Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3247/18.0T8FAR.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: LEI DE SAÚDE MENTAL
INTERNAMENTO COMPULSIVO
TRATAMENTO AMBULATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Estando em causa a necessidade da subsistência do tratamento ambulatório compulsivo, levando em conta o teor do relatório pericial que consta dos autos, o Tribunal “ a quo” não pode ignorar aquele juízo técnico-científico da pericia, nem pronunciar-se sobre um inexistente internamento compulsivo, devendo pronunciar-se ao invés, e se assim considerar necessário, no sentido de determinar a renovação da avaliação clínico-psiquiátrica, nos termos do art.º 18º da Lei de Saúde Mental visando decisão sobre a subsistência ou não de tratamento ambulatório nas diversas vertentes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo, por despacho de 19/09/2019, constante de fls. 191/193, relativamente à Requerida AA……, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 34 e 132), foi decidido o seguinte:
“... AA  foi sujeita a internamento compulsivo a 11 de Outubro de 2018, judicialmente confirmado a 12 de Outubro de 2018, e que a 4 de Novembro de 2018 passou a tratamento compulsivo em regime ambulatório.
Da sessão conjunta resulta que a internanda, submetida a internamento compulsivo há praticamente um ano, está já estabilizada e a fazer toma regular da medicação. O perito é da opinião que é possível fazer o seguimento da internanda em regime voluntário, pois a mesma tem aderido ao tratamento.
Diz o artigo 33º, n.º 1, da Lei da Saúde Mental: “O internamento é substituído por tratamento compulsivo em regime ambulatório sempre que seja possível manter esse tratamento em liberdade, sem prejuízo do disposto nos artigos 34.º e 35.º”
Já o n.º 1 do artigo 34º dispõe: “O internamento finda quando cessarem os pressupostos que lhe deram origem.” Segundo o n.º 2 do mesmo preceito, a cessação pode ocorrer por decisão judicial.
Neste momento, e havendo por parte da internanda uma crítica completa quanto à sua doença e quanto à necessidade de receber tratamento continuado para a mesma, por um lado, e uma falta de perigo para bens jurídicos próprios ou alheios, por outro, não subsistem já os pressupostos que deram origem ao internamento compulsivo da internanda.
Assim, e ao abrigo do disposto nas disposições invocadas, e por terem cessado os pressupostos que deram origem ao internamento de urgência de AA, determino o arquivamento dos autos.
Notifique e comunique nos termos do artigo 42º, n.º 1, da LSM.
Não são devidas custas. ...”.
*
Não se conformando, a Exm.ª Magistrada do MP[1] interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 199/214, com as seguintes conclusões:
“… 1 - A 12.10.18 foi determinada a instauração dos presentes autos, nos termos do art.º 26.º n.º 3 da Lei de Saúde Mental n.º36/98 de 24 de Julho, para internamento compulsivo/ tratamento em ambulatório compulsivo, de AA, nascida a …………, atualmente com …. anos de idade.
2 - O motivo do internamento compulsivo deveu-se ao facto da internanda padecer de psicose e apresentar alterações de comportamento, com discurso delirante e bizarria, na sequência de abandono terapêutico. O parecer médico foi no sentido da necessidade de internamento compulsivo para realização de tratamento, por a gravidade da sintomatologia clínica criar uma situação de perigo para bens jurídicos de relevante valor, próprios ou alheios e por a internanda não ter consciência crítica do seu estado e recusar o necessário tratamento médico.” – avaliação de 12.10.18, a fls 3, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
3 - Entretanto, por decisão judicial proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Olhão, datada de 30.11.18, o internamento compulsivo de AA foi substituído pelo tratamento em regime ambulatório compulsivo, nos termos do art.º 33 n.º 1 e 2 da Lei de Saúde Mental, cfr. fls 75.
4 - Desde o trânsito em julgado da referida decisão até 23.07.19, data da última reavaliação clínico-psiquiátrica determinada pelo Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo, a internanda manteve sempre ausência de crítica para a sua doença e tem havido o risco de interromper a terapêutica ( relatório de fls 167), o que levou a manter o seu tratamento em regime ambulatório compulsivo, por  despachos judiciais, datados respetivamente de 19.02.19(fls 94) e 29.04.19 (fls 118), nos termos do art.º 33.º n.º 4 do LSM.
5 – Com efeito, nos termos da última reavaliação clínico-psiquiátrica, datada de 23.07.19, efetuada pelos srs peritos médicos do departamento de psiquiatria do hospital de Angra do Heroísmo, resulta entre o mais que a internanda, com um “historial de psicose esquizo-afetiva”, “apresenta crítica nula para a sua doença e vontade de parar com a medicação (já parou a medicação oral, ao que diz, por indicação médica) continuamos a achar prudente a manutenção do tratamento ambulatório compulsivo” e, “note-se que não tem suporte sociofamiliar aqui na Ilha, só o companheiro, também doente. Como tem cumprido a medicação mensal injetável e se apresenta estável psiquiatricamente para já não nos parece necessário internamento compulsivo” (fls 166 e 167), pelo que se mantêm inalterados os pressupostos do tratamento compulsivo ambulatório.
6 – Não obstante e contra todas as recomendações médicas, a 19.09.19, por despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, foi determinado o arquivamento dos autos por entender que “cessaram os pressupostos que deram origem ao internamento de urgência de AA”, nos termos do art.º 34.º do citado diploma legal, escudando-se no consentimento prestada na sessão conjunta pela internanda em submeter-se a tratamento e, na opinião de um médico que ali esteve presente mas que não participou da avaliação psiquiátrica nem acompanhou a internanda.
7 - Discordamos deste entendimento já que no presente processo judicial foi proferida decisão final de tratamento compulsivo em ambulatório, pelo que, o processo apenas pode ser arquivado caso sejam declarados cessados os pressupostos desta medida.
8 – No fundo, o que o Meritíssimo Juiz considerou cessados foram os pressupostos do internamento compulsivo e não já os do tratamento compulsivo ambulatório, decisão que já resultava dos autos.
9 - Se aceitamos que, face ao quadro de melhoria do estado clínico apresentado pela internanda e a aceitação do tratamento, tornam atualmente desproporcional e desnecessário o seu internamento compulsivo, já não aceitamos que o mesmo quadro de melhoria torne desnecessário o tratamento compulsivo, tanto mais, que a internanda tem um historial de sucessivos internamentos, por abandono da terapêutica em regime ambulatório.
10 - O que difere o tratamento compulsivo do tratamento voluntário, é que no primeiro, o internando aceita o plano terapêutico, por força da melhoria do seu estado clinico e compreende que tem de cumprir a terapêutica, mas essa compreensão não se estende à real noção e compreensão da doença que padece, nem às consequências da mesma, nem à sua evolução, nem à necessidade de efectuar o tratamento de forma prolongada e muitas vezes vitalícia, o que é o caso dos autos. No tratamento voluntário, o internando tem total noção e critica absoluta sobre a doença que padece, e por essa razão sabe que não pode de forma alguma deixar de tomar a medicação e deixar de frequentar as consultas psiquiátricas, pelo que, não é necessário qualquer controlo judicial, por forma a sujeitá-lo a tratamento, situação afastada pelos srs peritos médicos.
11 - Assim, perante a comprovada ausência de crítica da internanda sobre a sua doença e perante o risco de abandono da terapêutica, entendemos que o arquivamento dos autos configura, no caso concreto, uma falta de protecção da saúde mental da internanda e, que pode determinar a sua deterioração e consequente agravamento, ou seja, foi violado o dever de proteger o cidadão de si próprio e de lhe proporcionar tratamento adequado enquanto ser individual, e por outro lado, a decisão judicial também configura uma desprotecção dos cidadãos que com ele convivem, interagem e cruzam, o que consiste numa violação do dever geral de protecção da saúde e segurança públicas.
12 - Em suma, a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde, impõem que o Estado trate compulsivamente pessoas que pela sua grave condição mental, não têm condições de exercer livremente o seu direito de opção.
13 - Donde, resulta que o douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, enferma de vícios de omissão de pronúncia, porquanto, é omissa e não se pronuncia sobre os pressupostos do tratamento compulsivo em ambulatório ( diferente do “internamento de urgência”), insuficiência de factos para a decisão tomada e falta de fundamentação, pela omissão supra referida, e contradição insanável entre os factos que sustentam a “fundamentação” e aqueles que resultam do teor da última avaliação clinico-psiquiátrica e a sua conclusão ou decisão.
14 - Assim, a decisão proferida deverá ser considerada nula, nos termos dos artigos 379.º n.º1 al .c) do CPP e por padecer dos vícios supra enumerados previstos no art.º410 n.º 1 e 2 al. a) e b) do CPP
15 - Foram ainda violadas as seguintes normas da Lei de Saúde Mental, a saber, art.º8.º, 12.º n.º1 e 2, 27.º, 33., 34.º, e 35.º.
16- Em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente e revogada a Decisão do Tribunal a quo e, substituída por outra que mantenha a internanda AA sujeita ao tratamento ambulatório compulsivo, conforme é do parecer dos srs peritos médicos ( fls 166). …”.
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Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto (fls. 262).
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É pacífica a jurisprudência do STJ[2] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[3], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões, tendo em conta as de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a apreciar no presente recurso são as seguintes:
Deficiências do despacho recorrido e sentido da decisão tomada.
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Cumpre decidir.
Antes do mais, importa fazer o historial do presente processo, para o que nos socorremos da bem elaborada motivação do recurso:
“... 1. No dia 12.10.19, o Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar do Algarve, E.P.E, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 22.º e 25.º da Lei n.º 36/98, de 24 de Julho (doravante, LSM), requereu junto do Juízo Local Criminal de Faro, a confirmação do internamento compulsivo de AA, nascida em ……….. e à data residente no …………… Luz de Tavira. ( fls 3)
2. Por despacho judicial datado daquele mesmo dia foi determinado o internamento compulsivo de AA, nascida em …….., nos termos do art.º26.º n.º2 da Lei de Saúde Mental. (fls 9 )
3. Na fundamentação do despacho que determinou o internamento compulsivo pode ler-se, entre o mais, que (n/sub):
“Foi-lhe diagnosticada pelo médico psiquiatra que a observou psicose, apresentando a mesma alterações de comportamento, com discurso delirante e bizarria, na sequência de abandono terapêutico; O parecer médico vai no sentido da necessidade de internamento compulsivo para realização de tratamento, por a gravidade da sintomatologia clínica criar uma situação de perigo para bens jurídicos de relevante valor, próprios ou alheios;
A internanda não tem consciência crítica do seu estado e recusa o necessário tratamento médico.”
4. A 8.11.18, o Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar do Algarve, E.P.E, comunicou ao processo que o internamento compulsivo de AA fora substituído por tratamento ambulatório compulsivo ( fls 65).
5. Por despacho datado de 30.11.18 (fls 75), o Juízo de Competência Genérica de Olhão (local para onde a internanda se mudara), manteve AA ao regime de tratamento compulsivo em regime ambulatório, nos termos seguintes:
 “Os presentes autos dizem respeito à Requerida AA, que, por decisão de fls. 9, foi sujeita à medida de tratamento em internamento compulsivo, nos termos e em consonância com o disposto nos artigos 8.º, 12.º, 25.º e 26.º, todos da Lei de Saúde Mental. A fls. 66 e seguintes consta que foi internada a 11/10/2018 e foi concedida alta clínica a 07/11/2018, ao abrigo do disposto no art.º 33.º da LSM, sendo assim proposto o tratamento ambulatório compulsivo. O Ministério Público promove que se decida pela manutenção do tratamento ambulatório compulsivo de AA e seja solicitada a elaboração do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica a enviar 10 dias antes de se atingir o prazo de dois meses a que alude o art.º 35.º da Lei de Saúde Mental. Cumpre decidir.
A requerida foi internada compulsivamente num quadro de descompensação psicótica; submetida que foi a medicação antipsicótica (referida a fls. 66), a Requerida apresenta evolução favorável. Dispõe o artigo 35.º, n.º 2, da Lei n.º 36/98, de 24/07 (na redacção conferida pela Lei n.º 101/99, de 26/07, vigente) que, “a revisão é obrigatória, independentemente de requerimento, decorridos dois meses sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido”. Perante este quadro clínico, continua a justificar-se, por ora, a permanência do tratamento compulsivo em regime ambulatório. Termos em que se decide manter o tratamento compulsivo, em regime ambulatório – cfr. artigos 33.º, n.º 1 e 35.º, n.º 1, da Lei n.º 36/98, de 24/07, na aludida redacção.”
6. Mediante nova avaliação clínico-psiquiátrica efectuada em 24.01.19 (fls 86), o Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Universitário do Algarve manteve o diagnóstico com indicação do melhoramento do quadro clínico da internanda, mas sem critica total para a doença e perigo de abandono da terapêutica, nos termos seguintes:
“Doente de … anos, acompanhada em psiquiatria desde há vários anos com diagnóstico de psicose esquizo-afetiva. Teve um último internamento em psiquiatria em outubro de 2018 por nova descompensação psicótica após interrupção da terapêutica. Após alta, tem cumprido tratamento e apresenta comportamento adequado e remissão/atenuação da sintomatologia psicótica. Mantém, no entanto, afrouxamento associativo e encapsulamento de alguns núcleos delirantes. Tem crítica parcial para a sua patologia mas considera-se haver risco de abandono terapêutico”.
7. Por despacho datado de 19.02.19, foi mantido o tratamento compulsivo de AA em regime ambulatório ( fls 94).
8. Mediante nova avaliação clínico-psiquiátrica efectuada em 4.04.2019 (fls 112), o Departamento de Psiquiatria e Saúde mental do Centro Hospitalar Universitário do Algarve comunicou ao processo a necessidade da manutenção da interditanda ao tratamento compulsivo em regime ambulatório, nos termos seguintes:
“…anos, com acompanhamento há vários anos por perturbação esquizo-afetiva com múltiplos episódios de recaída por má adesão terapêutica. Atualmente estabilizada mas com insight deficitário para o quadro”
9. Por despacho datado de 29.04.19, o Juízo de Competência Genérica de Olhão manteve o tratamento compulsivo em regime ambulatório (fls 118).
10. Por despacho datado de 3.07.19, o Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo (local onde a internada se mudou), foi determinada nova avaliação clínico psiquiátrica (fls 143)
11. Mediante nova (e última) avaliação clínico-psiquiátrica datada de 23.07.19, (fls 167), o Departamento de Psiquiatria do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira comunicou aos autos a necessidade da manutenção da interditanda ao tratamento compulsivo em regime ambulatório, nos termos seguintes: ...[4]
12. Na sessão conjunta que teve lugar no dia 19.09.19, no Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo, compareceu, na qualidade de perito médico, o Dr. BB ( fls 191).
13. O Dr. BB não teve intervenção na última avaliação clínico-psiquiátrica da internanda (ou em qualquer outra), nem era seu médico, encontrando-se “pontualmente” na diligência.
14. Não obstante a avaliação clínico psiquiátrica referir que a internanda tem “nula crítica para a sua doença e vontade parar a medicação”, o Dr. BB, em manifesta contradição com o teor do parecer dos peritos médicos, referiu na sessão conjunta “que já não se justificava o seguimento do internamento compulsivo ambulatório, podendo ser seguida em regime ambulatório voluntário” sic (ata a fls 192).
15. Por decisão proferida pelo Mmº Juiz a quo na sessão conjunta de 19.09.19, foi desde logo determinado o arquivamento dos autos, por o tribunal a quo entender “terem cessado os pressupostos que deram origem ao internamento de urgência de AA” ( fls 193). ...”.
Embora nos termos do art.º 9º da Lei de Saúde Mental se determine a aplicação do CPP para os casos omissos, não cremos que tenham aplicação as disposições relativas à sentença penal, dadas a diferenciação processual e a transitoriedade das decisões preferidas no âmbito desta Lei, pelo que passamos a apreciar as deficiências materiais do despacho recorrido e o sentido da decisão tomada.
Antes do mais, a decisão recorrida pronunciou-se sobre uma realidade já inexistente (internamento compulsivo) e não sobre aquilo sobre que deveria verdadeiramente ter-se pronunciado (o tratamento compulsivo ambulatório), pelo que sempre haveria que a revogar.
Por outro lado, o Sr. Dr. BB aparece na sessão conjunta como “... Médico-perito que acompanha a internanda ...” (acta de fls. 182/183), sem que seja possível extrair dos autos porque interveio na referida sessão. Se foi como perito, quem o nomeou? Ou foi apresentado pela Requerida? Ou era médico assistente desta e apresentou-se espontaneamente? Nem tão pouco é possível cocncluir se é médico psiquiatra!
De qualquer forma, “O juízo técnico-científico inerente à avaliação clínico-psiquiátrica está subtraído à livre apreciação do juiz.” (art.º 17º/5 da Lei de Saúde Mental) e o juiz pode convocar os peritos que elaboraram esse juízo técnico-científico, para prestarem esclarecimentos (art.º 18º/2 da Lei de Saúde Mental).
Se houver discordância entre os psiquiatras, apresenta cada um o seu relatório, podendo o juiz determinar que seja renovada a avaliação clínico-psiquiátrica a cargo de outros psiquiatras, nos termos do artigo 17.º” (art.º 18º/3 da Lei de Saúde Mental).
Parece ter sido este o caso (se o Sr. Dr. BB for psiquiatra, o que, como vimos, não consta dos autos), mas, então, o tribunal devia ter determinado a prestação de esclarecimentos dos peritos que elaboraram a perícia, ou determinar a renovação da avaliação clínico-psiquiátrica, nos termos do referido art.º 18º/3.
O que não podia, em caso algum, era ignorar aquele juízo técnico-científico, nem pronunciar-se sobre um inexistente internamento compulsivo.
Não pode, assim, deixar de proceder o recurso.
*****
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos provido o recurso e, consequentemente, revogamos o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, que aprecie a necessidade da subsistência do tratamento ambulatório compulsivo, levando em conta o teor do relatório pericial de fls. 166/167, ou, se considerar necessário, determinando a renovação da avaliação clínico-psiquiátrica, nos termos do art.º 18º da Lei 36/98, de 24/07/1998.
Sem custas.
Remeta cópia (art.º 42º/1 da Lei de Saúde Mental).
Notifique.
D.N..

Lisboa, 23/01/2020
João Abrunhosa
Maria Leonor Botelho
_______________________________________________________
[1] Ministério Público.
[2] Supremo Tribunal de Justiça.
[3]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[4] O referido relatório concluí o seguinte: “Trata-se de uma doente em tratamento ambulatório compulsivo que, há cerca de 2 meses, veio residir para a Terceira. Tem cumprido a medicação injectável. Refere que já solicitou, através do Centro de Saúde, uma consulta de psiquiatria para ter seguimento clínico.
Pela história parece tratar-se de um diagnóstico de psicose esquizo-afectiva.
Como a doente apresenta falta de crítica para a sua doença e vontade de parar a medicação (já parou a medicação oral, ao que diz por indicação médica) continuamos a achar prudente a manutenção do tratamento ambulatório compulsivo.
Note-se que não tem suporte sócio-familiar aqui na ilha, só o companheiro, também doente.
Como tem cumprido a medicação mensal injetável e se apresenta estável psiquiatricamente, para já não nos parece necessário internamento compulsivo.”.