Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
325/12.2PDLSB.L1-3
Relator: MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS SILVA
Descritores: PRESCRIÇÃO DE PENA DE MULTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Os actos de execução de uma pena de multa e, portanto, com efeito interruptivo da prescrição da pena são apenas estes:

a)o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída;
b)o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada;
c)o cumprimento parcial da prisão subsidiária.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

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I–Relatório:


Proferido despacho que não considerou prescrita a pena, veio o arguido J.P.C. recorrer, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«1-O pagamento voluntário da pena não é causa suspensiva da prescrição.
2- Não foram diligenciados convenientemente os actos necessários à cobrança coerciva através da execução de património à esfera do arguido.».
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Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos termos que se transcrevem:
«1)Nos termos dos art.°s 333/5 e 334/6 do CPP, a sentença transitou em julgado em 27-09-2012, pois o arguido foi julgado na ausência e daquela foi pessoalmente notificado só em 7-09-2012 (cfr fls 64 a 67 e 72 vs e 75).
2)Ocorreu causa suspensiva do cômputo da prescrição das penas (de multa substitutiva de prisão e de multa), nos termos do art.° 125°/l-d) e 2 do Cód. Penal, enquanto perdurou a dilação nos pagamentos fraccionados. Tal foi consentido mediante despacho de 9-01-2013 e foram cumpridas 11 prestações, a partir de 8-02-2013 e até 9-12-2013, por conta de ambas (cfr fls 90 a 92, 140 e 141 e 225, 226 e 227). E, o cômputo do prazo da prescrição das penas só foi retomado quando cessado o cumprimento do deferido plano prestacional, havendo que ser nele descontado o período de vigência da causa suspensiva.
3)Ocorreu igualmente causa interruptiva do cômputo dessa prescrição, nos termos do art.° 126/1-a), 2 e 3 do Cód. Penal, com os pagamentos efectuados por conta do cumprimento de ambas penas. Donde, tendo sido efectuados os últimos pagamentos em 9-12-2013, cumprindo considerar como oportunamente interrompido tal cômputo e impondo reconhecer que não decorreram 4 anos desde então e nem decorreram seis anos sobre o trânsito em julgado da condenação, ou seja, também não decorreu o prazo ordinário de prescrição acrescido de metade.
4)Semelhante alcance do pagamento voluntário enquanto “execução” da multa tem actualizado acolhimento no entendimento do tribunal de recurso, de que é exemplo o Acórdão da Relação de Lisboa de 7-02-2017, correspondendo também à perspectiva acatada desde longa data no próprio Supremo Tribunal de Justiça, conforme aflorado na economia do Acórdão de Fixação de Jurisprudência 2/2012, de 8-03-2012.
5)O arguido teve postura relapsa nos autos, designadamente não comparecendo junto da DGRS para as entrevistas e não comparecendo à audição designada pelo tribunal no sentido de aferir de eventual inviabilidade não culposa do integral pagamento das multas e para a prestação de sucedâneo trabalho. E, os elementos informativos recolhidos nos autos são consentâneos à prévia constatação do desconhecimento de bens penhoráveis, inviabilizando a execução patrimonial.
Pelo exposto, deve ser julgado improcedente o recurso e inteiramente mantida a criticada decisão de não verificação da prescrição do procedimento criminal.».
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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto remeteu para o teor da contra-motivação. 
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II-Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
A questão colocada pelo recorrente é a prescrição das penas em que foi condenado
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III-Fundamentação de facto:
1-Mediante sentença de 11-04-2012 o arguido foi condenado por um crime de resistência e coacção sobre funcionário, em 7 meses de prisão substituída por 210 dias de multa a €15, e dois crimes de injúria agravada, na pena única de 130 dias de multa a €15 — fls 64 a 68.
2-Não tendo comparecido ao julgamento, foi pessoalmente notificado da sentença pela PSP, em 7-09-2012 - fls 72vs.
3-Deduziu requerimento peticionando o pagamento das multas em prestações, em 27-11-2012 -
fls 85.
4-Esse requerimento foi-lhe deferido mediante despacho de 9-01-2013 - fls 90 a 92.
5-O arguido procedeu a pagamentos por conta de ambas multas entre 8-02-2013 e 9-12-2013 -fls 140 e 141, 145, 148, 149, 157 a 163, 172 a 227.
6-Deduziu requerimento peticionando a substituição dos remanescentes por prestação de trabalho, em 17-02-2014 - fls 228.
7-Tal substituição foi-lhe deferida quanto à multa principal e indeferida quanto à multa substitutiva da prisão, mediante decisão de 31-03-2014 - fls 233.
8-A DGRS veio informar de inviabilidade decorrente de faltas de comparência e de invocado precário quadro de saúde do arguido, em 22-07-2015 - fls 249.
9-Este, na sequência de renovadas notificações, deduziu requerimento dando conta de acidente e lesões vertebrais e imobilização, juntando elementos clínicos, em 27-10- 2015-fls 262.
8-Diligenciou-se por relatório social, designadamente na perspectiva da constatação de inviabilidade não culposa do pagamento da multa e do cumprimento de trabalho sucedâneo, em 10-11-2015 - fls 265, 266 e 271.
10-A DGRS veio informar da indisponibilidade do arguido para as entrevistas, em 18-03-2016-fls 278.
11-Foi então agendada a sua audição no tribunal, em 13-04-2016. Foi notificado, em 15-04-2016. Mas não compareceu na data designada, 12-05-2016 — fls 281, 283 vs, 290, 296 e 297.
12-Foi então promovida, na constatação do desconhecimento de bens penhoráveis, a revogação da prisão substituída e a conversão da pena única de multa na correspondente prisão subsidiária, quanto aos remanescentes, em 3-06-2016 - fls 300 (293 a 295, elementos informativos documentais).
13-O arguido foi notificado para exercer o contraditório, em 23-06-2016 - fls 302 e
14-Requereu então (fls 308) a declaração de prescrição da pena, ao abrigo do art° 122°/CP, invocando terem decorrido mais de 4 anos sobre o trânsito em julgado da sentença, ocorrido a 11-05-2012, por ter sido depositada a 11-04-2012.
15-A decisão recorrida contem-se nos seguintes termos: «A condenação proferida nestes autos transitou em julgado no dia 27.09.2012 (cfr. fls. 108 e 109), pois que apesar de ter sido proferida a 11.04.2012 (cfr. fls. 64 a 67) e depositada nessa mesma data (cfr. fls. 68), a verdade é que o arguido foi julgado na ausência, tendo sido pessoalmente notificado da sentença a 07.09.2012 (cfr. fls.72 e 72 verso), pelo que o início do prazo para interposição de recurso, e consequentemente para se aferir do trânsito em julgado, só ocorreu a partir da data da notificação pessoal do arguido do teor da sentença (cfr. Art.°333.°, n.°5 e 334.°, n.°6, ambos do Código de Processo Penal).
Assiste razão ao arguido quando advoga que se mostra integralmente decorrido o prazo previsto no Art.°122.°, n.°l, alínea d), do Código Penal, o que de facto se verificou a 27.09.2016.
No entanto, olvida-se o arguido que foi deferido o cumprimento de ambas as penas mediante o seu pagamento faseado, como resulta do teor do despacho de fls. 90 a 92, ou sejam, foram concedidas facilidades de pagamento, perdurando a dilação do pagamento das penas, atendendo ao seu pagamento faseado, em prestações ao longo do tempo (cfr. Art.° 125.°, n.°l, alínea d), do Código Penal).
Tendo sido tal despacho proferido a 09.01.2013, e portanto em data muito anterior à data de
Foi deferido o pagamento em 20 (vinte) prestações, tendo o arguido procedido ao pagamento de apenas 11 (onze) prestações, as quais foram assim declaradas vencidas por despacho proferido a 31.03.2014 (cfr. fls.233).
O arguido procedeu ao pagamento da primeira prestação, relativamente a ambas as penas a que foi condenado, no dia 08.02.2013 (cfr. fls. 140 e cfr. fls. 141), e novamente tais pagamentos tiveram início em momento muito anterior a 27.09.2016.
E foi efectuando pagamentos faseados e parcelares, por conta do cumprimento de ambas as penas, desde aquela data até 09.12.2013 (cfr. últimos pagamentos constantes de fls. 226 e de fls. 227).
Sendo certo que o arguido procedeu efectivamente a esses pagamentos entre os dias 08.02.2013 até 09.12.2013, pelo que entre tais datas verifica-se existir causa de suspensão do decurso do prazo normal de prescrição, sendo que o prazo de prescrição só volta a decorrer quando cessa a verificação do evento suspensivo (cfr. Art.°125.°, n.°2, do Código Penal).
Assim, o período que urge salvaguardar para efeitos de suspensão, é de 10 (dez) meses, o qual não se mostra assim ultrapassado, pois que o prazo de prescrição não decorreu durante esses dez meses (causa suspensiva), os quais acrescem aos quatros a contar da data do trânsito em julgado.
Por outro lado, o arguido procedeu a pagamentos por conta do cumprimento de ambas penas, o que significa que houve execução das mesmas (cfr. Art.°126.°, n.°l, alínea a), n.°2 e n.°3, do Código Penal), o que consubstancia a verificação de causa interruptiva (para além do evento suspensivo), sendo que o último pagamento ocorreu no dia 09.12.2013, e por conta de ambas as penas (cfr. fls. 226 e 227), não tendo desde então decorrido o prazo normal de prescrição, de quatro anos (que somente se atinge a 09.12.2017), nem se mostra decorrido o prazo máximo de prescrição de quatro anos acrescidos de metade (seis anos), desde o trânsito em julgado da presente sentença.
Face ao exposto, julga-se não verificada a prescrição das penas, em face da verificação de causas interruptivas e suspensivas do decurso do prazo de prescrição, nos termos previstos nosArts.°125.°, n.°l, alínea d) e n.°2 e 126.°, n.°l, alínea a), n.°2 e n.°3, ambos do Código Penal.
Consequentemente indefere-se o requerido arquivamento dos autos. (…)
Consequentemente emitam-se guias para pagamento do remanescente da pena de prisão substituída por multa, no valor de €345,00, e para pagamento da pena única de multa, com a advertência expressa que não sendo paga a multa substitutiva da pena de 7 (sete) meses de prisão, a mesma é cumprida com 23 (vinte e três) dias de prisão efectiva, nos termos do Art.°43.°, n.°2, do Código Penal e não sendo a pena única de multa paga, a mesma é cumprida com 86 (oitenta e seis) dias de prisão subsidiária, ao abrigo do disposto no Art.°49.°, do Código Penal.».
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IV-Fundamentos de direito:
A argumentação do recorrente consiste no seguinte- «o presente recurso tem como objecto o indeferimento do reconhecimento da prescrição lavrado no despacho acima indicado.
-Na realidade, nesse despacho considerou-se como causa suspensiva da prescrição o pagamento parcial das multas em que o arguido foi condenado;
-Ou seja, não houve lugar à execução parcial da pena, conforme a meritíssima juiz assim decidiu;
-Pelo contrário, o pagamento foi voluntário e efectuado dentro das possibilidades económicas do arguido, durante o tempo assinalado no despacho.
-Acresce que não foram realizadas quaisquer diligências pertinentes que levassem à boa cobrança da pena, nomeadamente a execução civil das quantias aí contidas.
-O ora recorrente tem bens penhoráveis, nomeadamente mais de 40.000€ depositados na Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados e Solicitadores.
-Isto posto, a revogação do remanescente das penas de multa não foi precedido da competente execução, conforme a lei assim obriga».
A questão subjacente à argumentação apresentada tem que ver com a noção de “execução” a que se reportam os artº 125º e 126º, do CP. Pretende o recorrente que a referida palavra corresponda à execução coerciva, exercida pelo Tribunal, pretensão essa que não tem correspondência com a intenção subjacente às normas, conforme aliás jurisprudência já emitida.

Conforme refere o M.P. na contra-motivação – argumentação que fazemos nossa pela inteira concordância com a mesma-  « A solução preconizada pelo tribunal recorrido tem inteiro respaldo no entendimento do venerando tribunal de recurso, correspondendo à doutrina expendida em recente pronúncia, no Acórdão da Relação de Lisboa de 7-02-2017 tirado por unanimidade na 5ª Secção e tendo como relator Artur Vargues, no processo 25/10.8PTSNT-A (in www.dgsi.pt/itrl.nsf). Com o seguinte Sumário:
“l-Tendo o condenado em pena de multa requerido o seu pagamento em prestações - artigo 47°, n° 3, do Código Penal - a causa de suspensão da prescrição da pena a que alude a alínea d), do n° I, do artigo 125°, do mesmo Código, inicia-se com o despacho judicial que autoriza o pagamento da multa em prestações e cessa com o vencimento da primeira das prestações não pagas, uma vez que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.
II-Tendo o condenado efectuado o pagamento da Ia prestação, constitui este pagamento voluntário de parte da multa acto de execução desta e, por isso, dotado do mérito de despoletar o efeito interruptivo da prescrição da pena previsto na alínea a), do n° I, do artigo 126°, do Código Penal.
(Sumário elaborado pelo Relator).

E o que vai ao encontro também do pensamento acatado pelo Supremo tribunal de Justiça no Acórdão de Fixação de Jurisprudência 2/2012, de 8-03-2012, tendo como Relator Manuel Braz (in www.dgsi.pt/isti.nsf ):
“...Se, como se disse, só se entra na execução da pena se houver um princípio de cumprimento (A questão que se debate só se coloca se houver pena para cumprir, ou seja, enquanto o cumprimento não for total), são actos de execução e, por isso, com efeito interruptivo da prescrição da pena de multa: a) o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída, mas não a decisão de substituição; b) o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada, mas não a notificação para pagamento nem a instauração da execução patrimonial; c) o cumprimento parcial da prisão subsidiária, mas não a decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.

E compreende-se que seja esta a solução legal. Na verdade, se a prescrição encontra fundamento no facto de a execução de uma pena muito tempo depois da sua aplicação não cumprir já as suas finalidades, tanto do ponto de vista da prevenção especial como da prevenção geral, então, para além da situação em que a execução da pena é impossível, por indisponibilidade do condenado (contumácia), a sua interrupção só deve ser activada por actos que não se limitem ao desenvolvimento de determinada actividade processual e tenham impacto fora do processo, junto da comunidade e do condenado, mantendo nos dois planos a actualidade da pena. Esses actos só podem ser de materialização da pena na esfera de interesses ou valores do condenado, ou seja, actos de cumprimento da pena, actos que podem ser múltiplos, visto o cumprimento nem sempre ser continuo.

Na doutrina, pronuncia-se neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque: «(...) a instauração da acção de execução da pena de multa (...) não corresponde ainda à “execução" da pena de multa. (...) só com o inicio do pagamento da pena de multa, isto é, só com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena» (Comentário do Código Penal, 2" edição actualizada, página 387)...’’ ».

Aplicada a referida noção às normas em apreço, temos por garantido que não ocorreu prescrição da pena nos autos, tal como aliás bem foi feito constar do despacho recorrido.

Improcede, consequentemente, o recurso deduzido.
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V-Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 2 ucs.
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Lisboa, 12/ 07/2017



(Maria da Graça M. P. dos Santos Silva)Texto processado e integralmente revisto pela relatora.                                 
(A.Augusto Lourenço)


[1]Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[2]Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série,
de 28/12/1995.