Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13534/16.6T8LSB.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I–Não deve ser conhecida pelo tribunal ad quem a nulidade da sentença em processo laboral que não foi arguida no requerimento de interposição de recurso.
II–Os factos admitidos por acordo na tentativa de conciliação realizada perante o Ministério Público na fase conciliatória da acção emergente de acidente de trabalho devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, ainda que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância.
III–O mecanismo adjectivo previsto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC aplica-se aos casos em que a decisão de facto apresenta patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento mas que inviabilizam a decisão jurídica do pleito e que devem ser solucionadas de imediato pela Relação ou, não sendo possível, por carecer esta dos necessários elementos, poderão implicar a anulação do julgamento.
IV–As questões sobre que incide a junta médica são de natureza essencialmente técnica, estando os peritos médicos mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, só devendo o juiz divergir dos respectivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1. Relatório


1.1. Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado AA, e entidade responsável a BBB, S.A., tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 3 de Agosto de 2014, quando o sinistrado exercia as suas funções laborais ao serviço da (…), Lda.
No exame médico-legal singular realizado na fase conciliatória, o Exmo. Perito do Gabinete Médico-Legal atribuiu ao sinistrado uma IPP de 3 % a partir de 2 de Fevereiro de 2016 (exame que foi iniciado no dia 24 de Agosto de 2016 e concluído em 14 de Dezembro de 2016).
Realizada a tentativa de conciliação perante o Digno Magistrado do Ministério Público (auto de fls. 90 e ss.), a mesma frustrou-se em virtude de a seguradora não ter concordado com o grau de IPP que foi atribuído pelo perito médico no exame realizado na fase conciliatória, aceitando o sinistrado a conciliação nos exactos termos propostos pelo Ministério Público.
Foi requerido exame por junta médica pela seguradora, tendo a mesma formulado os seguintes quesitos:
«1.º- Quais as sequelas das lesões sofridas no acidente de que o sinistrado é portador?
2.º- Qual o seu enquadramento na TNI?
3.º- Qual a natureza e grau de desvalorização que lhes corresponde?
4.º- Quais os períodos de incapacidades temporárias atribuídos?»
Realizada em 2017.02.27 a junta médica, os Exmos. Peritos, por opinião unânime, relataram o seu parecer e responderam aos quesitos formulados pela seguradora, nos seguintes termos (auto de fls. 107-108):
«A junta médica reunida após compulsados os autos constata que sofreu um acidente de trabalho no dia 03-08-2014 do qual resultou fratura do cúbito esquerdo, tratado cirurgicamente teve alta no dia 02-02-2016 CSD.
Observado no INMLCF com proposta de IPP de 3% por cicatriz.
Em observação neste tribunal refere subjectivos dolorosos que se agravam com o frio, diminuição da força, limitação do manuseamento de cargas com elevação dos membros superiores. Objectivamente apresenta cicatriz deformante no bordo cubital do punho esquerdo, sem limitação na mobilidade articular do punho.
A junta médica reunida por unanimidade responde aos quesitos de fls. 96 dos autos:
1: as descritas acima;
2: prejudicado;
3: prejudicado;
4: Os períodos de incapacidades são os definidos pela seguradora a fls. 38 dos autos excepto o período referido de ITA como de 16-01-2016 a 02-02-2016 que deverá ser corrigido para 13-01-2016 a 02-02-2016.»
A Mma. Juiz do Juízo do Trabalho de Lisboa proferiu em 29 de Março de 2017 decisão final (fls. 121-125), na qual exarou, após assentar os factos que considerou provados, o seguinte:
«[…]
IV - Fundamentação
As questões a decidir nestes autos prendem-se com o grau de incapacidade com que o sinistrado ficou afectado e, consequentemente, o montante da pensão a que tem direito e ainda com os períodos de incapacidades temporárias sofridas e respectiva indemnização.
Não se afigura existir fundamento para divergir do parecer da Junta Médica, obtido por unanimidade, face aos elementos dos autos e considerando o disposto na Tabela Nacional de Incapacidades.
A divergência entre o parecer do Sr. Perito singular os o dos Srs. Peritos que integraram a Junta Médica, respeita à atribuição de incapacidade por cicatriz pelo primeiro e não pelos segundos, com fundamento no facto da cicatriz não interferir com a mobilidade articular do punho. Considerando em que direito do trabalho, o dano estético não é valorizável, mostra-se conforme à TNI o parecer da Junta Médica.
Assim, ao abrigo do preceituado no art.º 140º, do Código de Processo do Trabalho, e considerando que, em consequência do acidente, o sinistrado não padece de qualquer incapacidade, encontrando-se curado sem desvalorização, não lhe é devida qualquer indemnização, excepto o montante de € 62,08 pelo período de ITA de 13/01 a 15/01/2016, não atribuído pela entidade seguradora e atribuído pela Junta Médica.
V – Decisão
Por todo o exposto, considero que o Sinistrado Amadú Baldé se encontra curado sem desvalorização em consequência do acidente a que se reportam os presentes autos, não lhe sendo, em consequência, devidas quaisquer quantias, com excepção do valor de € 62,08 a título de diferença de indemnização pelo período de ITA de 13/01 a 15/01/2016 e da quantia de € 7,20 por despesas de transporte.
 […]
1.2. O sinistrado interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“I. O ora Recorrente foi submetido a perícia singular de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, cujo respetivo relatório consta das fls. 76 e seguintes dos presentes autos.
II. No referido documento consta que “Foi diagnosticada fratura diafisária do cúbito esquerdo tratada cirurgicamente – osteossíntese com placa e parafusos”, acrescentando ainda que, “No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:
- Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora.
- Os períodos e as incapacidades temporárias parciais são os atribuídos pela companhia seguradora, acrescido de ITP desde 13-01-2015 até 24-09-2015 (6%).
A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07 de 23 de outubro), é de 3,00%. A taxa atribuída tem em conta o(s) artigo(s) da Tabela Referido(s) no quadro abaixo indicado.
Nome: 48 anos
PROFISSÃO: pedreiro
RÚBRICA de tabela a que correspondem as lesões ou doenças/Cap/nº/Sub.nº/Alínea: Cap.II b) Cicatriz
Coeficientes previstos na tabela: 0.02 a 0.08
Coef. Iniciais: 0,03000 
Soma direta:
Fatores de bonificação: 1,00000 
Outros factores de correção: 1,00000 
Coef. Arbitrados: 0,03000 
Capacid  restante: 1,00000 
Desvalorização arbitrada: 0,03000
III. Em diligência de tentativa de conciliação, conforme consta do auto de tentativa de conciliação “Pelo representante da seguradora, foi dito que reconhece o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas, bem como a sua  responsabilidade emergente do acidente em função da retribuição acima referida. Disse ainda não estar de acordo com a atribuição do período de ITP a 6% de 13-01-2015 a 24-09-2015 bem como a avaliação da incapacidade atribuída pelo perito médico pelo que NÃO ACEITA a conciliação nos termos propostos pelo Magistrado do MºPº.”
IV. A Recorrida requereu exame por junta médica, tendo formulado os seguintes quesitos: “1 Quais as sequelas das lesões sofridas no acidente de que o sinistrado é portador? 2 Qual o seu enquadramento na T.N.I.? 3 Qual a natureza e grau de desvalorização que lhes corresponde? 4 Quais os períodos de incapacidades temporárias atribuídos?”
V. Realizada a junta médica, ficou a constar o seguinte no auto de exame por junta médica: “A junta médica reunida após compulsados os autos constata que sofreu um acidente de trabalho no dia 03-08-2014 do qual resultou fratura do cúbito esquerdo, tratado cirurgicamente teve alta no dia 02-02-2016 CSD. Observado no INMLCF com proposta de IPP de 3% por cicatriz. Em observação neste tribunal refere subjetivos dolorosos que se agravam com o frio, diminuição da força, limitação do manuseamento de cargas com elevação dos membros superiores. Objetivamente apresenta cicatriz deformante no bordo cubital do punho esquerdo, sem limitação na mobilidade articular do punho. A junta médica reunida por unanimidade responde aos quesitos de fls. 96 dos autos: 1: as descritas acima; 2: prejudicado; 3: prejudicado; 4: Os períodos de incapacidades são os definidos pela seguradora a fls. 38 dos autos exceto o período referido de ITA como de 16-01-2016 a 02-02- 2016 que deverá ser corrigido para 13-01-2016 a 02-02-2016.”
VI. O Recorrente, dentro do prazo legal existente para o efeito, requereu esclarecimentos adicionais, porquanto as respostas dadas aos quesitos pelos Exmos. Senhores Peritos se revelaram revestidas de contraditoriedade, o que foi indeferido, tendo sido proferida sentença, na qual o douto tribunal considerou, por um lado, que o ora Recorrente se encontra curado sem desvalorização, e por outro lado, que apenas se encontra por liquidar, no que concerne a incapacidades temporárias, ITA no período compreendido entre 13/01 e 15/01/2016 e despesas de transporte.
VII. O tribunal a quo considerou como factos provados, entre outros, os seguintes: “6. A junta médica que avaliou o sinistrado considerou, por unanimidade, que por força das lesões sofridas o sinistrado não é portador de incapacidade parcial permanente (IPP) para o trabalho, encontrando-se curado sem desvalorização.
7. O sinistrado sofreu os períodos de incapacidade temporárias descritas a fls. 38 dos autos, das quais está pago, e ainda o período de ITA de 13/01/16 a 15/01/2016 (três dias), do qual não está pago.”, tendo ainda concluído que “Não se afigura existir fundamento para divergir do parecer da Junta Médica, obtido por unanimidade, face aos elementos dos autos e considerando o disposto na Tabela Nacional de Incapacidades. A divergência entre o parecer do Sr. Perito singular os o dos Srs. Peritos que integraram a Junta Médica, respeita à atribuição de incapacidade por cicatriz pelo primeiro e não pelos segundos, com fundamento no facto da cicatriz não interferir com a mobilidade articular do punho. Considerando em que direito do trabalho, o dano estético não é valorizável, mostra-se conforme à TNI o parecer da Junta Médica.”.
VIII. Não pode o Recorrente se conformar com o teor da douta sentença, porquanto se baseia num auto de exame por junta médica incompleto, contraditório e sem fundamento.
IX. Resulta da análise ao n.º 8 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, constante do Anexo I, que as conclusões tidas pelos peritos das juntas médicas deverão constar de ficha apropriada e se encontrar devidamente fundamentadas, acrescentando ainda o n.º 13 das referidas instruções gerais que “A fim de permitir o maior rigor na avaliação das incapacidades resultantes de acidente de trabalho e doença profissional, a garantia dos direitos das vítimas e a apreciação jurisdicional, o processo constituído para esse efeito deve conter obrigatoriamente os seguintes  elementos: a) Inquérito profissional, nomeadamente para efeito de história profissional; b) Análise do posto de trabalho, com caracterização dos riscos profissionais e sua quantificação, sempre que tecnicamente possível (para concretizar e quantificar o agente causal de AT ou DP);  c) História clínica, com referência obrigatória aos antecedentes médico-cirúrgicos relevantes; d) Exames complementares de diagnóstico apropriados.”
X. Quanto ao auto de exame por junta médica sub judice, constata-se que a fundamentação apresentada é insuficiente, porquanto não obedece às instruções supra enunciadas/citadas.
XI. Não consta de ficha apropriada, sendo certo que as conclusões carecem de fundamentação, não contém elementos referentes à história profissional do ora Recorrente, apenas constando da tabela que o mesmo exercia a profissão de pedreiro, não identifica o agente causal do acidente de trabalho, sendo certo que, não consta sequer a informação de que se tratou de um acidente de viação, não existe qualquer menção da história clínica do ora Recorrente, nem tão pouco foram solicitados exames complementares de diagnóstico.
XII. Deduz-se do auto de exame por junta médica que apenas observaram o Recorrente a movimentar o pulso esquerdo durante breves instantes e, desses mesmos breves instantes, concluíram que o ora Recorrente está completamente apto para desempenhar as funções de pedreiro durante oito horas diárias, cinco dias por semana, carregando objectos pesados, levantando constantemente os membros superiores e desempenhando reiteradamente movimentos de esforço com o pulso esquerdo.
XIII. O perito singular enquadrou a lesão sofrida pelo ora Recorrente no Capítulo II, n.º 1.5, alínea b), da Tabela Nacional de Incapacidades: “1.5. Cicatrizes distróficas: b) Cicatrizes idem noutras zonas do corpo se forem dolorosas ou facilmente ulceráveis 0,02 – 0,08”.
XIV. O Recorrente padece de dores provenientes das lesões sofridas com o acidente de trabalho in casu, não tendo o Sr. Perito Singular avaliado a vertente estética da cicatriz detida pelo mesmo, mas sim a sua vertente dolorosa e limitativa de movimento.
XV. Cabe perguntar o motivo pelo qual o legislador inseriu um ponto específico referente a cicatrizes na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, se o dano estético não é valorizável em direito do trabalho, resultando como resposta evidente que, a Tabela evidencia que as cicatrizes, para além do seu dano estético sempre inerente, são ainda passíveis de causar dor e limitações de movimento, pelo que, a fundamentação apresentada, quer pela Junta Médica, quer pelo tribunal a quo, para justificar a consideração de que o ora Recorrente não padece de IPP, é débil.
XVI. Carece o auto de exame por junta médica de fundamentação, uma vez que não se consegue descortinar que motivos levaram os Srs. Peritos da Junta Médica sub judice concluírem que o Recorrente encontra-se “sem limitação na mobilidade articular do punho.” e, consequentemente, curado sem desvalorização.
XVII. Não resulta claro que a dita Junta Médica tenha considerado, efetivamente, de que o ora sinistrado não padece de qualquer IPP, porquanto ao quesito “Quais as sequelas das lesões sofridas no acidente de que o sinistrado é portador?”, é respondido “as descritas acima;”.
XVIII. As sequelas “acima” descritas são: “(…) constata que sofreu um acidente de trabalho no dia 03-08-2014 do qual resultou fratura do cúbito esquerdo, tratado cirurgicamente teve alta no dia 02-02-2016 CSD. Observado no INMLCF com proposta de IPP de 3% por cicatriz. Em observação neste tribunal refere subjetivos dolorosos que se agravam com o frio, diminuição da força, limitação do manuseamento de cargas com elevação dos membros superiores. Objetivamente apresenta cicatriz deformante no bordo cubital do punho esquerdo, sem limitação na mobilidade articular do punho.”
XIX. O douto tribunal considerou que o auto de exame por junta médica se encontrava explícito (e daí o indeferimento dos esclarecimentos solicitados pelo ora Recorrente), porquanto consta do mesmo uma tabela riscada que no final indica “Coeficiente Global de Incapacidade: CSD”, que se encontra em patente contradição com a resposta supra citada ao quesito “Quais as sequelas das lesões sofridas no acidente de que o sinistrado é portador?”.
XX. Assim sendo, não nos parece despropositado se deduzir que o Srs. Peritos da Junta Médica tenham considerado que o ora Recorrente efetivamente sente o que descreveu aquando da realização da dita Junta Médica, até porque no respetivo auto de exame nada consta em contrário.
XXI. A consideração de que o Recorrente, no momento do exame por junta médica, alegadamente encontrava-se “sem limitação na mobilidade articular do punho”, nada contradiz o facto de que o mesmo padece de dores e de limitações físicas, que reduzem a sua capacidade laboral no exercício das funções de pedreiro, até porque as funções laborais não são exercidas apenas durante alguns  minutos num único dia, mas sim durante, pelo menos, oito horas diárias, cinco dias por semana.
XXII. E, sentindo o ora Recorrente todas essas limitações que, indubitavelmente, se refletem na atividade laboral enquanto pedreiro, reduzindo consideravelmente a sua capacidade para trabalho (e de ganho) em funções que exigem um acentuado esforço físico, revela-se de extrema incoerência que se considere, no entanto, que o Recorrente se encontra curado sem desvalorização, conforme parece indicar (injustificavelmente) a tabela constante do auto de exame por junta médica.
XXIII. Isto sem esquecer que, absolutamente nenhuma explicação é dada pelos Srs. Peritos da Junta Médica no que concerne à consideração de que o ora Recorrente não padeceu de ITP desde 13.01.2015 até 24.09.2015, na ordem dos 6%, conforme consta da perícia singular.
XXIV. Mediante a contraditoriedade e obscuridade presente no auto de exame por junta médica sub judice, cujas conclusões, de modo algum, são vinculativas para o tribunal (de acordo com o princípio da livre apreciação da prova), nunca deveria a sentença in casu ter seguido o entendimento do referido documento pericial, sob pena de, também esta, se encontrar ferida de contraditoriedade e de obscuridade.
XXV. Conforme refere a mais douta jurisprudência, “(…) sendo verdade que a Exma. Julgadora a quo, apreciando os meios de prova de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e remetendo para determinado parecer pericial (auto de junta médica) está a fazer seu o conteúdo daquele, não o é menos que, para que a decisão da sentença (que versa sobre a incapacidade da sinistrada) se encontre devidamente sustentada em factos se torna necessário que tal fundamentação de facto conste de modo suficiente e congruente do documento para que remete (o auto de junta médica).”2. 
XXVI. Sendo certo que, o tribunal a quo, em concordância com o disposto constante no artigo 139.º, n.º 7, do Código de Processo do Trabalho, 2 In www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13.02.2017, processo n.º 1961/15.0T8VFR.P1. tinha o poder/dever de requerer diligências complementares, mediante o auto de exame de junta médica dos presentes autos.
XXVII. Assim sendo, considera-se que a sentença proferida pelo tribunal a quo é nula, nos termos constantes no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na medida em que a sentença sub judice, assente num auto de exame de junta médica infundada, não especifica, verdadeiramente, os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão final, ou seja, não pode a sentença especificar fundamentos de facto e de direito com peso probatório suficiente para afastar as incapacidades in casu, quando os fundamentos são inexistentes no auto de exame de junta médica que determinou a decisão final.
XXVIII. Pelo que, deverá a sentença proferida pelo tribunal a quo ser, consequentemente, substituída por outra cuja fixação de incapacidade se revele não inferior à que foi determinada pela perícia singular, isto é, que não seja a IPP considerada inferior a 3% e que seja considerada a existência de ITP na ordem dos 6%, no período entre 13.01.2015 até 24.09.2015.
XXIX. No entanto, e caso assim não se entenda, sempre se dirá que não constam dos autos sub judice os elementos necessários para sustentar a tese de que o ora Recorrente não padece de qualquer incapacidade permanente parcial, nem padeceu de incapacidade temporária parcial de 6% entre 13.01.2015 até 24.09.2015, revelando-se insuficiente a matéria de facto, pelo que se impõe a sua ampliação, nos termos do preceituado constante no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, com a consequente anulação da sentença recorrida e realização de um novo exame por junta médica.
TERMOS EM QUE:  1) DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER CONSIDERADA NULA, NOS TERMOS DO ARTIGO 615.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, E, CONSEQUENTEMENTE, SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA CUJA FIXAÇÃO DE IPP NÃO SEJA INFERIOR A 3% E QUE SEJA CONSIDERADA A EXISTÊNCIA DE ITP NA ORDEM DOS 6%, NO PERÍODO ENTRE 13.01.2015 ATÉ 24.09.2015, OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, 2) QUE SEJA CONSIDERADO QUE NÃO CONSTAM DOS AUTOS IN CASU OS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA SUSTENTAR A TESE DE QUE O ORA RECORRENTE NÃO PADECE DE QUALQUER INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL, NEM PADECEU DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA PARCIAL DE 6% ENTRE 13.01.2015 ATÉ 24.09.2015, REVELANDO-SE INSUFICIENTE A MATÉRIA DE FACTO, PELO QUE SE IMPÕE A SUA AMPLIAÇÃO, NOS TERMOS DO PRECEITUADO CONSTANTE NO ARTIGO 662.º, N.º 2, ALÍNEA C), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E REALIZAÇÃO DE UM NOVO EXAME POR JUNTA MÉDICA.”
1.3. A seguradora respondeu às alegações pugnando pela improcedência do recurso e concluindo que:
“A não arguição expressa e separada, no requerimento de interposição do recurso, das nulidades apontadas às decisões que pretende impugnar (e que fundamentam essa impugnação) acarretam a sua não apreciação pelo douto Tribunal ad quem e, em consequência, a improcedência do recurso interposto pelo recorrente, não se tornando necessário explanar argumentos no sentido da inexistência das alegadas nulidades (designadamente, esclarecendo o recorrente de que nem todas as sequelas determinam incapacidade permanente, não existindo, pois, qualquer contradição entre o facto de ter sido reconhecida a existência de sequelas e o de não ter sido atribuída qualquer IPP ao sinistrado).”
1.4. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso, nele sustentando a Mma. Juiz a quo que se não verifica a nulidade assacada à decisão (vide fls. 188-189).
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, e após colmatada na 1.ª instância a falta de indicação do valor da causa, atribuindo-se-lhe o valor de € 3.390,86, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido de que o acórdão a proferir deve julgar improcedente o recurso.
Apenas o recorrente respondeu a este Parecer remetendo para o alegado na apelação.
Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*

2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
- se a sentença é nula por falta de fundamentação nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil;
- se é necessária a ampliação da decisão de facto nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, com a anulação da sentença e a realização de nova junta médica;
- se deve ser reconhecida ao sinistrado uma ITP de 6% entre 13 de Janeiro e 24 de Setembro de 2015 e uma IPP de 3%.
*

3. Fundamentos
3.1. Afirma o recorrente que a sentença recorrida é nula, nos termos constantes no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na medida em que, assente num auto de exame de junta médica infundada, não especifica, verdadeiramente, os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão final.
Mas no requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal a quo (fls. 135) o recorrente não faz qualquer alusão à nulidade da sentença, limitando-se a dizer, depois de se identificar, o seguinte:
«… inconformado com a sentença notificada a 30 de março de 2017, vem, nos termos do disposto constante nos artigos 79.º, alínea b), 79.º-A, n.º 1 e 80.º, n.º 1, todos do Código de Processo do Trabalho, apresentar para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa
RECURSO DE APELAÇÃO
Pelo que, por ser tempestivo e ter o ora Recorrente legitimidade para o efeito, muito respeitosamente, se requer a V. Exa. se digne a dá-lo por admitido.»
Ora, por força do estatuído no art. 77.º do Código de Processo de Trabalho, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso. Este normativo pressupõe que o anúncio da arguição e a corresponde motivação das nulidades (a substanciação das razões por que se verificam) devem constar do requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao órgão judicial “a quo”, permitindo ao juiz recorrido aperceber-se, de forma mais rápida e clara, da censura produzida e possibilitando-lhe o eventual suprimento das nulidades invocadas.
Em consonância com esta especialidade estabelecida pela lei processual laboral, a jurisprudência tem considerado pacificamente que não deve ser conhecida pelo tribunal ad quem a nulidade da sentença em processo laboral que não foi arguida no requerimento de interposição de recurso.
É certo que se tem admitido que aquela exigência se mostrará cumprida, no caso de o requerimento e a alegação constituírem uma peça única, com a indicação no requerimento de interposição de recurso a que se apresenta a arguição de nulidades da sentença e a exposição dos motivos determinantes das nulidades feita na alegação, imediatamente a seguir ao requerimento stricto sensu, de forma perfeitamente clara e autónoma[1]
Mas tem sido igualmente jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a de não ser inconstitucional o entendimento de que o tribunal “ad quem” está impedido de apreciar as nulidades da sentença, em processo laboral, sempre que as mesmas não tenham sido expressamente arguidas no requerimento de interposição do recurso[2]
No caso sub judice, o recorrente não chega sequer a arguir as nulidades no requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal da 1.ª instância, aí não lhes fazendo qualquer referência.
Assim, uma vez que a nulidade da sentença não foi oportunamente arguida como comanda o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – e independentemente da avaliação do seu mérito –, não pode apreciar-se a argumentação do recorrente no sentido de saber se verifica a apontada o vício assacado à sentença nos termos do preceituado no artigo 615.º do Código de Processo Civil[3].
Não se conhece, pois, das arguidas nulidades, sem prejuízo de se apreciar oportunamente a argumentação do recorrente na medida em que, sob a capa da arguição de nulidade, imputa também à sentença um erro de julgamento de mérito.
*

3.2. A decisão recorrida considerou assentes, por acordo das partes, e face ao teor dos documentos juntos e ao resultado da perícia realizada, os seguintes factos:
«[…]
1. O sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho/viação, em França, em 3 de Agosto de 2014, quando trabalhava para Rentifração Unipessoal, Lda.
2. À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual de 10.789,78 (€ 700,00 x 14 de vencimento + € 89,98 x 11 de subsídio de alimentação).
3. À data do acidente a entidade patronal do sinistrado tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., pela retribuição referida em 2.
4. O sinistrado nasceu em 10.01.1966.
5. O sinistrado teve alta em 02.02.2016.
6. A junta médica que avaliou a sinistrado considerou, por unanimidade, que por força das lesões sofridas o sinistrado não é portador de incapacidade parcial permanente (IPP) para o trabalho, encontrando-se curado sem desvalorização.
7. O sinistrado sofreu os períodos de incapacidades temporárias descritas a fls. 38 dos autos, das quais está pago, e ainda o período de ITA de 13/01/16 a 15/01/2016 (três dias), do qual não está pago.
[…]»
Analisado o auto de tentativa de conciliação realizado na fase conciliatória, verifica-se que o Digno Magistrado do Ministério Público, ao propor o acordo, afirmou que em consequência do acidente “resultaram as lesões descritas no auto de perícia médica que antecede”, sendo que o sinistrado aceitou a conciliação nos termos propostos pelo Ministério Público e a seguradora reconheceu o acidente como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas, não estando de acordo com a ITP de 6% de 13 de Janeiro a 24 de Setembro de 2015 e “com a avaliação da incapacidade atribuída pelo perito médico”.
O perito médico do INML na fase conciliatória efectuou um primeiro exame em que descreveu as lesões e sequelas e entendeu não se pronunciar logo sobre a IPP (pedindo informações) e efectuou um segundo exame com um relatório mais sucinto em que integra na TNI a sequela descrita no primeiro (referenciando que se trata de uma “cicatriz”) mas sem a caracterizar como fizera no primeiro, onde descreveu as lesões e sequela com mais pormenor. Na medida em que não há qualquer contradição entre os dois relatórios, limitando-se o segundo a completar o primeiro, entendemos que a referência do Ministério Público abarca ambos os relatórios clínicos do perito singular, a ambos devendo atender-se, pois, para configurar as lesões e sequelas sobre as quais se firmou acordo na tentativa de conciliação.
Os factos admitidos por acordo nos termos prescritos no artigo 112.º do Código de Processo do Trabalho[4] devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, ainda que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância, se relevantes para a decisão do pleito – cfr. os artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Assim, adita-se à matéria de facto o seguinte:
8. Em consequência do acidente, o sinistrado sofreu fractura diafásica do cúbito esquerdo tratada cirurgicamente e ficou, após 2 de Fevereiro de 2016, com cicatriz hipertrófica linear na face posterior do terço distal do ante-braço esquerdo.
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3.3. Para além da nulidade que suscitou, o recorrente defende que “não constam dos autos os elementos necessários para sustentar a tese de que não padece de qualquer incapacidade permanente parcial, nem padeceu de incapacidade temporária parcial de 6% entre 13.01.2015 até 24.09.2015, revelando-se insuficiente a matéria de facto, pelo que se impõe a sua ampliação, nos termos do preceituado constante no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil”, com a consequente anulação da sentença recorrida e realização de um novo exame por junta médica.
O artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, determina o dever de a Relação, mesmo oficiosamente, “[a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.”
Reporta-se esta norma aos casos em que a decisão de facto apresenta patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento mas que inviabilizam a decisão jurídica do pleito e que devem ser solucionadas de imediato pela Relação ou, não sendo possível, por carência de elementos, poderão implicar a anulação do julgamento.
Uma dessas patologias ocorre quando a decisão é deficiente[5], ou seja, quando o tribunal não se pronuncia sobre factos essenciais ou complementares e, por essa razão, “não se mostra estabelecida uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”, podendo ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio na medida em que assegure enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo[6].
Como é dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2016[7], “o vício formal de deficiência da decisão de facto, tal como os vícios de obscuridade e de contradição, aquele e estes previstos na alínea c) do n.º 2 do citado artigo 662.º, recai sobre o próprio enunciado do juízo probatório, não dizendo, portanto, respeito à respetiva motivação. Assim, tem-se por deficiente o enunciado linguístico que expresse um sentido incompleto do respectivo juízo probatório, nos seus próprios termos, não abrangendo naquele a factualidade ali relevante ou não cobrindo, de forma positiva ou negativa, todo o facto enunciado como provado. Por seu turno, será obscuro o enunciado probatório vagos, ininteligível, equívoco ou imprecisos e serão contraditórios os que exprimam sentidos reciprocamente excludentes. Tais vícios, dada a sua natureza formal, só relevam quando obstem a qualquer pronunciamento de mérito sobre o juízo probatório dessa forma afetado, implicando a sua alteração pelo próprio tribunal de recurso, quando constem do processo todos os elementos para o efeito, ou a sua anulação e eventual ampliação para repetição da prova em julgamento no tribunal da 1.ª instância, nos termos conjugados da alínea c) do n.º 2, e da alínea b) e c) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC". 
Situação diferente é a da falta, insuficiência ou deficiência da fundamentação da decisão de facto, sendo este um tipo de irregularidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, passível, em princípio, de sanação pelo tribunal de 1.ª instância, nos termos das alíneas b) e d) do n.º 3 do mesmo artigo.
Ora no caso vertente, analisada a decisão de facto, não se vê que a mesma seja insuficiente para permitir.
Quanto à incapacidade permanente, a fundamentação de facto relata o que foi considerado pela junta médica (facto 6.), vindo a Mma. Juiz a quo na fundamentação de direito a explicitar por que razão a sequela descrita no exame médico referenciado no ponto 6. da decisão de facto (cicatriz  deformante no bordo cubital do punho esquerdo sem limitação na mobilidade articular do punho, tal como se mostra descrito no auto para que aquele ponto 6. remete) não implica a atribuição de IPP, assim tomando posição sobre a divergência que se verificou entre o perito singular e a junta médica quanto ao enquadramento da lesão na Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.° 352/2007, de 23 de Outubro, questão esta que se reveste de natureza jurídica.
Melhor seria, certamente, que a sentença houvesse especificado claramente no acervo factual as lesões e sequelas que decorreram do acidente, vg. para permitir no futuro uma análise mais rigorosa de eventuais situações de agravamento ou melhoria.
Seja como fôr, uma vez que houve acordo entre o sinistrado e a seguradora na tentativa de conciliação realizada perante o Ministério Público quanto às lesões descritas pelo perito do INML e esta Relação acrescentou oficiosamente a inerente matéria de facto, mostra-se ultrapassada a questão da sua eventual insuficiência.
Quanto à ITA, a fundamentação de facto é completa e inequívoca: provou-se que o sinistrado “sofreu os períodos de incapacidades temporárias descritas a fls. 38 dos autos, das quais está pago, e ainda o período de ITA de 13/01/16 a 15/01/2016 (três dias), do qual não está pago” (facto 7.).
Os autos têm, pois, os elementos de facto suficientes para se decidir de direito, não havendo que proceder à anulação da decisão com vista a uma desnecessária ampliação.
Analisando a alegação do recorrente, verifica-se que, em bom rigor, o mesmo não alega que a decisão de facto seja insuficiente para sustentar a decisão de direito, mas que não constam dos autos os elementos necessários para sustentar a tese de que não padece de IPP, nem padeceu de ITA de 6% no período entre 13 de Janeiro e 24 de Setembro de 2015. Segundo alega, o auto de exame por junta médica é incompleto, contraditório e sem fundamento, tendo levado o tribunal que nele se fundou a uma decisão que reputa de errada, assim demonstrando que discorda da decisão final por a mesma se ter fundado em elementos probatórios que, na sua perspectiva, não deveria ter valorizado como valorizou (segundo o princípio da livre apreciação da prova) por serem insuficientes e incongruentes e, não, por ser a própria decisão de facto insuficiente para o enquadramento jurídico.
Ou seja, imputa à decisão um erro de julgamento de facto.
Se o recorrente pretendia que o tribunal de recurso sindicasse a decisão tomada pelo tribunal a quo ao assentar tais elementos de facto, deveria ter impugnado a respectiva decisão e fazê-lo com observância dos ónus prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, a fim de que a Relação ponderasse os meios de prova, designadamente pericial, ao seu dispor e verificasse se havia algum erro de julgamento de facto a colmatar.
Como resulta do exposto, não é apto a tais efeitos o mecanismo da anulação da decisão da 1.ª instância previsto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, nem se verifica o condicionalismo legal em que é lícita a sua utilização.
Improcede pois a apelação, também nesta vertente.
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3.4. Embora não se tenha conhecido da arguida nulidade, cabe agora apreciar a argumentação do recorrente na medida em que, sob a capa da arguição de nulidade, imputou também à sentença um erro de julgamento.
Com efeito, o recorrente mostrou-se inconformado com o modo como a sentença, concordando com o laudo pericial da junta médica, enquadrou a cicatriz deformante no bordo cubital do punho esquerdo do sinistrado na Tabela Nacional de Incapacidades e veio a concluir pela cura sem desvalorização, bem como discordou de que a mesma não tenha considerado a ITP de 6% no período decorrido entre 13 de Janeiro e 24 de Setembro de 2015. Pediu a final, expressamente, que a sentença seja “substituída por outra cuja fixação de incapacidade se revele não inferior à que foi determinada pela perícia singular, isto é, que não seja a IPP considerada inferior a 3% e que seja considerada a existência de ITP na ordem dos 6%, no período entre 13.01.2015 até 24.09.2015” (conclusão XXVIII e pedido final), o que é distinto de pedir a anulação da sentença.
Não estando o tribunal vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), não deve deixar de se conhecer do erro de julgamento que o recorrente indevidamente suscitou sob a forma da imputação de uma nulidade à sentença.
Vejamos pois.
Nos termos do preceituado no artigo 138.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, uma vez finda a fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, sem que tenha havido acordo quanto à natureza da incapacidade e grau de desvalorização de que o sinistrado esteja afectado, a parte que se não conformar com o resultado do exame médico realizado pelo perito médico do tribunal requererá a realização de junta médica para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
Uma vez realizada a junta médica, e juntos os pareceres complementares que considere necessários, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização do sinistrado, nos termos do n.º 1 do artigo 140º do Código de Processo do Trabalho.
Foi esta tramitação que foi observada no caso em análise.
Perante os factos apurados, poderá então deve ser reconhecida ao sinistrado uma IPP de 3% e uma ITP de 6% entre 13 de Janeiro e 24 de Setembro de 2015, como o mesmo pretende?
Começando pela incapacidade temporária, deve desde logo dizer-se que não pode proceder a sua pretensão.
Na verdade, ficou provado que o sinistrado sofreu os períodos de incapacidades temporárias descritas a fls. 38 dos autos, das quais está pago, e ainda o período de ITA de 13/01/16 a 15/01/2016 (três dias), do qual não está pago (facto 7.).
Analisando o documento de fls. 38 dos autos, para que remete o ponto 7. da decisão de facto, verifica-se que no mesmo é descrito ter estado o sinistrado:
- curado sem desvalorização[8] entre 13 de Janeiro e 21 de Setembro de 2015;
- sem incapacidade nos dias 22 a 24 de Setembro de 2015.
É pois contrária à factualidade apurada a alegação do recorrente de que padeceu da indicada incapacidade temporária entre 13 de Janeiro e 24 de Setembro de 2015, nada havendo a alterar na sentença que não reconheceu ao sinistrado o direito a qualquer indemnização relativamente a tal período temporal.
Quanto à incapacidade permanente, não poderá igualmente reconhecer-se razão ao sinistrado.
É certo que na decisão de facto decisão de facto a Mma. Julgadora não afirmou a verificação de uma IPP ou a sua inverificação, limitando-se a descrever que “[a] junta médica que avaliou o sinistrado considerou, por unanimidade, que por força das lesões sofridas o sinistrado não é portador de incapacidade parcial permanente (IPP) para o trabalho, encontrando-se curado sem desvalorização” (facto 6.).
Remeteu pois para o auto respectivo, relatando o que o colégio de peritos considerou face às lesões descritas.
Entendemos pois que a sentença assume como verificadas as “lesões sofridas” enunciadas no auto, onde mais pormenorizadamente são descritas as lesões sofridas pelo sinistrado em consequência do acidente e as sequelas que o colégio de peritos objectivamente constatou: em suma, “sofreu fractura do cúbito esquerdo, tratado cirurgicamente teve alta no dia 02-02-2016 CSD” e “apresenta cicatriz deformante no bordo cubital do punho esquerdo, sem limitação na mobilidade articular do punho”.
Após, a Mma. Juiz a quo, no enquadramento jurídico a que procede, anui à conclusão do colégio de peritos no que diz respeito à questão de saber se a descrita cicatriz determinava a atribuição de IPP face à Tabela Nacional de Incapacidades. É neste aspecto que os peritos do INML e da junta médica dissentem. Enquanto o primeiro entendeu que a cicatriz ostentada pelo sinistrado deve ser enquadrada na Tabela Nacional de Incapacidades – indicando o capítulo II, alínea b) e um coeficiente de 0.02 a 0.08[9] – a junta médica considerou não enquadrar a referida cicatriz em qualquer rubrica.
E a sentença, aludindo expressamente à questão, equacionou-a  afirmando que “[a] divergência entre o parecer do Sr. Perito singular os o dos Srs. Peritos que integraram a Junta Médica, respeita à atribuição de incapacidade por cicatriz pelo primeiro e não pelos segundos, com fundamento no facto da cicatriz não interferir com a mobilidade articular do punho”. Tomando posição sobre o assunto, aderiu à posição da junta médica e concluiu que o sinistrado deve considerar-se curado sem incapacidade ao afirmar que: considerando que “em direito do trabalho, o dano estético não é valorizável, mostra-se conforme à TNI o parecer da Junta Médica”.
E fê-lo com acerto.
Na verdade, a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais é o instrumento que, nos exactos termos do artigo 20.º da LAT aprovada pela Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, constitui o quadro normativo de referência para determinar os coeficientes de incapacidade dos sinistrados vítimas de acidente de trabalho com vista à reparação infortunística laboral prevista na mesma LAT[10]
Cabe aqui ter presente o Capitulo II, 1, do anexo à Tabela Nacional de Incapacidades,relativo às “cicatrizes” em que se incluem “as alterações da superfície corporal resultantes de acidentes ou consequência de acto cirúrgico necessário à cura ou à correcção de lesão preexistente de origem traumática”.
Segundo a alínea b) do seu ponto 1.5, as cicatrizes noutras zonas do corpo (como é o caso do punho ali não expressamente previsto) apenas podem ser mensuradas em termos de desvalorização funcional (com um intervalo entre 0.02 - 0.08) se forem “dolorosas ou facilmente ulceráveis”.
No caso sub judice, não obstante as queixas subjectivas do sinistrado, os três peritos que intervieram na junta médica (incluindo o do sinistrado) entenderam que objectivamente a cicatriz do sinistrado é deformante no bordo cubital do punho, mas não acarreta limitação na mobilidade articular,
Igualmente no exame efectuado pelo perito do INML em 24 de Agosto de 2016 (que, recorde-se, atribuiu 3% de IPP), descrevem-se as sequelas (vide fls. 49) e diz-se que o examinando apresenta a aludida cicatriz mas que “aos movimentos activos e passivos apresenta mobilidade articular com amplitudes completas no cotovelo e punho e movimento sem alterações, prono-supinação completa” e “força muscular do membro superior esquerdo grau 5/5” (fls. 49), nunca referindo a existência de dores.
Não havendo pois quaisquer elementos para concluir que a cicatriz é dolorosa ou facilmente ulcerávrel, o simples dano estético da mesma resultante não é efectivamente mensurável, devendo concluir –se que o grau de IPP de que ficou a padecer o sinistrado é 0%.
Deve acrescentar-se que as questões sobre que incide a junta médica são de natureza essencialmente técnica, estando os peritos médicos mais vocacionados para sobre elas se pronunciarem, só devendo o juiz divergir dos respectivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo. Além disso, como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07[11], “a probabilidade de o resultado a que chegarão os três peritos na segunda perícia, poder, eventualmente, vir a ser distinto do primeiro exame médico-legal não é despicienda, podendo merecer melhor crédito (arts 591º, do CPC, e 389°, do CC), porquanto se baseia em maior número de peritos e permitir apresentar melhor fundamentação”. Segundo também aí é dito, “em princípio, a abordagem técnico-científica das questões médico-legais controvertidas, efectuada por três peritos médicos, tem a virtualidade de permitir uma mais segura aproximação à verdade material, desiderato primacial do processo civil, conduzindo a uma mais sólida formação da convicção do julgador”. É esta a razão de ser da intervenção da junta médica nas acções emergentes de acidente de trabalho – cfr. os artigos 138.º e ss. e 145.º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho – em que os mesmos factos já apreciados no primeiro exame “voltam agora à apreciação de outros peritos mais numerosos[12]. E é também a lógica da realização da segunda perícia no processo civil como se infere do disposto no artigo 487.º, n.º 3 do CPC nos termos do qual “[a] segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta”.
No caso sub judice, e em face do exposto, entendemos não haver razões objectivas para se discordar do laudo pericial colegial de fls. 107-108 e atribuir ao sinistrado a incapacidade de 3% que o Exmo. Perito do GML entendeu atribuir-lhe no exame singular da fase conciliatória, como pretende o recorrente.
Improcedem as conclusões das alegações de recurso, subsistindo a decisão da 1.ª instância que é conforme com o regime processual e substantivo aplicável.
3.5. Porque ficou vencido no recurso, recai sobre o recorrente a obrigação do pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), devendo contudo atender-se à decisão que foi proferida em sede de apoio judiciário, benefício que foi lhe concedido nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls. 153).
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4. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão da 1.ª instância.
Custas do recurso a cargo do recorrente, atendendo-se, contudo, a que beneficia de apoio judiciário.



Lisboa, 27 de Setembro de 2017



(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)
(Sérgio Almeida)


[1]Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.10.31, Recurso n.º 1442/07, de 2008.03.12, Recurso n.º 3527/07, sumariados in www.stj.pt, em consonância com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/05, de 8 de Junho de 2005, in Diário da República, II Série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2005 (também em www.tribunalconstitucional.pt), que julgou inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade a norma constante do art. 77.º do CPT/99 “na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição de recurso com referência a que se apresenta a arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço do tribunal superior”.
[2]Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 403/2000, in D.R., II Série, de 2000.12.13, reportado ao artigo 72º n.º 1 do CPT/81 e n.º 439/2003, in www.tribunalconstitucional.pt, reportado ao artigo 77º n.º 1 do CPT/99.
[3]Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2010, Processo: 08S3846, de 15 de Setembro de 2016, Processo: 4664/06.3TTLSB.1.L1.S1, e de 15 de Fevereiro de 2017, Processo: 5384/15.3T8GMR.G1.S1, todos  in www.dgsi.pt   
[4]Vejam-se ainda os artigos 131.º, n.º 1, alínea c) e 108.º, n.ºs 4 e 5 do mesmo diploma.
[5]Prevê-se ainda a obscuridade ou contraditoriedade da decisão de facto.
[6]Vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, pp. 261-263.
[7]Processo n.º 2325/12.3TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[8]O significado da sigla CSD constante do escrito e que é comummente usado neste âmbito, assim como se passa com as siglas ITA (incapacidade temporária absoluta), ITP (incapacidade temporária parcial), IPP (incapacidade permanente parcial) ou SI (sem incapacidade), entre outras.
[9]O que é insuficiente pois o capítulo II tem vários números.
[10]À semelhança, aliás, do que estabelecia o anteriormente vigente artigo 10.º do Decreto-Lei n.° 143/99, de 30 de Abril.
[11]Processo n.º 9217/10.9TBVNG-A.P1, in www.dgsi.pt.
[12]Vide Leite Ferreira, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, Coimbra, 1996, p. 626.