Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4270/17.7T8SNT.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A remuneração fixa, mínima, do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz, é, salvas as excepções legalmente previstas, e de acordo com a Portaria 51/2005 de 20 de Janeiro, de € 2.000,00.

Tendo decorrido menos de seis meses entre a nomeação do administrador da insolvência e o encerramento do processo de insolvência por insuficiência de meios, a segunda prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência, que haveria de vencer-se seis meses após a primeira, vence-se na data do encerramento do processo.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.Relatório:

R..., nos autos m.id., veio apresentar-se à insolvência e requerer a exoneração do passivo restante.

Corridos os termos legais, veio a ser proferida sentença, com data de 5.4.2017, que declarou a insolvência do requerente, nomeando Administrador de Insolvência o Sr. Dr. A..., o qual aceitou a nomeação em 10.4.2017.

Apresentado pelo Administrador o relatório a que se refere o artigo 155º do CIRE, pronunciando-se os credores, e apreciando-se o relatório em assembleia de credores, veio a ser proferido, em 21.6.2017, despacho liminar de exoneração do passivo restante e encerramento do processo, sendo a respectiva parte dispositiva, e para o que aqui interessa, a seguinte:

Decide-se assim admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e em consequência:

a)- Nomear para desempenhar as funções de fiduciário, o(a) Administrador(a) de Insolvência que desempenhou funções nestes autos (cfr. art.ºs 240º a 242º do CIRE).

b)- Fixar a remuneração do(a) Fiduciário(a) em 10% das quantias objecto de cessão – cfr. art.º 240º, n.ºs 1 e 2, 241º, n.º 1, al. c) e 60º, n.º 1, do CIRE e art.º 25º, da Lei n.º 32/2004, de 22/07, que será suportado pelos Insolventes.

c)- Determinar que o rendimento disponível que o(a) Devedor(a) venha a auferir, no prazo de 5 anos a contar da data de encerramento do processo de insolvência, que se denomina, período da cessão, se considere cedido ao fiduciário ora nomeado, com exclusão da quantia equivalente a 1,3 (um vírgula três) vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondentemente em vigor.

d)- Desde já se confere ao (à) fiduciário(a) a tarefa de fiscalizar o cumprimento pelo devedor das obrigações que sobre este impendem, com o dever de informar em caso de conhecimento de qualquer violação (art.º 243.º, n.º 3, do CIRE).

e)- Sob pena de não lhe ser concedido, a final, o pedido de exoneração do passivo restante, durante este período de cinco anos, o(a) Devedor(a) fica obrigado(a) (art.º 239º, n.º 4, do CIRE):

(…)

Notifique.

2.–

Encerramento do processo   

(…)

Pelo exposto:

1–Declara-se encerrado, por insuficiência da massa insolvente, nos termos dos art.ºs 230.º, n.º 1, al. d), e 232.º n.º 2 do CIRE, o presente processo de insolvência.

2–Adverte-se o(a) Sr.(a) Administrador(a) da Insolvência para o disposto no art.º 232.º, n.º 4, do CIRE.

3–Cessam todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, designadamente recuperando a devedora o direito de disposição dos seus bens – art.º 233.º n.º 1, al. a), sem prejuízo do disposto no art.º 242.º, n.º 1, do CIRE.

4–Cessam as atribuições do(a) Administrador(a) da Insolvência, excepto as relativas à apresentação de contas – art.º 233.º n.º 1, al. b), do CIRE.

5–Nos termos do art.º 233.º n.º 6 do CIRE qualifica-se como fortuita a insolvência.

(…)

3.–

Remuneração do Administrador Judicial

Nos termos dos art.ºs 60.º n.º 1, do CIRE e 22.º, 23.º n.º 1, 29.º n.ºs 2 e 10 e 30.º n.º 1 da Lei n.º 22/13 de 26/02 (Estatuto do Administrador Judicial) e dos art.ºs 1.º n.º 1 e 3.º n.ºs 1 e 2 da Portaria nº 51/2005 de 20/01, o pagamento da remuneração e despesas do Sr. Administrador da Insolvência são suportados pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP., sendo € 1.000,00 (mil euros) o valor da remuneração, atendendo a que a segunda prestação não se venceu, nem é exigível após o encerramento do processo - art.º 29.º, n.º 2, do Estatuto do Administrador Judicial (veja-se neste sentido o Tribunal da Relação de Coimbra em acórdão proferido em 11.03.2014, disponível em www.dgsi.pt, acórdãos TRC, processo: 663/11.1TBTND.C1).

4.–

Prestação de contas

Uma vez que não foram apreendidos bens ou direitos nem realizadas despesas que excedam o valor da provisão legal, como requerido, dispensa-se a prestação de contas nos termos do art.º 62.º, do CIRE”.

Inconformado com a remuneração fixada, veio o Administrador de Insolvência interpor o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:

IPor despacho de encerramento do processo de insolvência proferido a 21 de junho de 2017 decidiu o Mmº. Juiz a quo "o pagamento da remuneração e despesas do Sr. Administrador da Insolvência são suportadas pelo Instituto de Gestão Financeira e da Infraestruturas da Justiça, I.P., sendo € 1.000,00 (mil euros) o valor da remuneração, atendendo a que a segunda prestação não se venceu, nem é exigível após o encerramento do processo - art. 29º nº 2 do Estatuto do Administrador Judicial".

IIA Portaria 51/2005 de 20 de Janeiro fixou a remuneração fixa do Administrador de Insolvência em 2.000€;

IIIO artigo 29º nº 2 da Lei 22/2013 de 26 de fevereiro estabelece que a remuneração do Administrador de Insolvência (no valor de 2.000€) será paga em duas prestações.

IVA 1ª prestação vencer-se-á na data de nomeação do administrador de insolvência;

VA 2ª prestação vencer-se-á seis meses após tal nomeação mas nunca após a data de encerramento do processo.

VIA 2ª prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência vence-se seis meses após a data da sua nomeação, mas se na data em que o processo for encerrado ainda não tiver decorrido esse prazo, a segunda prestação vence-se na data de encerramento do processo.

VIITem o recorrente direito à remuneração global de 2.000€.

VIIIO despacho de que ora se recorre violou o caso julgado formado pela sentença de 5 de abril de 2017.

Termos em que deverá o presente recurso ser admitido e ser dado provimento ao mesmo por errada interpretação dos artigos 22º, 23º e 29º da Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro e do artigo 1º nº 2 da Portaria 51/2005 de 20 de Janeiro, revogando-se o douto despacho que fixou o valor da remuneração fixa do recorrente em 1.000,00€, ordenando-se o pagamento ao recorrente da retribuição de 2.000,00€.

Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir:

II.Direito

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir é a de saber se a remuneração do Administrador de Insolvência deve ser fixada em €2.000,00, ou dito de outro modo, se a segunda prestação se venceu e é devida.

III.Matéria de facto

A constante do relatório supra.

IV.Apreciação

A decisão recorrida fundamentou-se no não vencimento da segunda prestação da remuneração fixa do administrador de insolvência e na impossibilidade legal de pagamento dessa segunda prestação após o encerramento do processo.

Partiu portanto da parte final do disposto no artigo 29º nº 2 da Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro, segundo o qual, “A remuneração prevista no n.º 1 do artigo 23.º é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo”.

Ora, como os autos demonstram que decorrem menos de seis meses entre a data da nomeação e a data do encerramento, o raciocínio será a de que a segunda prestação não chegou a vencer-se, e mesmo que assim não fosse, então vencer-se-ia depois do encerramento do processo e portanto a lei estipula que nunca seria paga.

Vejamos se assim deve ser entendido, tendo em mente que a interpretação da lei não se pode resumir ao sentido literal do texto, antes, pelo mínimo, tem de observar a coerência sistemática do conjunto dispositivo em questão.

Dispõe o artigo 22º da referida Lei 22/2013, que aprovou o estatuto do administrador judicial, que “O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas”.

Nos termos do artigo 23º nº 1 do mesmo diploma, “O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia”.

A Portaria em questão é ainda a nº 51/2005 de 20.1, em cujo intróito se refere: “A Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, aprovou o estatuto do administrador da insolvência, remetendo para portaria a fixação dos valores da respectiva remuneração. A presente portaria aprova o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função dos resultados obtidos”.

E em consonância, a Lei n.º 22/2013 – que revogou a referida Lei n.º 32/2004 – estabelece ainda, no nº 2 do artigo 23º, que “O administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior”.

Portanto, é claro que o objectivo legislativo é o de remunerar as funções que são desempenhadas, sendo que há uma parte fixa da remuneração, sempre devida, e sendo que, quando tal se justifique em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, haverá uma remuneração variável de acordo com as tabelas constantes da portaria.

Dito de outro modo, uma interpretação não literal não autoriza a pensar que, devido à curta duração do desempenho do cargo e às poucas tarefas realizadas, a remuneração seja fixada em valor considerado proporcional ao trabalho desenvolvido, derrogando-se assim a pretensão de que, pelo menos, é devida a remuneração fixa.

Esta é, de acordo com o artigo 1º da Portaria 51/2005 de 20/01: “O valor da remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, nos termos do nº 1 do artigo 20º da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência, é de € 2000”.

Portanto, seja apenas para cativar e assim tornar exequível o desempenho de funções de administrador de insolvência, a remuneração fixa, pelo valor fixado legalmente, é devida, salvo nos casos expressamente previstos.

Note-se que no caso concreto não se aplica a excepção prevista no nº 2 do artigo 1º da Portaria, “No caso de o administrador da insolvência exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador, aquele terá direito somente à primeira das prestações (…)” prestações estas constante do artigo 29º da Lei n.º 22/2013, a saber: “2– A remuneração prevista no nº 1 do artigo 23º é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo”. E não se aplica porque no caso concreto o desempenho de funções por menos de seis meses não resulta do facto do administrador, ora recorrente, ter sido substituído.

Não tendo sido invocada, no despacho recorrido, qualquer excepção que justificasse a fixação da remuneração em €1.000,00, e já tendo sido visto que é inequívoco ser a remuneração fixa de €2.000,00, podemos então considerar que a segunda prestação não se venceu e que não pode ser paga após o encerramento do processo?

Salvo o devido respeito, estaríamos, através dum dispositivo legal secundário, relativo à forma de pagamento, a desvirtuar o propósito firme de estabelecimento de remuneração fixa, que é também, por isso, uma remuneração mínima.

Por outro lado, se se deve presumir que o legislador soube exprimir-se perfeitamente, nos termos do artigo 9º do Código Civil, então poderia ele certamente ter suprimido a menção ao exercício de funções por menos de seis meses apenas em caso de substituição de administrador, ficando assim claro que pressuporia que um exercício de funções por menos de seis meses era, em todo o caso, merecedor de apenas €1.000,00 de remuneração fixa. Não o tendo feito, será caso de, respeitando a sua vontade de que a segunda prestação não seja paga após o encerramento do processo, se entender que a segunda prestação se vence seis meses após a primeira, salvo se entretanto ocorrer o encerramento do processo, caso em que se vencerá com ele.

Neste sentido, os acórdãos desta Relação de 2.7.2015, da Relação de Coimbra de 2.6.2015, e da Relação de Guimarães de 19.1.2017, todos consultáveis no sítio electrónico da “dgsi”.

Importa assim revogar a decisão recorrida, e em substituição, fixar a remuneração do recorrente em €2.000,00 (dois mil euros).

Sem custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V.Decisão

Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a decisão recorrida na parte em que fixou a remuneração ao recorrente em €1.000,00, substituindo-a pelo presente acórdão que fixa tal remuneração em €2.000,00 (dois mil euros).

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 09 de Novembro de 2017

Eduardo Petersen Silva

Cristina Neves

Manuel Rodrigues

Decisão Texto Integral: