Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
433/15.8PBSNT.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: MEIOS DE PROVA
PROVA INDIRECTA
PROVA POR RECONHECIMENTO
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I- A prova por reconhecimento é, como se sabe, um meio de prova especialmente problemático e falível quando não sejam tomadas as devidas precauções. Por isso mesmo, as respectivas formalidades são estabelecidas na lei sob pena de invalidade (nº 7 do art. 147º, CPP). Assim, a existência de um reconhecimento positivo é um dos meios de prova que, quer entre nós, quer em muitos países estrangeiros, mais influencia os tribunais no sentido de afirmar a culpabilidade da pessoa assim identificada, sobretudo quando a pessoa que efectuou o reconhecimento afirma a sua convicção sem margem para dúvidas, pois o reconhecimento é, como se sabe, um meio de prova especialmente problemático e falível quando não sejam tomadas as devidas precauções;
II- A força probatória de tal diligência não pode deixar de considerar-se fortemente condicionada pelos termos, mais ou menos rigorosos, em que decorra e das circunstâncias que a precederam, mesmo que não se questione a sua validade em termos formais;
III-Assim, o reconhecimento do arguido nos termos do artigo 147º do C.P.P., precedido de um rastreio particular feito pelos ofendidos no “Facebook”, local onde “ encontraram”, por acaso e sem qualquer explicação plausível, o perfil como também a fotografia do mesmo (pré-reconhecimento ocular dos ofendidos de tal fotografia, à data com 13 e 14 anos de idade), a qual visionaram repetidamente e a fizeram juntar aos autos, antes de procederem à diligência prevista no artº 147º do C.P.P., inquina de forma notória esse mesmo reconhecimento na sua validade substancial;
IV- Decorre do princípio “in dubio pro reo”, que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que, face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador, não podem dar-se como provados, e a decisão recorrida só será de alterar quando as provas produzidas não conduzam àquela factualidade, em que previamente “assentou”, e neste caso, o Tribunal “ a quo”, violando as regras da experiência comum, pelo que se verifica o inevitável vicio de conhecimento oficioso, previsto no artº 410 nº 2 al. c) do CPP, erro notório na apreciação da prova, e, não sendo caso de se proceder ao reenvio do processo para novo julgamento nos termos do disposto no artº 426º nº 1 do CPP, terá o Tribunal superior que proceder á modificação da matéria de facto de acordo com o disposto no artº 431 al. a) do CPP, suprindo tais vícios, e, tendo por consequência “in casu”, a absolvição do arguido.
(elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-RELATÓRIO 
No processo nº 433/15.8PBSNT da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra-Inst. Local-Secção criminal-J3, o arguido G..., devidamente identificado nos autos, foi condenado pela prática, em co autoria material de um crime de roubo na fora consumada, p. p. pelo artº 210º nº1 do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão e pela pratica em co autoria material, de um crime de roubo na forma tentada, p.p. pelos artigos 22º, 23º, 73º e 210º nº 1, todos do Código Penal, na pena especialmente atenuada de 5 meses de prisão, e em cúmulo jurídico nos termos do artº 77º nº 1 do C.P. foi condenado na pena única de 20 meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de 20 meses com regime de prova, assente em plano de reinserção social a traçar pela DGRS, através de sentença proferida em 30 de Junho de 2016 ( vide folhas 138 a 158, por factos alegadamente praticados em 13 de Março de 2015.
Inconformado com tal decisão, interpôs o arguido, supra identificado, o presente recurso em 19 de Setembro de 2016 (extraindo-se das suas motivações as seguintes conclusões):

CONCLUSÕES:

01) Nos termos e fundamentos da douta sentença recorrida, o arguido G... foi condenado pela prática de dois crimes de roubo, um na forma consumada e outro na forma tentada, na pena única cumulada de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, e sujeita a regime de prova.

02) O ora arguido não aceita, nem se conforma com esta condenação, porque é a sua honra e inocência que estão em causa, o que sempre reclamou, pois não praticou tais crimes.

03) Toda a douta acusação, desde a primeira hora, é sustentada na “certeza” da vítima V..., que nunca demonstrou ter dúvidas no reconhecimento do arguido G... como sendo um dos co-autores dos ilícitos em causa.

04) Trata-se de uma certeza que foi confirmada em audiência de julgamento, mas que oferece muitas e sérias dúvidas, pelo que deveria ter merecido outra ponderação no momento da decisão, dada a manifesta falta de elementos associados que permitam dar-lhe efectivo crédito.

05) Resultou provado que os crimes em causa foram praticados por três indivíduos, mas só o arguido G... é que foi identificado como sendo um deles.

06) Essa identificação, segundo o relato das vítimas, foi obtida através da foto de capa que o ora arguido tinha postada na sua página pessoal do Facebook, conforme consta a fls.18 dos autos.

07) No seu depoimento na audiência de julgamento, o ofendido V... foi confrontado com tal documento, e confirmou que se tratava da foto do assaltante que ele tinha identificado.

08) Nas diligências de prova por reconhecimento pessoal, que ocorreram cerca de um mês e meio depois dos factos em causa, a testemunha V... identificou o arguido G... como sendo um dos assaltantes, mas todavia, o ofendido A... não o reconheceu, embora fosse “o indivíduo mais parecido com o autor do roubo”.

09) As provas e as circunstâncias que levaram à identificação do arguido G... apontam para uma séria e fundada dúvida sobre a alegada participação deste em tais crimes.

10) Não é credível que alguém que é assaltado por três desconhecidos, que ele nunca viu antes, que não sabe os seus nomes, nem onde moram, mesmo admitindo (sem transigir) que viu bem a cara de um deles, vá a correr para o Facebook, e sem mais qualquer elemento, logo ali descubra a foto do criminoso.

11) Todo o mundo sabe que esta rede social não permite buscas de utilizadores pela descrição dos seus traços fisionómicos, mas inexplicavelmente o Tribunal “a quo” nunca questionou esta situação.

12) Interrogada pela defesa, esta testemunha não soube explicar os elementos de que dispunha, nem os passos que deu para chegar à identificação do arguido G..., limitando-se a dizer que foi na página do Facebook de um seu amigo que encontrou a foto em causa.

13) Todavia, provou-se que “ato contínuo, um dos indivíduos não identificados, agarrou o menor V..., e exigiu que o mesmo lhe entregasse todos os bens que tivesse consigo”, e “como o menor (V...) colocou as mãos dentro dos bolsos do casaco, resistindo à revista por parte do indivíduo, conseguiu impedir que lhe fosse retirado qualquer objecto”.

14) E tudo isto ocorreu “ao mesmo tempo” que os outros dois indivíduos atacavam e agarravam a outra vítima, ou seja, o seu amigo A....

15) No seu depoimento em audiência de julgamento referiu a testemunha V... que «nada viu do que se estava a passar com o seu amigo» (sic), mas reparando no alcance desta sua afirmação, logo emendou para dizer que afinal viu bem a cara de um dos indivíduos, que era o que estava a agarrar o A... pelo pescoço, e que ele depois identificou no Facebook como sendo o ora arguido.

16) As regras da experiência comum o que nos dizem é que nestes momentos as vítimas se assustam, quase sempre entram em pânico, ficam “cegas”, e mal sabem descrever o que lhes aconteceu.

17) E assim, no caso concreto, o ofendido V..., que estava (naturalmente) preocupado com os movimentos do seu atacante, de quem tentava libertar-se, é muito pouco provável que tivesse tido tempo de concentração: para ver bem a cara de um dos outros assaltantes; para fixar essa imagem; para reparar na sua idade (certa) e altura; para verificar que usava phones na cabeça; e ainda para olhar e fixar que o mesmo, naquele momento, calçava uns ténis da marca Nike Air Max, de cores preto e vermelho.

18) São muitos e demasiados pormenores para quem disse que «nada viu», e além disso, quando foi questionado para descrever o seu assaltante, só soube dizer que era um indivíduo alto, magro, e de raça africana, o que é nada comparativamente.

19) Acresce ainda, que nunca soube explicar em que momento reparou na marca e nas cores dos ténis que o referido assaltante usava na altura, pelo que continua sem se saber se foi quando lhe viu bem a cara, se só depois, quando o mesmo já se afastava do local, ou se apenas, quando foi ao Facebook e viu lá as fotos que o ora arguido ali tinha (e tem) postadas.

20) Não se questiona, por ser objectivamente possível, que o ofendido V... tenha visto a cara de um dos assaltantes, e que na altura tenha fixado uma imagem que, para ele, mais tarde, mas em momento próximo, veio a corresponder ao indivíduo da foto que consta a fls. 18 dos autos.

21) Os equívocos são naturais e próprios em qualquer pessoa, mas quando se trata de condenar alguém que sempre se disse inocente, deve dar-se redobrada atenção a todos os elementos e circunstâncias que permitam formar uma certeza, mesmo que não absoluta.

22) É verdade que a testemunha V... nunca demonstrou ter dúvidas na identificação do arguido G..., mas esta sua certeza peca pela manifesta falta de coerência, que antes já se evidenciou, e ainda porque existem outros elementos que a descredibilizam.

23) Assim, e olhando apenas para a foto que consta a fls.18 dos autos, não é possível afirmar que o ora arguido calçava ténis da marca Nike Air Max, de cores preta e vermelha, sendo que tal facto só é visível numa outra foto que este também tinha publicada na sua página pessoal do Facebook, documento que agora se junta nos termos e ao abrigo do disposto no art. 651º, nº.1, parte final, do C.P.C., e cuja admissão se requer.

24) Já se referiu que os ofendidos não souberam concretizar o momento em que viram que o arguido calçava os referidos ténis, pelo que fica a séria dúvida se não foi apenas da observação desta segunda foto que eles retiraram esse facto.

25) Atentos os depoimentos e as circunstâncias do caso, revela-se como muito provável que foi do Facebook que as testemunhas de acusação retiraram tantos pormenores relativos ao ora arguido, dado que, no momento da ocorrência, o que resulta é que não conseguiram ver muita coisa, em particular no que respeita aos outros dois assaltantes.

26) E daí que se torne essencial e absolutamente necessário reapreciar tal facto, o que impõe que se volte a ouvir o ofendido V... para prestar novo depoimento com vista a esclarecer esta situação, e para ser confrontado com o novo documento, bem como com o próprio arguido.

27) Por outro lado, no dia da primeira audiência de julgamento, na sala de testemunhas, a testemunha de defesa abonatória C… ouviu o ofendido V... confidenciar ao seu amigo A... que ele, quando entrou (atrasado) no edifício, viu à porta do Tribunal o arguido G... agarrado à sua mãe.

28) Acontece que o arguido não esteve nas imediações de tal edifício nesse dia, e muito menos poderia ter sido visto agarrado à sua Mãe, uma vez que esta faleceu há já alguns anos.

29) Assim, em face da “certeza” que testemunhou o ofendido V..., e considerando o que está em causa, em particular a inocência que o arguido reclama, manifesto é que terá agora de se avaliar este novo facto, ouvindo-se os intervenientes.

30) Perante a bem fundamentada douta convicção do Tribunal “a quo”, que é um dos elementos que sempre deverá ter-se em conta, pode agora argumentar-se que tudo isto são meras desculpas do arguido G... para tentar libertar-se desta situação, mas a verdade é que há fortes indícios de que o ofendido V... não está muito seguro da sua “certeza”, e que este se equivocou, o que é facto (ainda não provado), quando fez a errada identificação daquele como um dos autores dos crimes em causa.

31) Esta tese sai reforçada, quando se verifica que, no dia 18.03.2015, na fase de Inquérito, e no seu primeiro interrogatório, o ofendido A… declarou “que relativamente ao suspeito G... … se recorda do mesmo ter estudado na mesma escola que (ele), há 2/3 anos, mas contudo nunca teve qualquer relação de amizade com o mesmo”, e um mês depois, na data do auto de reconhecimento pessoal, não o reconheceu como um dos autores do roubo de que foi vítima.

32) Ora, se este ofendido já conhecia o ora arguido, por terem sido colegas na mesma escola, e depois não o consegue identificar como sendo um dos co-autores do crime, está em crer-se que não pode merecer tanto crédito a certeza do outro ofendido, ainda mais, quando este declarou na audiência de julgamento que nada viu do que se estava a passar com o seu amigo, mesmo que logo tenha emendado para dizer que afinal viu bem a cara do indivíduo da foto de fls. 18 dos autos.

33) A douta decisão condenatória, que ora se impugna, é o resultado objectivo de uma errada identificação do ora arguido como sendo um dos co-autores da prática dos referidos crimes, pelo que o Tribunal “a quo”, nesta parte, não fez a devida ponderação e avaliação das provas, as quais deveriam ter levado a uma decisão de absolvição, e não de condenação

34) Os argumentos expostos impõem uma reapreciação de toda a decisão sobre a matéria de facto, nas partes em que esta considerou o ora Recorrente como autor material dos ilícitos que na mesma se julgaram, e mais concretamente para se avaliar o que supra se afirma nas conclusões 17, 18, 19, 23, 24, 25, 27, e 30.

35) A condenação do ora arguido, a manter-se, para além de tremendamente injusta, constituirá um grave erro judiciário, uma vez que o mesmo está INOCENTE, como sempre esteve, em relação aos factos julgados, nos quais nunca participou.

NESTES TERMOS, DEVE CONCEDER-SE TOTAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA, ABSOLVER-SE O ARGUIDO.

E DECIDINDO-SE ASSIM, SERÁ FEITA JUSTIÇA.

O recurso foi admitido através do despacho de folhas 178, datado de 30 de Setembro de 2016.
O MºPº respondeu á motivação do recurso apresentado pelo arguido G..., pela forma constante de folhas 181 e seguintes e, atente-se só em 6 de Abril de 2017 (pois só foi notificado o MºPº em 13.03.2017…), pugnando a final que deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido, nos seguintes termos que ali exara, e devendo manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos                   

Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nele apôs o seu visto.
Foi requerida a realização de audiência pelo arguido nos termos do artº 411 nº 5 do CPP, a qual foi efectuada, observando-se todos os formalismos  legais.
Cumpre agora apreciar e decidir.
Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.
    Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).
O objecto do recurso interposto, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões: 
-O arguido nega a pratica dos crimes pelos quais foi condenado, concluindo dever ser absolvido pela sua pratica em suma ponto em causa a apreciação das provas nas quais o tribunal se baseou para dar como provado os factos que o arguido praticou em co-autoria os crimes de roubo ( um deles na forma tentada), e assim possibilitando a sua condenação.

               
Vejamos então:
A sentença sob censura tem o seguinte teor nos segmentos que ora  em apreciação:
(…)
FACTOS PROVADOS:
1-No dia 13 de março de 2015, cerca das 13h30, o arguido G..., juntamente com outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, avistaram os ofendidos A..., de 14 anos de idade, e V..., de 13 anos de idade, que circulavam apeados na Avenida Embaixador Aristides Sousa Mendes, Tapadas das Mercês, em direção à Escola Visconde Juromenha e logo formularam a intenção de se apropriar dos bens de valor que os mesmos tivessem consigo.
2-Ato contínuo, um dos indivíduos não identificados, agarrou o menor V... e exigiu que o mesmo lhe entregasse todos os bens que tivesse consigo.
3-Como o menor colocou as mãos dentro dos bolsos do casaco resistindo à revista por parte do individuo conseguiu impedir que lhe fosse retirado qualquer objeto.
4-Ao mesmo tempo, o arguido G... agarrou o ofendido A... pelo pescoço, enquanto um dos outros indivíduos de identidade não apurada, o revistou e tirou o telemóvel que o ofendido trazia no bolso das calças, de marca Samsung, modelo Rex 70 azul, com o valor de 54,89 €.
5-Como o menor V... gritou por ajuda, o arguido e os outros indivíduos encetaram fuga para parte incerta.
6-Em consequência da atuação do arguido e dos outros indivíduos, o menor A... sofreu dores no pescoço, não necessitando, contudo, de qualquer tratamento hospitalar.
7-Ao agir da forma descrita, o arguido, em conjugação de esforços e intentos com os outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, atuou com a intenção de subtrair e fazer seu os bens de cada um dos ofendidos, o que logrou conseguir relativamente ao telemóvel do ofendido A... e que apenas não logrou conseguir relativamente ao menor V... face à resistência oferecida pelo mesmo, não se coibindo de utilizar a violência necessária para melhor alcançar os seus intentos.
8-O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou que:
9-O ofendido A... não recuperou o telemóvel subtraído.
10-O arguido não demonstrou arrependimento pela conduta perpetrada nem formulou juízo crítico sobre a gravidade da sua conduta.
11-Não tem antecedentes criminais.
12-Vive com o pai.
13-Estuda no 11.º ano de escolaridade.
14-Não tem filhos e não tem rendimentos próprios.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
      Da acusação, com relevo para a decisão da causa, não se provou que:
1-O arguido G... exigiu ao ofendido A... que lhe entregasse o telemóvel, ao que o ofendido respondeu que não tinha.
2-Face à resposta do ofendido, o arguido revistou-o à força e, com a ajuda de um dos outros indivíduos, que agarrou os pulsos do ofendido, retirou-lhe o telemóvel;
3-A... sofreu dores na cara;
      Da contestação, com relevo para a decisão da causa, não se provou que:
4-Não foi o arguido um dos autores dos factos dados como provados.
5-No dia e hora indicados na acusação, o arguido estava em casa, uma vez que, nesse dia, por não ter tido aulas, não foi à escola.
6-O arguido só usou ténis da marca Nike, modelo Air Max, até ao Verão de 2014, altura em que os deitou ao lixo
*
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
O tribunal fundou a sua convicção quanto ao circunstancialismo provado e não provado, segundo as regras normais de experiência comum e de razoabilidade, do conjunto dos elementos de prova recolhidos e examinados em audiência de julgamento.
O arguido negou rotundamente a prática dos factos, dizendo que nem sequer esteve nesse local e que, nesse dia, não teve aulas, ficou em casa a dormir até cerca das 13 h e, altura em que o pai, que chegou a casa para almoçar, o acordou. Mais disse que não esteve perto do local onde ocorreram os factos.
A versão do arguido é suportada pelos depoimentos do seu pai e da sua irmã, E...e J..., que não mereceram credibilidade ao Tribunal, pela forma não isenta, não especificamente pelos laços familiares que os unem ao arguido, mas pelo facto de os mesmos não terem sido convincentes, atenta a falta de espontaneidade e até as versões coincidentes do que narravam às perguntas que lhe eram feitas, sendo, claramente, percetível que concertaram, previamente, os depoimentos.
Veja-se que, desde logo, E..., pai do arguido, só soube do sucedido, quando este último foi interrogado como arguido e constituído nessa qualidade, o que ocorreu em 29/04/2015, mês e meio depois dos factos. Disse, porém, que reportado à data dos factos, o dia 13/03/2015, lembra-se perfeitamente de ter ido almoçar a casa, como faz habitualmente, tendo chegado por volta das 13 horas e 50 minutos, tendo ido acordar o G..., que nesse dia não teve aulas.
Perguntado por que motivo se lembrava, especificamente, desse dia e se o mesmo teve algo de simbólico para recordar que foi nesse dia que o G..., para além de não ter aulas, estava a dormir, o mesmo titubeou, não dando uma resposta convincente, continuando a dizer que foi por o facto de o filho não ter tido aulas, nada havendo de marcante (por exemplo, uma data especial, ou o filho estar doente) que lhe permitisse recordar esse dia específico.
 Ora, não nos merece credibilidade que um pai de família, sendo apenas ele que vive com o arguido, por a mãe deste já ter falecido, agente da PSP, com a azáfama do dia-a-dia recorde, retroagido um mês e meio para trás no tempo, com exatidão, o que sucedera no dia 13/03/2015, sem que esta data tenha qualquer simbolismo ou episódio marcante, sendo de estranhar que, quer o pai do arguido, quer a irmã, recordassem que, nesse dia, o arguido não tenha tido aulas e que estaria em casa a dormir, quando E... ali chegou para almoçar.
Além do mais, é de estranhar que, quer o pai quer a irmã do arguido, tenham referido que o mesmo teria uns ténis Nike Air Max, comprados em 2012, mas que já não os teria desde 2014, por os ter levado para o Norte e aí, acabo por deitá-los para o lixo, para colocar em crise o referido pelos ofendidos que fixaram que um dos autores dos factos, o de etnia caucasiana (o arguido), sendo os outros dois de etnia negra, calçava uns ténis dessa marca e modelo.
Contudo, de todo o modo, J... acabou por referir que, para além desses ténis, que terão sido levados para o Norte, o arguido tem mais ténis da mesma marca e modelo.
Quanto aos factos provados, o tribunal baseou a sua convicção nos depoimentos assertivos, espontâneos, sólidos e objetivos, transparecendo veracidade, dos ofendidos A...e V..., que descreveram o modo como os factos ocorreram e estão descritos na factualidade provada.
Ambos referiram que se tratavam de três indivíduos, dois de raça negra e um caucasiano, sendo que um daqueles dois primeiramente referidos, agarrou o V... , sem lhe conseguir tirar nada, por este ter resistido; por seu turno, A... foi apertado no pescoço pelo arguido, o indivíduo caucasiano, enquanto um dos dois outros indivíduos, o revistou e lhe subtraiu o telemóvel, que trazia no bolso das calças.
Apesar de A...ter tido dúvidas quanto ao reconhecimento pessoal que fez do arguido, não o tendo conseguido reconhecer, sabendo apenas dizer que o mesmo usava uns ténis da marca Nike, modelo Air Max, o que também foi corroborado por V... , este último disse ter visto bem a cara do arguido G..., fixou-o bem e encontrou a sua fotografia no facebook, a fls. 18 dos autos.
Perante esta identificação, com a fotografia do arguido, indicaram aos órgãos de polícia criminal quem seria um dos coautores dos factos, o que aconteceu apenas três dias depois dos factos e, V... conseguiu reconhecê-lo presencialmente, nos termos do artigo 147.º do C.P.P., perante órgão de polícia criminal, não tendo tido dúvidas de que o indivíduo caucasiano era o arguido.
Ambos os ofendidos referiram ter sentido medo e pressão com a atuação dos três indivíduos.
Quanto ao valor do objeto subtraído, marca e modelo, valorou-se o depoimento do ofendido A..., em conjugação com a fatura de aquisição, a fls. 17, emitida em nome da mãe deste ofendido.
Ainda que não se tenha provado que tenha sido expressamente o arguido a pedir o telemóvel e que este tenha sido retirado pelo arguido, o que verdadeiramente releva é que tenha participado no todo criminoso, com vista à obtenção do resultado por todo o grupo de elementos gizado. E assim foi: apesar de a subtração ter sido consumada por um dos indivíduos de identidade não apurada, este fê-lo, com a contribuição material decisiva do arguido, que, enquanto isso, apertava o pescoço ao ofendido A..., impedindo-o de reagir.
 Todos os elementos do grupo, entre os quais o arguido, almejaram subtrair o telemóvel ao ofendido A... e conseguiram-no fazer, em conjugação de intentos e de esforços. De igual modo, todos eles, entre os quais o arguido, quiseram subtrair bens de que V...  fosse possuidor, o que apenas não conseguiram por motivos alheios à sua vontade.
Como bem ensinam LEAL HENRIQUES e SIMAS SANTOS, in Código Penal anotado, Parte Geral, I Volume, em anotação ao artigo 26.º, «Há co-autoria material quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos atuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das
Aduz ainda o autor que, para incorrer na co-autoria, não é necessário que todos intervenham na elaboração do plano. «Basta que os vários agentes participem na execução dos atos que integram a conduta criminosa, não sendo, contudo, necessário que intervenha em todos eles desde que actue, conjugadamente e, em comunhão de esforços, no sentido de alcançar o objectivo criminoso; (…) no que respeita à execução propriamente dita, não se torna indispensável que cada um dos arguidos intervenha em todos os actos a praticar para a consecução do resultado final, bastando que a actuação de cada um, embora parcial seja elemento componente do todo.» 
Se, efetivamente, não tivesse nada a ver com tal execução criminosa, o arguido não teria, sequer, acompanhado os demais e ter-se-ia esforçado para impedir a consumação do resultado, o que não aconteceu, aditando-se, ao invés, que encetou fuga com os comparsas, na posse do objeto e contribuiu decisivamente, através da violência física, para a subtração do telemóvel do ofendido A....
Não há, pois, dúvidas de que, atuando em conjugação de esforços e de intentos com os comparsas, G... quis fazer seu o telemóvel, o que conseguiu, mediante violência física desenvolvida sobre o ofendido A... e que apenas não se conseguiu apoderar de bens de que V...  fosse portador, por motivos alheios à sua vontade.
O arguido não interiorizou minimamente o desvalor do ilícito e do resultado perpetrado, não tendo demonstrado arrependimento nem juízo crítico sobre a sua conduta.
Quanto às suas condições económicas, sociais e pessoais de vida, valoraram-se as declarações do arguido, do seu pai e das testemunhas M… e C…, vizinhos do arguido e amigos da família.
Não existem elementos probatórios que infirmem os supra referidos.
*
(…)
DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME:
Estabelece o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
As finalidades da punição cifram-se na satisfação das exigências de prevenção geral, mais positivas do que negativas, e de prevenção especial, quer positiva – de socialização do agente infractor, quer negativa – de dissuadi-lo do cometimento, no futuro, de novos crimes.
«É com uma dimensão positiva que a prevenção geral hoje logra sobretudo reconhecimento (…) tem um cariz compensador, de integração ou estabilizador, em que o que se pretende é assegurar o restabelecimento e a manutenção da paz jurídica perturbada pelo cometimento do crime através do fortalecimento da consciência jurídica da comunidade no respeito pelos comandos jurídico -criminais.
Pelo que diz respeito à prevenção especial, o aspecto negativo consiste na intimidação do agente ou, ainda mais, na sua inocuização. O aspecto positivo é, pelo contrário, representado pela socialização.» (ANABELA MIRANDA RODRIGUES, A determinação da medida da pena privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995, p.322 e seguintes).
A protecção dos bens jurídicos, sendo estes determinados por referência à ordem axiológica jurídico-constitucional, implica a rejeição de uma legitimação da intervenção penal assente numa qualquer ordem transcendente e absoluta de valores, como que derivada de exigências “metafísicas”, fazendo assentar a referida legitimação unicamente em critérios funcionais de necessidade (e de consequente utilidade) social.
Por isso, a aplicação da pena não mais pode fundar-se em exigências de retribuição ou de expiação da culpa, sem qualquer potencial de utilidade social, mas apenas em propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada (Figueiredo Dias, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 1, Fascículo 1, 1991, Aequitas, Editorial Noticias, pág. 17 e 18).
Nos termos do artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena parte da moldura legal abstracta de cada tipo de crime (limites mínimo e máximo aplicados), a qual é graduada e concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial que, em cada caso se fazem sentir.
A pena tem por fundamento e limite a medida da culpa, não podendo ultrapassá-la (artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1 do Código Penal e artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa).
«A culpa configurará, neste âmbito, desde logo, a barreira intransponível da finalidade preventiva» (ANABELA MIRANDA RODRIGUES, A determinação da medida da pena privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995, p. 312).
Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, a saber: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e actuação criminosa, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, bem como a intensidade do dolo, a conduta anterior e posterior ao crime, as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
*
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA:
Como circunstâncias agravantes, em desfavor do arguido, militam:
-as expectativas comunitárias na estabilização contrafáctica da norma jurídica violada são elevadíssimas, tendo em consideração as exigências de reprovação e prevenção geral que se fazem sentir no cometimento de crimes contra o património, mormente nos crimes de roubo, atenta a sua profusão e o clima de insegurança pública, intranquilidade e alarme social por eles criado, em peculiar, nesta comarca;
-o grau de ilicitude é elevado, sendo-o mais elevado quanto ao crime de roubo na forma consumada, atendendo até ao contributo material que o arguido teve, infligindo violência física sobre o ofendido A...;
-o grau de censurabilidade social e o desvalor da acção são elevados, uma vez que os ofendidos ficaram com receio pela sua integridade física;
-o desvalor do resultado é elevado, pois que o artigo subtraído não foi  recuperado;
-a intensidade do dolo direto, elevada;
-a ausência de juízo crítico, de arrependimento e de interiorização do desvalor do ilícito e do resultado perpetrado;
Como circunstâncias atenuantes, a favor do arguido, militam:
 -a ausência de antecedentes criminais;
-a inserção familiar e social;
(…)
DISPOSITIVO
Pelo exposto, julgo procedente, por provada, a acusação do Ministério Público e, consequentemente:
1-Condeno o arguido G... pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
2-Condeno o arguido G... pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73º e 210.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena especialmente atenuada de 5 (cinco) meses de prisão.
3-Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, condeno o arguido G... na pena única cumulada de 20 (vinte) meses de prisão.
4-Nos termos dos artigos 50.º, n º s 1 e 5, 53.º, n.º 3 e 54, todos do Código Penal, decido suspender, na sua execução, a pena em que o arguido vai condenado, pelo período de 20 (vinte) meses, com regime de prova, assente em plano de reinserção social a traçar. pela DGRS.
 (…)

                        Conhecendo, dir-se-á desde já:
A fundamentação de um acto decisório, decorre não só de um dever constitucional geral de fundamentação, mas também de outras garantias constitucionais, como o princípio da igualdade, o direito a um processo equitativo, o princípio da liberdade, desembocando nas garantias plenas de defesa.
A qualidade das decisões jurisdicionais, passa por detectar as patologias de que estas podem padecer, de modo a assegurar a sua fiabilidade.
Os níveis da suficiência da motivação são distintos, variando consoante a simplicidade ou complexidade das questões a resolver, devendo, no entanto, as mesmas apresentarem-se racional e esclarecidamente fundadas, possibilitando-se um controle interno e externo do juízo decisório.
Os vícios da motivação quando não estiverem catalogados de nulidade, como sucede no despacho que decreta uma medida cautelar e nas sentenças, correspondem a uma mera irregularidade, sendo preferível que o legislador venha no futuro a optar pela regra da nulidade da deficiência de fundamentação dos actos decisórios judiciais.
O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1, da C. Rep., segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Tudo visto, diremos:
Prescreve o artigo 147.º do C.P. Penal:
«1-Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
2-Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3-Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4-As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
5-O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.
6-As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
7-O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.»
No reconhecimento podemos distinguir três modalidades:
a)-o reconhecimento por descrição,
b)-o reconhecimento presencial e
c)-o reconhecimento com resguardo.

O reconhecimento por descrição, previsto no n.º 1 daquele artigo, consiste em solicitar à pessoa que deve fazer a identificação que descreva a pessoa a identificar, com toda a pormenorização de que se recorda, sendo-lhe depois perguntado se já a tinha visto e em que condições e sendo, finalmente, questionada sobre outros factores que possam influir na credibilidade da identificação.
Em regra, esta modalidade de reconhecimento funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
O reconhecimento presencial, previsto no n.º 2 do artigo 147.º, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal, obedecendo aos seguintes passos:
-Na ausência da pessoa que deve efectuar a identificação, são escolhidos, pelo menos, dois cidadãos, que apresentem as maiores semelhanças possíveis – físicas, fisionómicas, etárias, bem como, de vestuário – com o cidadão a identificar;
-Depois, este é colocado ao lado daqueles outros cidadãos e, se possível, apresentando-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que deve proceder ao reconhecimento [tal só não será possível no caso de uma alteração fisionómica irreversível];
-É então chamada a pessoa que deve efectuar a identificação que, depois de ficar diante do grupo onde se encontra o cidadão a identificar e, portanto, depois de ter observado os seus elementos, é perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual, sendo perguntas e respostas – estas e qualquer outra que porventura, tenha sido efectuada, registada no auto respectivo.
O reconhecimento com resguardo, previsto no n.º 3 do artigo 147.º, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se, pois, de uma forma de protecção da testemunha.
Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, mas agora a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar, mas não deve por este ser vista.
Normalmente, o que sucede é que a pessoa que deve efectuar a identificação é colocada numa divisão distinta daquela onde se encontra o grupo que inclui o cidadão a identificar, separados por um vidro polarizado que permite que aquela aviste, sem ser vista, o grupo.
O reconhecimento presencial constitui meio de prova, a valorar com os demais que existam nos autos – pericial, documental, testemunhal -, quer para efeitos de apreciação dos indícios, de dedução da acusação ou em julgamento.
Há indícios probatórios recolhidos nos autos que carecem de ser completados para servirem como meio de prova em sede de julgamento. Entre eles, os reconhecimentos fotográficos feitos, aos quais se devem seguir os reconhecimentos pessoais, para se puder obter uma perfeita e acabada prova por reconhecimento que haverá de servir de meio de prova válido, em julgamento.
Esta questão ficou ultrapassada com a reforma do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que acrescentou ao art.º 147.º o actual n.º 7, determinando que “o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer”.
O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (n.º 7, do artigo 147.º, do C.P.P.), o que se traduz numa proibição de valoração de prova (sobre esta matéria, ver o Acórdão da Relação de Coimbra, de 5 de Maio de 2010, Processo 486/07.2GAMLD.C1, relator Gomes de Sousa, e bem assim o Acórdão da mesma Relação, de 10 de Novembro de 2010, Processo 209/09.1PBFIG.C1, relator Paulo Guerra, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).
Quanto à utilização nas fases posteriores, como prova válida – e irrepetível -do reconhecimento feito nas fases preliminares, constituindo um meio autónomo de prova que se não confunde com declarações e depoimentos, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 5 de Maio de 2010 (Processo 486/07.2GAMLD.C1), onde se diz: «(…) o reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento nos termos dos artigos 355.º, n.º1, in fine, n.º 2 e artigo 356.º, nº 1, b) do Código de Processo Penal.
Conclui-se, assim, que, no caso dos autos os reconhecimentos (fls. 36 e 37) foram realizados com observância do formalismo legal imposto pelo artigo 147º do C.P.P.
Mas há algo que os precedem e vêm sublimar o resultado de pelo menos um deles.
Estas considerações permitem-nos ajuizar que, no quadro da livre apreciação da prova, que é sempre uma valoração que apela à lógica e às regras de experiência, a valoração probatória dos autos de reconhecimento, conjugada com a prova pessoal que eventualmente venha a ser produzida em audiência de julgamento e reapreciada, em regra consente que a decisão de facto se possa manter, ou não.
Senão vejamos.
 (vide sobre este tema, os acórdão do TC n.º 425/2005, DR, II, de 11 de Outubro de 2005,  AC TRL de 14.01.2014 e AC TRL de 7.02.2017, ambos, in www.dgsi.pt).

   Quanto à utilização nas fases posteriores, como prova válida – e irrepetível - do reconhecimento feito nas fases preliminares, constituindo um meio autónomo de prova que se não confunde com declarações e depoimentos, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 5 de Maio de 2010 (Processo 486/07.2GAMLD.C1), onde se diz:

«(…) o reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento nos termos dos artigos 355.º, n.º1, in fine, n.º 2 e artigo 356.º, nº 1, b) do Código de Processo Penal.
O “reconhecimento” é um meio de prova “pré-constituído” pois que, pela sua natureza e pelas conclusões apresentadas por estudos em psicologia da memória, deve ser realizada temporalmente o mais próximo possível da prática do acto ilícito – no início do inquérito, portanto – inadequado para, ex novo, ser praticado em audiência de julgamento (no entanto inexplicavelmente aceite pela legislação portuguesa), de valor moderado mas discutível se nesta for praticado pela segunda vez, mas passível de, em audiência, ser contraditado.»
No mesmo sentido: Acórdão do S.T.J., de 15 de Fevereiro de 2006, C.J., ACSTJ, XIV, Tomo I, pp. 190 e seguintes; Acórdão da Relação de Lisboa, de 22 de Junho de 2010, Processo1796/08.7PHSNT.L1-5, Rel. Margarida Bacelar; Acórdão da Relação de Guimarães, de 3 de Maio de 2011, Processo 149/10.1PBBRG.G1, Rel. Maria Isabel Cerqueira.
Acrescente-se que a inquirição de testemunhas em ordem à corroboração da identificação já realizada por reconhecimento anteriormente efectuado (por isso, com maior proximidade temporal em relação aos factos) será probatoriamente de escasso valor, ou mesmo inútil, assim como será de fraquíssimo valor probatório uma identificação por depoimento positivo em audiência que tenha sido negativo num reconhecimento realizado em inquérito.
Naturalmente que essa “identificação” em audiência deverá ser apreciada como um mero depoimento ou meras declarações, que não como se de um reconhecimento se tratasse.
         
Assim, e seguindo de perto o esclarecedor  Acórdão do TRL datado de 5.07.2006, in www.dgsi.pt , no qual essencialmente, e num caso algo similar ao dos autos, chega ao cerne da questão, que é no fundo, e no essencial, questionar a coerência da prova por se considerar “ in casu” que toda ela assenta num “bizarro” reconhecimento fotográfico precedente aos reconhecimentos, e no caso dos autos “ Facebokiano” de uma fotografia no perfil do arguido, com base no qual todo o processo se desenvolveu.
Como é que os ofendidos, na altura com 13 e 14 anos de idade lá chegaram, entenda-se, ao perfil do arguido no Facebook, e logo à sua fotografia, fica nitidamente por explicar, e decorre da própria leitura da fundamentação da sentença.
Ou seja como é que, e sendo esta rede social de uma dimensão absolutamente extraordinária, os ofendidos então conseguiram e acharam a agulha no palheiro? Que neste caso, entenda-se a agulha foi a identidade do arguido através do seu perfil. Ora perfil, esse que tinha várias fotografias, uma das quais os ofendidos fizeram juntar aos autos a fls. 18 como facilmente se pode constatar (vide também o teor de folhas 43).
Ora após tais “diligências”, efectuadas a titulo particular, entenda-se “cum grano sali”, e já com a identidade apurada do ora recorrente, procedeu-se à diligência de prova por reconhecimento nos termos do artº 147º do C.P.P., nas quais os ofendidos respectivamente a folhas 36 ( A...) e 37 ( V...)e por via dela obtiveram os seguintes resultados: o ofendido A... não reconheceu o arguido cabalmente dizendo e tendo ficado exarado que não reconheceu ninguém na linha de reconhecimento, mas que o individuo mais parecido com o autor do roubo é o nº 3 ( que era o arguido/ vide folhas 36v.), quando até decorre dos autos que este  já tinha frequentado a mesma escola juntamente com o arguido, e o ofendido V... o reconheceu positivamente.
Incidentalmente, se bem que modo não muito claro, também se sustenta e extrai no recurso que o reconhecimento presencial do arguido, efectuado pelas testemunhas V...  e A..., se encontra “inquinado” pelos termos em que decorreu tal reconhecimento prévio em virtude de terem visto uma fotografia do arguido ( fls. 18) retirada do seu perfil do Facebook, pelo que sugestionados não poderiam deixar de estar face a tão nítida visualização e memorização daquela, sendo que só após se procedeu então à diligência prevista no artigo 147º do CPP.
Assim quanto à validade do reconhecimento do arguido, resulta antes do mais que este não foi concludente e para tal basta atentar no facto notório de só um dos ofendidos o ter reconhecido positivamente.
Continuando a seguir de perto o exarado no acórdão supra elencado, diremos que o reconhecimento é, como se sabe, um meio de prova especialmente problemático e falível quando não sejam tomadas as devidas precauções.
Por isso mesmo, as respectivas formalidades são estabelecidas na lei sob pena de invalidade (nº 4 do art. 147º, CPP).
A este propósito, escreve-se, paradigmaticamente, no Ac. de 12/05/04 desta 3ª Secção da Relação de Lisboa (proc. 2691/2004-3):
A existência de um reconhecimento positivo é um dos meios de prova que, quer entre nós, quer em muitos países estrangeiros, mais influencia os tribunais no sentido de afirmar a culpabilidade da pessoa assim identificada, sobretudo quando a pessoa que efectuou o reconhecimento afirma a sua convicção sem margem para dúvidas.
Essa credibilidade tem sido, porém, contrariada pelos numerosos estudos empíricos que têm sido realizados, sobretudo nestes últimos 30 anos, e mesmo por relatórios elaborados por responsáveis de diversos países, podendo dizer-se que este é um dos meios de prova mais problemáticos e de resultados menos fiáveis. E isso mesmo que se tenham cumprido rigorosamente as formalidades estabelecidas na nossa ou noutras legislações e que mais não visam do que diminuir a margem de erro desse meio de prova.

É que, como os trabalhos empíricos têm revelado, a testemunha ocular tende a fazer um julgamento relativo, mesmo quando avisada de que o suspeito pode não se encontrar entre as pessoas que compõem o painel, procurando localizar a pessoa que, mais semelhanças apresente com o agente do crime.
Para além disso, a identificação que faz pode facilmente ser influenciada por inúmeros factores, entre os quais o comportamento, consciente ou inconsciente, da pessoa que orienta a diligência.
 O próprio grau de confiança que a testemunha ocular tem na precisão da identificação efectuada dependente mais do comportamento, muitas vezes corroborante, do investigador que dirigiu as operações e da confirmação do seu veredicto por outras testemunhas do que da nitidez das suas próprias recordações do cenário do crime. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, confiança e precisão não são vectores necessariamente relacionados. Mais importante do que conhecer o grau de confiança manifestado pela testemunha é averiguar as condições em que ela observou o agente do crime e o tempo de que ela dispôs para o fazer.
Por isso mesmo, muitos psicólogos aconselham que, para se incrementar a fiabilidade deste meio de prova, sobretudo quando ele for o único ou o decisivo elemento da identificação de um suspeito, se adoptem especiais cautelas, como sejam:
- O alargamento do número de pessoas que integram o painel de reconhecimento;
- A exigência de que a pessoa que conduz o reconhecimento pessoal não tenha conhecimento da identidade do suspeito;
- A exigência de que a testemunha ocular seja previamente informada de que o suspeito pode não se encontrar entre as pessoas que compõem o painel de reconhecimento;
- A exigência de que todas as pessoas que compõem o painel reúnam as características indicadas previamente pela testemunha, não devendo nenhuma delas apresentar, quanto a esses aspectos, nenhuma característica dissonante;
- A prévia apresentação à testemunha de um outro painel de reconhecimento em que o suspeito se não encontra para verificar se a mesma tem a propensão para efectuar um julgamento relativo.
Também López Barja de Quiroga, Tratado de Derecho Procesal Penal, Thomson – Aranzadi, p. 1041, chama a atenção para este problema:
Está empiricamente comprovado que um dos âmbitos que produz maior número de erros judiciários é o da identificação e, precisamente, devido ao número de erróneas identificações realizadas por testemunhas. Daí que devam ser utilizados todos os meios possíveis para o evitar ou, pelo menos, para reduzir “a margem de erro”. A forma de conseguir este resultado é colocando dificuldades à testemunha. Esta é a razão pela qual a LECrim prevê normas relativas à forma como deve realizar-se a identificação por testemunhas, funcionado tais normas como garantias para a apreciação da prova, de tal maneira que só cumprindo-se estas normas o tribunal poderá apreciar tal prova.

 Em sentido amplo, o reconhecimento abrange, entre outras, três realidades essencialmente distintas:
a) O reconhecimento fotográfico;
b) O reconhecimento propriamente dito, regulados nos arts. 147º e 149º, CPP (4);
c) A identificação do arguido em audiência.
A nossa lei processual penal não se refere ao reconhecimento fotográfico, enquanto meio de prova.
E bem, na medida em que este acto não é, verdadeiramente, um meio de prova, mas uma técnica inicial de investigação: é um ponto de partida para a investigação propriamente dita; mas, em si mesmo, o seu valor probatório é, em princípio, nulo.
Como nota López Barja de Quiroga, ob. cit., p. 1038:
A fotografia não é um meio absoluto de identificação, pelo que se afirma que ninguém pode ser condenado por ter sido identificado através de uma fotografia. (…) Isso não quer dizer que não seja um método adequado de investigação. De facto, pode servir para iniciar uma linha de investigação, mas não constitui uma prova. (…) Quando uma pessoa tenha sido identificada por meio de fotografia, deverá realizar-se sempre um “reconhecimento em painel” ( “en rueda”) posteriormente.
A LECrim não prevê o sistema da fotografia, mas é amplamente admitido pela jurisprudência como meio de investigação. Esta situação suscita o problema das garantias que devem rodear a prática de tal identificação. Afirma-se unânime e rotundamente que devem seguir-se os mesmos requisitos que se exigem para a validade do “reconhecimento em paine”.
Assim, por exemplo, não é admissível que se mostre uma única fotografia do suspeito. É preciso que exiba a fotografia do suspeito em conjunto com uma ampla variedade de outras fotos de pessoas de características similares.
O problema que então se suscita é o da sua validade quando não sejam cumpridos os ditos requisitos. Evidentemente, a diligência é nula, mas também o será qualquer diligência de identificação posteriormente realizada? Noutros termos, tal identificação viciará as identificações posteriores que com todas as garantias se realizem depois? A esta pergunta a jurisprudência responde assinalando que efectivamente uma diligência pode viciar as posteriores, embora não caiba uma resposta apriorística que só é possível em face das circunstâncias do caso.
Mais incisivo é Jaime de Lamo Rubio, José Francisco Moratalla, António Villar e Joaquin Vallina, in El proceso penal, Bosch, p. 150, nota 26, para o qual o reconhecimento fotográfico que não se completa com a diligência de reconhecimento propriamente dito constitui uma corruptela inadmissível e desnecessária, pois nada impede que se proceda com total ortodoxia, com observância do formalismo legal.

Em suma: as linhas de investigação abertas pelo reconhecimento fotográfico têm que conduzir, posteriormente, a verdadeiras provas, nomeadamente à prova por reconhecimento (em sentido técnico) – em estrita observância do formalismo descrito nos arts. 147º e 149º, CPP – e às declarações em audiência (agora sujeitas ao princípio do contraditório) daquele(s) que tenha(m) feito a identificação.
Deste modo, não constituindo o reconhecimento fotográfico um meio de prova, propriamente dito, será, em princípio, insusceptível de inquinar – no plano da validade – os meios probatórios que nele radiquem (é este o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal espanhol, como noticia Francisco Alonso Pérez, Meios de investigación en el processo penal, Dykinson, 2003, 157 e 171 – “que a diligência de identificação fotográfica não tenha valor probatório por si mesma, não quer dizer que vicie as identificações posteriores, através das quais se confirme a firmeza e segurança do primeiro testemunho”).
Mas é apodíctico que a força probatória das provas posteriormente produzidas não poderá deixar de considerar-se (fortemente) condicionada pelas circunstâncias – e pela forma – em que tenha decorrido a identificação fotográfica.
( e é precisamente este o caso dos autos como se deixa expresso infra)
Em sentido contrário se pronuncia, porém, entre outros, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, p. 151: “é evidente que se a testemunha tiver tido indicações prévias de quem é a pessoa (…) a identificar, nomeadamente pela prévia indicação da suspeita, o reconhecimento carecerá de valor probatório. O reconhecimento só tem valia probatória desde que substancial e formalmente se respeitem as regras de procedimento estabelecidas na lei”.
Como se sabe, o nosso mais Alto Tribunal tem julgado que o reconhecimento do arguido, feito por uma testemunha no decurso da audiência, não tem de obedecer ao formalismo prescrito pelo art. 147º, CPP, por se entender que este preceito legal só se aplica nas fases de inquérito e de instrução.
No mesmo sentido se vem pronunciando a generalidade da jurisprudência espanhola – cfr. Luís Alfredo de Diego Díez, Identificación fotográfica y reconocimiento en rueda del inculpado, Bosch, 2003, p. 108.
Este entendimento não suscita qualquer dúvida nos casos em que – com observância do formalismo legal – o reconhecimento já tenha tido lugar no decurso da investigação.
Em rigor, não se estará, então, perante um reconhecimento propriamente dito, mas, antes, perante um depoimento de natureza testemunhal, sujeito ao contraditório(…)
Mais problemática é a questão nos casos de identificação ex novo, sendo certo que é muito frequente na prática judiciária perguntar aos ofendidos e testemunhas no decurso da audiência se “reconhecem” o arguido presente.
Entendem vários autores que uma cabal eficácia probatória do reconhecimento em audiência não dispensará a observância do formalismo exigido na lei - “esta prova pode ter muita importância quando negativa, mas não tem valor de reconhecimento quando positiva, isto é, quando a testemunha declara que sim, que reconhece o arguido” (Germano Marques da Silva, ob. cit., II, p. 150).


Mas uma coisa é certa: a força probatória de tal diligência não pode deixar de considerar-se fortemente condicionada pelos termos – mais ou menos rigorosos – em que decorra e das circunstâncias que a precederam, que neste caso se revestem de particular contornos.

In casu, o reconhecimento da identidade do arguido, após a oclusão dos factos, foi feita de motu próprio, pelos ofendidos através de buscas informáticas no Facebook, onde lograram chegar ao perfil daquele e logo visionando uma fotografia do mesmo que terão imprimido e feito juntar aos autos, após tal circunstancialismo, seguiu-se de um verdadeiro reconhecimento, realizado com observância do formalismo descrito no art. 147º, CPP (cfr. “autos de reconhecimento” de fls. 36 e 37), pelo que, à partida, nenhum problema se suscita no plano da estrita validade formal destes.
O mesmo acontece, pelas razões também já expostas, no tocante aos depoimentos das testemunhas que, em audiência, declararam “reconhecer” o arguido mediante nova menção da fotografia contida nos autos e por eles achadas na internet no perfil do facebook do arguido e um deles no reconhecimento que efectuou nos termos do artºº 147º do CPP.
Por sua vez, o arguido negou categoricamente a prática dos factos (vide fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”).
Como vimos, no plano da validade formal, nenhum problema se suscita quanto ao reconhecimento a que se referem os autos a fls. 36 e 37, ou no tocante aos depoimentos das testemunhas que, em audiência, declararam “reconhecer” o recorrente com base em tal fotografia por eles encontrada no Facebook ( se bem que este não estivesse presente na sessão em que os ofendidos prestaram depoimento em virtude de ter exame de espanhol designado para esse dia, conforme resulta das actas da audiência de discussão e julgamento).
Todavia, é indiscutível que a força probatória de tais diligências não podem deixar de considerar-se fortemente diminuídas e substancialmente “minadas”, pelos muito sui generis termos em que teve lugar, primeiro, o “duplo” reconhecimento do arguido, feito pelos ofendidos que, “encontraram o seu perfil no “Facebook” e onde constava uma fotografia do mesmo, não tendo sido apurado como e porquê conseguiram tal feito, e segundo, nas demais diligências, em termos que, em absoluto nos impedem de cabalmente aferir do grau de autenticidade, segurança, sugestividade, coerência e espontaneidade dos depoimentos prestados pelos ofendidos, e tal quanto á identidade do autor dos factos, como também, sem dúvida afirmamos que dos reconhecimentos que fizeram nos termos do artº 147º do CPP, em 29.04.2015, cerca um mês e meio após a oclusão dos factos, mas já depois de, por eles encontrada e visionada a fotografia do arguido no seu perfil do Facebook, estes não podiam deixar de estar impreterivelmente inquinados ou envenenados pela sua memória recente daquela mesma fotografia de folhas 18/ “ténis nike air max” que por eles foi encontrada, sem qualquer explicação plausível, e o demais que constava no seu perfil ( sendo certo até que para infirmar o atrás relatado, repare-se no auto de reconhecimento de folhas 36, feito pelo ofendido A..., o qual, após declarar que :“não conhece ninguém na linha de reconhecimento com certeza contudo o individuo mais parecido com o autor dos roubos é o nº 3”, que era precisamente o arguido), ainda sublinha, esse não reconhecimento, com uma incerteza seguida.
Na verdade: o reconhecimento legal/formal se bem que parcial (remete-se para o teor de folhas 36 e 37) foi antecedido do pré-reconhecimento ocular dos ofendidos de uma pessoa que corresponde ao perfil físico do arguido através de uma fotografia “postada” no Facebook do arguido e que por eles foi encontrado e que afirmam ser um dos autores dos crimes ( eram 3, dois de raça negra e um caucasiano) e que a visionaram certamente de forma repetida, tanto mais que foram eles que a “ entregaram” às entidades competentes.
Também não se consegue perceber como é que os ofendidos conseguiram chegar ao Facebook do arguido e assim identificar o mesmo através de uma fotografia de corpo inteiro e com uns ténis que vieram dizer depois que o arguido os tinha calçados, no dia dos factos.
 Como e porquê conseguiram alcançar tal feito, face ao universo incomensurável do Facebook, não sabemos, persistindo duvidas sobre a fiabilidade de tal reconhecimento do arguido através de uma fotografia postada no seu perfil do Facebook, sendo que evidentemente uma margem de erro aqui sempre se vislumbra, ou dúvida, porque é que têm tantas certezas de ser aquele o autor dos factos ilícitos? Tal facto não ficou devidamente explanado nem fundamentado com bases sólidas.
E  anote-se ainda, que, os ofendidos eram muito jovens à data dos factos, pois tinham, 13 e 14 anos de idade, logo mais atreitos a ficarem sugestionados com certas condicionantes que envolvem um acto violento e rápido, ao qual foram indubitavelmente sujeitos, pelo que, pese embora os reconhecimentos serem formalmente válidos, só num deles o arguido é reconhecido, mas encontra-se inquinado/ envenenado, com o visionamento recente da fotografia do arguido no “Facebook” pelo ofendido que o reconheceu, que não pôde deixar de condicionar e de direccionar as suas acções futuras ao reconhecer o arguido na diligência de prova supra relatada, pelo que dúvidas subsistem, em substância face aos actos transactos, que permitem fazer um juízo de improbabilidade na certeza daquele reconhecimento e no demais apurado, pelo que, neste quadro factual e circunstancial, afigura-se-nos,  e tendo  sempre em conta o princípio “in dubio pro reo”, não poder considerar-se suficientemente ilidida a presunção de inocência do arguido.
O princípio in dubio pro reo, decorre do princípio da presunção de inocência do arguido, com assento no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República, dando resposta ao problema da dúvida sobre o facto [e não sobre a interpretação da norma] e impondo ao julgador que o non liquet da prova seja sempre resolvido a favor do arguido.
           Ensina, sobre a matéria, o Prof. Figueiredo Dias:
         «À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo» (Direito Processual Penal, reimpressão, 1984 p. 213).
        A dúvida que fundamenta o apelo ao princípio in dubio pro reo não é uma qualquer dúvida, devendo ser insanável, razoável e objectivável, que é o que indubitavelmente acontece no caso dos autos, pois permanece esse estado de dúvida insuperável neste caso e que tem de ser valorado a favor do arguido, quanto ao facto de não se ter provado de ter sido o mesmo o autor dos ilícitos que lhe eram imputados e pelos quais foi condenado em primeira instância.
         Como diz Cristina Líbano Monteiro: «O universo fáctico – de acordo com o “pro reo” – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.» (Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», pág. 53).
         A este propósito, lê-se no acórdão desta Relação, de 14.12.2010, processo 518/08.7PLLSB.L1-5  (Relator: Desemb. Neto de Moura) :
           «(…), um primeiro aspecto cumpre realçar: o in dubio pro reo só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa.
           O segundo aspecto a assinalar é o de que não é qualquer dúvida que há-de levar o tribunal a decidir “pro reo”.
          Tem de ser uma dúvida razoável, que impeça a convicção do tribunal (vide AC TRL de 9.04.2013, in www.dgsi.pt)
Como se afirma na respectiva motivação, a questão central do recurso reside na ponderação e avaliação das provas na vertente da livre apreciação da prova feita pelo Tribunal “ a quo” que valorou indevidamente as provas quanto à identificação feita, e do modo como o foi, do ora arguido.

Logo a violação do princípio «in dubio pro reo» traduz-se num dos vícios enunciados no art.º 410º/2 do Código de Processo Penal, os quais são de conhecimento oficioso, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (vide, Ac STJ de 19.10.1995, DR, I,S-A, de 28.12.1995).
Assim a violação do indicado princípio, por se traduzir na violação duma «lex artis» reconduz-se ao erro notório na apreciação da prova enunciado na alínea c) do n.º2 do art.º 410º do Código de Processo Penal ( vide AC STJ de 17.12.1997, BMJ, nº 472, p. 497),o que se declara.
A violação do princípio traduz o postergar de “leges artis” e é resultante de dois postulados –, o de que o juiz terá de decidir sempre e o da inadmissibilidade de condenação penal quando o juiz se não convença da efectiva responsabilidade do arguido.
Decorre do princípio que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
A decisão recorrida só é de alterar quando as provas (as quais à saciedade se deixaram supra excursas) não conduzam aquela factualidade que se previamente “assentou” neste caso o Tribunal “ a quo” violando as regras da experiência comum, que se traduz exactamente o caso dos autos, e não sendo este um exemplo em que existem duas versões e o Tribunal opta por uma delas.
Deste modo e ao abrigo do disposto no artº 410 nº 2 al. c) do CPP, julga-se verificada o erro notório na apreciação da prova, e não sendo caso de se proceder ao reenvio do processo para novo julgamento nos termos do disposto no artº 426º nº 1 do CPP, procede-se á modificação da matéria de facto de acordo com o disposto no artº 431 al. a) do CPP, pela seguinte forma:
FACTOS NÃO PROVADOS:
1- Que no dia 13 de Março de 2015, cerca das 13h30, o arguido G..., juntamente com outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, avistaram os ofendidos A..., de 14 anos de idade, e V..., de 13 anos de idade, que circulavam apeados na Avenida Embaixador Aristides Sousa Mendes, Tapadas das Mercês, em direção à Escola Visconde Juromenha e logo formularam a intenção de se apropriar dos bens de valor que os mesmos tivessem consigo.
4- Que ao mesmo tempo (dos factos provados sob o nº 2 e 3), o arguido G... agarrou o ofendido A... pelo pescoço.
5-Como o menor V... gritou por ajuda, o arguido tenha encetado fuga para parte incerta.
6-Em consequência da actuação do arguido, o menor A... sofreu dores no pescoço, não necessitando, contudo, de qualquer tratamento hospitalar.
7-Ao agir da forma descrita, o arguido, em conjugação de esforços e intentos com os outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, actuou com a intenção de subtrair e fazer seu os bens de cada um dos ofendidos, o que logrou conseguir relativamente ao telemóvel do ofendido A... e que apenas não logrou conseguir relativamente ao menor V... face à resistência oferecida pelo mesmo, não se coibindo de utilizar a violência necessária para melhor alcançar os seus intentos.
8-O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
Da contestação provou-se que:
9-Não foi o arguido um dos autores dos factos dados como provados.

Sem necessidade de mais considerações, impõe-se, pois, a absolvição do recorrente.

III-DISPOSITIVO
Em face do exposto acordam as Juízas que compõem a 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:
1- Em face do exposto, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em revogar a sentença recorrida e consequentemente, em absolver o arguido da prática de todas as infracções em causa;
2-Sem tributação;
3-D.N.
Lisboa,   28 de  Setembro de 2017
 (Processado integralmente em computador e revisto pela relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal)

      Filipa Costa Lourenço

      Margarida Vieira de Almeida

     António Trigo Mesquita
( Juiz Desembargador, Presidente da 9ª secção Criminal)