCO ser necessário com vista à melhoria na aplicação do direito.
54. É que este incidente assenta, precisamente, em referências públicas do Senhor Governador do Banco de Portugal à culpa do Recorrente ([5]), mesmo antes do inicio do presente processo de contra-ordenação e antes da dedução da acusação, mas tais declarações incidem sobre matéria de facto que constitui o respectivo objecto (e, ainda, sobre matéria objecto de outros processos contra-ordenação do Banco de Portugal contra o ora Recorrente).
55. Neste contexto, o n.° 2 do artigo 73.° do RGCO deve ser interpretado em conformidade com o direito comunitário — em particular, o artigo 10.° da Directiva (UE) n.° 2016/343 —, no sentido de que a legislação nacional tem de possibilitar ao arguido recorrer a um Tribunal Superior (daí a epígrafe desta norma da Directiva ser "vias de recurso") para reagir contra referência públicas à sua culpa.
56. A este respeito, recorde-se que o CPP prevê que o incidente de recusa é apreciado por um Tribunal Superior (artigo 45,º, n.° 1 - al. a), do CPP).
57. De resto, esta questão afigura-se relevante não só porque o Senhor Governador do Banco de Portugal tem direito de voto (ainda por cima, um voto de qualidade, nos termos do disposto no artigo 32.°, n.° 1, da Lei Orgânica do Banco de Portugal) ([6]) na deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal sobre a condenação ou absolvição do Recorrente, mas também porquanto participa e até preside à reunião deste órgão em que for discutida essa decisão (com a consequente capacidade de influir na decisão).
58. O que, naturalmente, reveste uma relevância fulcral para a decisão da causa, quer no que respeita à sentença recorrida, quer no que respeito à apreciação e formação da decisão condenatória ou absolutória que vier a ser proferida pelo Banco de Portugal.
59. Aliás, se assim não fosse, então a recusa de juiz que integrasse um Tribunal Colectivo nunca teria utilidade, o que não sucede, já que é pacifico que a recusa de um juiz que integre um Tribunal Colectivo é admissível.
60. A este respeito, saliente-se que o direito a ver a causa apreciada e decidida por um decisor imparcial, seja em que instância for.
61. Neste sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23 de Maio de 2007, foi salientado o seguinte:
"O incidente processual de escusa de juiz (tal como o de recusa), previsto no art. 43 do CPP[1], assenta em princípios e direitos fundamentais das pessoas, próprios de um Estado de direito democrático, visando assegurar a imparcialidade dos tribunais, o que exige independência e garantia de imparcialidade dos juízes" (sublinhado nosso; processo n.° 0712825, disponível em www.dqsi.pt).     
62. EM SEXTO (e último) LUGAR, afigura-se claro que a questão suscitada no presente recurso é passível de abstracção, porquanto está em causa que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos práticos similares.
63. O presente recurso suscita a questão abstracta de saber qual o critério e em que medida é que as declarações públicas do decisor da entidade administrativa sobre a conduta do arguido em processo contra-ordenacional comprometem a sua imparcialidade objectiva, sobretudo se tais declarações são feitas antes do início do processo contra-ordenação e da acusação da fase administrativa.
64. Com efeito, a apreciação do presente recurso implica apreciar este critério passível de abstracção, o qual ser é susceptível de ser aplicado a outros processos contra-ordenacionais.
65. Incluindo em casos do domínio financeiro, em que, por diversas vezes, o próprio Banco de Portugal promove ou contribui, directamente, para a sua projecção através de comunicados públicos ([7]) ou, em outros casos, essa projecção acontece indirectamente nas notícias.
66. E, cada vez mais, os tempos actuais suscitam um maior interesse na definição de um critério interpretativo e jurisprudencial para apreciar a questão abstracta identificada no artigo 63. acima, inclusivamente atento o papel de entidades administrativas como o Banco de Portugal e a CMVM na tramitação de processos contra-ordenacionais do domínio financeiro.
67. E, como já antecipado acima, trata-se de uma questão nova no domínio contra-ordenacional, que carece de densificação jurisprudencial.
68. Até porque a imparcialidade dos decisores das entidades administradores nos processos contra-ordenacionais assenta em direitos fundamentais e envolve interesses de ordem pública.
69. Neste contexto, salvo o devido respeito, o erro na interpretação e aplicação da lei em que a sentença recorrida incorreu faz com que o recurso previsto no artigo 73.°, n.° 2, do RGCO seja manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito, uma vez que está em discussão a clara violação dos artigos 43.°, n.° 1, do CPP, 6.°, n.° 1, do TEDH e 4.°, n.° 1, da Directiva (UE) n.° 2016/343 (questão distinta é saber se o mérito do recurso será, ou não,  procedente, mas por ora está apenas em causa a admissibilidade do recurso).
70. Em todo o caso, sublinhe-se que, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de Maio de 2013, foi entendido o seguinte:
"A expressão melhoria da aplicação do direito não deve restringir-se, ao contrário do que parece resultar da sua letra, a casos em que estejam em causa questões de interpretação ou aplicação da regra jurídica, propriamente ditas, mas deve compreender também casos de erros claros na decisão judicial (processo n.° 0655/13, disponível em www,dgsi.pt).
71. Em face do exposto, é forçoso concluir que o presente recurso deve ser admitido, ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 73.° do RGCO, porquanto estão preenchidos os requisitos preenchidos previstos nesta norma.
72. A este propósito, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE salienta o seguinte:
«O recurso previsto no artigo 73. °, n.° 2, do RGCO só é admissível sobre questões de direito (..,). A "melhoria na aplicação do direito" está em causa quando se trata de uma questão jurídica que preencha os seguintes três requisitos: (1) ser relevante para a decisão da causa, (2) ser uma questão necessitada de esclarecimento e (3) ser passível de abstracção (...), isto é, ser uma questão que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos práticos similares (...)" (in Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações, Universidade Católica Editora, 2011, página 303).
73. Conforme demonstrado acima à saciedade, estes três requisitos estão preenchidos.
74. Em face do exposto, requer-se que o presente recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa da sentença recorrida proferida pela 1.ª Instância em 6 de Novembro de 2018, na parte que julgou improcedente o incidente de recusa do Senhor Governador do Banco de Portugal, seja admitido ao abrigo dos artigos 73.°, n.° 2, e 74.°, n.° 2, ambos do RGCO ex vi artigo 232.° do RGICSF, por se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito.
75. Este recurso assenta na motivação que se expõe de seguida, igualmente nos termos e para os efeitos do n.° 2 do artigo 73.° do RGCO (…)».
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O Ministério Público respondeu nos seguimentos termos:
« 1. O recorrente entende ser a sentença recorrível socorrendo-se para tanto da previsão do art. 73°, n° 2, do RGCO: aceitação pelo tribunal da Relação do recurso quando este "se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito'' ([8]). Invoca para tanto seis razões:
i) a admissibilidade do recurso deve ser aferida à luz do art. 73°, n° 2 do RGCO, aplicável, por força do art. 232° do RGICSF e não à luz do art. 45º, n° 2 do CPP;
ii)   trata-se de uma sentença;
iii)   respeita apenas a matéria de direito;
iv)  respeita a questão nova (incidente de recusa dos membros do Conselho da Administração do Banco de Portugal suportado no anúncio ao país da resolução do BES na conferência de imprensa do BdP de 03/08/2014, em entrevistas do Sr. Governador à imprensa e notícias veiculadas pela comunicação social respeitantes a decisões do BdP em que o arguido é visado);
v)  relevância da questão (recusa dos membros do CA do BdP, maxime do seu Governador: direito de defesa do arguido, em particular nas dimensões de direito ao recurso para defesa da presunção de inocência);
vi)    questão que extravasa o caso concreto.
2. O recurso para a "melhoria da aplicação do direito" não se basta com a mera divergência jurídica. O ac. da RE. de 22/01/2013, Carlos Berguete Coelho, P° 1 100/09.7LAFAR.E1, refere- se, a propósito, ao "avultamento do desacerto": Não se trata apenas de conseguir uma "melhoria" na aplicação do direito, mas de limitá-lo aos casos de isso ser manifestamente necessário. A um critério de necessidade acrescenta-se uma circunstância de premência, de avultamento do desacerto. Ou seja, além da patente apreensibilidade da aplicação defeituosa do direito, crê-se ainda que se deverá verificar um erro jurídico grosseiro para justificar a necessidade a que acorre a intervenção do tribunal superior, como se acentuou no despacho do relator (Fernando Cardoso), de 27.05.2008, no proc. n.° 883/08-1, in www.dgsi.pt, citando o acórdão da Relação de Guimarães de 08.11.2004, no proc. n.° 1073/04 — 1 (www,dgsi.pt). Como refere ainda este Ac. da RE de 22/01/2013, ((Esta acrescida necessidade e com carácter manifesto torna a sua aceitação mais restritiva, vocacionada, pois, para situações em que se afectem direitos do acoimado de forma grave ou para aquelas em que ostensivamente a justiça que mereçam fique fortemente perturbada.)).
O legislador utilizou exactamente a mesma linguagem do art. 73°, n° 2, do RGCO, ao prever no art. 49° n° 2 da Lei 107/2009 de 12/02 que aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social: ((Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.)). Sobre esta norma o Ac. da RP de 24-09-2012, Eduardo Petersen Silva, Proc. 426/11.4TTBGC.P1 considerou ter o sentido da existência da manifesta necessidade de prevenir solução jurídica evidentemente grosseira, errada, indigna ou que comporte efeitos particularmente graves.
O critério razoável e não desproporcionado para aceitar o recurso da sentença judicial proferida em processo de contra-ordenação ao abrigo da norma do art. 73°, n° 2, do RGCO, poderá ser resumido do seguinte modo: «Só é de aceitar o recurso extraordinário a que alude o n.°2 do art. 73.° do RGCO quando se trate de recurso de sentença e quando na decisão recorrida o erro avultar de forma categórica e, pela dignidade da questão, pelos importantes reflexos materiais que a solução desta comporte para os por ela visados e generalidade que importe na aplicação do direito, seja inexoravelmente preciso corrigir aquele» (cfr. o Ac. da RE de 27/05/2008, Ribeiro Cardoso, P. 883/08-1).
3. Resulta assim que a jurisprudência que diretamente tem aplicado a norma do art. 73°, n° 2 do RGCO tem adotado um critério que se afasta dos parâmetros da revista excecional do CPC. Associa-se agora a "manifesta necessidade" ao erro judiciário e não à dilucidação de uma "vexata quaestio" e, quanto ao requisito da "melhoria do direito", exige-se que a questão tenha um mínimo de dignidade, para tanto sendo enfatizados dois aspetos: as consequências nos diretamente interessados e que a dilucidação da questão extravase o caso concreto.
4. No caso dos autos estamos perante uma sentença mas que não constitui a decisão final. O arguido não pretende fazer valer urna mera discordância nem ela é meramente interpretativa; considera que existe um erro ostensivo face à aplicação direta do CPP; trata-se de questão que tem dignidade para ser apreciada face aos contornos que fundamentam a sua pretensão e face ao tratamento jurídico que lhe foi dado pelo TCRS.
5. No Ac. da RL de 01/03/2016, José Adriano, P. 205/15.0 YUSTR.L.1 (sentença do TCRS que julgou improcedente o recurso do arguido da decisão interlocutória do BdP que indeferiu a tradução de Docs. não essenciais à acusação) a RL considerou que o recurso formulado ao abrigo do art. 73°, 2 do RGCO nunca poderá ter por objeto as decisões impugnadas ao abrigo do art. 55° do RGCO (v. p. 21). No Ac. RL de 01/03/2016, José Adriano, P. 130/15.4 YUSTR.L.1 considerou que o recurso formulado ao abrigo do art. 73°, 2 do RGCO nunca poderá ter por objeto as decisões impugnadas ao abrigo do art. 55° do RGCO (v. p. 24), sob pena de o fundamento que é necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência conduzir à possibilidade de recursos para a Relação de toda e qualquer decisão intercalar.
6. A jurisprudência agora referida não merece reparo, pelo menos no plano formal.
Importa contudo atentar no caso dos autos que é a todos os níveis singular.
Esta singularidade resulta, desde logo, não apenas dos fundamentos da pretensão do arguido mas em particular do facto, insusceptível de ser rebatido, de este não ter atacado qualquer ato ou decisão que tivesse sido praticado pela administração no processo de contraordenação do BdP (eco …/…/CO e Apenso …/…/CO do BdP), como foi demonstrado pelo MP no recurso que interpôs, o que implica a absoluta falta de jurisdição do tribunal.
O caso é de tal modo original porquanto não foi sequer decidido nos termos do art. 55° do RGCO mas directamente ao abrigo do CPP. Não admira, pois, corno resulta de fls 1442, que ao apresentar os autos o MP não tivesse conseguido enquadrar normativamente o requerimento de fls 4 a 44 apresentado pelo arguido, no qual este suscitou a recusa dos membros do conselho de administração do BdP. Logo ali o MP suscitou a questão prévia da falta de competência material do TCRS para apreciar o requerimento do arguido.
7. O exercício do TCRS no processo consistiu em socorrer-se directamente do CPP para apreciar o requerimento do arguido. Mas não se limitou a aplicar directamente o CPP para apreciar de fundo, como ainda inovou ao ponto de criar o procedimento de "recurso de medidas da autoridade administrativa" directamente importado do próprio CPP. Quer dizer, o CPP serviu para resolver a questão de fundo e serviu também de lei de processo, com desconsideração total do RGCO([9]).
7.1. Foi segundo esta Lei de processo do CPP, aplicada por interpretação ad hoc do TCRS, que este considerou ser irrecorrível ([10]) a decisão (segundo o próprio com fundamento no art. 45°, n° 6 do CPP) e se considerou competente para conhecer a questão prévia da legitimidade da sua própria intervenção. Daí que o TCRS tivesse afirmado no despacho de 21/12/2018
«Ou seja, em nenhum momento este Tribunal caracterizou o presente recurso como recurso de medidas da autoridade administrativa nem integrou o recurso no âmbito das disposições dos artigos 213.° e 229.° do  RGICSF, tendo apenas, de modo expresso, aplicado aquela tramitação processual por falta de outra aplicável» (sublinhado do subscritor).
7.2. O TCRS socorreu-se do art. 45.°, n.° 1 al. a) do CPP por aplicação direta da norma do art. 41° do RGCO. Ora, para aplicar o RGCO, aqui incluído o art. 41° do RGCO, era necessária uma norma legal de atribuição de jurisdição ao TCRS que o legitimasse a fazer uso do RGCO, a qual inexiste. Dito de outro modo, para aplicar o RGCO, ainda que somente o seu art. 41°, seria necessário que existisse uma porta de entrada no próprio RGCO, porta esta que no plano formal passa pela existência de uma norma atributiva de jurisdição ([11]). Ora, fora do crivo dos artigos 229° do RGICSF, 55°, n° 1 do RGCO e 112°, n° 1 da LOSJ essa norma não existe. As únicas normas que poderiam conceder ao TCRS tal "passaporte" seriam justamente estas normas dos artigos 229° do RGICSF, 55°, n° 1 do RGCO e 112°, n° 1 da LOSJ preenchidos que fossem os seus pressupostos, o que não aconteceu como demonstrado no recurso.
Por isso se concluiu, no recurso do MP, que o arguido procurou obter do TCRS uma decisão de recusa dos membros do CA do BdP e a consequente declaração de nulidade de todos os atos praticados no P° …/…/CO e Apenso sem atacar nenhum ato em concreto que tivesse sido praticado pelo BdP no processo, circunstância que é condição expressa de atribuição do exercício da função jurisdicional ao TCRS, por força das normas imperativas dos artigos 229° do RGICSF, 55°, n" 1 do RGCO e 112°, n° 1 da LOSJ, às quais o TCRS deve obediência decorrente, no plano material, do princípio do Estado de Direito, e, no plano formal, dos arts. 1° e 203° in fine da CRP e do art. 43° do RGCO, este ex vi art. 232° do RGICSF, o que demandava a rejeição liminar do requerimento do arguido.
Nem a norma do art. 41° do RGCO nem as normas do CPP invocadas pelo Tribunal são atributivas de competência e menos ainda de jurisdição.
O Tribunal criou ele próprio a sua jurisdição.
8. É justamente esta circunstância que constitui o fundamento mais acertado, no nosso humilde ponto de vista, para legitimar a intervenção da Relação.
Como afirmado a parte final do ponto 8. Da reclamação do MP apresentada a 15/01/2019, o tribunal que carece de jurisdição não está em condições de obstar, sob qualquer pretexto, a que o tribunal hierarquicamente superior, para efeito de recurso das suas decisões, aprecie o vício de falta de jurisdição, em particular a sentença, ponto culminante da intervenção anómala apontada. Tendo esta sido prolatada "em estado de falta de jurisdição" não pode a mesma deixar de ser atacada e ser conhecido o vício que a inquina.
É com este fundamento que o MP considera dever ser apreciado o recurso interposto pelo arguido.».
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Foi emitido parecer que entendeu que o recurso devia ser recebido por estar em tempo e nada obstar ao seu conhecimento, e declarou concordância com o entendimento do MP, na contra-alegação, de que a decisão e o processado é inexistente por falta de jurisdição.
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II- Questões a decidir:
A questão colocada pelo recorrente é a existência de pressupostos da aplicação do regime excepcional de recurso, a que se reporta o artigo 73º/2, do RGCO, que legitimam o recurso que interpõe da decisão que decidiu um incidente de recusa deduzido contra o Governador do Banco de Portugal.
O MP, na resposta que aduz, coloca a questão da falta de jurisdição do Tribunal.
O Exmº Procurador Geral Adjunto entende que o recurso deve ser recebido e emite parecer quanto ao mesmo, com reporte para o entendimento desenvolvido na contra-motivação, de falta de jurisdição.
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III- Fundamentação de facto:
Há que considerar que:
1. O recurso cuja admissão se pretende versa sobre a decisão, proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que julgou improcedente um incidente de recusa dos membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal para intervir e decidir o processo contra-ordenacional n.º …/…/CO por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança e suspeita sobre a sua imparcialidade.
2. Tal decisão foi proferida a 06-12-2018.
3. Quando o Ministério Público apresentou os autos a juízo, suscitou a incompetência material do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão para conhecer do recurso.
4. Foi proferido despacho, a 20-09-2018, que se contem, entre o mais, nos seguintes termos: « No seguimento da nossa fundamentação vertida na sentença proferida no processo n.º 24/18.1YUSTR relativa a um incidente de recusa de Director do Departamento de Averiguação e Acção Sancionatória do BdP, e especialmente no que respeita à identificação do regime processual aplicável à decisão de indeferimento do incidente (e por adesão crítica ao entendimento vertido no processo n.º 373/17.6YUSTR), afigura-se-nos que, se o regime processual directamente aplicável aos processos de contra-ordenação e previsto nos RGICSF e no R.G.CO. não prevê qualquer regime adjectivo para o conhecimento de incidentes de recusas/suspeição de instrutores de processo sancionatórios de Direito de Mera Ordenação Social (DMOS), então o duplo teste da subsidiariedade do C.P.P. previsto no art.º 41.º, n.º e 2 do R.G.CO., demanda a aplicação ao caso do regime previsto nos artigos 39.º a 47.º, todos do C.P.P., visto que o incidente de recusa se dirige contra o órgão colegial que superintende o processo contra-ordenacional na fase administrativa e enquanto órgão com competência decisória condenatória. Pelo exposto, por aplicação subsidiária do art.º 45.º, n.º 1 al. a) do CPP, afigura-nos que este Tribunal é materialmente competente.».
5. Desse despacho não foi deduzido recurso nem reclamação.
6. O Ministério Público apresentou recurso da decisão ora recorrida, recurso esse que não foi admitido, por despacho proferido nos seguintes termos «Salvo o devido respeito, de acordo com o regime processual definido no despacho de 20-09-2018, este Tribunal consignou a sua competência material por aplicação subsidiária do art.º 45.º, n.º 1 al. a) do CPP, tendo sido foi proferido despacho a admitir o presente incidente de recusa dos membros do conselho de administração do Banco de Portugal.
Mais se disse nesse despacho, que considerando que o regime processual directamente aplicável aos processos de contra-ordenação e previsto nos RGICSF e no R.G.CO. não prevê qualquer regime adjectivo para o conhecimento de incidentes de recusas/suspeição de instrutores de processo sancionatórios de DMOS, afigura-se-nos que a melhor garantia da tramitação processual deve seguir o figurino processual dos recursos de medidas da autoridade administrativa, tendo-se determinado a correcção da autuação na capa como Incidente de recusa e considerando que é do nosso conhecimento funcional a impossibilidade de registo e autuação de espécie processual diferente daquelas que se encontram disponíveis.
Ou seja, em nenhum momento este Tribunal caracterizou o presente recurso como recurso de medidas da autoridade administrativa nem integrou o recurso no âmbito das disposições dos artigos 213.º e 229.º do RGICSF, tendo apenas, de modo expresso, aplicado aquela tramitação processual por falta de outra aplicável.
Na sentença, este entendimento foi reiterado, afirmando-se que, se o regime processual directamente aplicável aos processos de contra-ordenação e previsto nos RGICSF e no R.G.CO. não prevê qualquer regime adjectivo para o conhecimento de incidentes de recusas/suspeição (...), então o duplo teste da subsidiariedade do C.P.P. previsto no art.º 41.º, n.º e 2 do R.G.CO., demanda a aplicação ao caso do regime previsto nos artigos 39.º a 47.º, todos do C.P.P., visto que o incidente de recusa se dirige contra os membros do órgão colegial que superintende o processo contra-ordenacional na fase administrativa e enquanto órgão com competência decisória condenatória, concluindo-se que não só o presente incidente se afigura admissível, como a aplicação subsidiária do regime processual dos art.º 43.º, n.º 1, 44.º e 45.º, n.º 1 al. a) do CPP demanda que seja este Tribunal a decidir do incidente.
Sublinhando a circunstância do Ministério Público não ter interposto qualquer recurso do despacho de 20-09-2018, inferindo-se conformação processual com o despacho que declarou a competência material do Tribunal e com o despacho que admitiu o presente incidente de recusa, resulta que, nos termos do art.º 46.º, n.º 6 do CPP, aplicado subsidiariamente, a decisão que julgou o incidente de recusa é irrecorrível.
Se é assim para incidentes de recusa de juízes, não vemos razão para não o ser neste processo em que se apreciou a imparcialidade de membros do conselho de administração do Banco de Portugal, atendendo a todo o racional exposto sobre a aplicação daquele regime processual perante a lacuna no R.G.CO. e no RGICSF.
Pelo exposto, por manifesta irrecorribilidade, não admito o recurso do Ministério Público de 20-12-2018 (ref.ª 35584). ».
7. Sobre o referido despacho não recaiu reclamação.
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IV- Fundamentos de direito:
A questão que se suscita, no momento, é apenas aferir da admissibilidade do recurso, interposto ao abrigo do artigo 73º/2, do RGCO (que é o diploma a que nos referimos, à falta de especificação em contrário).
O recorrente entende que a admissão do recurso se impõe por a decisão do mesmo se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, mediante a invocação de sete fundamentos, a saber:
i) Ao presente recurso é aplicável o regime processual contido no RGCO, por força do artº 232° do RGICSF e não o regime do art. 45º/2, do CPP, por não haver lacuna a ser preenchida nos termos do processo penal;
ii) Decorre do artº 45º/1-a), do CPP que o incidente de recusa é apreciado em primeira linha, por um Tribunal Superior o que não sucedeu com o incidente em causa, apreciado por um Tribunal de 1ª instância;
iii) Em causa está o recurso de uma sentença pelo que se verifica o primeiro requisito previsto no n° 2 do artigo 73° do RGCO;
iv) O recurso respeita apenas a matéria de direito, designadamente, à violação do artigo 43º/1, do CPP (ex vi artigo 41º/1, do RGCO e artigo 232° do RGICSF) do artigo 6º/1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ("CEDH");
v) O recurso respeita a questão nova e, portanto, a decisão do recurso é manifestamente necessária ao desenvolvimento e estabilidade na aplicação do direito;
vi) A questão suscitada no presente recurso é relevante para a decisão da causa;
vii) A questão suscitada no presente recurso é passível de abstracção, na medida em que permite saber qual o critério e em que medida é que as declarações públicas do decisor da entidade administrativa sobre a conduta do arguido em processo contra-ordenacional comprometem a sua imparcialidade objectiva, sobretudo se tais declarações são feitas antes do início do processo contra-ordenação e da acusação da fase administrativa.
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Atentando no regime aplicável à questão da admissibilidade do recurso em processo de contra-ordenação verifica-se que o mesmo vem definido nos termos dos artigos 73º a 75º do RGCO, sendo subsidiariamente aplicável o regime do processo penal, por força do artigo 74º/4, do mesmo diploma. E desse regime especial de recurso, decorrente do RGCO, resulta que, por princípio, as decisões são irrecorríveis para o Tribunal da Relação, só sendo admitido recurso mediante o preenchimento de dois requisitos: tratar-se de despacho judicial proferido nos termos do artigo 64º ou de impugnação judicial rejeitada (cf artigo 63º/2) e verificar-se uma das circunstâncias a que se referem as várias alíneas do nº 1 do normativo.
Este princípio de irrecorribilidade prende-se, naturalmente, com a natureza célere do processo que, normalmente, apenas afecta direitos de natureza patrimonial.
Significa isto que só há recurso para o Tribunal da Relação de decisões que conheçam de uma condenação ou absolvição, verificados determinadas condições de recorribilidade atinentes à natureza ou montante da coima, ou da rejeição de impugnação judicial.
Contudo, nos termos, do artigo 73º/2, admite-se a possibilidade de recurso de sentença final apenas quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, mediante dedução prévia de requerimento, do arguido ou do Ministério Público, que justifique tal necessidade (artigo 74º/2, do RGCO) e despacho que aceite o recurso - que constitui decisão da questão prévia, já que o deferimento é condição de prosseguibilidade (artigo 74º/3).
Ora, tal admissibilidade exige a verificação de determinados requisitos, quais sejam:
i- Tratar-se de um recurso de sentença não subsumível à previsão do nº 1 do artigo 73º, o que é dizer, de sentença com as mesmas características da sentença a que se reporta esse nº 1, ou seja, que conheça de mérito da decisão proferida no âmbito de processo de contra-ordenação (artigo 64º) ou de impugnação judicial rejeitada.
A este propósito refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no processo 1100/09.7EAFAR.E1, que «Visam-se aqui, predominantemente, interesses de ordem pública para obviar a erros manifestos na interpretação e na aplicação do direito. Com efeito, da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do referido art. 73.º, resulta que o recurso, ao abrigo do alegado n.º 2 deste preceito, só é admissível no tocante a sentença que tenha sido proferida nos termos do artigo 64.º, o que significa que tem de pôr termo ao processo, podendo ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação (n.º 3 desse art. 64.º).
Na verdade, todos os casos aludidos no n.º 1 do art. 73.º se reportam a situações de decisão final, à excepção do específico da sua alínea d) – rejeição da impugnação -, já previsto, como referido, no art. 63.º e, quando no seu n.º 2 se estabelece Para além dos casos enunciados no número anterior, isso tem de interpretar-se como excluindo esses casos, mas já não o de se destinar a sentença proferida nos termos indicados.
Neste sentido, pode ver-se Simas Santos/Lopes de Sousa, in “Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral”, Vislis, 2006, pág. 477.
Embora salvaguardando a faculdade desse recurso perante a excepcionalidade das situações a que se destina, revela-se que a atribuição da mesma alargada a outras decisões que não ponham termo ao processo colide com a geral restrição em matéria de recorribilidade e não se justifica, dadas as suas importantes finalidades, para decisões sem a característica de decisões finais»;
ii- Estar em causa uma questão de direito, o que, quanto ao segmento de «melhoria da aplicação do direito» vem sendo entendido mediante a subsunção a um tríplice requisito, a saber: a questão ser relevante para a decisão da causa, ser uma questão necessitada de esclarecimento, e ser passível de abstracção.
iii- Tratar-se de um caso de manifesta necessidade, ou seja, em que se conjuga um critério de necessidade com outro, de premência, por «avultamento do desacerto». Ou seja, é necessário que haja uma situação de erro claro por grave violação de lei ou reiterada violação de lei, que a torne inoperante, isto é, uma patente aplicação defeituosa do direito, por ser manifesta a existência um erro jurídico grosseiro.
Esta exigência torna a aceitação do recurso substancialmente restritiva, cabida apenas em situações em que os direitos do acoimado sejam manifestamente atingidos de forma grave, ostensivamente contra lei, e cuja manutenção implique forte perturbação na aplicação da justiça ao caso concreto.
Tutelam-se, predominantemente, interesses de ordem pública para obviar a erros manifestos na interpretação e na aplicação do direito.
Significa isto que o recurso em causa não tem cabimento em face de simples alegação de erro de direito.
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Aplicado o regime descrito ao caso concreto e, tomando em consideração a argumentação aduzida, supra enunciada, conclui-se que em causa não está o recurso de uma sentença, nos termos em que é definida pelo artigo 64º e 73º/1.
Está em causa uma decisão final de um pedido de recusa, formulado no âmbito de um processo de contra-ordenação, em que se pretende ver declarada a nulidade de todos os actos praticados pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal. Ou seja, a decisão sob recurso, quer tenha sido apelidada como sentença pelo Tribunal recorrido, quer não, não tem, seguramente, a natureza de sentença final, proferida sobre o mérito da imputação de contra-ordenação, susceptível de recurso ao abrigo da norma contida no artigo 73°/2, do RGCO, factor que torna, inelutavelmente, improcedente a pretensão de recurso.
Não se confunda decisão de um incidente com decisão da causa, sendo que só relativamente à segunda o RGCO admite a existência de recursos, em casos contados. Aliás, o próprio recorrente faz essa distinção ao dizer que a questão «é relevante para a decisão da causa»!
Contudo, e ainda que assim não fosse;
i- O recorrente, não obstante invocar a inaplicabilidade do regime do artigo 45º/CPP que versa acerca da irrecorribilidade da decisão que conhece do pedido de recusa (nº 6) invoca o mesmíssimo preceito como fundamento da pretensa necessidade de o incidente ser conhecido por um Tribunal Superior. Terá que se decidir, na conformidade, se o preceito é aplicável, ou não (ainda que por interpretação extensiva ou analógica) porque entendendo que não é não tem fundamento a argumentação com reporte à letra e espírito do mesmo e entendendo que é, há que reconhecer a irrecorribilidade da decisão, nos termos do respectivo nº 6.
ii- No caso, transitado que foi em julgado o despacho que recebeu o incidente ao abrigo do regime dos artigos 39º a 47º, do CPP, conforme contido em 4. dos factos a considerar, há que entender que se fixou caso julgado formal sobre a questão da aplicabilidade, por inteiro, do regime referido, o que significa dizer que é aplicável o preceito que determina a irrecorribilidade da decisão sobre o incidente.
É que a lacuna, no âmbito o RCGO não é relativa à questão de recursos mas de todo o procedimento relativo ao incidente de recusa.
Ora, nos termos do artigo 41º/RGCO os preceitos reguladores do processo criminal são subsidiariamente aplicáveis, ainda que devidamente adaptados à natureza do processo contra-ordenacional que, quanto à matéria de recursos, é bem mais restritivo do que o processo penal. Daqui resulta a aplicabilidade, em bloco, do regime do processo penal.
Não pode o recorrente pretender utilizar determinado instituto jurídico na parte em que lhe é favorável (no caso, a arguição de recusa, nos termos do processo penal) e depois recusar a aplicação de uma determinada norma, porque lhe é desfavorável. Esta é uma leitura inadmissível das decorrências da regra da subsidiariedade do regime processual penal.
 Ademais, a adaptação do regime da recusa, contido no CPP, ao domínio das contra-ordenações, tem que ser feita tendo em consideração a globalidade do sistema jurídico (artigo 9º/CC). E, prevendo o regime das contra-ordenações que o Tribunal da primeira instância, de competência genérica ou especializada, funcione como Tribunal de recurso (cfr. artigo 61º) e o Tribunal da Relação como Tribunal de última instância (cfr. artigo 75º/1), a referida adaptação teria por resultado que o Tribunal imediatamente superior a que o artigo 45º/1-a), do CPP, se refere, seja precisamente o Tribunal de primeira instância.
iii- O facto de o recurso se reportar apenas a matéria de direito não o torna manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito.
A questão de direito que o recorrente invoca é a aplicação do artigo 43º/1, do CPP, na perspectiva do artigo 6º/1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Ora, segundo o próprio recorrente, a questão colocada nunca antes foi decidida, o que afasta o requisito de reiteração de erro. 
E, apreciados os termos da sentença, não se vislumbra qualquer aplicação contra legem ou jurisprudência fixada do artigo 43º/1, do CPP, quer analisado de per se, quer analisado na perspectiva do artigo 6º/1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Ou seja, não se vislumbra desacerto, quanto menos «avultamento do desacerto».
 iv- Diz o recorrente que a questão é nova (e, portanto, a decisão do recurso é manifestamente necessária ao desenvolvimento e estabilidade na aplicação do direito) porque não conhece decisão de incidente de recusa dirigido ao conselho de administração do Banco de Portugal.
Mas esta é uma falsa argumentação.
A novidade da questão tem que ver, quanto muito, com as concretas pessoas a quem o incidente se dirige, ainda que definidas pelo cargo que ocupam.
Não é esta a perspectiva da norma.
Admitindo que a novidade pudesse ser um requisito ponderável para a solução da questão, ela teria que se reportar à questão jurídica relevante para os termos do recurso, que é, precisamente, e nas palavras do recorrente, os termos da aplicação do artigo 43º/1, do CPP. Ora, sobre a matéria há inúmera jurisprudência, tomada sobre casos de recusa de Juízes, cujos contornos são aplicáveis, devidamente adaptados, aos órgãos decisores de matéria contra-ordenacional. E essa adaptação implicaria sempre uma exigência de mais ponderosos motivos que fundamentem uma decisão de recusa, como decorrência da natureza menos célere, formal e garantistica deste tipo de processos.
Temos, portanto, por assente, que os motivos susceptíveis de determinar, de acordo com a norma, a recusa no caso, não tem contornos que lhes torne inaplicável a jurisprudência abundantemente proferida pelos Tribunais acerca da recusa de Juízes, no âmbito de processos judiciais.
Ou seja, nem a questão é nova nem é necessária ao desenvolvimento e estabilidade na aplicação do direito.
v- Por fim, o recorrente argumenta com susceptibilidade de abstracção da decisão que sobre o recurso viesse a ser tomada, na medida em que permitiria saber qual o critério e em que medida é que as declarações públicas do decisor da entidade administrativa sobre a conduta do arguido em processo contra-ordenacional comprometem a sua imparcialidade objectiva, sobretudo se tais declarações são feitas antes do início do processo contra-ordenação e da acusação da fase administrativa.
A possibilidade de abstracção em causa é equivalente àquela abstracção que se pode retirar que casos semelhantes, verificados em face de comportamentos de Juízes invocados como fundamento de recusa, pelo que nem é necessária nem especialmente relevante quanto à jurisprudência futura.
Atentas as razões expostas, impõe-se o indeferimento do requerimento, do que decorre que o recurso é considerado sem efeito (art. 74º/3, do RGCO).
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O MP, ao responder aos termos do requerimento, faz entroncar a questão na falta de jurisdição do Tribunal.
A questão da jurisdição do Tribunal mostra-se decidida por despacho transitado em julgado.
O MP voltou a ela, em sede de recurso que interpôs da decisão do indeferimento da recusa, recurso esse que não foi admitido. Significa isto que não é objecto deste recurso a apreciação da referida questão.
Na conformidade, a resposta do MP há que ser aceite, apenas e exclusivamente, nos precisos termos em que versa sobre os termos da recorribilidade do despacho.
O parecer confunde a questão da recorribilidade do despacho com o teor do recurso, o que é dizer que não se pronunciou sobre a questão em apreço, neste momento. Ademais, adere à questão da pressuposta falta de jurisdição, que não está compreendida no âmbito do recurso.
Ora, em face da falta de verificação dos pressupostos de que a norma faz depender a admissão do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 73º/2, do CPP, nada mais se nos colhe dizer, sobre a referida matéria.
***
                               ***
V- Decisão:
Decide-se, pois, indeferir o requerimento em causa, considerando o recurso sem efeito.
Custas do pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três ucs, a que acrescem três ucs, nos termos do artigo 420º/4, do CPP.
                                                                                                                                   ***
Lisboa, 11/ 02/2019

Texto processado e integralmente revisto pela relatora.

Maria da Graça M. P. dos Santos Silva

[1] Cfr. factos provados "A" a "D" das páginas 4 e 5 da sentença recorrida.
[2] Cfr. factos provados V a "M' e "S" a "U" das páginas 4 e 5 da sentença recorrida.
[3] Tradução livre do original do inglês do § 308 do Guide on Article 6 of the European Convention on Human Rights (Right to a fair "Article 6 § 2 is aimed at preventing the undermining of a fair criminal trial by prejudicial statements made in dose connection with those proceedings" (página 57 do Guia disponível no site do TEDH: https://www.echr.coe.int/Documents/Guide Art 6 criminal ENG.pdf).
[4] Directiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março de 2016, relativa ao reforço de certos aspectos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal.
[5] Cfr. factos provados "J" a "M" e "S" a "U" das páginas 4 e 5 da sentença recorrida.
[6] A Lei Orgânica do Banco de Portugal foi aprovada pela Lei n.° 5/98, de 31 de Janeiro, com as alterações sucessivamente introduzidas por diversos Decretos-Leis e Leis, até à última alteração introduzida pela Lei n.° 39/2015. de 25 de Maio.
[7] Aliás, o próprio site do Banco de Portugal contém um espaço reservado, exclusivamente, aos "Mediar, com comunicados desta entidade administrativa, do Senhor Governador do Banco de Portugal e do Conselho de Administração (https://www.boortugalot/).
[8] O recorrente não coloca a questão em termos de "promoção da uniformidade da jurisprudência a que alude a parte final deste número 2.
[9] Cfr. o 5° § da 2" lauda do despacho de 20/09/2019, a fls 1514, confirmado no despacho de 21/12/2218 entretanto reclamado pelo MP «Mais se disse nesse despacho, que considerando que o regime processual directamente aplicável aos processos de contra-ordenação e previsto nos RGICSF e no R. G. CO. não prevê qualquer regime adjectivo para o conhecimento de incidentes de recusas/suspeição de instrutores de processo sancionatórios de DIVOS, afigura-se-nos que a melhor garantia da tramitação processual deve seguir o figurino processual dos recursos de medidas da autoridade administrativa, tendo-se determinado a correcção da autuação na capa como Incidente de recusa e considerando que é do nosso conhecimento funcional a impossibilidade de registo e autuação de espécie processual diferente daquelas que se encontram disponíveis».
[10] Em contraste aceitou o recurso do arguido formulado ao abrigo do art. 73°, n° 2 do RGCO. Uma vez mais é singular este convívio simultâneo e paralelo de dois regimes processuais diferentes, o que explica a ausência de precedente a tal respeito.
[11] No plano material, a definição, conformação e atribuição da "jurisdição" decorre do art. 202° da CRP. Como referiu o Ac. do TC 510/2016, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.' ed., Coimbra Editora, 2010, anot. VI ao art. 202.°, p. 509, «O conceito constitucional de função jurisdicional pressupõe, portanto, a atribuição da função jurisdicional a determinadas entidades (magistrados) que atuam estritamente vinculados a certos princípios (independência, legalidade, imparcialidade)».