Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22310/11.1T2SNT.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: QUESTÃO NOVA
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
IMÓVEL
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
ÓNUS DA PROVA
DEFESA POR IMPUGNAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESTAÇÃO DE FACTO DE TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Não têm de ser consideradas, na fase de recurso, alterações do pedido e/ou da causa da pedir só deduzidas nesta fase.
II. “Aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas […] mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.” Isto sem prejuízo dos “[o]s tribunais de recurso pode[rem], […] conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso […]”.
III. Em princípio é resolutiva a condição aposta num contrato-promessa em que as partes assumem obrigações e iniciam o cumprimento das mesmas.
IV. Se estivesse em causa um contrato sujeito a condição resolutiva, a autora só poderia obter a restituição do sinal entregue caso alegasse e provasse (art. 342/1 do CC) que o facto futuro e incerto (no caso, a não aprovação da operação de loteamento) a que a resolução dos efeitos tinha sido subordinada se tinha verificado.
V. O art. 343/3 do CC não se aplica ao caso do adquirente sob condição resolutiva vir ele próprio invocar a verificação da condição resolutiva, pois que, neste caso, a regra a aplicar é a do art. 342/1 do CC, cabendo-lhe a ele o ónus da prova da verificação da condição resolutiva como facto constitutivo do seu direito à restituição daquilo que tiver prestado.
V. Se estivesse em causa um contrato sujeito a condição suspensiva (que no caso seria a aprovação do loteamento), a autora só poderia obter a restituição do sinal, se alegasse e provasse (art. 342/1 do CC) a certeza de que a condição se não podia verificar (art. 275/1 do CC).
VII. “Na condição suspensiva potestativa, a actividade prevista é um ónus [não uma obrigação] do beneficiário.”
VIII. Quando a ré vem alegar na contestação que a celebração do contrato prometido estava dependente de uma condição, não estava a excepcionar a existência desta, mas sim a fazer uma interpretação diferente das cláusulas contratuais invocadas pela autora e aceites pela ré. Assim, essas cláusulas contratuais ficaram provadas e aquilo em que havia litígio era entre a versão da autora que apresentava o contrato como puro, não condicionado, e a versão da ré que, com base nos mesmos factos (as cláusulas contratuais), o considerava um negócio condicional. Não se está, pois, perante uma defesa por excepção, mas sim perante uma defesa por impugnação de direito (art. 487/2 do CPC)
IX. A situação seria diferente se a autora se tivesse limitado a invocar o contrato sem a condição (quando isto fôr materialmente possível) e a ré tivesse admitido o contrato mas invocasse cláusulas de que decorresse a condição [suspensiva]. Aqui, segundo a maioria da doutrina tratar-se-ia de uma defesa por excepção e caberia à ré alegar e provar a existência da condição.
X. A jurisprudência tem considerado que existe condição quando as partes estipulam expressamente que condicionam o contrato a dado evento futuro e incerto, ou, especificamente para a condição resolutiva, que, no caso da verificação daquele evento futuro e incerto, o contrato ficará sem efeito, ou quando prevêem para essa hipótese o efeito da restituição em singelo ou da reversão dos bens. O que não é o caso dos autos.
XI. No caso dos autos o que existe é uma obrigação implícita a cargo da ré de prestação de facto de terceiro (a aprovação de uma operação de loteamento por uma autoridade pública), cujo incumprimento culposo daria origem a responsabilidade obrigacional (arts. 798, 799, 801 e 808 e ainda 442, todos do CC, por no caso se estar perante um contrato promessa), ou cuja impossibilidade absoluta superveniente, não imputável ao devedor, daria origem à extinção da prestação (arts. 790/1 e 795/1 do CC) e não o regime jurídico das condições (arts. 270 e segs).
XII. O contrato-promessa não pode ser resolvido só com base na mora da outra parte e no caso nem sequer existe mora por as partes não terem estabelecido prazo para o cumprimento da prestação e a natureza desta tornar necessário esse estabelecimento (art. 777/2 do CC), a ser fixado, se necessário, pelo tribunal (arts. 1456-1457 do CPC).
XIII. “Não há que conhecer, nem das questões versadas no arrazoado que antecede as conclusões mas não estão contidas nestas, nem das que apenas nestas, e não naquele arrazoado, figuram.”
(da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

A “A” – Sociedade de Construções, Lda (= autora), intentou a presente acção contra a Sociedade de Construções e Urbanizações “B”, Lda (= ré), alegando, em síntese, que em 31/7/1997 celebrou com esta um contrato promessa de compra e venda de um lote de terreno a constituir num loteamento da ré, tendo entregue à ré a título de sinal e princípio de pagamento 82.301,65€, ficando o remanescente de ser pago com a outorga da escritura de compra e venda, a celebrar 90 dias após a licença de construção se encontrar a pagamento; desde aí nunca mais recebeu notícias da ré; a 19/10/2010 pediu, por carta, à ré que a informasse da situação concreta do processo de loteamento, tendo em resposta a ré informado que se previa que o mesmo estivesse concluído até ao final do primeiro semestre de 2011, o que não sucedeu, havendo assim que concluir que a ré não tomou, culposamente, as medidas necessárias para que o negócio se realizasse; pelo que a autora resolveu o contrato, por carta de 25/7/2011, tendo por isso direito a receber o sinal entregue, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal; pede que se reconheça aquela resolução e a ré seja condenada a satisfazer este direito.
A ré contestou, por impugnação, alegando, em síntese, que as cláusulas do contrato consubstanciavam a subordinação da obrigação de celebrar o prometido contrato de compra e venda a uma condição, condição que ainda não se verificou, apesar de a ré ter vindo a desenvolver todos os esforços para que a mesma se produza, apresentando à Câmara Municipal (= CM) respectiva todos os elementos pela mesma pedidos para que a operação de loteamento possa ser aprovada; informou a autora desses seus esforços e seu resultado quando pela mesma solicitada; conclui que não faltou ao cumprimento do contrato-promessa e por isso a autora não o podia resolver, pelo que deve ser absolvida do pedido. Nota-se que a ré nunca qualificou a condição que invoca ou como suspensiva ou como resolutiva.
A autora, entendendo que a ré tinha deduzido uma excepção peremptória, replicou, dizendo, em síntese, não ter de saber se a responsabilidade pelo atraso na aprovação da operação de loteamento pertence à CM, antes resultando que nenhum processo camarário demora catorze anos a ser aprovado, pelo que competia à ré providenciar para que a CM não demorasse todo esse tempo, sendo assim a ré a única responsável pelo atraso. Conclui pela improcedência da excepção peremptória.
A ré levantou então a questão da inadmissibilidade da réplica, ao que a autora respondeu em sentido contrário, pedindo a condenação da ré como litigante de má fé, por vir retardar o andamento dos autos, entorpecendo a acção da justiça e protelando o trânsito em julgado da decisão. Depois foi a vez da ré vir responder, pugnando pela improcedência deste pedido
Após ter sido proferido despacho que determinou a admissibilidade processual da réplica apresentada (considerando que a ré tinha trazido para a acção factos novos), veio a autora requerer a intervenção da CM de Sintra, do que, depois, desistiu.
Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença, julgando-se a acção improcedente e, em consequência, absolveu-se a ré dos pedidos.
A autora interpôs recurso desta sentença – para que seja revogada, por nula, e substituída por outra que decrete a resolução do contrato-promessa e condene a ré a restituir o sinal com juros – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)

A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso; no essencial refere que grande parte das questões levantadas pela autora são questões novas que não cabe ao tribunal de recurso conhecer e, quanto ao mais, que não está provado o incumprimento contratual da sua parte que permitisse à autora resolver o contrato, nem sequer a mora, tanto mais que a condição estipulada pelas partes ainda não se tinha verificado.
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Questões que importa decidir: da nulidade da sentença; do erro sobre a base do negócio ou da alteração das circunstâncias; da não verificação da condição suspensiva; do incumprimento da obrigação. Quanto ao que consta das conclusões 24 a 35, diga-se que elas não colocam quaisquer questões a decidir, como se explicará a final.
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Da nulidade da sentença
Conclusão 20 e parte da conclusão 23
A autora pretende que, com base nos factos provados, o tribunal devia ter tirado uma conclusão de direito oposta à que tirou.
A norma invocada, que é antes a al. c) do art. 668/1, diz que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Explicam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto que “[e]sta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.” (CPC anotado, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 704).
Não há pois a oposição pretendida, o que também é afirmado pelo tribunal recorrido no despacho que proferiu sobre esta invocada nulidade.
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Para a apreciação das restantes questões colocadas, importa ter presente os factos dados como provados que são os seguintes [os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos]:
A) a D) Em 31/7/1997 a autora e a ré celebraram o que denominaram “Contrato promessa de compra e venda de bem futuro”, com, entre outras, as seguintes cláusulas [como o documento foi dado por reproduzido, transcrevem-se aqui as cláusulas relevantes em vez do conteúdo das alíneas A) a D) dos factos assentes; a 1ª outorgante ou promitente vendedora é referida como ré e a 2ª outorgante ou promitente compradora como autora – parênteses acrescentado por este acórdão]:
1ª - A ré é dona e legítima proprietária dos terrenos para onde foi aprovada, no âmbito do Plano Director da CM de Sintra, a 2ª fase da Urbanização da T... ..., em reunião de Câmara de 22/02/1995.
2ª - A citada urbanização, aguarda a homologação do PD pelo Governo Central, afim de poder ser emitido o respectivo Alvará de Loteamento e aprovados os ante-projectos existentes para os futuros lotes.
3ª - Ambas as outorgantes conscientes da situação em que se encontra o processo do loteamento, acordam entre si pelo presente contrato o seguinte:
A ré promete vender à autora, que por sua vez promete comprar, quando os terrenos mencionados na clª 1ª obtiverem o respectivo alvará de loteamento, um lote de terreno com o nº 190, sito na Rua 18, da 2ª fase da T... ..., conforme planta de implantação anexa, onde está previsto construir 27 fogos conforme piso tipo em planta junta, e duas caves de estacionamento.
4ª - O preço do mencionado lote é de 75.500.000$ e será pago da seguinte forma:
a) Como sinal e princípio de pagamento o valor de 16.500.000$ de que se dá a correspondente quitação;
b) 27.000.000$ nos 15 dias seguintes à aprovação do alvará de loteamento.
c) 32.000.000$ 90 dias após a data em que a licença de construção se encontrar a pagamento e com a outorga da escritura de compra e venda.
5ª - A escritura de compra e venda será outorgada em nome da promitente compradora, ou de quem ela indicar, 90 dias após a licença de construção se encontrar a pagamento, avisando a ré a autora, por carta registada com aviso de recepção do dia, hora e Cartório Notarial onde se realizará a mesma.
6ª – A tradição do lote só se efectivará na data acordada entre as partes para a realização da escritura de compra e venda.
[…]”
E) A 19/10/2010 a autora enviou à ré uma carta pedindo que a informasse da situação concreta em que se encontrava o processo de loteamento e qual a data prevista para a celebração da escritura, nos termos do documento junto aos autos a fls. 10, que se dá como inteiramente reproduzido.
F) Respondeu a ré a 05/11/2010, informando que o processo de loteamento se encontrava em fase de conclusão e que se previa que até ao final do primeiro semestre de 2011 o mesmo estivesse concluído, nos termos do documento junto a fls. 12 e seguintes e que se dá por reproduzido.
G) A autora decidiu resolver o contrato promessa celebrado entre elas, em 31/7/1997, tendo-lhe enviado carta registada com aviso de recepção em 25/7/2011, nos termos que constam do documento junto a fls. 13 e seguintes e que se dá como reproduzido [diz-se nela, na parte que interessa: decorreu o prazo mencionado na v/carta {facto F} e mais um ano se passou sem que a escritura fosse marcada. Assim, entende a minha constituinte que toda a razoabilidade para a celebração do negócio está ultrapassada e, por tal motivo, decidiu resolver o contrato com efeitos imediatos – este parênteses foi acrescentado neste acórdão].
H) Na presente data ainda não foi emitido pela Câmara Municipal de Sintra o alvará de loteamento referente à 2ª fase do loteamento da urbanização da T... ..., designada por Quinta da ... e Quinta da ....
I) Tal alvará é condição necessária à constituição dos lotes e concretamente do lote prometido vender.
J) A 04/10/2011 a ré respondeu à carta referida em G), nos termos que constam do documento junto a fls. 107 e que se dá por inteiramente reproduzido.
1. Em 1990 deu entrada junto da Câmara Municipal de Sintra o pedido de licenciamento da operação de loteamento referente à 2ª fase do loteamento da urbanização da T... ....
2. Em reunião camarária de 22/2/1995 foi aprovada uma primeira proposta de loteamento, pela Câmara Municipal de Sintra.
3. Na sequência da aprovação do loteamento e no cumprimento das recomendações camarárias foram feitos ajustes e alterações ao projecto de loteamento.
4. Por ofício de 18/07/2000 o Departamento de Obras Municipais do Município de Sintra emitiu parecer favorável ao projecto de loteamento em causa, condicionado à realização de um protocolo para a elaboração dos projectos e realização das obras previstas no Estudo de Tráfego apresentado pela ré.
5. Em reunião camarária de 23/5/2001 foi aprovada a segunda proposta de loteamento.
6. A aprovação de 23/05/2001 ficou sujeita a uma série de condicionantes.
7. Em 11/12/2001, na sequência do que ficou deliberado em 23/5/2001, a ré procedeu à entrega na Câmara Municipal de Sintra das peças do pedido de loteamento corrigidas, de acordo com as condicionantes da aprovação constantes daquela deliberação.
8. Em 07/03/2002 a ré apresentou à Câmara Municipal de Sintra o projecto de rede de infra-estruturas telefónicas de distribuição de gás combustível canalizado (gás natural) e projecto de execução de arruamentos que constituem a rede viária.
9. Em 17/04/2002 a ré entregou junto da Câmara Municipal de Sintra o projecto de arranjos exteriores das áreas públicas (passeios e arruamentos) e o projecto de rede baixa tensão e iluminação pública.
9-A. Em 24/04/2002 a ré entregou junto da Câmara Municipal de Sintra o projecto de execução de rede de drenagem de águas residuais pluviais, rede de abastecimento de água, rede de drenagem de águas residuais domésticas, orçamento da obra por especialidades e global (resumo) e projecto de instalação de contentores subterrâneos para resíduos sólidos.
10. Em 3/05/2002 deu entrada na Câmara Municipal de Sintra requerimento a solicitar a emissão do alvará do loteamento.
11. Em 19/07/2002, a pedido dos serviços camarários, foi entregue no Departamento de Obras Municipais e Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de Sintra, requerimento referente à via de ligação da T... ... – futuro nó do ... da IC 16.
12. De 2002 até 2005 foram efectuadas diversas reuniões entre os promotores e os serviços tendo sido entregues várias reformulações do desenho urbano.
13. Em Março de 2003 a ré, por sua iniciativa, convocou a autora para uma reunião na sua sede, onde esteve presente um representante da autora e ao qual a ré deu conhecimento do estado do processo de loteamento à altura.
14. Em 6/3/2006 foi uma 3ª proposta aprovada por despacho do Sr Presidente da Câmara, que se refere apenas a aditamento de pedido de licenciamento da operação de loteamento.
15. Em 17/4/2009 e na sequência das várias alterações ao projecto solicitadas pelos serviços camarários desde 23/5/2001, a ré apresentou junto da CM um conjunto de documentação que visava dar cumprimento às novas solicitações dos serviços.
16. Por solicitação da CMS os elementos entregues em 17/4/2009 ficaram pendentes de apreciação até à emissão do aditamento ao alvará de loteamento n.º 15/1978, respeitante à 1.ª fase da T... ....
17. Apenas em 30/12/2009 foi emitido o aditamento respeitante à alteração ao alvará n.º 15/1978, de cuja emissão se encontrava dependente a emissão do alvará de loteamento da 2ª fase.
18. Em 5/8/2010, na sequência da emissão do aditamento ao alvará n.º 15/78 e de novas solicitações da CMS, a ré apresentou um novo conjunto de documentação, reiterando o pedido de aprovação do projecto de loteamento na sua forma actual com a consequente emissão do respectivo alvará de loteamento.
19. Desde esse momento até à presente data a ré tem mantido contacto quase permanente com o Departamento de Urbanismo do Município de Sintra, prestando todo o apoio e esclarecimentos que se mostrem necessários, tendo concluído, face à evolução e aos contactos havidos, que o projecto de loteamento seria aprovado e o alvará de loteamento emitido a breve trecho.
20. Por ofício de 9/2/2011 do Departamento de Urbanismo do Município de Sintra foi a ré notificada para dar cumprimento a novas determinações propostas pelos serviços camarários.
21. Em 29/7/2011 a ré deu integral cumprimento à notificação camarária, reiterando o pedido de aprovação do projecto de loteamento com a consequente emissão do alvará de loteamento.
22. A ré tem vindo a apresentar junto da CMS diversas propostas que visam satisfazer as exigências e pretensões da CMS.
23. As citadas propostas resultaram, além do mais, da necessidade de adaptar o projecto de loteamento às alterações que foram ocorrendo no sistema viário limítrofe.
24. Em reunião promovida pela ré em Março de 2003 e sempre que foi solicitado pela autora a ré informou-a sobre o estado do processo e as razões da sua demora.
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Conclusões 1 a 11 e parte da conclusão 23
Com base em considerações genéricas sobre factos que diz serem do conhecimento público geral (factos notórios – art. 514 do CPC), a autora levanta nestas conclusões, como se vê pelas referências que faz ao erro e ao art. 252 do CC, a questão do erro sobre a base do negócio, embora se esteja a referir à alteração anormal e superveniente das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, que tem o seu regime próprio no art. 437 do CC e depois, embora tal não transpareça nas conclusões mas apenas no corpo das alegações, pretende tirar desta alteração reflexos quanto à questão da perda do interesse prevista no art. 808/1 do CC.
No primeiro caso, estaria em causa o exercício do direito de anular ou modificar o contrato por erro; no segundo, o exercício do direito de resolver ou modificar o contrato por alteração anormal e superveniente de circunstâncias.
Ora, o que a autora tinha pedido nesta acção tinha sido o reconhecimento do direito de resolução do contrato por incumprimento culposo do mesmo por parte da ré.
Assim, no primeiro caso (anulação), estaríamos perante um novo pedido e uma nova causa de pedir (art. 498/2 e 3 do CPC), ou seja, um relação material diversa da controvertida nos autos; no segundo caso (resolução por alteração das circunstâncias), estaríamos perante uma nova causa de pedir para o mesmo pedido, isto é, perante uma alteração da causa de pedir, sem a invocação do acordo da ré nessa alteração e feita na fase do recurso.
Ou seja, estaríamos, em qualquer dos casos, perante uma alteração processual (do pedido e/ou da causa do pedido), sem cabimento legal (art. 272 e 273/1 e 6 do CPC), pelo que a mesma é inadmissível e, assim sendo, a questão não tem sequer de ser considerada.
Repare-se que no caso do ac. do STJ de 27/11/2012 (9052/09.7TB OER.L1.S1 [todos acórdãos são retirados da base de dados do IGFEJ, excepto se for assinalada fonte diversa]) citado abaixo, que poderia ter servido de fonte inspiradora das alegações de recurso da autora, a parte tinha logo alegado, na petição inicial, e com factos, o erro na base do negócio e a alteração das circunstâncias e fez mesmo um pedido subsidiário referente a eles.
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Questões novas
Quanto ao reflexo da alteração de circunstâncias na questão da perda do interesse (é uma questão expressamente levantada só no corpo das alegações, mas que implicitamente se pode entender decorrer das conclusões do recurso da autora…)
A perda do interesse na prestação é um dos equivalentes legais do incumprimento definitivo (art. 808/1 do CPC).
A autora não tinha alegado, na petição inicial, qualquer facto que tivesse a ver com a perda do interesse na prestação.
Trata-se, pois, de uma questão nova, que só agora, no recurso, a autora levanta.
Ora, como diz Ribeiro Mendes, em Portugal, os recursos ordinários são de revisão ou de reponderação da decisão recorrida, não de reexame; o objecto do recurso é constituído por um pedido que tem por objecto a decisão recorrida. A questão ou litígio sobre que recaiu a decisão impugnada não é, ao menos de forma imediata, objecto do recurso). (Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, Abril de 2009, págs. 50 e 81),
Consequência disto, é que “os tribunais de recurso não podem apreciar ou criar soluções sobre ‘matéria nova’” (ainda Ribeiro Mendes, obra citada, pág. 51).
Ou como dizem Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, “[é], por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.” (CPC, anotado, vol. 3º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 8).
Estes autores acrescentam que “[o]s tribunais de recurso podem, porém, conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso […]”, mas a questão substancial que a autora agora deduz não tem nada a ver com questões de conhecimento oficioso.
Mais ou menos no mesmo sentido, vão as contra-alegações da ré, só que abrangendo também as questões que acima foram consideradas sob o prisma da alteração inadmissível do pedido e/ou da causa de pedir.
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Factos de conhecimento notório
De qualquer modo diga-se ainda o seguinte:
Todas estas questões agora levantadas pela autora baseiam-se em factos que ela diz serem notórios.
O art. 514/1 do CPC diz “[n]ão carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.”
Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto esclarecem que “são notórios os factos do conhecimento geral, isto é, conhecidos ou cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informados de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razões para duvidar da sua ocorrência. […] No domínio do processo civil, a esfera social que o caracteriza tem de abranger as partes e o juiz da causa. A concretização do conceito varia assim consoante a localização do litígio, considerados os sujeitos da causa. […] Embora o âmbito da notoriedade apareça hoje consideravelmente alargado mercê dos meios modernos de comunicação de massas, tal não significa que deva ser considerado notório todo o facto divulgado pela imprensa, rádio ou televisão, pois se pode mesmo assim duvidar da sua ocorrência.” E mais à frente: “o facto notório é um facto concreto de conhecimento geral” (obra citada, vol. 2º, págs. 428 e 429).
Ora, os factos alegados pela autora nas cinco primeiras conclusões, não são factos concretos, são considerações gerais. E embora se possa aceitar, genericamente, que é como ela aí diz, já não há a mínima base factual para se aceitar que tais considerações possam ser válidas em relação à autora, sobre a qual absolutamente nada se sabe. Já quanto aos factos alegados pela autora nas conclusões 7 a 9 nem a própria autora se atreve a dizer que elas são notórios. E é mesmo evidente que não o são. E a própria actuação da autora o demonstra: apenas mais de 13 anos decorridos sobre a celebração do contrato-promessa é que ela escreve uma carta à ré a pedir informação sobre a situação concreta em que se encontrava o processo.
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Conclusões 12 a 19, 21, 22 e parte restante da 23
Nestas conclusões a autora põe em causa uma parte da fundamentação da sentença recorrida.
A sentença fez a seguinte construção [em síntese]:
Depois de invocar o disposto no art. 270 do CC, que dá a noção de condição suspensiva ou resolutiva, diz que a “distinção entre uma e outra condição depende da concreta interpretação da vontade negocial, expressa na troca de declarações concordantes que formam o acordo de vontades das partes.”
E continua: “assim, se se apura dessa concreta interpretação da vontade negocial, que as partes aceitaram e quiseram que a celebração de determinado contrato que prometiam celebrar entre si apenas poderia ocorrer se se verificasse um determinado evento futuro, com a certeza da sua não realização haverá que afirmar a verificação da condição resolutiva (que até pode ser tácita) a que fica sujeita tal promessa bilateral. Pelo que, a confirmar-se a não verificação do evento futuro e incerto, qualquer uma das partes pode lançar mão do disposto no art. 289 do CC, exigindo da contraparte tudo o que prestou, por força do disposto no art. 433 do CC.”
E depois de dizer que no caso dos autos as partes “sujeitaram o cumprimento das suas obrigações […] a um acto futuro e incerto, correspondente à aprovação da operação de loteamento promovida pela ré e à emissão do respectivo alvará”, e que era à ré que competia praticar os actos tendentes a obter esta aprovação e emissão de alvará, conclui que, tendo presente o disposto nos arts. 272 e 275 do CC, a inércia da ré “em promover o regular andamento do processo camarário respectivo pode fazer considerar a existência de uma conduta contrária à boa fé contratual a que ambas as partes estão obrigadas, o que conduz a considerar a condição como definitivamente não verificada. Pelo que, só nessa medida, assistirá à autora o direito pela mesma pretendido fazer valer pela presente acção.”
E depois diz, para além de que a condição ainda se pode verificar, que a ré tem feito, como lhe compete, tudo o necessário para a produção da condição, não lhe sendo imputável o facto de ela ainda não se ter verificado, pelo que não há fundamento para considerar a sua resolução, nos quadros normativos dos art. 270 e 289 do CC.
É aquela última conclusão que a autora quer pôr em causa com as conclusões do recurso que agora estão em causa, entendendo a autora que os factos demonstram que a ré não fez tudo o necessário para a verificação da condição pelo que o tribunal não podia concluir o contrário. Isto para além de entender que era à ré que incumbia o ónus de alegar e provar que tinha feito tudo o necessário para que o negócio se concretizasse.
Quer isto dizer que a autora aceita o enquadramento sugerido pela ré e seguido pela sentença, ou seja, estaríamos perante um contrato prometido subordinado a uma condição.
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Da condição (suspensiva ou resolutiva?)
Comece-se por repetir que a ré nunca chegou a qualificar a condição invocada como sendo uma condição suspensiva ou resolutiva e que, por outro lado, os termos empregues pela sentença sugerem que ela umas vezes a considera como suspensiva outras como resolutiva.
Com efeito, quando a sentença diz que as partes aceitaram e quiseram que a celebração do contrato que prometiam celebrar entre si apenas poderia ocorrer se se verificasse um determinado evento futuro, está a apontar para uma condição suspensiva. E quando diz que a ré tem feito, como lhe compete, tudo o necessário para a produção da condição, não lhe sendo imputável o facto de ela ainda não se ter verificado, só pode estar a pensar na condição suspensiva, pois que de contrário estaria a acusar a ré de tudo fazer para que se verificasse a condição resolutiva, ou seja para que o negócio ficasse sem efeito, o que seria uma conduta, essa sim, contrária à boa fé (art. 275/2 do CC). Para além de que uma condição resolutiva definitivamente não verificada, não daria, ao contrário do que se conclui na sentença, à autora direito à restituição do sinal, pois que uma condição resolutiva não verificada implica a consolidação definitiva do negócio.
No entanto, nas outras passagens citadas, a sentença opta pela condição resolutiva, sendo também isso que quis dizer com aquelas frases imperfeitamente inseridas (o que é natural acontecer, pois que, como refere Durval Ferreira, Negócio jurídico condicional, Almedina, 1998, págs. 181/182, “muitas vezes, na condição resolutiva as partes referem já o facto futuro e incerto condicionante no seu aspecto que, a preencher-se, solidifica plenamente a produção inicial dos efeitos; pelo que, como resolutiva, esse facto é condicionante no seu reverso. Isto é, a verificação do reverso é que preenche a condição resolutiva com os efeitos resolutivos no negócio”; a tradução disto no plano prático pode dar, naturalmente, origem a erros de formulações, já que o evento condicionante é formulado, normalmente, pela positiva, mas é na negativa que ele funciona como tal), e é disso que de facto se trataria, nos autos, se de facto se estivesse perante uma condição, visto que as partes já tinham dado início ao cumprimento de parte das obrigações assumidas no contrato-promessa (a autora pagando parte do preço, a ré fazendo diligências para obter a aprovação da operação), ou seja, o contrato-promessa já tinha começado a produzir os seus efeitos (neste sentido, veja-se, por exemplo, o ac. do STJ de 17/06/1999, anotado por Henrique Mesquita, na RLJ 132, com apoio na obra de Manuel de Andrade, acórdão e anotação que serão citados abaixo, junto com vários outros no mesmo sentido, tendo o sumário, na parte que interessa, o seguinte conteúdo: “Tendo-se celebrado um contrato-promessa de constituição de um direito de superfície sujeito a determinada condição, mas em que as partes se obrigaram a realizar imediatamente determinadas prestações, a condição deve qualificar-se como resolutiva”).
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Da verificação da condição resolutiva
Aceitando-se, por ora, que as partes subordinaram a obrigação da celebração do contrato prometido a uma condição resolutiva, a autora só poderia obter a restituição do sinal entregue caso alegasse e provasse que o facto futuro e incerto (a não aprovação da operação e emissão do alvará) a que a cessação dos efeitos tinha sido subordinada já se tinha verificado (art. 270 do CC na parte que interessa: as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto […a] resolução [dos efeitos do negócio jurídico]).
Note-se que, no caso, seria contraditório com a pretensão da autora que esta alegasse que a condição já não se podia verificar (art. 275/1 do CC), pois que, tratando-se de uma condição resolutiva, se ela já não se pudesse verificar, o contrato ficava consolidado, ou seja, não se resolvia e por isso a autora não teria direito à restituição do sinal entregue. E seria um contra-senso que a autora alegasse a hipótese do art. 275/2 do CC, ou seja, que a verificação da condição resolutiva tinha sido impedida, contra as regras da boa fé, pela ré, caso em que a condição se tinha por verificada, pois que tal equivaleria a estar a autora a alegar que a ré tinha actuado de modo a impedir que a operação não fosse aprovada.
Por outro lado, a norma do art. 343/3 do CC que põe a cargo do réu o ónus da prova da verificação da condição resolutiva, diz respeito aos casos em que o autor vem invocar o direito sujeito a condição resolutiva no pressuposto de que esta não se verificou e portanto o seu direito se consolidou definitivamente, enquanto que o réu entende o contrário, ou seja, que a condição resolutiva se verificou e que a sua expectativa de reaquisição do direito se concretizou.
Para o caso dos autos a solução tem de ser a inversa, pois que o direito da autora à restituição do sinal estaria dependente da verificação da condição resolutiva, ou seja, a regra a aplicar é a do art. 342/1 do CC (implicitamente neste sentido, veja-se, por exemplo, o ac. do STJ de 1999, citado acima).
Explicitando (com outra hipótese):
A promete comprar a B um posto de combustíveis para nele exercer a actividade respectiva. Se não lhe for dada autorização para exercer a actividade o contrato-promessa fica sem efeito. No contrato-promessa as partes assumiram dadas obrigações assumidas e iniciam de imediato o cumprimento das mesmas (por exemplo, em relação a A, este entregou logo parte do preço, isto é, fez um sinal).
A é um adquirente de um direito sob condição resolutiva (art. 272 do CC) isto é, é um titular de direito sujeito a condição, é o titular do direito efectivo embora não pleno. B é um devedor ou alienante condicional (art. 273 do CC) é o titular do direito eventual ou da expectativa de reaquisição do direito que transmitiu sob condição resolutiva. A é beneficiado com a autorização (ou seja, com a não verificação da condição resolutiva) e nesse caso celebrará a escritura de compra definitiva. B será beneficiado com a verificação da condição resolutiva (isto é, se a autorização não for dada), pois a expectativa de que por ora é titular se concretizará no direito (que ainda não tem e que por isso se considera condicionado, ou seja, é um direito condicional, eventual).
A perde o direito efectivo se a condição resolutiva se verificar (se não for dada autorização), ou seja, ele é prejudicado com a verificação da condição. B adquire o direito se a condição resolutiva se verificar (se não for dada autorização) ou seja, ele é beneficiado com a verificação da condição.
(nesta parte seguimos a lição de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, vol. II, Coimbra Editora, 1999, pág. 293, e a tese de Nuno Baptista Gonçalves, Do Negócio sob condição, Edições Castilho, Lisboa, 1995, págs. 82/83 e 87/88)
Se A vem a juízo alegar que foi dada autorização e que por isso quer celebrar a escritura da compra do posto, é B que, entendendo o contrário (não foi dada autorização), tem que alegar e provar que a condição resolutiva se verificou, isto é, que não foi dada autorização e que por isso não pode ser celebrada a escritura de venda. Aqui aplica-se o disposto no art. 343/3 do CC. Ou seja, sendo ele o beneficiado com a verificação da condição, é ele que tem de provar essa verificação.
Mas se A vem alegar que não foi dada autorização (que se verificou a condição resolutiva) e que por isso quer que o contrato fique sem efeito, recebendo de volta o sinal entregue, o direito à restituição do preço depende da prova da verificação da condição, pelo que essa prova incumbe-lhe a ele, como facto constitutivo do seu direito à restituição (art. 342/1 do CC), e não a B que estando em litígio com A, entende o contrário, isto é, que a condição resolutiva não se verificou (porque foi dada autorização). E, assim sendo, não teria sentido obrigar B a provar um facto que ele impugna (e que foi alegado por A, isto é: a verificação da condição resolutiva: não foi dada autorização).
Concluindo, o art. 343/3 do CC não se aplica ao caso do adquirente sob condição resolutiva vir ele próprio invocar a verificação da condição resolutiva, pois que, neste caso, a regra a aplicar é a do art. 342/1 do CC, cabendo-lhe a ele o ónus da prova da verificação da condição resolutiva como facto constitutivo do seu direito à restituição daquilo que tiver prestado.
Ora, a autora não alegava na petição inicial que o facto futuro e incerto a que a resolução dos efeitos teria sido subordinada já se tinha verificado (e compreende-se que a autora não o tivesse feito, porque a autora não baseou o seu direito num negócio condicionado e por isso na verificação da condição, mas sim no incumprimento do contrato-promessa).
Isto é, pela via da condição resolutiva é evidente que a pretensão da autora nunca podia proceder.
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Da condição suspensiva
A argumentação da autora, sintetizada nas conclusões ainda em análise, partiu, no entanto, de outro pressuposto. Ou seja, está baseada na consideração de que a sentença entendeu estar-se perante uma condição suspensiva.
Por isso é que a autora diz que os factos demonstram que a ré não fez tudo o necessário para a verificação da condição pelo que o tribunal não podia concluir o contrário. Isto para além de entender que era à ré que incumbia o ónus de alegar e provar que tinha feito tudo o necessário para que o negócio se concretizasse.
Mas também por aqui a argumentação da autora não tem viabilidade, o que de novo tem a ver com o facto de ela não ter baseado a acção no pressuposto de que se estava perante um negócio condicionado, mas perante um incumprimento obrigacional.
É que se estivesse em causa um contrato sujeito a condição suspensiva (que no caso seria a aprovação do loteamento), a autora só poderia obter a restituição do sinal, se alegasse e provasse (art. 342/1 do CC) a certeza de que a condição se não podia verificar (art. 275/1 do CC).
Neste sentido, quanto aos factos que importava alegar, veja-se Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, vol. III, AAFDL, 1979, pág. 522: “[a] não verificação da condição é [nas condições positivas] um facto prolongado, que a lei concretiza neste momento; quando houver a certeza de que o evento se não pode verificar (art. 275/1).” E em nota: “Muitas vezes a condição conjuga-se com um termo, verificando-se a impossibilidade então com o termo […]”. Ou Durval Ferreira, obra citada, pág. 182, “[a] frustração da condição ocorre quando há a certeza de que a condição se não pode verificar […]”. Ou, nos dizeres de Cabral Moncada, citado por Durval Ferreira, “desde que se torna certo não poder já a condição verificar-se […]”. E quanto ao ónus da prova da não verificação da condição, tal decorre do facto de ser esse um pressuposto do direito invocado, logo facto a provar pela parte que o invoca (art. 342/1 do CC). Neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 23/10/2003 (03B2509).
Ora, a autora não alegava nada disto na petição inicial, pois que, não estando a verificação da condição dependente de um termo, não basta para a não verificação da condição dizer-se que ela ainda não se verificou; ter-se-ia de dizer que ela já não se podia verificar. O que a autora não fez (e repete-se que se compreende que a autora não o tivesse feito, porque a autora não baseou o seu direito num negócio condicionado, nem na não verificação da condição, mas sim no incumprimento do contrato-promessa).
E assim, em relação às conclusões do recurso da autora que agora estão a ser analisadas, quer isto tudo dizer que era à autora que cabia o ónus da alegação e prova da não verificação da condição suspensiva, e não à ré que cabia o ónus da prova de que tinha feito tudo o necessário para que o negócio se concretizasse. E, por isso, nem sequer interessa, ao menos tendo em conta esta via argumentativa, saber se os factos demonstram que a ré não fez tudo o necessário para a verificação da condição [entendida agora como suspensiva], pois que isso nunca supriria a falta de alegação e prova da não verificação da condição.
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Isto ainda tem a ver com o seguinte [sempre considerando, agora e por ora, que se está perante uma condição suspensiva]:
Uma condição não obriga
Uma condição, mesmo que seja potestativa – que é aquela “em que o evento condicionante depende da vontade duma das partes do negócio jurídico” (Castro Mendes, obra citada, pág. 499) – não é uma obrigação. A parte de que depende a verificação da condição não está obrigada a fazer diligências para que a condição se produza (neste sentido, diz Oliveira Ascensão: “na condição suspensiva potestativa, a actividade prevista é um ónus [não uma obrigação] do beneficiário” (obra citada, pág. 305); no mesmo sentido, veja-se Vaz Serra, em anotação a um acórdão do STJ de 19/07/1978, publicados na RLJ 112, págs. 71 a 80 e 82 a 86 (o acórdão considerou que se estava perante uma deixa dependente de condição suspensiva, Vaz Serra considerou que era antes uma disposição testamentária modal, ou seja, uma obrigação que o beneficiário estava obrigado a cumprir); Durval Ferreira, por sua vez, diz que: “a parte […] não está “obrigada” a produzir o facto condicionante, ainda que a condição seja potestativa […]; “segundo o ‘dever de boa fé’, no caso, a parte não tem que incrementar positivamente a verificação da condição” (obra citada, pág. 183); no mesmo sentido, veja-se Nuno Baptista Gonçalves: “mesmo que a condição suspensiva seja potestativa, dependendo da vontade do beneficiário da liberalidade, este não fica obrigado a promover a sua realização […]” (obra citada, pág. 30). Por isso mesmo é que a autora, invocando, na petição inicial, o incumprimento de uma obrigação, não tinha falado em qualquer condição. É contraditório, agora, aceitar que afinal havia uma condição.
Defesa por excepção ou por impugnação e ónus da prova
Quando a ré vem alegar na contestação que a celebração do contrato prometido estava dependente de uma condição, não estava a excepcionar a existência desta, mas sim a fazer uma interpretação diferente das cláusulas contratuais invocadas pela autora e admitidas pela ré. Assim, essas cláusulas ficaram provadas e aquilo em que havia litígio era entre a versão da autora que apresentava o contrato como puro, não condicionado, e a versão da ré que, com base nos mesmos factos (as cláusulas contratuais), o considerava um negócio condicional. Não estávamos, pois, perante uma defesa por excepção, mas sim perante uma defesa por impugnação de direito (art. 487/2 do CPC: O réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor). E assim, por outra via, chegamos à mesma conclusão: a ré não tinha, por isso, que provar nada quanto a esta matéria; era a autora que tinha que provar o incumprimento do contrato, como facto constitutivo do seu direito a resolvê-lo e a pedir a restituição do que tinha prestado.
A situação seria diferente se a autora se tivesse limitado a invocar o contrato sem a condição (quando isto fôr materialmente possível) e a ré tivesse admitido o contrato mas invocasse cláusulas de que decorresse a condição [suspensiva]. Aqui, segundo a maioria da doutrina tratava-se de uma defesa por excepção (assim, expressamente: Remédio Marques, Acção declarativa à luz do código revisto, Coimbra Editora, 2007, págs. 287/289; Manuel Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 131, dizendo que o ponto é questionável; Lebre de Freitas, A confissão no direito probatório, Coimbra Editora, 1991, conforme resulta da nota 38, pág. 591, em que considera que a melhor doutrina é a de Manuel de Andrade e de Vaz Serra, Provas, e da remessa que faz no CPC anotado, vol. 2º, pag. 318, para o ac. do STJ de 30/10/2002, 02B6222, numa situação paralela; a discussão da questão consta das págs. 200, nota 17, págs. 205 a 208, notas 27, 29 e 30, e págs. 218/219 e 225/226; Antunes Varela, Manual de processo civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 298, e Lebre de Freitas, A acção declarativa comum à luz do código revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2011, pág. 111, nota 80, mas apenas expressamente para a hipótese da “estipulação posterior ao contrato, de condição suspensiva ainda não verificada (art. 270 do CC) que Lebre de Freitas considera expressamente “constitui[r] facto modificativo (ao réu cabe alegar e provar a estipulação, de acordo com as regras gerais […])”.
No mesmo sentido, diz o ac. do STJ de 02/02/2006 (05B3578): atenta a natureza excepcional da condição (a regra é constituída pelos negócios puros) "se houver dúvidas quanto à condicionalidade, é sobre o réu que deverá pesar o cargo da prova da condicionalidade do negócio e não sobre o autor a da sua incondicionalidade. (Abel Pereira Delgado, Do Contrato-Promessa", Lisboa, 1978, pág. 108, citando Anselmo de Castro e Mário de Brito).”
No mesmo sentido, diz Lebre de Freitas, A confissão…, nota 38, pág. 591: “na normalidade dos casos, o negócio jurídico não é condicional.”
Contra, veja-se Durval Ferreira, que considera o negócio condicional como um negócio diferente do puro, e, por isso, segundo este autor, nesta última hipótese haveria defesa por impugnação dos factos e não excepção (obra citada, pág. 145).
Conclusão parcial
Assim, e concluindo nesta parte, se se aceitar que estamos perante uma celebração de um contrato prometido subordinado à verificação de uma condição, o resultado final alcançado pela sentença estaria correcto, já que a autora não alegou – e por isso não podia ter provado – os factos necessários para a procedência do pedido, quer se considerasse a condição resolutiva ou suspensiva. E nada do que a autora agora diz pode conduzir a resultado diferente.
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Note-se que os licenciamentos administrativos ou as autorizações de terceiros podem ser considerados condições, embora legais e por isso impróprias, e que se pode entender que às mesmas se aplica a regra do art. 275/2 do CC (neste sentido Nuno Baptista Gonçalves, obra citada, págs. 121 a 126). Mas para que esta questão (a da aplicação da norma do art. 275/2) se pudesse pôr, as partes teriam que ter previsto esses factos de terceiros numa condição em sentido próprio. Caso contrário, esses factos são o objecto da obrigação contraída e a questão que se coloca é, como se verá de seguida, a do cumprimento da mesma.
Por fim, diga-se que não tem razão de ser a invocação, numa destas conclusões do recurso, do disposto no art. 880/1 do CC, já que esta norma se refere aos contratos de compra e venda e não aos contratos-promessa condicionais.
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Apesar do que antecede, não é esta – a sugerida pela ré, seguida pela sentença e agora aceite pela autora - a via de solução do caso dos autos, como o revela a comparação com uma série de casos jurisprudenciais em que estava de facto em causa uma condição.
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Confronto com casos da jurisprudência em que existe condição

No caso do ac. do STJ de 17/06/1999 (anotado por Henrique Mesquita na RLJ, ano 132, Dez99/Jan2000 e Março/Abril de 2000, págs. 274 a 288 e 339 a 344) as partes clausularam o seguinte no contrato-promessa: a promitente vendedora compromete-se a dar cumprimento às exigências camarárias para obtenção da viabilidade de um “projecto”, dizendo-se que essa viabilidade constitui condição deste contrato (clª 2ª). E na clª 6ª ainda estipularam que o promitente-comprador poderia proceder à resolução do contrato no caso de indeferimento total do pedido ou de indeferimento da licença de construção. O STJ, conjugando estas duas cláusulas, entendeu que o sentido normativo a extrair era o de que as partes concluíram um contrato-promessa que produziu de imediato efeitos mas com a intenção de estes se extinguirem, resolvendo-se automaticamente, se o pedido de viabilização não obtivesse deferimento, como se verificou. O acórdão teve um voto de vencido, que entendia que nem sequer existia contrato-promessa. Henrique Mesquita (que tinha dado um parecer parcialmente no sentido do ac. do STJ) distingue: a cláusula 2ª estabeleceu uma condição resolutiva [o que as partes quiseram convencionar foi que, se o pedido de viabilidade não obtivesse deferimento, como veio a acontecer, o contrato ficaria irremediavelmente resolvido] e a cláusula 6ª estabeleceu um direito potestativo de resolução [que também se chama de cláusula resolutiva expressa – acrescento deste acórdão].

No caso do ac. do STJ de 23/10/2003 (03B2509) estava em causa um contrato-promessa pelo qual uns sócios prometiam ceder quotas na dependência da obtenção de uma autorização. O contrato previa expressamente o seguinte: O pagamento do preço da cessão de quotas será feito do seguinte modo: a) 10.000.000$ na data da realização do contrato promessa de cessão de quotas, a título de sinal e princípio de pagamento, que será restituído em singelo, caso se não verifique a autorização prevista na cláusula 2ª”. O STJ considerou que se estava perante uma condição suspensiva.

No caso do acórdão do STJ de 09/02/2004 (04B2740) estava-se perante uma cláusula acordada numa escritura de venda de um prédio rústico a um Município, nos termos da qual o terreno se destinava à realização das feiras mensais, e, em caso de afectação do terreno a fim diferente daquele, os vendedores teriam direito a voltar à posse do terreno, mediante a devolução do preço. O STJ considerou que a mesma traduzia a estipulação de uma condição resolutiva, porquanto as partes, sem dúvida, quiseram que o contrato produzisse, desde logo, os seus efeitos - transmissão da propriedade - sujeitando-se, porém, o comprador a destinar o prédio à instalação das feiras mensais, sob pena de resolução contratual por parte dos vendedores. A decisão ao longo do processo foi sempre a mesma, discutindo-se apenas, no STJ, se a condição seria impossível.

No caso do acórdão do TRL de 19/10/2004 (3780/2004-7), as partes tinham clausulado que «o presente contrato ficará imediatamente sem efeito, se a Câmara Municipal não aprovar para o local um número de, pelo menos, quatro apartamentos». O acórdão considerou que se estava perante uma condição suspensiva [o STJ veio a considerar que era uma condição resolutiva]. E como a condição não se verificou (nem se tendo provado que alguma das partes tenha agido de má fé, por forma a impedir a verificação da condição – ver art. 272 do CC) tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado.

No caso do ac do STJ de 27/04/2005 (634/05 – só está publicado o sumário) considerou-se que “deve ser classificada como resolutiva e não como suspensiva a cláusula inserta em contrato-promessa onde se estabeleceu que “o presente contrato ficará imediatamente sem efeito se a Câmara Municipal não aprovar para o local um número de, pelo menos, quatro apartamentos.” Este acórdão diz respeito ao caso anterior, divergindo o STJ quanto à classificação da cláusula como suspensiva.

No caso do ac. do STJ de 13/03/2007 (CJ.STJ.I, págs. 101/104) ficou clausulado, sob epigrafe de condição resolutiva que o contrato ficaria sem efeito caso as partes e as sociedades X e X não outorgassem a escritura pública de aumento de capital no prazo máximo de 9 meses a contar de um certo momento, escritura que não veio a ser outorgada. O STJ considerou que se estava perante uma condição resolutiva que tinha ocorrido. O caso é referido por Daniela Baptista, Da cláusula resolutiva expressa, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Heinrich Ewald Hörster, Almedina, Dez2012, nota 77 da pág. 222.

No caso do acórdão do STJ de 16/09/2008 (08B2427), o vencimento de uma prestação do preço do terreno em causa, no dia x, ficou condicionada à aprovação do projecto de arquitectura, ou seja, as partes convencionaram, por essa forma, uma condição suspensiva (art. 270 do CC). A referida condição suspensiva não se verificou pelo que a prestação não se venceu. Como aquando da instauração da acção executiva em causa, ainda não se tinha verificado a condição de pagamento da prestação, tal como convencionada pelas partes, a conclusão é de que se verificava o fundamento de oposição à execução.

No caso do ac. do STJ de 23/10/2008 (2783/08 – só está publicado o sumário) considerou-se que estando o contrato-prometido sujeito a condição suspensiva (no caso, aprovação de um loteamento pelo município, acto de natureza vinculada), e não se tendo verificado o facto futuro e incerto do qual as partes fizeram depender a produção dos efeitos do negócio, este não chegou a ser eficaz. Mas o sumário do acórdão não ajuda porque não revela minimamente os termos das cláusulas.

No caso do ac. do TRC de 21/04/2009 (CJ.II, págs. 28 a 33) considerou-se que a cláusula onde se dizia que o não cumprimento de qualquer dos prazos implica que a Câmara Municipal tome posse dos lotes [trata-se de uma cláusula de reversão dos bens, como esclarece o acórdão] sem qualquer direito à importância já entregue ou a qualquer indemnização por parte do adquirente, bem como das benfeitorias existentes às datas daquelas tomadas de posse”, não configurava uma condição resolutiva, mas uma cláusula resolutiva, dizendo que cumprir ou não cumprir as obrigações contratuais nunca pode integrar o acontecimento incerto a que se reporta o art. 270 do CC.
Este caso também é referido por Daniela Baptista, obra citada, agora na pág. 221, nota 75, que antes tinha dito: “o acontecimento futuro e incerto que é objecto da condição não pode estar relacionado com a realização do programa negocial […]. Ao invés, o eventual incumprimento de uma das prestações de um contrato bilateral que quebre o sinalagma funcional será sempre fundamento do exercício de um direito legal de resolução.
O acórdão do TRC foi, na parte que agora interessa, revogado pelo ac. do STJ de 10/12/2009 (312-C/2000.C1-A.S1) que disse: “salvo melhor opinião, não nos parece que possa falar-se de cumprimento ou não cumprimento em relação à dita cláusula, que tem de ser vista e interpretada unitariamente.[…]
[…N]o caso concreto a ré/compradora não se vinculou para com a autora/vendedora, a construir e instalar nos lotes vendidos as unidades industriais a que os mesmos se destinavam, dentro dos prazos convencionados na cláusula, em termos de, fazendo-o, cumprir o contrato ou não o fazendo incumpri-lo.
Dito por outras palavras, a implantação nos lotes daquelas unidades não pode ser vista (não é) uma prestação devida pela compradora à vendedora. Essa implantação ou não implantação constituía, isso sim, um facto condicionante de que dependia a consolidação do negócio ou a sua destruição retroactiva.
Não estamos, aqui, no domínio do cumprimento ou não cumprimento das obrigações.
O contrato de compra e venda celebrado entre as partes, produziu todos os seus efeitos típicos - transferência da propriedade dos lotes e pagamento do preço - só que, no que concerne à transferência da propriedade, ela ficou na dependência da verificação de um facto futuro e incerto - no caso a implantação nos lotes da referida unidade industrial - de modo que, não se verificando esse facto, está verificada a condição resolutiva que desencadeará automaticamente a resolução do contrato e em sua consequência a reversão da propriedade para a Câmara vendedora (devedora condicional).”
Para além disso esclareceu que “não descaracteriza a figura o facto de se ter convencionado a perda do preço pago ou das benfeitorias entretanto realizadas, visto que, como vimos já, a retroactividade da condição, uma vez verificado o facto condicionante, pode ser afastada ou limitada pela vontade das partes. No caso, ficou limitada aos efeitos translativos da propriedade.”
10º
No caso do ac. do TRL de 02/03/2010 (776/07.4TCSNT.L1-1), Na clª 3/2 estipulava-se: o pagamento da prestação prevista na alínea d) do número anterior ficará condicionada à verificação da condição a que se refere a alínea b) da clª 6ª. Na clª 6ªb) dizia-se: Constituem ainda obrigações da promitente cedente promover e obter, junto das competentes entidades oficiais portuguesas, a certificação. No acórdão considerou-se que as partes condicionaram os efeitos definitivos do contrato-promessa da cessão de 50% do capital social de uma sociedade à verificação de um facto futuro e incerto, e que a condição (suspensiva) não se tinha verificado, pelo que a autora tinha direito à restituição em singelo daquilo que tinha prestado, sem se conhecer do incumprimento alegado pela autora.
11º
No caso do ac. do STJ de 13/04/2011 (1421/06.0TVLSB.L1.S1) como se dizia na cláusula 11b) que o pagamento do remanescente do preço seria condicionada à obtenção por parte da autora de uma autorização do condomínio, considerou-se que o negócio ajuizado foi uma compra e venda sob duas condições suspensivas de natureza mista – não inteiramente potestativas, isto é, dependentes da vontade de um dos sujeitos, nem inteiramente casuais, ou seja, de todo independentes dessa vontade. Com efeito, a sua verificação em concreto ficou a depender da vontade de terceiro – o condomínio do imóvel, que não se vinculou no negócio entre autora e réu e não estava obrigado, por isso, a preencher as condições – mas também, simultaneamente, da vontade da autora, primeira interessada, por definição, em concorrer por sua iniciativa para que as autorizações se conseguissem até às datas designadas, diligenciando junto do condomínio, activamente, nesse sentido, para assim tornar eficaz o seu direito a receber duas parcelas do preço ajustado. Acrescenta o acórdão: não sendo a condição uma obrigação, no sentido visado pelo art. 398 do CC, mas sim uma cláusula que afecta a eficácia de obrigações contratuais, há que aplicar o regime jurídico previsto nos arts. 270 e segs., referente à condição e ao termo, e não o das obrigações, designadamente o da impossibilidade de cumprimento imputável ao credor (arts. 813 e segs).
12º
No caso do ac. do STJ de 14/04/2011 (90/09.2YFLSB.S1 - só com sumário publicado na página da internet do STJ) faz-se referência a uma cláusula do contrato-promessa celebrado entre as partes onde se diz que «no caso do pretendido alvará de loteamento não vir a ser emitido até 31-03-2002, por facto não imputável a qualquer das partes, poderá ser rescindido por qualquer delas, por meio de carta registada com aviso de recepção, sem que a outra possa exigir qualquer indemnização ou compensação», resulta claro que as partes quiseram contratualmente estabelecer uma condição resolutiva. Mas aqui fica a dúvida (que o sumário não permite esclarecer) se não se estará antes perante uma cláusula resolutiva expressa (e não condição resolutiva, já que o facto futuro e incerto apenas dava direito a resolver o contrato, não implicava a imediata resolução do mesmo - neste sentido, apenas por exemplo e por último, Daniela Baptista, estudo citado, págs. 218 a 223).
13º
No caso do ac. do STJ de 21/03/2012 (3563/05.0TBVNG.P1.S1), considerou-se que o contrato ficou sujeito à verificação de duas condições, uma suspensiva (cláusula 11) e outra resolutiva (clª 25). A condição resolutiva (do art. 25 do contrato) é clara (no art. diz-se: “o presente contrato fica inteiramente sem efeito, se ao estudo referido no art. 11 for recusada viabilidade pela Câmara Municipal) e a razão de decidir do acórdão baseia-se na verificação da condição resolutiva.
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O que se retira destes acórdãos
1º - A jurisprudência tem considerado que existe condição quando as partes estipulam expressamente que condicionam o contrato a dado evento futuro e incerto, ou, especificamente para a condição resolutiva, que, no caso da verificação daquele evento futuro e incerto, o contrato ficará sem efeito, ou quando prevêem para essa hipótese a restituição em singelo ou uma cláusula de reversão dos bens.
2º - Quando existe condição aplica-se o regime dos arts. 270 e segs do CC. Quanto existe incumprimento das obrigações imputável ao devedor, não imputável a este ou imputável ao credor, aplica-se o regime dos arts. 790 a 816 do CC.
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O caso dos autos não é um caso de condição
Ora, no caso dos autos as partes não condicionaram o contrato ao evento futuro e incerto (a não aprovação da operação e emissão do alvará), nem estipularam que o contrato ficasse sem efeito caso ele se verificasse, nem mesmo previram a restituição em singelo caso esse evento futuro e incerto se verificasse. De resto, da leitura das cláusulas contratuais resulta que as partes nem se puseram a hipótese daquele facto futuro e incerto (não aprovação da operação) se verificar, não prevendo, pois, para a sua verificação, qualquer consequência, designadamente que o contrato ficasse sem efeito no caso de aquele evento se verificar.
No caso não existia pois qualquer condição resolutiva (nem muito menos condição suspensiva).
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Incumprimento de obrigações
No caso dos autos o que existe é uma obrigação implícita a cargo da ré de prestação de facto de terceiro (a aprovação de uma operação de loteamento por uma autoridade pública; mas esse facto também poderia ser uma licença camarária ou uma autorização ou consentimento de um particular), cujo incumprimento culposo daria origem a responsabilidade obrigacional (arts. 798, 799, 801 e 808 e ainda 442, todos do CC, por no caso se estar perante um contrato promessa), ou cuja impossibilidade absoluta superveniente, não imputável ao devedor, daria origem à extinção da prestação (arts. 790/1 e 795/1 do CC).
Já se a prestação fosse impossível desde o início, haveria uma impossibilidade originária da prestação (arts. 401/1 do CC), excepto se a obrigação tivesse sido assumida para o caso de a prestação se tornar possível (art. 401/2 do CC).
(Isto em traços muito genéricos porque não interessa, para o caso dos autos, maior precisão; sobre a questão, com discussão veja-se, por exemplo: da perspectiva da impossibilidade legal, Jorge Morais Carvalho, Os contratos de Consumo, Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, 2012, págs. 624/626 e 707/719, na edição depositada no repositório da Universidade Nova de Lisboa, que é mais completa; e, já não naquela perspectiva, Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, págs. 525 a 562; Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Dez2008, págs. 1231/1253; Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, Almedina, 1990, págs. 60/63 e 77/78; Brandão Proença, Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, A dualidade execução específica-resolução, Coimbra, 1987, págs. 83/85, lembrando uma anotação de Vaz Serra a um acórdão do STJ, publicados na RLJ 104, págs. 8 e segs, e chamando também a atenção para os casos em que a impossibilidade originária era do conhecimento do promitente vendedor, o que o poderá fazer incorrer em responsabilidade extra-contratual; a concretização e confirmação jurisprudencial disto pode ser vista nos acórdãos citados abaixo).
Aplicando-se estas normas, não se aplica o regime jurídico das condições (arts. 270 e segs). Este último só se aplicaria se as partes tivessem estipulado (de forma expressa ou tácita) que o contrato ficaria sem efeito caso o evento condicionante se verificasse. E quando for este (o da condição) o regime aplicável e o contrato ficar sem efeito devido à verificação da condição, não há obrigação de indemnização, mas apenas obrigação de restituir (por exemplo, nos contratos-promessa, o sinal em singelo).
Ou seja, o caso dos autos insere-se antes no seguinte grupo de casos da jurisprudência em que a questão se coloca ou se devia colocar como de incumprimento de obrigações:
I
No caso do ac. do STJ de 06/12/1978, os promitentes vendedores obriga­ram-se a desalojar os inquilinos no prazo de 60 dias a contar da data do contrato-promessa. A pro­mitente compradora não outorgaria o contrato-promessa de compra e venda sem esta cláusula de desocupação dos inqui­linos naquele prazo, porque se aproxi­mava o fim do prazo camarário para a construção e não lhe interessava desalo­jamento judicial pela delonga e possibili­dade de opção de reocupação. Naquele terreno existiam três cons­truções com três inquilinos, dos quais só um foi desalojado no prazo previsto. A falta de desocupação tornava inviá­vel a construção. A promitente compradora, pela falta de desocupação, perdeu o interesse em construir o projectado prédio. O STJ tratou o caso como de contrato-promessa dependente de condição suspensiva mista e considerou que tal condição que não se tinha verificado.
Vaz Serra, em anotação a este acórdão do STJ, diz, em síntese (RLJ 112/163 e segs), que:
Na falta de indi­cações especiais nesse sentido, aquele contrato­-promessa não era um contrato condicional. A cláusula pela qual os promitentes-vendedores se obrigaram a desalojar os inquilinos dentro de certo prazo, não representa a aposição de uma condição, tal que, como é próprio das condições suspensivas, o contrato só produ­zisse efeitos no caso de a condição se veri­ficar (art. 270 do CC).
Os factos dados como provados não são suficientes para admitir que foi intenção dos contraentes subordinar a eficá­cia do contrato-promessa à verificação da condição (suspensiva) do desalojamento dos inquilinos, pois eles podem não ter querido que a falta desse desalojamento impedisse a eficácia do contrato, o qual produziria os seus efeitos e sujeitaria os promitentes­-vendedores, não cumprindo eles a obriga­ção assumida, de desalojar o inquilinos, às respectivas consequências.
Se parece certo que à promitente compradora não interessaria a compra do terreno sem o desalojamento dos inquilinos, certo parece também que não foi estipulada a condição de que a eficácia do contrato só teria lugar se tal desalojamento se verificasse: o que as partes estipularam não foi uma condição mas a obrigação (contratual) de os promitentes-vendedores desalojarem os inquilinos (que poderia ser uma «obri­gação de meios», da qual se exonerariam desde que, com a diligência a que eram obrigados, procurassem obter esse desalojamento, embora não o conseguissem, ou, diversamente, uma «obrigação de resultado, vinculando-se a responder, objectivamente, pelo resultado prometido).
Se se tratasse de condição suspensiva o contrato só seria eficaz caso ela se verificasse, não produzindo, por isso, efeitos enquanto se não verificasse o evento de que teria ficado dependente: ora, o que as partes convencionaram foi a obrigação dos promi­tentes-vendedores desalojarem os inquilinos dentro de certo prazo e não que o contrato só com esse desalojamento se tornaria eficaz.
O que faz a sua diferença: no caso de condição, não seria eficaz o contrato enquanto ela não se produzisse, ao passo que, no outro, o contrato teria ficado desde logo eficaz e as partes constituídas nas respectivas posições contratuais.
A melhor solução é, pois, a de que o contrato não ficou subordinado a con­dição, produzindo, portanto, desde o início, os seus efeitos.
Tanto assim que, se se tratasse de con­dição, o contrato, em princípio, não produziria efeitos se ela não se tivesse verificado, o que significaria tudo se passar como se contrato não tivesse sido concluído, apenas havendo lugar à restitui­ção do sinal em singelo, e não a restituição do sinal em dobro (art. 442 do CC). Ora, tal consequência não se afigura a mais razoável, dado que, não tendo a desocupação dos prédios sido efectuada e não tendo, portanto, os promitentes-vendedores cumprido a obrigação por eles contraída, daí deveria resultar que eles seriam obri­gados a restituir em dobro o sinal recebido.
II
No caso do acórdão do STJ de 19/04/1995 (CJ.STJII, págs. 39/43) a propósito de uma cláusula (de um contrato-promessa de compra e venda, sendo que o contrato definitivo seria outorgada depois da concessão de empréstimo aos compradores) onde constava que o incumprimento de qualquer das cláusulas por parte do promitente comprador determina a perda de todas as quantias entregues e a rescisão do contrato, considerou que se tratava de uma cláusula resolutiva (dependente do incumprimento) e não de uma condição resolutiva.
O acórdão tem um voto de vencido, aceitando que não se estava perante uma condição, mas entendendo que a cláusula resolutiva era inútil ou de estilo, sendo de aplicar o regime legal do incumprimento (e não o da resolução convencionada).
O caso é referido por Daniela Baptista que salienta que a opção por uma ou por outra destas figuras tem enorme relevância prática: no primeiro caso, cláusula, estaria em causa a aplicação dos arts. 432 e segs, no segundo, condição, a aplicação das regras dos arts. 270 e segs. (estudo citado, págs. 218/219).
O ac. também é referido por Brandão Proença, que não põe em causa a solução encontrada quanto à natureza da cláusula (cláusula resolutiva expressa e não condição) [A cláusula resolutiva expressa como síntese da autonomia e da heteronomia (considerações a partir da análise de uma decisão judicial), Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Heinrich Ewald Hörster, Almedina, Dez2012, pág. 321].
III
No caso do ac. do STJ de 14/05/2002 (02A1138) os autores prometeram vender aos réus, que prometeram comprar, uma fracção. No documento em questão refere-se que a escritura será realizada logo que legalmente possível. O contrato-promessa foi celebrado sem qualquer estipulação de prazo.
O tribunal da relação considerou que o contrato-promessa em causa estava viciado por impossibilidade originária porquanto a não legalização da construção do prédio [a respectiva construção e constituição em propriedade horizontal não estavam legalizadas], impede a realização da escritura de compra e venda, gerando a nulidade do contrato-promessa. Invoca-se, para tanto, o art. 401/1 do CC. Haveria uma impossibilidade legal - que não física - do objecto do contrato. Esta ocorre quando a prestação consiste num acto que a lei não permite que seja realizado, podendo impedi-lo.
O ac. do STJ lembra, além de outras, a posição de Vaz Serra, RLJ 104, pg. 9: "Quando […] é concluído um contrato cujo objecto só pode ser objecto de contrato com aprovação de uma autoridade, o contrato é válido, ainda que não tenha sido dada a aprovação (salvo se desde logo não pudesse contar-se com esta), e, se ela depois não for concedida, o caso é já de impossibilidade superveniente e, consequentemente, não é de nulidade do contrato".
O ac. lembra, de seguida, que o art. 401/2 preceitua que o negócio é válido se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível. E diz que foi este o caso, como se vê da transcrita cláusula. Assim, não há, neste momento, impossibilidade legal, nem originária, nem superveniente, do objecto do contrato-promessa. A circunstância de a Câmara ter indeferido o pedido de legalização não é mais do que isso; o prédio não está legalizado ainda, mas nada mostra que o não possa vir a estar. Por isso mesmo a Câmara diz, mais tarde, que está em vias de legalização.
O STJ conclui assim que é válido o contrato-promessa de compra e venda em que os outorgantes, sabendo que havia obstáculo legal à celebração imediata do contrato prometido e que os promitentes vendedores estavam a diligenciar pela sua remoção, não estipularam qualquer prazo e estipularam que a escritura só seria celebrada quando fosse legalmente possível.
IV
No caso do acórdão do STJ de 02/02/2006 (05B3578) a ré defendia que o contrato estava condicionado à cessação dos arrendamentos existentes sobre o prédio que tinha prometido vender, o que não tinha conseguido fazer por causa que lhe não era imputável. O STJ decidiu que o despejo era obrigação da ré, não condição a que a celebração do contrato definitivo estivesse subordinada.
O STJ começou por esclarecer que, “revestindo a condição carácter estipulatório, resultando da vontade e do comportamento declarativo dos contraentes, a qualificação da cláusula acessória adoptada em um dado contrato, como in casu, depende, em derradeira análise da interpretação do respectivo conteúdo declarativo.
Depois, interpretando o contrato, considera que das cláusulas do mesmo resulta que a ré prometeu vender à autora o terreno livre de ónus ou encargos. Tendo-se comprometido, para possibilitar a concretização da venda prometida, a liberar o prédio do arrendamento que o onerava, assumindo ela o compromisso de efectivar a cessação desse contrato pela forma que entendesse.
Não há, para que a obrigação assumida pela ré seja cumprida, qualquer dependência de um facto futuro, incerto. Pura e simplesmente ela assumiu uma obrigação concreta, no interesse da promitente compradora que era também o seu, só de si própria dependente, que, aliás, se não traduziu em mera obrigação de meios, antes numa verdadeira obrigação de resultado.
Não utilizaram os contraentes, na redacção das cláusulas, qualquer elemento que referisse a obrigação da ré de cessar o arrendamento como uma hipótese possível, antes se serviram de uma frase claramente enunciativa da certeza da obrigação assumida por esta.
E acrescenta, entre o mais: “Se assim não fora, certamente se teria que admitir a qualificação de contrato-promessa subordinado a condição suspensiva em casos típicos de obrigações acessórias do contrato, como por exemplo, quando o promitente vendedor promete vender coisa alheia, obrigando-se a obter a propriedade do objecto do contrato, ou quando o cônjuge casado promete sozinho vender, comprometendo-se a obter o consentimento do outro para a celebração da escritura do contrato prometido.”
V
No caso do STJ de 02/11/2006 (06B3690), com vista à realização do contrato prometido, a ré obrigou-se a sujeitar o prédio, de que prometia vender uma fracção, ao regime de propriedade horizontal e a realizar os actos a isso necessários, de forma a autonomizar a fracção que é objecto daquele. Considerou-se que tal consubstanciava uma obrigação de meios acessória e secundária, em relação à obrigação principal decorrente do contrato-promessa. E considerou-se que o cumprimento do contrato-promessa dependia da constituição pela vendedora - titular do direito de propriedade sobre o prédio - do regime de propriedade horizontal, naturalmente depois de aquela entidade administrativa ter emitido o documento em que expresse os mencionados requisitos. A questão foi enquadrada sob a epígrafe de “consequências do incumprimento e da impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa.”
VI
No caso do ac. do STJ de 13/11/2008 (08B2715), estava em causa, para além do mais, também um contrato-promessa de compra e venda de um lote de terreno dependente da aprovação de um loteamento [a "escritura far-se-á logo que seja possível efectuá-la, tendo em atenção toda a parte burocrática que será desenvolvida pelo segundo outorgante, e de sua conta e risco, inclusive a eventual construção de infra-estruturas exigidas pela Câmara Municipal ou outras entidades intervenientes no processo de loteamento"]. O caso foi tratado como de incumprimento do contrato, não como de não verificação de uma condição suspensiva (questão que nem sequer foi colocada, embora a dada altura se fale no processo de loteamento como condição de realização do contrato prometido, pois que aqui a condição tem o sentido de condição legal, não de condição estipulada pelas partes).
VII
No caso do ac. do STJ de 05703/2009 (08B3337), os réus estavam dependentes da obtenção de toda a documentação necessária para a realização da escritura; e era necessário que a Câmara Municipal emitisse a respectiva licença; não obstante as diligências efectuadas, os réus não lograram obter a licença de ocupação do estabelecimento e respectivo alvará sanitário. O STJ considerou que, no caso, deve ser imputado aos réus e aos autores o não cumprimento da prestação no tempo devido.
VIII
No caso do ac. do STJ de 02/06/2009 (364/04.7TBFND.C1.S1) a acção foi proposta como de incumprimento entre o mais por falta de obtenção da licença de utilização por parte dos réus, promitentes vendedores. Constava do contrato-promessa que a escritura de compra e venda seria realizada logo que os réus comunicassem ao autor a conclusão do cumprimento dos actos preparatórios dela – designadamente a obtenção da licença de utilização na Câmara Municipal – e a respectiva marcação da escritura. Em caso de incumprimento do estipulado por parte dos réus, os mesmos obrigavam-se a devolver, em dobro, as quantias recebidas do autor de sinal ou reforço de sinal, assim como a pagar a este, a título de indemnização, uma quantia igual ao valor de todos os investimentos feitos pelo autor no prédio urbano identificado supra artigo primeiro, de acordo com os documentos comprovativos das despesas efectuadas. O caso foi tratado como de cumprimento das obrigações [de resultado] decorrentes do contrato promessa.
O acórdão explicou a diferença entre a impossibilidade legal originária da celebração do contrato prometido, ou seja em que a obrigação de “facere” fosse legalmente impossível por total inviabilidade da concessão de licença, caso em que o contrato era nulo arts. 280/1 e 401, n.ºs 1 e 3, do CC, e a impossibilidade superveniente. E considerou que no caso o que havia era um incumprimento culposo, pelos réus promitente vendedores, por impossibilitação da prestação de “facere” a que se vincularam no contrato promessa, devendo assumir a inerente responsabilidade pela impossibilitação do cumprimento, conforme o preceituado no art. 801/1 do CC, no caso traduzido pela obrigação de restituição em dobro do sinal recebido pelo autor.
A posição deste acórdão é acompanhada por Jorge Morais Carvalho, pág. 714 da obra na versão completa.
IX
No caso do STJ de 03/11/2009 - 9647/03.2TVLSB.S1) trata-se de uma impossibilidade legal originária. Diz-se, entre o mais: No caso concreto a fracção prometida vender não podia ser destinada à actividade de restauração, ab initio, porquanto a finalidade licenciada pela Câmara Municipal a tal impedia; estamos, portanto, perante uma impossibilidade legal resultante das regras que disciplinam imperativamente o regime jurídico da urbanização e edificação. Não ocorre, assim, a extinção de uma obrigação validamente constituída em consequência de uma impossibilidade superveniente – art. 795/1 do CC –, mas uma nulidade decorrente de uma impossibilidade objectiva e originária da prestação – art. 401/1 do CC (cf., também, o art. 280 do CC – impossibilidade legal do objecto do negócio, nas circunstâncias concretas do programa contratual convencionado ou a sua contrariedade com regulamentação jurídica de ordem pública).
A posição deste acórdão é acompanhada por Jorge Morais Carvalho, págs. 711/712 da obra na versão completa.
X
No caso do ac. do STJ de 01/10/2009 (09B0432) os réus prometeram vender um imóvel sem ainda terem a licença de habitabilidade; vieram a obtê-la mas já depois do contrato ter sido bem resolvido com base no seu incumprimento, pelo que foram condenadas a restituir o sinal em dobro.
XI
No caso do ac. do STJ de 27/01/2010 (228/04.4TBILH.C1.S1 – apenas com o sumário publicado, quer no sítio do STJ quer na base de dados do IGFEJ) diz-se: A cláusula relativa à obrigação ou compromisso da ré sujeitar ao regime da propriedade horizontal o prédio de que é dona, de forma ao 1.º andar passar a constituir uma fracção autónoma e a vendê-lo, livre de ónus e encargos, aos autores, não constitui uma condição suspensiva dos efeitos do contrato-promessa, livremente estipulada pelas partes, mas antes uma obrigação acessória da ré desenvolver, com acompanhamento dos autores, as diligências destinadas a obter a certificação pela entidade competente dos requisitos legais para o fraccionamento do 1.º andar prometido vender, essencial porque constitutiva de uma conditio juris de eficácia da obrigação principal, enquanto apenas tal 1.º andar, como fracção autónoma, poder ser o objecto da obrigação de facere. No caso de não se vir a obter o licenciamento pelas entidades competentes, tratar-se-ia de uma situação de incumprimento […]
A posição deste acórdão é acompanhada por Jorge Morais Carvalho, págs. 712/713 da obra na versão completa.
XII
No caso do ac. do STJ de 07/04/2011 (419/06.3TCFUN.L1.S1) considerou-se que havia uma impossibilidade legal absoluta, quando o título constitutivo da propriedade horizontal proibir o exercício no prédio de actividades comerciais ou estas forem, no caso, insusceptíveis do licenciamento legalmente imposto.
XIII
No caso do ac. do STJ de 06/07/2011 (4438/06.1TBVFX.L1.S1) considerou-se que o alvará ou licença de utilização, obrigatória para os estabelecimentos comerciais da área da restauração ou bebidas, materializa grosso modo uma autorização administrativa que faculta a sua exploração e a sua própria transmissão jurídica e integra um dos elementos necessários ao seu funcionamento.
E depois considerou-se que a promessa de compra e venda do estabelecimento foi celebrada e a obrigação dela resultante assumida para o caso de se tornar possível a aquisição do estabelecimento com “todos os elementos necessários” (entre eles a licença de utilização) ao seu funcionamento o que não pode deixar de (tacitamente) se mostrar subjacente à manifestação de vontade das partes no contrato.
E por isso teve-se como válido o contrato, segundo o que se dispõe no art. 401/2 [primeira parte – acrescento deste acórdão do TRL] do CC e a impossibilidade legal (art. 280 do mesmo Código) verificada no momento da constituição da obrigação, não acarretará a nulidade da promessa enquanto se não verificar a mencionada aquisição ou o seu definitivo incumprimento.
XIV
No caso do ac. do STJ de 15/11/2012 (96/08.7TBCVD.E1.S1) considerou-se que a partir da data da entrada em vigor de uma dada Resolução deixou de ser possível construir, de modo que inviabilizou o que estava planeado. Considerou-se que havia uma impossibilidade legal superveniente.
XV
No caso do ac. do STJ de 27/11/2012 (9052/09.7TBOER.L1.S1) nos dois contratos-promessa accionados constava que a escritura de compra e venda realizar-se-ia no prazo máximo de 180 dias a contar da data da aprovação dos projectos. A acção foi proposta como acção de reconhecimento da resolução do contrato-promessa pela autora, por perda do interesse nos contratos definitivos (porque a não verificação, até ao momento, da aprovação dos projectos e a imprevisibilidade dessa ocorrência eram incompatíveis com a programação da sua actividade), com pedido da restituição do sinal em singelo ou, subsidiariamente, com base nos arts 252, 432, 433, 436 e 439 do CC. A questão nunca se pôs em termos de condição suspensiva. O STJ confirmou a decisão da TR de anulação do contrato com base em erro na base do negócio.
XVI
No caso do ac. do STJ de 30/05/2013 (2697/10.4T2SNT.S1) estava em causa um contrato-promessa da venda de uma fracção dependente da prévia constituição da propriedade horizontal a cargo da promitente vendedora. O caso foi tratado como de potencial incumprimento de obrigação (de legalização junto dos organismos competentes o prédio, dependente de facto de terceiro) e não como de verificação ou não de condição, questão que nem sequer foi colocada.
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No caso nem se provou a mora no cumprimento
Considerando-se, assim, que se está perante uma obrigação assumida num contrato, o pedido de restituição do que foi prestado, pedido esse fundado na resolução do contrato-promessa, depende da prova dos pressupostos da resolução legal (arts. 801 e 808, ambos do CC).
A autora fundamenta a resolução no incumprimento culposo daquela obrigação.
Do que já foi dito acima, resulta que não foi alegado pela autora qualquer incumprimento definitivo da obrigação, mas apenas numa mora especialmente prolongada no tempo.
A mora, no entanto, não equivale a incumprimento para os efeitos do art. 442 do CC, conforme é entendimento tendencialmente unânime na doutrina e unânime na jurisprudência (e por isso, e também tendo em conta que a recorrente não põe em causa este entendimento que a própria sentença recorrida defendeu, embora noutro contexto, não há necessidade de demonstrar esta afirmação).
Ou seja, a mora, só por si, não permite a resolução do contrato, tendo, para o efeito, que ser convertida em incumprimento definitivo, nos termos da 2ª parte do nº. 1 art. 808 do CC, isto é, através da interpelação admonitória.
A verdade, no entanto, é que os factos provados nem sequer permitem a conclusão de que a ré tenha entrado em mora no cumprimento daquela obrigação.
De novo lendo as cláusulas contratuais em causa, vê-se que não foi estabelecido qualquer prazo para o cumprimento da obrigação da ré (da obtenção de facto de terceiro, ou de prestação de facto de terceiro: Antunes Varela, Das obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, Almedina, 1998, págs. 86/87). E não se verifica nenhuma das outras hipóteses do nº. 2 do art. 805 (artigo que se refere ao momento da constituição em mora).
Por outro lado, a carta da autora referida em E) dos factos provados não é uma interpelação para o cumprimento (arts. 805/1 e 777/1 do CC), mas um simples pedido de informação.
Por fim, essa carta não podia ser uma interpelação para o cumprimento, porque, pela própria natureza da prestação, esta não podia ser cumprida logo que o devedor fosse interpelado para o efeito.
Ou seja, era necessário o estabelecimento de um prazo, pelo que, não conseguindo a autora o acordo da ré na fixação do mesmo, teria que ter requerido a fixação de um prazo ao tribunal (arts. 777/2 do CC e 1456 e 1457 do CPC). Neste sentido, por exemplo, vejam-se os acs. do STJ de 06/07/1978 (anotado por Vaz Serra na RLJ 112, págs. 66 a 71); de 18/06/1996, publicado na CJ/STJ, 1996, II.153/154 (: as obrigações de prazo natural, circunstancial ou usual dão lugar a fixação judicial de prazo sempre que o credor não acorde com o devedor quanto ao momento do seu cumprimento”); de 14/05/2002 (02A1138); de 27/03/2003 (03B4389); e de 19/11/2009 – 8711/03.2TBVNG.S1. No mesmo sentido, ainda, Brandão Proença: “a natureza pura das obrigações instrumentais dos promitentes não pode deixar de ter em conta que a interpelação judicial ou extrajudicial não poderá ser feita arbitrariamente ou com violação das regras éticas exigidas aos contraentes (maxime, se é necessária escritura e ainda não decorreu o tempo suficiente para a constituição da propriedade horizontal, para a concessão do empréstimo bancário solicitado […]), impedindo o cumprimento da outra parte ou “camuflando” mesmo um incumprimento. Estas considerações implicam, ao que pensamos, a não aplicação mecânica do regime de vencimento das obrigações puras […] tendo aqui o tribunal um papel de controle (sobre o momento da interpelação e da razoabilidade ou não do prazo consequente) e de integração (ex vi arts 777/2 do CC e 1456/1457 do CPC) do desacordo das partes […].” (Do incumprimento… págs. 113/114).
A não ser que a autora demonstrasse – o que, como já foi referido não o conseguiu fazer - que o tempo já decorrido era mais do que suficiente para preencher o prazo requerido pela natureza da prestação (para esta hipótese, veja-se Antunes Varela, CC anotado, II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 25). Aí talvez se pudesse defender que poderia limitar-se à interpelação para o cumprimento com uma subsequente ou porventura simultânea interpelação admonitória (como já se disse que nem sequer houve interpelação, não interessa discutir melhor a questão).
Por fim, diga-se que o tempo decorrido desde a celebração do contrato-promessa não é necessariamente excessivo, tendo em conta a natureza da obrigação em causa (que entre o mais dependia da homologação de um plano director municipal). Basta lembrar que só passados 13 anos é que a autora veio pedir uma informação à ré sobre o estado do cumprimento da obrigação, comportamento que, só por si, revela que a própria autora não considerou, até aí, que o tempo decorrido fosse excessivo ou tivesse algo de anormal.
Assim, também por esta via (e sem necessidade de entrar em consideração com a suposta demonstração – tentada pela autora, com base em factos alegados e provados pela ré - de que a ré não fez tudo o que lhe cabia para obter a aprovação camarária), se mostra que a sentença não podia dar procedência ao pedido da autora.
Improcedem, pois, todas estas conclusões.
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Conclusões 24 a 35
Nestas conclusões a autora, com transcrição de vários factos dados como provados, põe em causa uma parte da fundamentação da sentença, ou seja, onde a sentença diz que “ … resulta demonstrado que a ré não vem mantendo a autora na ignorância dessa sua actuação….”.
A própria formulação negativa da frase em que a autora focalizou a crítica, indicia o pouco relevo que tal parte da fundamentação da sentença tem para a decisão, o que também decorre da síntese feita acima da fundamentação da sentença, onde não houve necessidade de a incluir.
Por outro lado, a matéria destas conclusões nem sequer consta do corpo das alegações do recurso da autora.
Ora, as conclusões são o local das alegações onde o recorrente deve, “de forma sintética,” indicar “os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 685-A/1 do CPC).
Como se diz no ac. do STJ de 05/07/2001 (01A1864 da base de dados do IGFEJ) citado por João Aveiro Pereira, no seu estudo sobre O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, publicado sob www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf:
“Nas conclusões, não pode o recorrente definir o objecto do recurso para além do que resulta das alegações, embora o possa restringir.”
Ou, como diz João Aveiro Pereira, no estudo acabado de citar:
“[A]s conclusões devem espelhar ou reflectir de modo sucinto o raciocínio desenvolvido nas alegações e não conterem elas próprias todo esse raciocínio. As conclusões não “raciocinam”, devem limitar-se a resumir fielmente o arrazoado que as precede”.
Este autor ainda remete para o ac. do STJ de 21/11/2006 (06A2770), acórdão que lembra:
“Como ensina Alberto dos Reis (CPC anotado, 5º vol. reim-pressão, Coimbra Editora, 1981) as conclusões representam “as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”. Daí que, se determinada matéria não foi impugnada e tratada no corpo das alegações, não possa vir a ser contemplada em sede de conclusões. Como se diz no ac. do STJ de 21/10/93, CJSTJ1993, III, pág. 81 “…as conclusões são um mero resumo dos fundamentos ou da discordância com o decidido, sendo ilegal o alargamento do seu âmbito para além do que do corpo daquelas consta. Portanto, não tendo sido a questão impugnada no âmbito das alegações não tem sentido a conclusão 20º.”
Como diz Alberto dos Reis, obra citada, pág. 357, embora a outro propósito:
“[S]e o artigo exige que a alegação conclua pela indicação resumida dos fundamentos, pressupõe necessariamente que antes da conclusão se expuseram mais desenvolvidamente esses funda-mentos […]”.
Ou como diz o ac. do STJ de 14/05/2002 (02A1138):
É corrente o entendimento segundo o qual o âmbito objectivo de um recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente formula ao alegar, conclusões estas que servem para sintetizar os fundamentos pelos quais se defende a revogação ou a alteração da decisão recorrida - art. 690/1 do CPC. A importância deste sistema está em que não há que conhecer, nem das questões versadas no arrazoado que antecede as conclusões mas não estão contidas nestas, nem das que apenas nestas, e não naquele arrazoado, figuram.”
Não havendo conclusões em sentido próprio (como resumo de fundamentos… que não foram aduzidos no corpo das alegações), não há objecto do recurso quanto à matéria em causa, pelo que estas conclusões não têm de ser consideradas.
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(…)
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas pela autora.

Lisboa, 11/07/2013

Pedro Martins
Eduardo José Oliveira Azevedo
Lúcia Sousa
Decisão Texto Integral: