Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29912/11.4T2SNT-A.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
TRABALHADOR INDEPENDENTE
REMUNERAÇÕES
SEGURANÇA SOCIAL
CERTIDÃO DE DÍVIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 O art. 33º do DL 8-B/2002, de 15 de janeiro, não é aplicável no caso dos autos, não só porque o DL 8-B/2002 foi revogado pelo art. 5º nº 1 al. t) da L 110/2009, de 16 de setembro, mas também porque os créditos reclamados dizem respeito a remunerações de trabalhadores independentes.

2 O ato de emissão da certidão de divida não pode ser formalmente definido como ato de liquidação, porque não está subordinado a qualquer procedimento tributário próprio para liquidação de tributos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:   Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa


Na reclamação de créditos que corre por apenso à ação executiva que B move contra Re  C…, o reclamante Instituto da Segurança Social, I.P. interpôs recurso da sentença na parte em que não reconheceu os créditos por ele reclamados.

Na alegação de recurso, o recorrente pediu que seja a sentença recorrida substituída por outra que reconheça e gradue os créditos por si reclamados, tendo formulado as seguintes conclusões:

- O presente recurso vem interposto da Sentença que que não reconheceu os créditos por si reclamados porquanto, nos termos da dita Sentença, deveria ter existido uma liquidação das dívidas reclamadas e respectiva notificação, antes de ser instaurado qualquer processo executivo, defendendo que existem casos, como o previsto no artigo 33º do Decreto-lei nº 8- B/2002, em que a liquidação é oficiosa, resulta da iniciativa da Segurança Social, em vez de declarações dos contribuintes.
- Considera, a Sentença a quo, que, nas situações atrás mencionadas, a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efetuados oficiosamente pela Segurança Social, e constituem um verdadeiro ato administrativo declarativo de liquidação de um tributo.
- Pelo que, a ser assim, a dita Sentença a quo, julga que, ao liquidar tais contribuições, é aplicável, por força do disposto nos artigos 1º, 2º 3º da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito à liquidação, previsto no artº 45º do mesmo diploma legal, tratando-se de um acto de liquidação de tributos e que está sujeito ao regime de notificação dos actos tributários, nos termos do disposto nos artigos 36º nº 1 do CPPT e 77º nº 6 da L.G.T., devendo ser notificado ao contribuinte, no prazo de caducidade de quatro anos, previsto no artigo 45º da Lei Geral Tributária.
- Ora, mais de acordo com a Sentença a quo, uma vez que os executados/ reclamados alegaram que nunca foram notificados do ato de liquidação, nem o credor reclamante, no âmbito do exercício do direito de resposta, não as invocou nem comprovou (notificações), não pode considerar-se por verificada a hipótese prevista no art. 102º nº 1 al. a) do CPPT, situação que tem, como consequência, não ter ainda ocorrido o termo inicial do prazo (90 dias) de dedução da impugnação judicial, previsto na norma em apreço e assim o credor Instituto da Segurança Social, I.P. reclamou créditos que não se mostram vencidos e por conseguinte, são inexigíveis, não podendo considerar-se que, a reclamação de créditos nestes autos, substitui aquela notificação não se reconhecendo os créditos reclamados.
- Acontece que o ISS, IP reclama, nos autos, créditos, sobre os executados/ reclamados, a título de trabalho independente, pois os mesmos encontram-se enquadrados no regime dos trabalhadores independentes, uma vez que exercem atividade profissional sem sujeição a contrato de trabalho ou a contrato legalmente equiparado e que não se enquadram no previsto no artigo 33º do Decreto-lei nº8- B/2002 (em que a liquidação é oficiosa, resulta da iniciativa da Segurança Social, em vez de declarações dos contribuintes) não existindo, por isso, lugar a qualquer inscrição e declaração de remunerações, bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, que tenham sido efetuados oficiosamente pela Segurança Social.
- Os trabalhadores independentes, como o são os executados/ reclamados, estão sujeitos ao pagamento de contribuições, nos termos das disposições legais aplicáveis designadamente as constantes do Decreto-Lei nº 328/93, de 25 de setembro, do Decreto-Lei nº 240/96 de 14 de dezembro, do Decreto-Lei nº 159/01 de 18 de maio, do Decreto-Lei nº 119/05 de 22 de julho e do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro.
- Os executados/reclamados não pagaram ao ISS,IP, ora recorrente, os valores que melhor constam a fls.., na certidão junta com a petição inicial de reclamação de créditos (requerimento REFª: 28223726, de 16.02.2018) e o procedimento legalmente previsto, in casu, em caso de omissão de um pagamento devido ao ISS,IP (ora recorrente), consubstancia-se na extracção de uma certidão de dívida (como a que consta de fls. .. do requerimento REFª: 28223726, de 16.02.2018) sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor dessa obrigação (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, fls. 367).
- O acto da entidade emitente desse título executivo (certidão de dívida) não é um acto de liquidação, pois não está subordinado a qualquer procedimento tributário próprio para liquidação de tributos, nem é imposta, por lei, a notificação de qualquer acto, assim o regime de caducidade, previsto no aludido artigo 45.º da LGT que, como resulta dos seus termos, só é aplicável a casos em que há lugar a uma liquidação da dívida e respectiva notificação, antes de ser instaurado qualquer processo executivo (no mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STA de 23/09/2009, disponível em www.dgsi.pt).
- No caso das contribuições em dívida à Segurança Social, a título de trabalho independente, como é o caso sub judice, não é configurável a caducidade do direito à liquidação, pois esta, simplesmente, não ocorre, verificando-se, ao invés, uma autoliquidação como ocorre, por exemplo, no domínio do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e face ao preceituado no artigo 7.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei Nº 42/2001 de 9 de Fevereiro ex vi artigo 46.º, n.º 1, alínea d) do CPC, as certidões de dívida, emitidas pelas instituições de solidariedade e segurança social, têm força executiva, i.e., são títulos executivos, revestindo a certidão, junta aos autos pelo Reclamante (requerimento REFª: 28223726, de 16.02.2018), essa qualidade.
- Estes títulos consagram obrigações pecuniárias certas e líquidas (cujo montante é determinável, por simples cálculo aritmético), que computam na soma do valor das contribuições mensais e dos juros de mora vencidos.”

Os executados responderam à alegação do recorrente, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:

1º-Por citação de 19.03.2018, foram Executados/ Requeridos para se oporem à reclamação de créditos apresentada pelo Instituto da Segurança Social, I.P relativamente a uma dívida no valor de total de € 16.209,23, por falta de pagamento de contribuições aquela entidade.
2º-Foi através daquela citação que o primeiro Executado/ Requerido teve conhecimento da dívida tributária.
3º-Pois, até aquela data, o primeiro Executados/ Requeridos não foi notificado de qualquer dívida fiscal referente ao processo em causa. Aliás,

I Inexistência do facto tributário
4º-O Primeiro Executado/ Requerido esteve a viver fora de Portugal, mas precisamente em Cabo Verde entre 2008 e outubro de 2017, por isso, não podia exercer qualquer atividade profissional em Portugal.
5º-Em data que não pode precisar, mas que facilmente se pode constatar, deu baixa na sua atividade e mudou-se para Cabo Verde, pais onde trabalhou e pagou religiosamente todas as suas obrigações fiscais.
6º-Em novembro de 2017, o primeiro Executado/ Requerido regressou a Portugal e deu início à atividade profissional.
7º- Começou a trabalhar em Portugal em janeiro de 2018, porém, não como trabalhador independente, mas sim como trabalhador dependente, estando as suas contribuições todas pagas.
8º-A Segunda Executada/ Requerida, também não teve rendimentos nos anos 2013, 2014, e esteve com atividade encerada, tal como se provou no processo e sentença recorrida.
9º-Assim sendo, e nos termos do artigo 159.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, sob a epígrafe:

Inexistência da obrigação de contribuir
1Não existe obrigação contributiva do trabalhador independente quando:
a)-Haja reconhecimento do direito à respetiva isenção, nos termos dos artigos 157.º e seguintes;
b)-Ocorra suspensão do exercício de atividade, devidamente justificada;
10º-Uma vez que a faturação é decisiva para a exigibilidade do imposto que neste caso não existe, dado que o primeiro Executado/ Requerido, a partir de 2008, deixou de prestar qualquer serviço que desse lugar à obrigação de emitir qualquer fatura ou documento equivalente que se tornasse exigível à cobrança do imposto, estando tanto ele como a segunda com atividade suspensa nos anos requeridos (cfr. Artigos 56,57º, 58º, 163.º e 164.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social).
11º- Termos em que, o processo de reclamação de créditos, para além de violar as disposições legais supracitadas, viola o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 204º do CPPT, que tem como base o artigo 106º da Constituição da República Portuguesa, que no seu n.º 3 estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados ou que, tendo-o sido, a sua liquidação e cobrança não tenham sido autorizadas pelo órgão competente (Assembleia da República, através da lei que aprova o Orçamento do estado para cada ano, correspondente ao ano civil).
12º- Determinando que é vedado ao tribunal conhecer se a dívida exequenda foi bem ou mal liquidada, o que é corroborado pela alínea b) do n.º 1 do citado artigo 204º do CPPT, cujo fundamento não poderia deixar de ser a inexistência do imposto no momento em que ocorreram os factos tributários, já que os requeridos, nos anos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, não exerciam qualquer atividade por conta própria, ou de outrem que obrigasse a emitir fatura.

IICaducidade do direito à liquidação do imposto
13º- Os factos tributários, caso existissem, ocorreram nos anos de 2013 e 2014, e só, depois de 4 anos é que a Segurança Social vem proceder à cobrança, sendo certo que, nos termos do artigo 187º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, conjugado com o artigo 45º da Lei Geral Tributária, o direito de liquidar dos tributos caduca, se não for validamente notificado ao contribuinte, no prazo de 5 anos.
14º- Fixa este artigo o prazo de caducidade do direito à liquidação das contribuições para o Sistema Previdencial da Segurança Social, ou seja, o período de tempo em que pode ser liquidado o imposto, os 5 anos civis seguintes àquele em que se verificou a sua exigibilidade, e não vale a pena vir-se com o argumento da autoliquidação por trabalho independente, porque, no caso concreto não existe, nem existiu qualquer trabalho.
15º-A exigibilidade das contribuições para Sistema Previdencial da Segurança Social verifica-se com a ocorrência dos factos referidos nos citados artigos 37º e 38º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, por isso, é obrigatória a notificação aos interessados para o cumprimento do Principio do contraditório.
16º- Todavia, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 38º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, só poderá ser exigido imposto liquidado nos quatro anos civis, ao da sua exigibilidade, ou seja, nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, caso se mostre provado que houve trabalho, seja ele independente ou não, Aliás,
17º-A suspensão e interrupção do prazo de caducidade, a que se refere o preceituado no artigo 46º da mencionada Lei Geral Tributária, não se coloca, dado que, os requeridos nunca foram notificados dos factos tributários em causa.
18º-Assim, por um lado, o prazo de caducidade do direito à respetiva liquidação, de quatro anos, começa a correr a partir da data da ocorrência do facto tributário, pelo que caducou o direito à liquidação do imposto cobrado.

IIIPrescrição da dívida exequenda
19º-E, por outro, a dívida exequenda relativa aos anos 2013 e 2014, prescreveu, nos termos do preceituado no artigo 48º da Lei Geral Tributária, conjugado com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 204º, do CPPT.
IV- Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade
20º-Os Executados/ Requeridos nunca foram, validamente, notificados pela exequente dos factos tributários, ao abrigo do 36º e seguintes do CPPT e, a falta de notificação constitui violação dos direitos e garantias do oponente, nos termos do artigo 268º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, sendo este preceito constitucional articulado com o disposto no n.º 6 do artigo 77º, da Lei Geral Tributária, conjugado com o preceituado no n.º 1, do artigo 37º do CPPT, pelo que, não se entende muito bem como é que o recorrente pode entender que não tem obrigação de notificar.
21º-Constata-se, assim, que a falta de notificação aos Executados/ Requeridos na liquidação do tributo, no prazo de caducidade, enquadra-se na previsão da fundamentação da alínea e), do n.º 1 do artigo 204º, do CPPT, conduzindo, inapelavelmente, à extinção da execução, por violação clara da legalidade de liquidação da dívida exequenda, pondo em causa a garantia de direitos de defesa do contribuinte.
22º-Assim, é forçoso concluir pela inexistência dos factos tributários, e prescrição da dívida exequenda, por falta de notificação aos Executados/ requeridos, bem como pela caducidade do direito à liquidação dos Impostos, nos termos do disposto nas alíneas a), b), d), e) e h), do n.º 1 do artigo 204º, do CPPT, articulados com o preceituado nos artigos 45º, n.º 1 e 48º, da Lei Geral Tributária.
23º-Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.
24º-Mas nem sempre é assim. Casos há, como o previsto no artigo 33º do Decreto-lei nº8-B/2002, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes.
25º-Nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efetuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção, constituem um verdadeiro ato administrativo declarativo de liquidação de um tributo
26º-Sendo assim, ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1º, 2º 3º da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no artº 45º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação, porém, não existem dividas eternas, ou obrigação eterna de pagar tributos.
27º-Com efeito, tratando-se, como se trata, de um ato de liquidação de tributos, está sujeito ao regime de notificação dos actos tributários nos termos do disposto nos artigos 36º nº1 do CPPT e 77º nº6 da L.G.T., devendo ser notificado ao contribuinte no prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45º da Lei Geral Tributária - ver, neste sentido, Acs. STA, de 26/02/2014, processo nº 01481/13; de 09.04.2014 (in www.dgsi.pt).
28º-Acresce que, estando em causa na situação dos autos uma verdadeira liquidação, a matéria em causa tem, ainda, de ser enquadrada no âmbito do art. 102º nº 1 al. a) do CPPT, o qual dispõe que “a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte”, não estando em causa qualquer das outras situações previstas no aludido preceito - Acs. TCAN, de 27.03.2014, relatado por Pedro Nuno Pinto Vergueiro e de 06.06.2019, relatado por Ana Paula Santos (in www.dgsi.pt).
29º-Conforme refere a Mma. Juiza, tendo os executados/ reclamados alegado que nunca foram notificados do ato de liquidação, sendo que o credor reclamante, no âmbito do exercício do direito de resposta, não as invocou nem comprovou (notificações), conclui-se que não foi, aos mesmos, concedido um prazo para procederem ao pagamento voluntário da dívida (ou impugná-la), não podendo ter-se por verificada a hipótese prevista no art. 102º nº 1 al. a) do CPPT, situação que tem como consequência não ter ainda ocorrido o termo inicial do prazo (90 dias) de dedução da impugnação judicial previsto na norma em apreço.
30º-O tribunal ponderou todos os factos expostos, e entendeu e bem, que em conformidade, veio o credor Instituto da Segurança Social, I.P. reclamar créditos que não se mostram vencidos e que são, por conseguinte, inexigíveis.
31º-Ponderando as circunstâncias expostas e considerando as exigências processuais no que se refere aos procedimentos de liquidação e cobrança de tributos, afigura-se-nos razoável e justa a decisão, não tendo sido violada qualquer norma legal.”
É a seguinte a questão a decidir:
- da verificação do crédito reclamado pelo ISS.
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A certidão que o ISS juntou à reclamação de créditos por si apresentada é do seguinte teor:

“A Trabalhadora Independente R…, …, é devedora de contribuições no montante de € 2.887,16 (dois mil, oitocentos e oitenta e sete euros e dezasseis cêntimos), conforme a remuneração convencional e respectivo escalão, a que acrescem juros de mora no montante de € 625,66 (seiscentos e vinte e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), calculados até Fevereiro de 2018, num total de € 3.512,82 (três mil, quinhentos e doze euros e oitenta e dois cêntimos), conforme consta da folha anexa que, com o número um faz parte desta certidão.
O Trabalhador Independente C…, …, é devedor de contribuições no montante de € 11.169,68 (onze mil, cento e sessenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), conforme a remuneração convencional e respectivo escalão, a que acrescem juros de mora no montante de € 1.526,73 (mil, quinhentos e vinte e seis euros e setenta e três cêntimos), calculados até Fevereiro de 2018, num total de € 12.696,41 (doze mil, seiscentos e noventa e seis euros e quarenta e um cêntimos), conforme consta da folha anexa que, com o número dois faz parte desta certidão.”
Da folha anexa respeitante à executada R resulta que a dívida diz respeito aos meses de janeiro de 2013 a dezembro de 2014.
Da folha anexa respeitante ao executado C resulta que a dívida diz respeito aos meses de janeiro de 2013 a dezembro de 2017.
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Da fundamentação da sentença recorrida consta o seguinte:

«Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.
Mas nem sempre é assim. Casos há, como o previsto no artigo 33º do Decreto-lei nº 8-B/2002, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes.
Nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efetuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção, constituem um verdadeiro ato administrativo declarativo de liquidação de um tributo. Sendo assim, ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1º, 2º 3º da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no artº 45º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação. Com efeito, tratando-se, como se trata, de um acto de liquidação de tributos, está sujeito ao regime de notificação dos actos tributários nos termos do disposto nos artigos 36º nº1 do CPPT e 77º nº6 da L.G.T., devendo ser notificado ao contribuinte no prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45º da Lei Geral Tributária – ver, neste sentido, Acs. STA, de 26/02/2014, processo nº 01481/13; de 09.04.2014 (in www.dgsi.pt)».
Nos termos do art. 33º do DL 8-B/2002, de 15 de janeiro, norma invocada pelo tribunal recorrido, “nos casos em que as entidades obrigadas a promover a respetiva inscrição como contribuinte ou a apresentar a declaração de remunerações não cumpram tais obrigações, a inscrição e a declaração de remunerações são efetuadas oficiosamente ou por solicitação de terceiro que prove ter interesse no cumprimento daquelas obrigações”, sendo que “a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efetuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção”.

Esta norma não é aplicável no caso dos autos, não só porque o DL 8-B/2002 foi revogado pelo art. 5º nº 1 al. t) da L 110/2009, de 16 de setembro, mas também porque tal “diploma estabelece as regras destinadas a assegurar a inscrição das entidades empregadoras no sistema de solidariedade e segurança social e a gestão, pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, do processo de cobrança e pagamento das contribuições e quotizações devidas à segurança social” (art. 1º) e os créditos reclamados dizem respeito a remunerações de trabalhadores independentes.

Assim, ao contrário do defendido pelo tribunal recorrido, não há um verdadeiro ato de liquidação.

“Na verdade, o que se passa no caso é a permissão de extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor dessa obrigação (cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob citada, a fls.367).
Sendo assim, o acto da entidade emitente desse título executivo (certidão de divida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo porque não está subordinado a qualquer procedimento tributário próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo fiscal.
Assim, é de concluir que não é aplicável à cobrança de dívidas de contribuição para a segurança social o regime de caducidade previsto no artigo 45.° da LGT que, como resulta do seus termos, só é aplicável a casos em que há lugar a uma liquidação da dívida e respectiva notificação, antes de ser instaurado qualquer processo executivo” (www.dgsi.pt Acórdão do STA proferido a 23 de setembro de 2009, processo 0436/09; no mesmo sentido, Acórdão do STA proferido a 30 de Maio de 2012, processo 0104/12).
Os executados impugnaram os créditos reclamados pelo ISS, alegando que o executado C... deu baixa da sua atividade profissional e mudou-se para Cabo Verde em 2008, onde viveu até outubro de 2017, e que a executada R... não teve rendimentos nos anos de 2013 e 2014, tendo estado com atividade encerrada, factos estes que o reclamante ISS impugnou.
Nos termos do art. 791º nº 1 do C.C., “se a verificação de algum dos créditos impugnados estiver dependente de produção de prova, seguem-se os termos do processo comum declarativo, posteriores aos articulados; o despacho saneador declara, porém, reconhecidos os créditos que o puderem ser, embora a graduação de todos fique para a sentença final”.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida na parte em que não reconheceu os créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P., e na parte em que graduou créditos, e mantendo a decisão recorrida na parte em que reconheceu os créditos reclamados pelo Ministério Público, ordenando-se que os autos prossigam com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Custas do recurso pelos recorridos C… e R…, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.


Lisboa, 20 de maio de 2021


Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida