Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17684/16.0T8LSB.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: REJEIÇÃO LIMINAR
EXECUÇÃO
CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
CÁLCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I– A liquidação do montante condenatório quando do que se trata, essencialmente, é destrinçar a parte do capital de cada uma das prestações relativamente à parte de juros incorporada; multiplicá-lo pelas que são devidas (da 7ª à 72ª); sobre este montante fazem incidir os juros de mora à taxa contratual acordada; seguidamente, cumpre diminuir-lhe a verba de € 6.429,61, depende de simples cálculo aritmético.

II– Basicamente, tudo isto não passa de um mero conjunto de operações matemáticas, que não exige, nem comporta, a discussão de qualquer outro tipo de matérias, não havendo cabimento para nenhum acto prévio de escolha, determinação ou concertação da prestação devida ou para o apuramento de qualquer factualidade não discriminada na sentença proferida na acção declarativa respectiva.

III– Importa, ainda, não confundir a eventual incorrecta liquidação a que o exequente terá procedido (e sobre a qual a executada exercerá o competente contraditório), da natureza da prestação que foi objecto da sentença condenatória e que, tal como se encontra definida e expressa no aresto em causa, depende efectivamente de simples cálculo aritmético.

IV– Assim sendo, tal liquidação deverá ser feita no presente requerimento executivo, prosseguindo a execução os seus normais trâmites, em conformidade com o regime que resulta, conjugadamente, do disposto nos artigos 704º, nº 6 e 716º, nº 1, 4 e 5, do Código de Processo Civil.


Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº 7, do Cod. Proc. Civil.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa(7ªSecção ).


I–RELATÓRIO:


A exequente C S.A., instaurou a presente execução contra Dália …, com base na sentença, datada de 19 de Julho de 2010, proferida pelo 7.º Juízo Cível de Lisboa.

Nos termos dessa sentença a executada foi condenada pagar uma quantia que a sentença não quantifica, quantia essa correspondente “às prestações 7.ª a 72.ª, compostas por capital fraccionado, juros de mora à taxa contratual acordada e respectivo imposto de selo, desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, reduzido a tal valor o de €6.429,61.”.

Foi proferida decisão de rejeição do requerimento executivo, datada de 11 de Outubro de 2017, nos seguintes termos:
(…) Estamos em presença de condenação nos termos do art.661.º n.º2 do CPC (versão anterior a 1.9.2013, vigente à data da sentença), e que determina “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja liquida.” Este n.º2 tem a redacção dada pelo DL38/2003 de 8 de Março, que alterou, justamente, o meio processual de proceder à liquidação da condenação ilíquida e que antes estava previsto ser feito em liquidação e sentença.
Em conformidade com tal alteração, passou o art.378.º n.º2 a prever que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º2 do art.661.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.
Assim, a liquidação da quantia em caso de condenação ilíquida é, desde 2003, com as alterações operadas pelo DL38/2003 de 8 de Março, feita através do incidente de liquidação a instaurar na acção onde foi proferida a sentença e não já, como antes sucedia, no processo executivo através de liquidação prévia.
Por isso mesmo, prevê o n.º5 do art.716.º do CPC que o disposto no número anterior relativamente à liquidação quando a execução se funde em título extrajudicial, se aplique às execuções de decisões judiciais quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração. E tal ónus existe relativamente a condenações proferidas em acções declarativas, a menos que a liquidação dependa de simples cálculo aritmético. De facto o art.704.º n.º6 do CPC determina que “Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º7 do art.716.º (norma esta que respeita à iliquidez da obrigação resultante de ter por objecto uma universalidade e por isso inaplicável ao caso).
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.10.2014 (João Nunes), acessível em www.dgsi.pt, “A liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo aritmético se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução; Diversamente, não depende de simples cálculo aritmético (embora implique, também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título e que não são notórios nem de conhecimento oficioso.”.
No caso dos autos a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, porquanto, a ser assim, o título executivo – ou seja a sentença - devia permitir que por meras operações matemáticas se apurasse qual o valor do capital em divida e não permite, não resultando a premissa base do cálculo da segurança do título. E tanto assim é que o exequente alegando que o capital em divida é de €12.474,32, remete para documento diferente da sentença com vista à prova do facto, numa espécie de complemento à sentença. Ademais, o tribunal tendo efectuado diversos cálculos a partir dos dados de facto que constam da sentença (ponto 1 dos factos provados) não logrou chegar ao valor que o exequente indica pois tal valor não resulta apreensível daqueles dados de facto. Aliás, caso a liquidação dependesse de simples cálculo aritmético, a defesa oposta à mesma ou a sua impugnação haveria de se cingir a erros de cálculo que o próprio tribunal também estivesse em condições de constatar em face do título. No caso não se sabe se a liquidação está ou não correcta porque parte de um valor novo com base num elemento/documento probatório novo. Desta feita a sentença/título executivo não permite só por si (ou seja sem a necessidade da produção de prova de outros factos) o apuramento do montante devido. O exequente na liquidação não se limita a proceder a cálculos aritméticos a partir dos elementos constantes do título executivo, alega – sem cobertura na sentença – o valor devido (que é o valor a apurar em sede de liquidação e por isso teria que ser objecto de prova) e sobre esse valor é que aplica os cálculos aritméticos necessários ao apuramento dos juros, estes sim liquidáveis por simples cálculo aritmético.
A execução tem pois como titulo executivo uma sentença que condenou em quantia ilíquida (cuja liquidação não depende de simples cálculo aritmético) e a liquidação tem que ser feita no processo declarativo respectivo, o que tem como consequência que o exequente não pode instaurar execução com base nessa sentença antes de tornar a condenação líquida porque não pode liquidar a obrigação no âmbito do processo executivo. Neste sentido Ac. da RP de 16.12.2015 (relator Jorge Loureiro) acessível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere: “I - A liquidação de obrigação ilíquida reconhecida em sentença proferida em processo declarativo e não dependente de simples cálculo aritmético deve fazer-se no próprio processo declarativo em que foi proferida a sentença que condenou na satisfação daquela obrigação. II - Procedendo o exequente a essa liquidação no requerimento executivo, este deve ser liminarmente indeferido; se o não for deve a execução ser posteriormente rejeitada.”
Por isso estamos em presença de situação em que a sentença não é imediatamente exequível.
Em face do exposto, o título executivo antes de ser objecto de liquidação é insuficiente para instaurar a execução, e a falta ou insuficiência do título é fundamento de indeferimento liminar ou de posterior rejeição da execução.
Pelo exposto, rejeito a execução nos termos do art.734.º do CPC” (cfr. fls. 57 a 60).

A exequente apresentou recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 89).

Juntas as competentes alegações, a fls. 62 a 65, formulou o apelante as seguintes conclusões:
A decisão recorrida violou o disposto no artigo 703º nº 1, alínea a), e nos nºs. 1 e 2 do artigo 716º, ambos do Código de Processo Civil, o disposto no nº 4 do dito normativo legal, o disposto também nos artigos 358º a 361º e igualmente no artigo 297º do referido normativo legal, donde, atento o que dos autos consta, e por violação dos citados preceitos, o recurso dever ser julgado procedente e provado e a sentença recorrida ser substituída por Acórdão que ordene o prosseguimento da execução nos precisos termos constantes do requerimento executivo, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei, se fazendo.

Contra-alegou a apelada pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

II–FACTOS PROVADOS.

Os indicados no RELATÓRIO supra.
 
III–QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
Rejeição do requerimento executivo. Desnecessidade de recurso prévio ao incidente de liquidação previsto nos artigos 358º a 361º do Código de Processo Civil. Obrigação determinável, ou não, por simples cálculo aritmético.

Passemos à sua análise:
A questão jurídica essencial que cumpre apreciar resume-se a saber se a liquidação a efectuar pela autor/exequente reportada à condenação genérica constante da sentença dada à execução depende, ou não, apenas de simples cálculo aritmético.
Em caso afirmativo, tal liquidação deve ser feita no presente requerimento executivo, prosseguindo a execução os seus normais trâmites, em conformidade com o regime que resulta, conjugadamente, do disposto nos artigos 704º, nº 6 e 716º, nº 1, 4 e 5, do Código de Processo Civil.
Em caso negativo, terá o credor que fazer previamente uso do incidente de liquidação previsto nos artigos 358º a 361º do Código de Processo Civil, havendo, nessa medida, que concluir pelo acerto da decisão que, com esse fundamento, determinou a rejeição do requerimento executivo, em conformidade com o disposto no artigo 704º, nº 6, do Código de Processo Civil.

Vejamos:

A condenação da Ré teve lugar nos seguintes termos:
“…condeno a Ré Dália Maria Nascimento Brito Gonçalves a pagar ao A. o montante correspondente às prestações 7.ª a 72.ª, compostas por capital fraccionado, juros de mora à taxa contratual acordada e respectivo imposto de selo, desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, reduzido a tal valor o de €6.429,61.”.

Ora, não se nos afigura que possa subsistir qualquer tipo de dúvida séria de que a liquidação do montante condenatório em apreço é apurável através de simples cálculo aritmético.

Ou seja, através da análise dos elementos constantes dos autos e mais propriamente da sentença exequenda, e respeitando os limites objectivos da condenação judicial proferida, haverá apenas que destrinçar a parte do capital de cada uma das prestações relativamente à parte de juros incorporada; multiplicá-lo pelas que são devidas (da 7ª à 72ª); sobre este montante fazem incidir os juros de mora à taxa contratual acordada; seguidamente, cumpre diminuir-lhe a verba de € 6.429,61.

Basicamente, tudo isto não passa de um mero conjunto de operações matemáticas, que não exige, nem comporta, a discussão de qualquer outro tipo de matérias, não havendo cabimento para nenhum acto prévio de escolha, determinação ou concertação da prestação devida ou para o apuramento de qualquer factualidade não discriminada na sentença proferida na acção declarativa respectiva.

Cumpre, a este propósito, salientar que não nos encontramos aqui perante a necessidade de tornar líquidos pedidos genéricos, referentes a uma universalidade de facto ou de direito ou às consequências de um facto ilícito, tal como prevenido no artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Nenhum dos acórdãos referenciados nos autos, quer pelo juiz a quo, quer pela apelante – acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Dezembro de 2015 (relator Jorge Loureiro) e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de Março de 2013 (relatora Rita Romeira), ambos publicados in www.dgsi.pt - versa sobre situações minimamente comparáveis à presente, nada relevando para a ponderação a realizar no âmbito do conhecimento do mérito da causa.

Importa, ainda, não confundir a eventual incorrecta liquidação a que o exequente terá procedido (e sobre a qual a executada exercerá o competente contraditório), da natureza da prestação que foi objecto da sentença condenatória e que, tal como se encontra definida e expressa no aresto em causa, depende efectivamente de simples cálculo aritmético.

Procede, por conseguinte, a presente apelação.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.

IVDECISÃO: 

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida e ordenar o normal prosseguimento dos termos do processo executivo.
Custas pela apelada.



Lisboa, 27 de Fevereiro de 2018.
 


(Luís Espírito Santo)                                                   
(Conceição Saavedra).
(Cristina Coelho).