Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
423/15.0T8VPV.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ARRENDAMENTO RURAL
PROCURAÇÃO
ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário da responsabilidade do Relator:
I - Não obstante o carácter livre, autónomo e discricionário do poder de representação, ele deriva do poder do dominus o qual pretende autoregular interesses (autonomia privada) por recurso à colaboração do sujeito representante, sendo assim a representação um meio para o interesse do dono do negócio ser realizado, interesse esse que é a finalidade jurídica económica e social que o representado pretende obter através do negócio representativo. É assim razoável o aparecimento de incompatibilidade entre tal escopo funcional da representação e aquele efectivamente realizado. O exercício inadmissível do poder de representação traduz-se num conflito ou incompatibilidade de interesses, ou dito de outro modo o exercício do poder em violação do fim social e económico do poder algo semelhante com o que ocorre com abuso de direito nos termos do art.º 334.º;

II - Existirá um exercício inadmissível da posição jurídica do representante ou abuso de representação sempre que se verifique um conflito entre a função justificativa da concessão dos poderes e o fim efectivamente prosseguido pelo representante, formalmente o agente actua dentro dos limites do poder representativo mas materialmente contraria a função desse poder;

III - O art.º 269.º reporta-se ao abuso de representação. Aplica-se o regime da representação sem poderes (ineficácia do negócio jurídico em relação ao representado se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: APELANTES/RÉUS: NP... e GP... (Ambos litigando com apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, conforme documentos de fls. 29/30 e 45/47, representados em juízo pelo ilustre advogado L …., com escritório na Cidade da Praia da Vitória, Açores, conforme cópias dos instrumentos de procuração de 24/8/2015 de fls. 50, e 36, apenas tendo contestado a Ré GP...)
APELADA/AUTORA: CA... (representada em juízo pela ilustre advogada JT..., com escritório na Ribeira Grande, Açores, conforme cópia do instrumento de procuração de 28/3/2015 de fls. 16)
*
Com os sinais dos autos.
*
Valor da acção:5.000,01euros (ref.ª 41896069, despacho saneador de 21/1/2016 de fls. 75)
*
I.1. A Autora propôs contra os Réus a presentes acção declarativa sob a forma de processo comum onde pede:
a) Declaração de ineficácia do contrato de arrendamento de 28/8/2014 em relação à Autora por abuso de representação e quando assim se não entenda;
b) Declaração de nulidade do contrato de arrendamento por falta de poderes de representação;
c) Condenação dos RR a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito em 1, ordenando-se a sua restituição de imediato à Autora, livre e devoluto;
d) Condenação dos RR a pagar à Autora a quanta que vier a ser liquidada em execução de sentença a título de indemnização pelos danos patrimoniais por esta sofridos em virtude da ocupação do prédio em casa, os quais correspondem à perda de rendimento, pela impossibilidade de explorar o prédio arrendado desde 28 de Agosto de 2014 e até à sua entrega em valores de renda de mercados ou de dele dispor como entender, acrescida essa quantia de juros moratórios calculados desde a citação até integral pagamento;
e) Condenação da 2.ª Ré a pagar à Autora sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega desse prédio a contra da respectiva citação e até à sua entrega efectiva nos termos do art.º 829.º-A do CPC;
I.2. Em suma sustenta que:
• Em 2004 a Autora no estado de solteira adquiriu por compra em comum com NA..., também conhecido por LA... no estado de divorciado o prédio rústico com a área de 5 alqueires sito à C.T., freguesia de Santa Cruz, concelho de Praia da Vitória, na matriz inscrito sob 3199_R e descrito na C.R.P. de Praia da Vitória sob 1997 - Santa Cruz, a Autora veio a casar com o dito LA... em 17/5/86, de cujo casamento nasceu AA... tendo LA... falecido a 23/5/2013 e deixado como herdeiros a Autora e a filha AA... bem como 2 filhos de anterior casamento de LA... SA... e JA... (art.ºs 1 a 3)
- O 1.º Réu, era o procurador do falecido marido da Autora e aquando do seu falecimento o Réu ligou à Autora a solicitar nova procuração porque se não mandasse nova procuração não poda pedir subsídio por morte do marido e reforma a Autora para satisfação dessa necessidade dirigiu-se ao cartório notarial nos EU e por instrumento de 9/7/2013 outorgado no Cartório do Notário Público Manuel C. Santos em Cambridge Massachussetts EUA conferiu ao 1.º Réu poderes para a prática de actos civis do documento 5, procuração essa que lhe foi apresentada como minuta habitualmente utilizada para emigrantes portugueses nos EUA com os mais amplos poderes, procuração que  a Autora enviou ao 1.º Réu a quem deu indicações de que pretendia colocar no mercado de venda os prédios que fazem parte do acervo hereditário por morte do marido e de que faz parte o direito a metade do identificado prédio e de cuja outra ½ a Autora já é dona por direito próprio (art.ºs 4 a 9).
- Até à morte do marido da Autora, o 1.º Réu explorava o sobredito prédio a título gratuito tirando todos os proveitos e tinha o encargos de zelar pela moradia da Autora considerando que faz parte dessa herança uma casa e o terreno, situação que se manteve durante 4 anos em que o 1.º réu nunca pagou a renda pelo uso e exploração daquele prédio, o qual uso e exploração gratuito lhe foi dado pelo falecido marido da Autora como contrapartida pelos seus trabalhos de procurador do mesmo e por cuidar da casa na ausência da Autora e marido, o 1.º Réu solicitou à Autora que mantivesse essa situação até finais de 2012 alegando que “se o fizeres vais cortar-me as pernas porque tenho lá duas bezerras a criar-se e disse-lhe para lá ficar até ao final do ano de 2012”, a Autora nisso consentindo, mas o 1.º Réu, usando a procuração, perante o risco de deixar de fazer uso e exploração gratuita do prédio, face à intenção de venda da Autora aos 28/8/2014, contra a vontade manifestada pela Autora e sem o seu consentimento, outorgou contrato de arrendamento a sua filha ora 2.ª Ré com ele residente por 10 anos e pelo valor anual de 275 euros, o que tendo sio do conhecimento posterior da Autora levou a que esta, por instrumento público de 14/10/2014 junto da Chancelaria do Consulado Gerald e Boston tivesse revogado a referida procuração a favor de NP... que disso foi notificado a 17/10/2014, tendo a Autora apurado junto do mercado de arrendamento da Praia de Vitória que para a tipologia do terreno em causa e condições que oferece o valor da renda anual praticado é de 800,00 euros por anos por 5 alqueires ao contrário dos 275 euros, este valor nem sequer é suficiente para suportar os encargos que a Autora despende ainda com o empréstimo contraído para a sua aquisição o que torna as prestações contratuais desequilibradas e a celebração do contrato como abusivo, desequilíbrio esse de que os RR tinham conhecimento, tendo actuado em prejuízo da Autora e em seu benefício, pelo que o mesmo é ineficaz em relação à Autora por abuso de representação do 1.º réu e com conhecimento da 2.ª Ré, nos termos dos art.ºs 269.º e 268.º do C. Civil (art.ºs 10 a 33).
- Acresce que no momento em que o 1.º réu celebrou o contrato de arrendamento com a 2.ª Ré apenas metade do prédio rústico que dele era objecto pertencia à Autora pois que sendo LA... já então falecido a outra metade pertencia aos respectivos herdeiros, o arrendamento por 10 anos é sempre um acto de administração extraordinária que carece da intervenção de todos os herdeiros nos termos do art.º 1024.º do C. Civil sendo certo que nem a Autora nem os restantes herdeiros derma assentimentos à celebração desse contratos, sendo que o arrendamento efectuado pelo valor indicados muito inferior ao de mercado de 800 euros impossibilita a Autora de o explorara e dele retirar os seus frutos nomeadamente através do arrendamento por espaço que receberiam as respectivas rendas por valor justo, a par de impossibilitarem pela ocupação a venda do mesmo (art.ºs 34 a 40).
I.3 A Ré, citada, veio contestar, excepcionando a ilegitimidade activa da Autora por estar desacompanhada de todos os herdeiros e comproprietários e impugnando em suma disse, motivadamente:
- O pai da Ré foi procurador do falecido marido da Autora LA..., este solicitou nova procuração à Autora aquando da morte do marido a fim de tratar do subsídio de morte, pensão de viuvez da Autora e reduzir o contrato de arrendamento do prédio rústico descrito na p.i. a Autora sempre teve consciência de que a procuração que passou ao pai da Ré era inclusivamente para fazer o contrato de arrendamento rural, nunca tendo dado indicações ao Réu NP... para vender os prédios que fazem parte do acervo hereditário por morte do LA..., o Réu NP... só era procurador da Autora e jamais poderia vender na totalidade os referidos prédios pois não representava os restantes herdeiros, enquanto o LA... foi vivo já a Ré fazia de arrendamentos o referido prédio rústico arrendamento esse não reduzido a escrito, por vontade expressa do mencionado LA... a renda era de 275 euros anuais e foi paga com benfeitorias feitas no terreno objecto do arrendamento rural (arts.º 1 a 10).
- O terreno encontra-se inculto, cheio de pedras e pedregulhos um parte era pomar também inculto e para se tornar produtivo a Ré teve de pagar ao senhor José A... a quantia de 250,00 euros para proceder ao arranque de árvores remoção de pedras com uma retroescavadora a Ré o seu pai trabalharam na limpeza desse terreno vários dias o que em trabalho dava pelo menos 475 euros, limpeza que valorizou o prédio e como contrapartida do terreno a Réu e os eu pai obrigaram-se a cuidar da casa da Autora e do falecido marido, a Ré pretendia reduzir a escrito o contrato de arrendamento existente, a Autora acedeu a tal, a Ré pagou a renda referente ao ano agrícola 2013/2014 ao procurador da Autora AF..., tendo o procurador da Autora reconhecido explicitamente o arrendamento, pelo que a Autora litiga de má-fé (art.ºs 11 a 22).
I.3. Em resposta, a Autora veio sustentar a improcedência da excepção de ilegitimidade, em suma dizendo que a Autora actua nos autos não apenas por si, na qualidade de comproprietária titular de uma quota de ½ do prédio reivindicado, mas, também, em representação da herança de LA..., comproprietária da outra metade, na sua qualidade de cabeça de casal, nos termos dos art.ºs 2078.º e 2088.º/1 do C. Civil.
I.4. Prescindida a audiência prévia, foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade da Autora em suma opor a Autora agir em juízo na qualidade de proprietária dos 50% do prédio em causa e de cabeça-de-casal da herança titular da quota remanescente e à luz do disposto nos art.ºs 2078.º, 2088.º e 2091.º do C. Civil, foi fixado o objecto do litígio como sendo o contrato de arrendamento celebrado por procurador se padece de qualquer invalidade em sentido amplo e se existe fundamento par ser determinada a restituição do prédio aos donos e ressarcibilidade dos danos sofridos pelos donos do prédio, assim como enunciados foram 5 temas de prova, tendo sido instruídos os autos.
I.5. Inconformados com a sentença de 6/11/2017 (ref.ª 45507332),que julgando a acção provada, consequentemente decidiu i. Condenar os réus a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o prédio rústico com a área de 5 alqueires (0,534 há), sito à C.T., freguesia de Santa Cruz, concelho da Praia da Vitória, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artº 3...-. e descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória sob a ficha nº 1997; ii. Declarar que o contrato de arrendamento celebrado a 28 de Agosto de 2014 entre o réu, na qualidade de procurador da autora, e a ré, é ineficaz relativamente àquela CA...; iii. Determinar que a ré proceda de imediato à restituição do prédio à autora, livre e devoluto. iv. Condenar os réus a pagar, solidariamente, a quantia que vier a ser apurada em execução de sentença a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pela autora em virtude da ocupação do prédio, sendo esses danos coincidentes com a perda de rendimento pela impossibilidade de explorar o prédio arrendado desde a data do contrato até à data da sua entrega, tudo em valores de renda de mercado, ou de dele dispor como entender; v. Condenar ainda a ré a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €100 por cada dia de atraso na entrega do prédio, sendo os dias computados a partir do trânsito em julgado da sentença, dela apelaram os Réus em cujas alegações concluem em suma:
a) Deve revogar-se a decisão porque resultou provado quer o arrendamento rural já existia na forma verbal desde 2012 feito entre o falecido marido da Autora e a Ré, a renda primeiramente paga com serviços prestados pelos réus ao manter a casa da Autora limpa, pintada, arejada, retelhada, recebendo rendas quando dada de arrendamento, que certamente se traduzia num montante muito superior à renda estipulada por lei para os casos idênticos, as rendas pagadas após a morte do marido da Autora, pela Ré são muito superiores às fixadas pela tabela estipulada pelo Governo Regional dos Açores para o Arrendamento rural (Conclusões 1 a 4).
b) O Tribunal não se pronunciou sobre o depósito das rendas efectuadas na C.G.D. pela Ré, ora apelante, tendo a sentença violado o disposto no art.º 668 do C.P:C. (Conclusões 5 e 9).
c) A Autora ao demandar os Réus na acção em apreço limita-se só a defender o seu quinhão, pois existem outros herdeiros, que, jamais se pronunciaram sobre o presente litígio (Conclusão 6).
d) Ao manter-se a decisão recorrida gera-se uma imensa injustiça pois os apelantes com os serviços que prestaram ao marido da Autora e a esta corresponde certamente a um valor muito superior a 275,00 euros por anos, assim sendo quem mais beneficiou com todas esta situação foram os proprietários do terreno rústico em causa, o réu reduziu o contrato de arrendamento rural a escrito pois a sua forma verbal é nula (Conclusões 7 e 8).
Termina pedindo que se julgue o “presente recurso ... procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, e considerando-se absolvidos os Réus do pedido, assim se fazendo Justiça..”
I.2. Não houve contra-alegações
I.3. Relativamente à nulidade suscitada a Meritíssima Juíza por despacho de 12/6/2018 entendeu inexistir mantendo a decisão recorrida.
I.3. Nada obsta ao conhecimento do recurso.
I.4: Questões a resolver:
a) Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre os depósitos e rendas efectuados pela Ré e constante de fls. 61/62;
b) Saber se é facto notório nos Açores que qualquer pessoa entende e sabe que ao passar um recibo de arrendamento está indubitavelmente a confirmar a existência de um arrendamento rural estando provado que o arrendamento rural reduzido a escrito em 9/7/2013 já existia na forma verbal desde 2012 entre o falecido marido da Autora e a Ré, não podendo dar como provado que o valor da renda que foi estipulado é inferior ao praticado no mercado de arrendamento rural onde se situa o prédio;
c) Saber se a Autora ao demandar os Réus em acção em apreço se limita a defender o seu quinhão pois existem outros herdeiros que jamais se pronunciaram sobre o presente litígio;
d) Saber se existindo um contrato de arrendamento rural anterior não reduzido a escrito, a decisão deve se revogada;
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Em 2004, a autora CA..., então no estado de solteira, adquiriu por compra, em comum com NA… (que também usada e era conhecido por LA...), divorciado, o prédio rústico com a área de 5 alqueires (0,534 há), sito à C.T., freguesia de Santa Cruz, concelho da Praia da Vitória, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artº 3...-. e descrito na Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória sob a
ficha nº 1997.
2. A autora veio a casar com o referido LA... em 17 de Maio de 1986, tendo na pendência do casamento nascido AA....
3. LA... faleceu a 23 de Maio de 2013, tendo deixado como seus herdeiros a autora, a referida filha e ainda dois filhos nascidos do anterior casamento, de seus nomes SA... e JA....
4. O primeiro réu, o «Sr. Noé» era o procurador do falecido marido da autora e aquando do seu falecimento o réu ligou para a autora a solicitar nova procuração porque se não mandasse procuração nova não podia pedir subsídio por morte do marido e reforma e «para fazer procuração o mais cedo possível».
5. A autora, para satisfação dessa necessidade, dirigiu-se ao cartório notarial nos Estados Unidos, onde por instrumento público de 9 de Julho de 2013, outorgado no Cartório Notarial a cargo do Notário Público Manuel C. Santos, na cidade de Cambridge, Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos da América, conferiu ao primeiro réu poderes gerais de administração civil e ainda com os de subestabelecer, diversos outros poderes para a prática de actos civis, entre os quais: dar ou tomar arrendamento bens imóveis, mesmo a longo prazo, estipulando a renda e condições que entender, despedir arrendatários e rescindir ou alterar os contratos, receber quaisquer importâncias, valores ou rendimentos, certos ou eventuais, vencidos ou a vencer, seja qual for a sua proveniência, e assinar os respectivos recibos.
6. Essa procuração foi-lhe apresentada como minuta habitualmente utilizada para emigrantes portugueses estrangeiros nos Estados Unidos com os mais amplos poderes.
7. Tendo de seguida a autora enviado a procuração ao primeiro réu.
8. Por essa altura a autora deu indicações ao primeiro réu que pretendia colocar no mercado de venda os prédios que fazem parte do acervo hereditário por morte do seu marido.
9. De que faz parte o direito a metade do prédio identificado supra e relativamente ao qual a autora é dona da outra metade.
10. Até à morte do marido da autora o primeiro réu explorava o prédio a título gratuito, dele tirando todos os seus proveitos e tinha o encargo de zelar pela moradia da autora considerando que faz parte dessa herança uma casa e o terreno.
11. Situação que se manteve durante quatro anos em que o primeiro réu nunca pagou renda pelo uso e exploração daquele prédio, o que foi consentido por LA... como uma contrapartida pelo seu trabalho como procurador e por cuidar da casa na ausência da autora e do marido.
12. O primeiro réu solicitou à autora que mantivesse esta situação até finais de 2012, alegando que a saída imediata lhe causaria prejuízo.
13. A autora assim consentiu.
14. O Primeiro réu, colocado perante o risco de deixar de fazer o uso e exploração gratuita daquele prédio, uma vez que a autora manifestou intenção de que o colocasse à venda, usando a nova procuração que lhe havia sido passada pela autora deu de arrendamento o prédio em causa à sua filha GP..., com ele residente, por um período de 10 anos e pelo valor anual de € 275.
15. Tendo sito outorgado o contrato de arrendamento a 28 de Agosto de 2014 e entregue ao serviço de Finanças do concelho da Praia no dia seguinte.
16. O primeiro réu celebrou esse contrato de arrendamento sem o conhecimento e contra a vontade manifestada pela autora que lhe havia pedido para o colocar à venda.
17. Os pais da autora moram perto da casa do «Sr. Noé», localizada numa propriedade mais abaixo da mesma rua e logo que disso tomaram conhecimento, quando o primeiro réu lhes foi pagar a primeira renda, alertaram a autora para que a terra estava arrendada.
18. O pai da autora, desconhecendo a situação mas confiando no primeiro réu, passou-lhe recibo de renda informando de seguida a autora.
19. A autora confirmou com o serviço de Finanças que o primeiro réu tinha arrendado a terra à filha e ao questioná-lo sobre esse facto o mesmo respondeu: «tu aqui não és nada, tu és dona mas para aqui não mandas nada».
20. Confrontada com essa situação a autora, por instrumento público de 14 de Outubro de 2014, junto da Chancelaria do Consulado Geral em Boston, revogou a procuração outorgada a favor de NP....
21. Tendo notificado o primeiro réu em 17 de Outubro de 2014 dessa revogação de procuração e ligou-lhe ao mesmo tempo a informá-lo da revogação da procuração.
22. A autora já exigiu da ré a restituição do prédio livre e desocupado.
23. Recusando-se esta a fazer tal restituição, invocando a sua qualidade de arrendatária.
24. Os réus são respectivamente pai e filha, vivem sob o mesmo tecto em economia comum, sendo que o prédio dado de arrendamento pelo primeiro réu à segunda ré é por eles explorado em benefício comum.
25. O valor da renda que o primeiro réu estipulou é inferior ao praticado no mercado de arrendamento rural onde o prédio se situa.
26. A renda anual nele fixada nem sequer é suficiente para suportar os encargos que a autora ainda despende com o empréstimo para a sua aquisição.
27. Ambos os réus tinham conhecimento do desequilíbrio das prestações fixadas no contrato de arrendamento e que o primeiro réu actuou sem conhecimento, sem consentimento e contra a vontade da autora.
28. Nenhum dos restantes herdeiros deu assentimento à celebração daquele contrato de arrendamento.
29. A ocupação do mesmo nos termos em que está feita impossibilita a autora e os herdeiros dele de o venderem livre e desocupado, sendo certo que os prédios rústicos assim vendidos têm um valor de mercado superior aos que são vendidos com ocupação por parte de rendeiros.
II.2 Deu o Tribunal como não provado que
 A autora apurou junto do mercado de arrendamento da Praia da Vitória que para a tipologia do terreno em causa e condições que oferece, nomeadamente por ser um cerrado limpo, com água e com acesso à estrada, o valor de renda anual é de € 800 por ano pelos cinco alqueires.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 5, 635.º, n.º 4, 649.º, n.º 3, do CPC  são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre os depósitos e rendas efectuados pela Ré e constante de fls. 61/62;
III.3.1. Tem essa nulidade do art.º 615/1/d a ver com a violação do dever que ao juiz é imposto de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o seu conhecimento oficioso (cfr. art.º 608, n.º 2 do CPC). III.4.2. Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos, que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de resolução do pleito as partes tenha deduzido ou o próprio juiz tenha inicialmente admitido (cfr. Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol V, pág. 143, Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra editora, 2001, pág. 646); em sentido contrário se pronunciou Anselmo de castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pág. 142, para quem o conceito “questões” deve ser tomado em sentido amplo abrangendo tudo o que diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir, fundabilidade ou infundabilidade de umas e outras, às controvérsias que as partes sobre elas suscitem, a menos que o exame de uma só parte imponha necessariamente a decisão da causa.
III.3.2 A jurisprudência o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender uniformemente, na esteira de Alberto dos Reis, que o conceito questões não abrange as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes; a determinação da norma aplicável e a sua correcta interpretação não integra o conceito de questão a resolver mencionado art.º 660.º do CPC (cfr. Ac do STJ de 18/12/2002, Revista n.º 3921/02-2.ª Sumários). Uma fundamentação pobre ou medíocre da sentença não constitui vício susceptível de conduzir à sua nulidade.
III.3.3. A Ré na sua contestação alegou efectivamente que pagou a renda relativamente ao ano agrícola de 2013/2014 ao procurador da Autora, AF... conforme documento de fls. 37 e que por essa razão o mesmo reconheceu explicitamente o arrendamento (art.ºs 18/19) e mais tarde aos 3/11/2015 veio juntar cópia da guia de depósito de renda na CGD datada de 2/11/2015 e constante de fls. 62, depósito alegadamente feito ao abrigo do disposto no art.º 18 do NRAU sendo o motivo alegado dele constante o da “recusa de receber rendas”
III.3.4. Esse depósito é efectivamente posterior à data da contestação que é de 28/9/2015 mas não vem suportado em nenhum articulado sequer articulado superveniente designadamente um articulado relativo a recusa de recebimento, não consta como tema da prova a recusa de recebimento de renda relativa ao ano agrícola de 2014/2015 e não se vislumbra qualquer outro documento paralelo relativo aos anos agrícolas 2016/2017, ao invés do sustentado pelos apelantes; por essa razão a sentença recorrida não se pronuncia sobre uma eventual recusa de recebimento de rendas por parte da Autora e subsequente depósito das mesmas; o Tribunal recorrido em lado algum dá como provado que anteriormente existisse um contrato de arrendamento rural sobre o prédio dos autos sob a forma verbal, pelo contrário dá como provado, sem que os apelante impugnem tais factos nos termos da lei de processo que até à morte do marido da Autora o primeiro réu explorava o prédio a título gratuito (facto 10), situação essa que se manteve durante quatro anos em que o primeiro réu nunca pagou renda pelo uso e exploração daquele prédio...(facto 11); quanto ao episódio do pagamento de  renda (factos 17 e 18) o Tribunal deu como provado que quando o primeiro réu foi pagar a casa dos pais da Autora a mencionada primeira renda (do contrato reduzido a escrito e comprovadamente efetivado sem autorização e conhecimento da Autora) aquele passou-lhe recibo da renda e informou de seguida a Autora, ou seja o recibo nada vindo comprovado em relação ao efectivo recebimento da quantia referente ao recibo, de resto os réus para a hipótese de se comprovar a alegação da Autora (que ficou provada) tão-pouco pedem a devolução dos montantes de rendas eventualmente pagos, sequer o fazem em sede de apelação. Conclui-se pois que a sentença apreciou todas as questões que lhe foram colocadas e só essas devem ser apreciadas, sendo que apenas se determinaria a restituição de quantias pagas (mal) em razão da ineficácia do arrendamento em relação à Autora se tal resultasse provado (e não vem), inexistindo qualquer nulidade.
III.4. Saber se é facto notório nos Açores que qualquer pessoa entende e sabe que ao passar um recibo de arrendamento está indubitavelmente a confirmar a existência de um arrendamento rural estando provado que o arrendamento rural reduzido a escrito em 9/7/2013 já existia na forma verbal desde 2012 entre o falecido marido da Autora e a Ré, não podendo dar como provado que o valor da renda que foi estipulado é inferior ao praticado no mercado de arrendamento rural onde se situa o prédio;
III.4.1. Parece que os apelantes pretendem impugnar a decisão de facto mas não cumprem o respectivo ónus de processo.
III.4.1. Estatui o art.º 640 n.º 1: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do art.º, por seu turno estatui que “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar, com exactidão as passagens de gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (alínea a); independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (alínea b)”.
III.3.2. A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se, entre o mais, no entendimento da doutrina, se não ocorrer, nas conclusões de recurso, a especificação dos concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados, a referência aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (ainda que por remissão para o corpo das alegações) e a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; também a falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda, podendo o apelante proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; trata-se de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição á Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça.
III.4.2. Em primeiro lugar os apelantes não indicam nem nas conclusões das alegações nem no respectivo corpo a) os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
III.4.3. Será que os apelantes pretendem impugnar a decisão de facto sob 10 e 11 (a anterior exploração pelo primeiro réu do prédio em causa a título gratuito?) ou a dos pontos 27 e 28 (relativos à actuação do 1.º réu na outorga do escrito de arrendamento à revelia sem conhecimento, se o consentimento e contra a vontade da autora?); a impugnação, genérica que é, não permite a individualização dos pontos de facto que poderão estar mal julgados, sequer vêm indicados os meios de prova que permitam alterar qualquer específica decisão de facto, pelo que não se conhecerá da impugnação da decisão de facto.
III.5 Saber se a Autora ao demandar os Réus em acção em apreço se limita a defender o seu quinhão pois existem outros herdeiros que jamais se pronunciaram sobre o presente litígio;
III.5.1. A excepção da ilegitimidade suscitada pela apelante Ré na contestação foi julgada improcedente e muito embora essa decisão só seja susceptível de impugnação a final (art.ºs 644.º 1/b, 2 (a contrariu sensu) e 3 a verdade é que os apelantes não impugnam expressamente aquela decisão proferida no saneador, tanto que apenas pedem a revogação da decisão recorrida, pelo que a questão do âmbito do exercício do direito da Autora não pode já ser discutido, posto que não pedindo os apelantes a revogação expressa daquela decisão, a mesma transita em julgado.
III.6. Saber se, existindo um contrato de arrendamento rural anterior não reduzido a escrito, a decisão deve se revogada sendo a decisão injusta posto que os apelantes, com os serviços que prestaram ao marido da Autora e a esta corresponde a um valor muito superior a 275 euros/ano.
III.6.1. Como acima se disse ficou provado, sem que os apelantes tivessem impugnado tal decisão de facto, que a anterior exploração do prédio por parte do pai da Autora o foi a título gratuito. Mais se entendeu na decisão recorrida e a propósito da procuração (procuração tipo) e da outorga do contrato escrito por parte do 1.º Réu pai da 2.ª Ré que o que releva é a relação subjacente à procuração - que é um negócio unilateral a que subjaz uma concreta ocorrência- relação subjacente aquela – mandato - que se estabelece entre o dominus e o procurador que vai definir o conteúdo material da procuração e delimitar os poderes da procuração e modelar a actuação do procurador, no caso concreto provou-se que muito embora a procuração autorizasse o procurador a outorgar uma miríade de negócios, o 1.ª Réu procurador recebeu da Autora instruções claras para diligenciar pela venda do prédio rústico em causa, o 1.º Réu, sem o consentimento e contra a vontade da Autora optou por, com os poderes da procuração que Autora lhe outorgou, celebrar um contrato de arrendamento com a filha, filha essa que tinha conhecimento do desequilíbrio das prestações fixadas no contrato e que o pai actuou sem o conhecimento e sem o consentimento e contra a vontade da Autora, pelo que verificado o abuso de representação verifica-se, igualmente o pressuposto da ineficácia do art.º 269.º do C. Civil.
III.6.2. Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (cfr. art.º 262 do C. Civil).
III.6.3. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto de outra for, neste caso a vontade do representado (cfr. art.º 265, n.º 1 do C. Civil).
III.6.4. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação; mas se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa. (cfr 265, n.ºs 2 e 3 do C. Civil).
III.6.5. A concessão de representação voluntária tem de ter um fundamento, uma relação que lhe subjaz, mas com ele não se confunde. Seja ele uma relação de mandato (a representação não é essencial ao mandato), seja outra relação, nem a representação é este fundamento nem este aquela. Ainda quando coexistam o mandato (art.º 1157 e ss. do C. Civil) e representação (art.º 258 e ss. do C. Civil), eles não se comportam como duas faces da mesma relação jurídica (Ferrer Coreia in Estudos Jurídicos, II, pág. 6). Como refere este autor a causa da representação é a procuração e a sua pré-existente declaração de vontade relativamente a certos negócios jurídicos a realizar pelo representante.
III.6.6. A procuração é um negócio jurídico autónomo, uma declaração unilateral de vontade que procede do representado e é dirigida a terceiro, este o outro sujeito do negócio representativo, é, no dizer de Ferrer Coreia alguma coisa de exterior ao contrato subjacente. A procuração não necessita do consentimento do representante embora o dever de agir do procurador não se possa conceber sem a cooperação da sua vontade; contudo esse dever de agir não se fundamenta na procuração mas procede do negócio causal.
III.6.7. A declaração negocial ínsita na procuração que foi reduzida a instrumento notarial, ou seja a declaração negocial da procuração formalizou-se num instrumento notarial (ponto 5).
III.6.8. Dispõe o art.º 268/1: “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.”
E o art.º 269: “O disposto no número anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.”
III.6.9. A representação voluntária consiste em alguém (representante) realizar actos jurídicos em nome de outrem (representado) nos limites dos poderes conferidos por este.
III.6.10. O representante embora seja parte formal no negócio celebrado com terceiro (negócio representativo) actua em nome de outrem – o dono do negócio ou dominus negotii – e não em seu próprio nome, ao invés do mandato sem representação do art.º 1180.º em que o mandatário age em nome próprio mas por conta do mandante (art.º 1157.º). Deve mostrar-se perante terceiros como substituindo alguém, actuando em seu lugar, querendo os efeitos do negócio para o dominus.
III.6.11. O poder representativo é uma posição jurídica activa que deverá integrar a esfera jurídica do agente atribuindo-lhe legitimidade – indirecta – para afectar a esfera do dominus com efeitos de negócio em que este não interveio. O poder tem uma função de legitimação.
III. 6.12. Embora normalmente a procuração surja integrada, justificada no seio de outro negócio jurídico, dito causal ou substancial como é o contrato de mandato, de trabalho, de mediação, de agência, a procuração não se confunde com ela primeiro porque a procuração é um negócio unilateral ao invés do negócio causal geralmente bilateral, em segundo porque os efeitos da procuração são oponíveis a terceiros ao invés dos direitos do mandante que não são oponíveis ao terceiro e em terceiro lugar porque a existência e o período de vigência da procuração não depende da relação interna (causal) sendo doutrinalmente admissível a procuração isolada.
III.6.13. Não obstante o carácter livre, autónomo e discricionário do poder de representação, ele deriva do poder do dominus o qual pretende autoregular interesses (autonomia privada) por recurso à colaboração do sujeito representante, sendo assim a representação um meio para o interesse do dono do negócio ser realizado, interesse esse que é a finalidade jurídica económica e social que o representado pretende obter através do negócio representativo. É assim razoável o aparecimento de incompatibilidade entre tal escopo funcional da representação e aquele efectivamente realizado. O exercício inadmissível do poder de representação traduz-se num conflito ou incompatibilidade de interesses, ou dito de outro modo o exercício do poder em violação do fim social e económico do poder algo semelhante com o que ocorre com o abuso de direito nos termos do art.º 334.
III.6.14. Existirá um exercício inadmissível da posição jurídica do representante ou abuso de representação sempre que se verifique um conflito entre a função justificativa da concessão dos poderes e o fim efectivamente prosseguido pelo representante, formalmente o agente actua dentro dos limites do poder representativo mas materialmente contraria a função desse poder.
III.6.15. O art.º 269 reporta-se ao abuso de representação. Aplica-se o regime da representação sem poderes (ineficácia do negócio jurídico em relação ao representado se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.
III.6.16. Na procuração atribuem-se poderes para arrendar como aliás vem provado, mas também atribuem-se poderes para vários outros actos neles e contando contratos-promessa de compra e venda e celebrar escrituras respectivas, aceitar sacar e endossar letras, poderes de representação em inventários, juízo, etc. Vem provado que essa procuração é uma procuração tipo que à Autora foi apresentada como sendo minuta habitualmente utilizada para emigrantes portugueses estrangeiros nos EUA (ponto 6) e que a razão próxima da sua outorga foi o pedido feito pelo 1.º Réu que era o procurador dos assuntos do falecido marido da Autora junto da Autora após o falecimento daquele para tratar dos assuntos relativos ao subsídio por morte do marido e reforma (ponto 4) e que foi para essa satisfação de necessidade que a Autora outorgou essa procuração (ponto 5); também vem provado que o primeiro réu que explorava gratuitamente o prédio dos autos e perante o risco de deixar de fazer uso e exploração gratuita do prédio que fizera enquanto o marido da Autora foi vivo e porque a Autora tencionava vendê-lo (pontos 7 e 8) usou essa procuração nos termos provados em 14 sem o conhecimento e contra a vontade manifestada pela Autora, tendo ambos os Réus conhecimento dessa actuação abusiva do 1.º Réu e do desequilíbrio das prestações fixadas (ponto 16 e 27), desequilíbrio traduzido no comprovado facto de o valor da renda que o 1.º réu estipulou ser inferior ao praticado no mercado de arrendamento rural onde o prédio se situa (ponto 25). Comprovado está o abuso de representação e a ineficácia do acto outorgado pelo 1.º Réu ao abrigo dessa procuração, uso esse explicitado pelo acto do arrendamento que contraria a vontade da Autora conhecida pelo 1.º Réu antes da outorga do instrumento de procuração. Mantém-se pois o decidido.
IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes na 2.ª secção desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Regime da responsabilidade por custas: As custas são da responsabilidade dos apelantes que decaem e porque decaem (art.º 527.º/1 e 2) sem prejuízo do apoio judiciário que aos mesmos foi concedido.
Lxa.,
João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves