Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21463/16.7T8LSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: BANIF
ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ABANDONO DE BENS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– Nos termos do art. 1308º do CC, ninguém pode ser privado do seu direito de propriedade excepto nos casos fixados na lei, como é o caso das expropriações. No caso concreto não se vislumbra nenhuma norma ou disposição legal que “justifique” a lesão patrimonial que o Banco BANIF impôs à Autora, posto que não se demonstrou o alegado abandono dos bens.

II– Não se encontra minimamente evidenciada a perda da posse pelo abandono nos termos dos art.ºs 1267/1/a, subsequente aquisição desses bens pelo Banco Réu por ocupação 1316, 1317/d, 1318, 1299 in fine (seis anos para a prescrição aquisitiva, sem título e independentemente da boa fé) do CCiv.

III– Não se vislumbrando norma que “justifique” a lesão patrimonial, fica o lesante obrigado a indemnizar o lesado em razão do dano. A obrigação de indemnizar importa a reparação de todos os danos sofridos e a reconstituição, na medida do possível, da situação que existiria se o evento que os provocou não tivesse tido lugar e que não sendo possível a reconstituição in natura ou, sendo-o, seja excessivamente onerosa para o devedor, será fixada em dinheiro tendo “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que existiria nessa data se não existissem danos.” (vd. art.s 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC)”.

IV– A avaliação desses bens tornou-se impossível por culpa do próprio Banco Réu que os deitou para o lixo, não se podendo valer, para não pagar o respectivo valor, da falta de avaliação dos bens por parte da Autora a quem incumbia o ónus da prova do seu valor, na medida em que foi a sua própria actuação que inviabilizou essa mesma avaliação.

V– Não sendo viável a reconstituição in natura a indemnização é fixada em dinheiro nos termos do art.º 566 do CCiv. O art.º 566/3 do CCiv, funda-se na presunção de que a eventual impossibilidade de fixação do valor exacto dos danos a indemnizar não deve funcionar como causa de exclusão da indemnização, atribuindo, assim, ao tribunal o dever de proceder à fixação equitativa, em face das circunstâncias do caso.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


APELANTE/RÉ: BANIF – Banco Internacional do …, S.A. (representada em juízo, juntamente com outros pelo ilustre advogado AT… como dos autos resulta a fls. 95)
APELADA/AUTORA: MARIA SB… (Litigando com apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de Justiça e encargos com o processo, nomeação e pagamento de compensação do patrono conforme decisão do ISS de Lisboa de 2/65/2016 de fls. 9 v.º, representada em juízo pelo patrono que lhe foi nomeado na pessoa da ilustre advogada T.Batista… com escritório na P… como de fls. 10 resulta)
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Com os sinais dos autos.
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Valor da acção: 7.000,00 euros (fixado no despacho saneador de 10/1/2017 com a ref.ª 362277279 de fls. 47)

I.1. A Autora intentou contra o Réu a presente acção onde pede a condenação do Réu a pagar-lhe os valores peticionados como compensação do prejuízo tido com a perda do seu património bem como em todas as custas tidas com o processo, uma vez que na qualidade de fiel depositária que o Réu foi dos bens da Autora é responsável pela sua perda e extravio, em suma dizendo:
Em 2008 foi executada no proc.-º 7891/05.7tcsc que correu termos no Tribunal de Cascais e que em 2014 mercê da reforma judiciária foi enviado para o Tribunal de Oeiras passando a ter o n.º 1011/124.4tboer, proc.º instaurado por falta de pagamento da prestação do condomínio e em que foi penhorada a fracção autónoma em que a Autora e o seu agregado familiar habitava, penhora que ocorreu em 3/12/2012, não tendo, contudo sido penhorado o seu recheio, não tendo a Autora conseguido retirara na data a totalidade dos bens ali existentes, tendo, no entanto sido elaborada um a lista dos bens da Autora que não estando abrangidos pela penhora ficavam dentro da penhora e após essa diligência a Autora aguardou o contacto do fiel depositário- Banif na pessoa do senhor  RS… para proceder ao levantamento dos seus bens, tendo em 2013 entrado em contacto com o senhor RS… para saber o que se passava e promover a retirada dos seus bens, ao que o referido RS… informou que se encontrava fora de Lisboa e que mal regressasse contactaria a Autora, o que não ocorreu tendo a Autora contactado o Banif na pessoa da Dr.ª TV… e com a agente de execução Dr.ª EC…, não tendo obtido respostas até Fevereiro de 2014 altura em que a Dr.ª TV… informou que os seus bens tinham sido enviados para o lixo. (art.ºs 1 a 12)
–  Em face desta resposta, a Autora iniciou diligências para tentar recuperar os seus bens promovendo contactos com o fiel depositário, infelizmente não conseguiu localizar as suas mobílias e assim dadas as informações do Banif teve de dar como perdidos os seus bens, sendo forçada a instaurar a presente acção para obter uma indemnização pela perda do seu património que é da Autora dado o acordo de partilha de bens móveis celebrado com o ex-cônjuge na altura do divórcio, parte dos bens que estavam na fracção estavam em mau estado e não tinham valor, mas havia bens de valor considerável além do valor estimativo como sendo os bens indicados sob 20 bens que a Autora avalia em sete mil euros atendendo ao custo que tiveram na data da aquisição e ao valor que teria de despender para os adquiri agora em estado novo, os móveis listados encontravam-se em estado perfeito de conservação como melhor se provará e é perceptível desde logo pela foto, todos os interveniente sabiam que a Autora pretendia retirara os seus móveis pois foi sempre mantendo contacto e só não fez pela dificuldade de retira móveis de grande dimensão de um 3.ºandar com elevador avariado, sendo a Ré responsável pela perda dos bens da Autora. (art.ºs 13 a 24);

I.2. Citado o Banco Réu, em 31/8/2016, veio o mesmo pugnar pela improcedência da acção excepcionando nos art.ºs 1 a 7 que o Réu foi sujeito a deliberação do C.A do Banco de Portugal de 19 e 20/12/2015 a medida de resolução do art.º 145-E/1/a do RGICSF conforme documentos 1 e 2, mediante a qual resultou a transferência para o Banco Santander Totta, S.A. e para a Oitante, S.A. outrora denominada Navigete S.A de um conjunto de activos, passivos e elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANIF tal como resulta do Anexo III, ponto 1 b) (xii), devendo, por isso, o réu ser absolvido, apesar de ter determinado a alienação da actividade do réu nos termos do disposto no art.º 145-E/1 alínea e) do RGCSF o BdP não determinou a revogação da respectiva autorização simultaneamente ou em momento imediatamente posterior à aplicação da referida medida de resolução do que decorre necessariamente que mesmo que se entendesse o que se não admite que o Réu BANIF teria uma eventual obrigação de indemnização para com a Autora, o cumprimento dessa obrigação não lhe era legalmente exigível devendo ser absolvido do pedido nos termos do art.º 576/3 do CPC; impugna também os factos alegados pela Autora considera que o comportamento da Autora descrito na contestação e na p.i. constitui tácita manifestação de abandono de bens, tendo-se extinguido o direito sobre os mesmos e, motivadamente, em suma diz:
–  Só em 3/12/2012 é que o réu consegue efectivar a tomada de posse da fracção autónoma com a deslocação do Agente de Execução EC… tendo sido necessária a presença do Agente de Força de Segurança Pública MS… e perante a impossibilidade da Autora retirar a totalidade dos bens da referida fracção, o Réu acedeu a que os mesmos permanecessem na fracção autónoma pelo período de 30 dias a contra da data da efectiva tomada de posse como verbalmente acordado com o senhor  RS…, mas não era este senhor que tinha de contactar a Autora face àquele acordo verbal pois era a Autora que tinha de contactar este último no prazo de 30 dias a contar de 3/12/2012 para retirar os seus bens, os contactos que o Autor fez com a Dr.ª TV… e com a agente de execução não são de Fevereiro de 2013 são de Dezembro de 2013 e Fevereiro de 2014. (art.ºs 13 a 23)
–   Da lista dos bens resulta que todos os bens listados que contêm os indicados na p.i. têm a indicação de “sem valor comercial” e para além dessa indicação individualizadas é feita a indicação global de todos os bens não terem qualquer valor comercial e bem assim como a indicação de que todas as existências no imóvel foram consideradas pelo executado como sendo lixo, a Autora vem 4 anos depois dizer que mantém interesse nos bens listados, avalia-os em 7 mil euros valor que se impugna. (art.ºs 24 a 29)

I.3.–  Em resposta às excepções, em suma diz a Autora:
–  A existência dos bens que ora se reclamam era já conhecida do Banif  no proc.º execução que correu termos pelo Tribunal de Oeiras sob 1011/14.4T8OER, no qual foi constituído fiel depositário dos mesmo, pelo que se deve entender que não foram transferidos estes direitos para o Banco Santander como parece resultar dos art.ºs 5 a 9 da contestação, devendo o Réu ser considerado parte legítima já que tem nos termos do art.º 30/1 parta final e n.º 2 do CPC interesse directo em contradizer, pois provando-se que os bens de que o Banco  era fiel depositário não foram devolvidos à Autora como se provará será o Réu certamente condenado a pagar os prejuízos resultantes da perda desses bens. (art.ºs 10 a 15)
–  Tão-pouco se pode aceitar a tese defendida pelo réu de que tal cumprimento lhe não é exigível, pois não resulta, nem o Réu prova que as obrigações do Banif  para com a Autora, não tenham sido transferidas para outra entidades que possa ser demandada nos presentes autos, apenas se limitando a afirmar que não foram transferidos para o Santander, não podendo haver um vazio nas obrigações judicialmente reconhecidas do Banco objecto de intervenção, sobretudo tendo em causa bens identificados num processo que corria já em Tribunal em que o Banif  era parte e face a uma situação de que vários funcionários e colaboradores tinham conhecimento em razão de ter sido constituídos fiel depositário dos bens da Autora sendo portanto responsáveis pela devolução, sendo que a dispensa de cumprimento que o réu invoca será de acordo com a informação do próprio site do Banif, temporária, não invocando a Ré nem o provando que se mantenha a situação ali referenciada no comunicado se que a instituição se encontra temporariamente dispensada de cumprimento das obrigações anteriormente contraídas e não transferias para um adquirente ou instituição de transição.

I.4. Inconformado com a sentença de 20/6/2018 de fls. 70/73, que julgando parcialmente procedente a acção, consequentemente condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de 3.500,00 euros e a Autora e a Ré no pagamento das custas em proporção do decaimento dela apelou a Ré, em cujas alegações, conclui:
A. O RECORRENTE suscita como questão prévia a inutilidade superveniente da presente lide, o que o faz nos seguintes termos:
B. O processo de liquidação do BANIF resultou da decisão do BCE que revogou a autorização para o exercício da actividade desta instituição de crédito que, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 24 de outubro, produz os efeitos da declaração de insolvência, sendo que, a requerimento do Banco de Portugal, foi proferido, no processo de liquidação judicial do BANIF, o despacho de prosseguimento previsto no artigo 9.º, n.º 1 do referido Decreto-Lei, cuja cópia aqui se junta.
C.Nos termos dos artigos 8.º, n.º 1 e seguintes do supra mencionado D.L. 199/2006, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas do CIRE, decorrendo do artigo 90.º deste diploma legal que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos de conformidade com os preceitos deste diploma legal, vigorando assim um princípio de concentração nesse processo de todas as questões relevantes.
D. O n.º 1 do artigo 128.º do CIRE, por seu turno, dispõe que «dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória de insolvência, devem os credores da insolvência (…) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham (…)», sendo que, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, «a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvente, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento».
E. A declaração de liquidação do BANIF, consubstanciada na deliberação do BCE que revogou a respectiva autorização para o exercício de actividade, acarreta assim a falta de interesse em agir da AUTORA, ora RECORRIDA, contra o BANIF, o que, por conseguinte, implica, em síntese, a inutilidade superveniente da presente lide no que ao BANIF respeita.
F. O Supremo Tribunal de Justiça veio a aderir a esta posição, por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, publicado no DR 1ª série, n.º 39, de 25 de Fevereiro de 2014, estabelecendo que: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (…)”, sendo que nos termos do disposto no artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, os actos das instituições poderão ser impugnados no prazo de dois meses, a que acresce uma dilação de 10 dias, em função da distância, nos termos do regulamento de processo do Tribunal Geral.
G. Verificada a definitividade da referida decisão, e perdendo os pedidos formulados pela ora RECORRIDA nos presentes autos todo e qualquer efeito útil no que respeita ao BANIF, deverá ser declarada extinta a instância quanto ao BANIF, por inutilidade superveniente da lide, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, absolvendo-se o ora RECORRENTE da instância.
H. Entendendo-se não haver fundamento para a imediata extinção da instância por inutilidade superveniente da lide – o que não se concede – deverá ser declarada a suspensão da presente instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, até que se dê por verificada a definitividade da revogação da autorização para o exercício da atividade do BANIF..
I. Caso assim não se entenda – o que, mais uma vez, apenas por dever de patrocínio se concebe -, o RECORRENTE apresenta as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
J. O Recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal a quo, datada de 20 de junho de 2018, que julgou parcialmente procedente a ação intentada pela ora RECORRIDA, MARIA SB….
K.  O RECORRENTE na contestação defendeu-se por exceção alegando a sua ilegitimidade substantiva em virtude de a responsabilidade em causa ter sido transferida para o Banco Santander Totta, S.A, nos termos do Anexo 3, Ponto 1, alínea (b), (xii), da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 20 de dezembro de 2015.
L. Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula sempre que «[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar», pelo que o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, incluindo de todas as exceções invocadas.
M. Assim, por não se ter pronunciado sobre a exceção perentória invocada pelo RECORRENTE, o Tribunal a quo incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do n. º1, do artigo 615.º, do CPC, o que se deixa arguido para todos os efeitos legais.
N. Subsidiariamente, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no facto de não ter sido alegada a ocorrência de qualquer facto posterior que alterasse a situação jurídica dos bens.
O. Contudo, o RECORRENTE alegou na contestação que a RECORRIDA acordou verbalmente com o RECORRENTE, na pessoa do Sr. RS…, que os bens poderiam permanecer na fração autónoma pelo período de 30 dias a contar de dezembro de 2013 e que o facto de ter incumprido com a sua obrigação de contactar o Sr. RS… no prazo de 30 dias para retirar os seus bens « constitui uma tácita manifestação de abandono dos bens, [p]or essa via se extinguindo qualquer direito da Autora sobre os mesmos bens».
P. Entendimento corroborado pela doutrina ao sufragar que o abandono é causa de extinção de direitos reais sobre coisas móveis, incluindo de perda do direito de propriedade (Cf. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 2009, p.257 e MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, Volume II, Lex- Edições, p.873).
Q. Ora, só há uma consequência válida a retirar da exceção perentória alegada, a absolvição do RECORRENTE do pedido, por falta de condição da respetiva procedência.
R. Ainda, subsidiariamente,
S. O Tribunal a quo condenou o RECORRENTE no pagamento à RECORRIDA de uma indemnização no valor de € 3.500,00, justificando tal decisão pelo facto «[d]o alegado pela Ré, de que os bens foram considerados com valor “não comercial”, não procede[r] (…)»
T. Tendo a RECORRIDA peticionado a condenação do RECORRENTE no pagamento de € 7.000,00 como compensação do prejuízo tido com a perda do seu património, incumbia a esta, nos termos do artigo 342.º do C.C., provar o valor comercial dos bens e dos respetivos danos patrimoniais sofridos
U. A este respeito, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal De Justiça, datado de 22 de junho de 2014, onde pode ler-se o seguinte: «De acordo com a repartição do ónus da prova, definida no n.º 1 do artigo 342º do Código Civil, é àquele que invoca um dano e pretende a correspondente indemnização que incumbe demonstrar esse mesmo dano, incluindo naturalmente a respectiva quantificação».
V.–   Assim, a conclusão do Tribunal recorrido, de que os bens têm valor comercial pelo facto de, no seu entender, o RECORRENTE não ter logrado provar o valor “não comercial” dos bens, constitui uma manifesta violação do disposto no artigo 342.º do C.C. quanto às regras de repartição do ónus da prova, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o BANIF do pedido.
W. Finalmente, também a título subsidiário,
X.No ponto (IV) do dipositivo da sentença recorrida, o RECORRENTE foi condenado numa indemnização a pagar à RECORRIDA no valor de € 3.500,00, com recurso à equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º, n. º3, do C.C..
Y. O artigo 566.º, n.º 2, do C.C., consagra a forma de determinação da indemnização em dinheiro com base na denominada teoria da diferença, «nos termos da qual se faz uma avaliação do dano em sentido patrimonial, mediante a apreciação concreta das alterações verificadas no património do lesado» (Cf. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Lisboa, Almedina, 2015, p.363 [sublinhado nosso]).
Z. Na lista junta aos autos de bens arrolados, todos os bens em causa têm a indicação «sem valor comercial».
AA. Assim, não tendo reconhecidamente os bens em causa qualquer valor comercial, não existe qualquer dano patrimonial indemnizável, uma vez que não existe qualquer variação concreta no património do lesado.
BB. Todavia, tendo em conta que a RECORRIDA não logrou provar o valor dos bens, o Tribunal a quo entendeu recorrer à equidade para fixar o montante da indemnização.
CC.  Uma vez mais andou mal o Tribunal a quo.
DD. Tal como é entendido pela doutrina «o disposto no n.º 3 [do artigo 568.º do C.C.] não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo um juízo de equidade» (Cf. PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4.ª ed., Lisboa, Coimbra Editora, 2011, p.584), de tal forma que já «sejam determinados os danos a indemnizar, mas não seja possível a fixação do seu valor exato (…) designadamente por ser impreciso algum dos elementos que influem no cálculo» (Cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª ed., Lisboa,
Almedina, 2011, p.912).
EE. Ora, no caso vertente, a questão não se prende com a impossibilidade de o Tribunal a quo fixar o valor exato dos bens e proceder ao respetivo cálculo dos danos, mas ao invés, com o facto de, a priori, a RECORRIDA não ter logrado provar a existência de quaisquer danos patrimoniais sofridos na sua esfera.
FF.O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão com base na existência de danos em sentido real, i.e., tendo em conta as utilidades dos bens no quadro de «uma casa de família», «facto corroborado pela lista elaborada pela Exma. Sra. Agente de Execução, que distinguiu [os bens] do item do “lixo”».
GG. Todavia, tal avaliação do dano releva somente para efeitos de aplicação do n.º 1 do artigo 566.º do C.C., ou seja, quando está em causa a indemnização do lesado através da reparação do objeto lesado ou da entrega de outro equivalente.
HH. Em sentido diverso, a indemnização em dinheiro estabelecida no n.º 2, do artigo 566.º do C.C. «implica partir de um conceito de dano em sentido patrimonial, determinado pela diferença entre a situação patrimonial real do lesado e a que seria a sua situação hipotética, se não existissem danos» (Cf. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Lisboa, Almedina, 2015, p.298].
II. Neste sentido, não só a RECORRIDA não logrou provar o valor dos bens, como também não logrou provar a existência de danos patrimoniais na sua esfera – isto porque os bens não tinham qualquer valor comercial.
JJ. Portanto, para que se determine as normas aplicáveis à fixação da indemnização em apreço há um caminho a percorrer, caminho esse que foi ignorado pelo Tribunal a quo.
KK.Em face do exposto, a decisão do Tribunal a quo em condenar o RECORRENTE com recurso às regras da equidade consubstancia uma manifesta violação do artigo 566.º do C.C., em particular do seu n. º3.
LL. Pelo que, em suma, sempre deverá ser anulada, nessa parte a sentença RECORRIDA, e substituída por outra que absolva o BANIF do pedido.
Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação e, em consequência:
(i)- Ser declarada a extinção da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC absolvendo-se, consequentemente, o RECORRENTE BANIF
da instância; ou, caso assim não se entenda,
(ii)- Ser ordenada a suspensão da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC;
subsidiariamente,
(iii)- Ser declarada nula a sentença recorrida, nos termos suscitados; subsidiariamente,
(iv)- Ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que declare procedente a exceção consubstanciada no abandono dos bens alegada pelo RECORRENTE, absolvendo-o de todos os pedidos; subsidiariamente,
(v)- Ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que declare improcedente, por não provados os danos patrimoniais sofridos pela RECORRIDA.

I.2. Em contra-alegações, conclui a Autora:
A. Os valores peticionados na acção cuja sentença é objecto do presente recurso resultam da perda de bens de que o Réu era já fiel depositário e estão reclamados na presente acção desde Agosto de 2016 pelo que deveriam constar já da contabilidade do Réu dada a obrigação legal dos mandatários de anualmente prestarem informação aos auditores e revisores sobre os litígios pendentes e eventuais responsabilidades daí resultantes.
B. Com a prolação de sentença condenatória do Réu em Junho de 2018, e apesar de a sentença ainda não estra transitada, dada a possibilidade de ser pedida a execução provisória ou caução nos termos do artº 649º do CPC deveria o valor a que foi o Réu condenado ter sido devidamente provisionado.
C. E assumindo o Réu, como indica nas doutas alegações apresentadas, que não está definitivamente resolvida a questão da revogação de autorização para exercício de actividade - como esclarece ao pedir subsidiariamente a suspensão do processo - carece de fundamento o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
D.Não sendo também aceitável o pedido de suspensão para verificação da definitividade da revogação de autorização para o exercício de actividade, suspensão que prolongará injustificadamente quer o dano da Autora que já se viu privada dos seus bens, quer o seu direito a ter uma decisão neste processo.
E. Relativamente à invocada nulidade da sentença por omissão de pronuncia, é verdade que o Mmo Juiz a quo não se debruçou no tema mas não podemos esquecer que quer no despacho que dispensou a realização de audiência prévia, quer na sentença, declarou as partes legitimas e suficientemente representadas, tendo o supra mencionado despacho sido notificado às partes em 15 de Fevereiro de 2017 , tendo assim proferido decisão.
F. Da decisão propriamente dita recorre também o Apelante por entender que a A. havia abandonado os seus bens e que tal não foi devidamente apreciado:
G. Também neste aspecto carece de razão: a A. não abandonou os bens.
H. Como se pode ler na certidão junta como doc. nº 1 com a PI, e cujo conteúdo ou valor não foi impugnado, o Réu ora Apelante foi constituído fiel depositário dos bens que estavam na casa de morada de família da Autora e não foi estabelecida nenhuma data determinada para a retirada dos mesmos uma vez que não se sabia quando seria arranjado o elevador, cuja avaria dificultava a retirada dos bens da fracção.
I. E ficaram provadas o processo, por documentos juntos (imagens de emails trocados) e não impugnados, as diligências da A. com vista à recuperação dos seus bens.
J. Não tendo o R. feito prova de qualquer acordo para retirada dos bens em 30 dias , com excepção do depoimento da sua testemunha que fora também seu representante na execução.
L. E relativamente à falta de prova do dano da A. não se consegue, com todo o respeito, compreender a recusa do R. em aceitar que tal dano decorre de toda a matéria documentalmente provada:

Senão vejamos,
M. Os bens da A. que constituíam parte do recheio da sua casa de morada de família ficaram à guarda do Réu, que foi constituído fiel depositário dos mesmos.
N. Depois de a A. estar meses a contactar os colaboradores do Réu - Sr. RS… e Drª TV… - recebeu um email em que esta última lhe diz que enviou os bens para o lixo.
O. Ou seja, o R. confessa, por escrito, que não pode devolver os bens porque os deitou fora.
P. tendo assim provocado danos à A. que perdeu parte do recheio da sua casa que tentava há meses recuperar.
Q. Ora se o R. perdeu algo de que era fiel depositário constituiu-se forçosamente na obrigação de repara o dano por impossibilidade de devolver o bem.
R. Relativamente ao valor dos bens não foi possível indicar com exactidão o valor dos mesmos mas sabemos que não é verdade o que diz o R. de que não tivessem valor:
S. A Ilustre Agente de Execução até teve o cuidado de listar os bens que tinham valor - embora na falta de conhecimento do valor dos mesmos tivesse indicado "sem valor comercial" , indicação que contrasta com a expressa indicação, também constante da certidão, de que o remanescente seria lixo.
T. Assim, há um dano pela perda dos bens da A. que tinham valor mas por não ter sido possível determinar com exactidão o valor dos mesmos o Digníssimo Tribunal a quo decidiu, e bem, atribuir um valor segundo juízo de equidade, tal como está legalmente consagrado.
Termos em que,
Não deve ser dado provimento à Apelação intentada pelo R. e ora Recorrente e ser mantida a douta sentença proferida.
Fazendo desta forma, V. Excelências, a já costumada JUSTIÇA!

I.3. Nada obsta ao conhecimento do recurso.

I.4: Questões a resolver:
a)- Saber se ocorre a inutilidade superveniente da lide porquanto tendo ocorrido por decisão do BCE de 22/5/2018 a revogação da autorização do BANIF para o exercício da actividade como instituição de crédito, tal produz, por efeito do art.º 8/2 d DL 199/06 de 24/10 os efeitos da declaração de insolvência doutrina que o STJ por AUJ 1/2014, publicado no DR I.ª Série 39 de 25/2/2014 veio a uniformizar;
b)- Saber se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia sobre a excepção peremptória pelo recorrente invocada na sua contestação quanto à sua ilegitimidade substantiva em virtude de a responsabilidade em causa ter sido transferida para o Banco Santander Totta S.A. (deliberação do BdP de 20/12/2015) nos termos do art.º 615/1/d;
c)- Subsidiariamente, saber se ocorre abandono dos bens por parte da Autora por ter incumprido o contacto com o senhor RS… com que a recorrido acordou verbalmente que os bens poderiam permanecer na fracção autónoma pelo período de 30 dias findos os quais teria de contactar com o senhor RS…;
d)- Subsidiariamente, saber se cabendo à Autora o ónus da alegação e prova do valor comercial dos bens que deixara na fracção, não o tendo provado, não logrou a Autora demonstrar os danos invocados, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, ocorrendo na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 566 do CCiv.

II–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.1.O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
- Em 2005 a Autora foi executada no âmbito do processo nº 7891/05.7TCSCS que correu termos no Tribunal de Cascais e que em 2014, mercê da reforma judiciária, foi enviado para o Tribunal de Oeiras passando a ter o nº 1011/14.4T8OER.
- No âmbito desse processo - instaurado por falta de pagamento da prestação de condomínio- foi penhorada a fracção autónoma em que a A. e seu agregado familiar habitava.
- Essa penhora ocorreu no dia 3 de Dezembro de 2012, conforme consta do Auto elaborado e abrangia unicamente a fracção autónoma.
- O seu recheio não foi penhorado.
- Contudo, e em virtude de uma avaria do elevador - a Autora habitava no 3º andar- não foi possível à Autora na data retirar a totalidade dos seus bens.
- Tendo sido então elaborada uma relação dos bens da Autora, que não estando abrangidos pela penhora, ficavam dentro da fracção.
- Listagem que consta desse supra indicado processo e foi assinada pelo ex- cônjuge da Autora e pela Ilustre Agente de Execução EC…, e cuja certidão foi junta como doc. nº 1
12º- Em Fevereiro de 2014 data em que o Banif, na pessoa da Dra. TV…, a informou que os seus bens tinham sido enviados para o lixo – conforme doc . nº 2 junto.

20º Mas havia os seguintes bens:
- cadeira de baloiço em mogno e cerejeira com assento e costa em palhinha
- uma mesa quadrada extensível em mogno
- 6 cadeiras de madeira de mogno com assento forrado a napa
- móvel de sala de jantar com 5 portas de vidro na parte superior e 4 portas em madeira e bloco de gavetas na parte inferior- junta-se fotografia onde se pode ver parcialmente o mencionado móvel como doc. nº3
- colchão de solteiro e respectivo estrado -espelho rectangular com 1.50m de comprimento e 0.50m de largura

II.2. Está documentalmente provado com interesse para a decisão da causa:
Por acórdão proferido aos 25/10/2018 no processo 13511/18.2t8lsb-a.l1 e transitado em julgado em 15/11/2018 foi deliberado manter a decisão recorrida proferida em 1.ª instância em 2/7/2018, com o seguinte teor que parcialmente se transcreve: “…Nos termos do preceituado no art.º 4/1/a do Regulamento do Conselho n.º 1024/2013 cabe ao Banco Central Europeu conceder e revogar a autorização a instituição de crédito estabelecidas nos Estados-Membros, sob reserva do disposto no art.º 14. Por sua vez esta norma estabelece no seu n.º 5 que a revogação pode dar-se por iniciativa do Banco Central Europeu na sequência de consultas com a autoridade nacional competente ou sob proposta dessa autoridade. A decisão de revogação produz os efeitos da declaração da insolvência, cabendo ao Banco de Portugal no prazo de 10 dias após a decisão da revogação requerer junto do tribunal competente a liquidação da instituição de crédito…(art.º 8/2 a 5 do RELICSF)…a liquidação judicial das instituições de crédito faz-se nos termos do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, prevendo o n.º 1 do art.º 9 do mesmo diploma que no despacho de prosseguimento o juiz se limita a verificar o preenchimento dos requisitos enunciados no artigo 8.º… no caso vertente o Banco de Portugal requer a liquidação judicial de Banif, S.A. …nos termos das supra citadas disposições legais, mostrando-se preenchidos os pressupostos e natureza formal de que depende o prosseguimento dos autos, profere-se despacho de prosseguimento como se segue…” tudo conforme fls. 198/212 cujo tero aqui na íntegra se reproduz.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.

III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.

III.3. Saber se ocorre a inutilidade superveniente da lide porquanto tendo ocorrido por decisão do BCE de 22/5/2018 a revogação da autorização do BANIF para o exercício da actividade como instituição de crédito, tal produz, por efeito do art.º 8/2 d DL 199/06 de 24/10 os efeitos da declaração de insolvência doutrina que o STJ por AUJ 1/2014, publicado no DR I.ª Série 39 de 25/2/2014 veio a uniformizar.

III.3.1.Aquando da contestação em 3/10/2016, ainda não ocorrera a mencionada deliberação do BCE que conforme resulta da decisão proferida no processo 13511/18.2t8lsb-a.l1 apenas ocorreu em 22/5/2018 altura em que o Banco Central Europeu revogou à identificada instituição bancária (o BANIF) a autorização para o exercício da actividade da instituição de crédito (ponto de facto 2 do acórdão mencionado supra). A audiência final do julgamento teve lugar em 26/4/2017 (cfr. fls. 64/66), o Meritíssimo Juiz solicitou às partes o envio dos articulados em formato WORD o que foi cumprido em 10/7/2017, os autos foram conclusos para decisão em 21/5/2018 e a decisão foi proferida em 20/6/2018.

III.3.2. Da decisão de revogação da autorização para o exercício da actividade emanada do BCE cabia recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia, a interpor nos termos do disposto no artigo 263 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no prazo de dois meses (a que acrescia uma dilação de 10 dias, em função da distância, nos termos do Regulamento de Processo do Tribunal Geral). Tal decisão, aquando da apresentação das alegações em 13/9/2018 ao que tudo indica ainda não tinha transitado em julgado e continua a não haver informação de que tenha transitado, tendo apenas transitado em julgado a decisão que posteriormente ordenou a liquidação do BANIF sem que nas respectivas decisões ocorra qualquer referência ao trânsito em julgado da decisão do BCE. Somente com a data de 25/10/2018 o apelante veio apresentar um requerimento com uma cópia de um documento do Tribunal Geral da União Europeia datado de 20/9/2018 que “informa que, até à data de hoje não foi introduzido nenhum recurso perante o Tribunal Geral contra a decisão ECB-SSM-2018-PT-3/WHD 2017-004 do Banco Central Europeu”, que se desconhece qual seja, sendo que tal documento não constitui uma certidão comprovativa do trânsito em julgado da mencionada decisão do BCE de 22/5/2018.

III.3.3.  Nos termos do art. 8.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro, a decisão de revogação produz os efeitos da declaração de insolvência, mas não há notícia do trânsito em julgado da decisão; não obstante ter sido dado cumprimento ao disposto no art.º 8/2 a 5 do RELICSF, com o Banco de Portugal a requerer no Tribunal competente no prazo de 10 dias após a decisão da revogação, a liquidação a instituição bancária, liquidação essa que se faz nos termos do CIRE, porque o juiz se limitou naquele processo 13511/18 a verificar o preenchimento dos requisitos do art.º 8, não é possível com base nos elementos documentais juntos concluir que a decisão de revogação tenha transitado em julgado e seguramente, à data em que foi proferida a decisão recorrida ainda não tinha transitado em julgado, posto que o recurso pode ser interposto no prazo de 2 meses a contar da decisão em causa. Também não existe nenhuma razão para que a decisão deste recurso interposto de uma decisão que, repete-se, não se debruçou, nem tinha que se debruçar sobre a mencionada inutilidade superveniente da lide em razão de uma decisão do Banco Central Europeu, então ainda não transitada em julgado, tenha que aguardar a comprovação desse trânsito. Improcede, por isso, nesse ponto o recurso.

III.4. Saber se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia sobre a excepção peremptória pelo recorrente invocada na sua contestação quanto à sua ilegitimidade substantiva em virtude de a responsabilidade em causa ter sido transferida para o Banco Santander Totta S.A. (deliberação do BdP de 20/12/2015) nos termos do art.º 615/1/d;
III.4.1. No nosso despacho de 8/4/2019 ordenou-se a baixa dos autos para pronúncia sobre a alegada omissão de pronúncia sobre a excepção da ilegitimidade, por decisão proferida na 1.ª instância aos 24/4/2019, entendeu-se inexistir nulidade, e, por despacho nosso de 13/5/2019 ordenou-se a audição das partes ao abrigo do disposto no art,.º 665/1 por se entendeu existir nulidade, aplicando-se a regra da substituição. A Autora por requerimento de 31/5/2019 veio em suma dizer que a existência dos bens cujo desaparecimento fundamento do presente processo e da indemnização nele peticionada era já conhecia do BANIF por sentença proferida no processo de execução que correu termos no Tribunal de Oeiras sob o n.º 1011/14.4t8oer no qual foi constituído fiel depositário dos mesmos e cuja certidão foi junta ao processo como doc 1, entendeu-se como resulta da própria contestação nos art.ºs 5 a 9, concluindo-se que a apelante deveria ter sido considerada parte legítima já que tinha interesse em contradizer nos termos do art.º 30/1 e 2, além do que o Tribunal recorrido por despacho que notificou às partes em Fevereiro de 2017 entendeu-se que as partes são legítimas, despacho que foi notificado às partes em 20/2/2017, decisão essa que formou caso julgado formal mercê das disposições conjugadas dos art.ºs 577/e, 595/1/a e 3 e 620 todos do CPC, nem outra solução teria sido possível pois caso contrário a Autora teria perdido a oportunidade de chamar ao processo o Banco Santander e a Oitante S.A.
III.4.2. Na sua contestação, art.ºs 1 a 9 o Banco Réu veio suscitar a sua ilegitimidade substantiva com a consequente absolvição do pedido em suma alegando, por um lado que por força da deliberação de 20/12/2015, designadamente Anexo III, ponto 1 b) (xii) todas as responsabilidades foram transferidas para o Banco Santander e para o veículo Oitante e por outro lado, sustentado que, uma vez que o BdP não determinou a revogação da autorização simultaneamente ou em momento imediatamente posterior à resolução, por força dos n.ºs 2 e 7 do art.º 145_L do RGCISF, o cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas para um adquirente ou para uma instituição de transição por força da aplicação das medidas de resolução previstas nas alíneas a) e b) do art.º 145_E não é exigível à instituição objecto de resolução. Em resposta à excepções a Autora veio sustentar que a existência dos bens ora reclamados era já conhecida do BANIF, não foi transferida a obrigação, sendo parte legítima e que não se pode aceitar a tese de que as obrigações do BANIF, não tenham sido transferidas para outra entidade que possa ser demandada nos presentes autos, apenas se limitando a dizer que não foram transferidas para o Banco Santander, não tendo ficado um vazio nas obrigações reconhecidas do Banco.
III.4.3. No saneador foi lavrado despacho tabelar no que toca à legitimidade processual dizendo-se que as partes são legítimas. Não obstante esta decisão não formar caso julgado formal (cfr art.º 595/1/a e 3), na medida em que a afirmação tabelar de que as partes são legítimas não decide concretamente nenhuma questão, a verdade é que o Banco Réu não suscitou a questão da sua ilegitimidade processual, suscitou-a em termos de fundo ou mérito dizendo que que a responsabilidade fora transferida para o veículo (Navigete depois Oitante) e para o Banco Santander e que por isso deveria ser absolvida do pedido, mais alegando que mesmo que se entenda não ter sido transferida não se lhe pode exigir legalmente a responsabilidade que a Autora lhe assaca. No que toca este último aspecto nas alegações e recurso, o Banco réu deixa cair a questão antes levantada pelo que não sendo objecto do recurso dela se não conhecerá, tão só nos debruçaremos sobre a alegada ilegitimidade substantiva, designadamente saber se se trata de uma responsabilidade constituída pelo BANIF no âmbito da sua normal actividade bancária respeitando, além disso às áreas de negócio, activos direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da mencionada deliberação.
III.4.4.  A deliberação do BdP de 19/12/2015 18h00 encontra-se junta por cópia  fls. 18 v.º e ss e nela o BdP alcandorado dos n.ºs 1, 3, 5 e 9 do art.º 145-M delibera entre o mais iniciar o processo de aplicação da medida de resolução prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 145-E do RGICSF ao BANIF, promover as diligências tendentes à alienação da actividade do BANIF junto do Banco Popular Espanhol S.A. e Banco Santander S.A.; na deliberação de 20/12/2015 junta por cópia a fls. 21 e ss o BdP agora alcandorado nos art.ºs 145-F, 145-L, 145-S, 135-T, 145-AA do RGICSF delibera entre o mais constituir a sociedade Naviget S.A, com os estatutos que anexa em a para a qual transfere “os direitos e obrigações correspondentes a activos do BANIF constantes do Anexo 2 determinara o pagamento pela Naviget S.A. de uma contrapartida ao BANIF pelos direitos e obrigações que constituam activos que lhe foram transferidos pela deliberação através da entrega de obrigações representativas de dívida emitidas pela Naviget S.A.,… alienar ao Banco Santander Totta S.A. os direitos e as obrigações que constituam  activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banif tal como resulta do Anexo 3. Do mencionado Anexo 3 e no que toca ao passivo do Banif que ora releva, consta de 1.b. a enunciação dos “passivos excluídos” da transferência para o Banco Santander Totta S.A. sob viii “quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” e sob xii “Todas as responsabilidades não conhecidas e as responsabilidades contingentes e litigiosas e as responsabilidades no âmbito da alienação de entidades ou de actividades com excepção a) da áreas de negócio, activos, direitos, ou responsabilidades transferidas para o adquirente em resultado da presente deliberação b) bem como das que sejam constituídas pelo BANIF no âmbito das sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do BANIF ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performances bonds e outras contingências similares)”. Em primeiro lugar, e no que toca às excepções à excepção de transferência constantes de xii, dir-se-á que as responsabilidade decorrentes da sua qualidade de fiel depositário do recheio da fracção penhorada na execução que moveu com base na falta de pagamento de prestação de condomínio, fracção aquela em que a Autora e o seu agregado familiar habitava, não se reconduzem às áreas de negócio, activos, direitos do BANIF nem resultam da sua normal actividade bancária. Conforme o § 10 da IAS 37 um passivo contingente é uma obrigação possível que surja de eventos passados e cuja existência somente será confirmada pela ocorrência ou não ocorrência de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente dentro do controlo das empresas, ou uma obrigação presente que surja proveniente de eventos passados mas que não é reconhecida porque não é provável que uma saída de recursos incorporando benefícios económicos seja exigida para liquidar a obrigação; ou a quantia da obrigação não possa ser mensurada com suficiente fiabilidade. Trata-se de um passivo que ainda não existe, mas admite-se que no futuro possam surgir acontecimentos que impliquem encargos para a empresa, pelo que devem ponderar-se os riscos futuros associados a esses exfluxos possíveis. Ora, à data da deliberação não obstante a situação da penhora se reportar a 3/12/2012, e a informação da Dr.ª TV… relativamente aos bens que se encontravam no interior da fracção penhorada e que teriam sido enviados para o lixo, datar de Fevereiro de 2014, não é possível concluir que, então, a obrigação do pagamento de uma indemnização pelos bens em causa já fosse certa, razão pela qual a eventual responsabilidade do banco pela sua actuação se devesse reconduzir à figura de passivo contingente, desde logo excluído da transferência pelo ponto vii já transcrito. Pelo exposto, conclui-se que a responsabilidade se mantém na esfera do Banco réu, agora em liquidação, improcedendo também, nessa parte a apelação.

III.5. Importa assim analisar a questão subsidiária de saber se ocorre abandono dos bens por parte da Autora por ter incumprido o contacto com o senhor RS… com que a recorrido acordou verbalmente que os bens poderiam permanecer na fracção autónoma pelo período de 30 dias findos os quais teria de contactar com o senhor RS….
III.5.1. Não vem impugnada a decisão de facto e nesta nenhuma referência ocorre nenhuma referência ao senhor RS… ou a qualquer acordo com este celebrado, pelo que não vindo demonstrado nenhum acordo nesse sentido improcede a apelação, também nesse ponto.

III.6. Improcedendo a apreciação da anterior questão importa apreciar a questão subsidiária de saber se, cabendo à Autora o ónus da alegação e prova do valor comercial dos bens que deixara na fracção, não o tendo provado, não logrou a Autora demonstrar os danos invocados, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, ocorrendo na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do disposto no n.º 3, do art.º 566 do CCiv.
III.6.1. A este propósito entendeu-se, em suma, na decisão recorrida que o alegado pela ré de que os bens foram considerados como valor não comercial não procede, dado o testemunho citado de a habitação embora de forma humilde estava montada de forma a ser uma casa de família, facto corroborado pela lista elaborada pela Ex.ª agente de execução que “distinguiu do item do lixo”; mais se entendeu que como a Autora não logrou provar o valor dos bens se devia fixar o montante da indemnização em 3.500,00 euros com recurso à equidade.
III.6.2.Discorda o Banco réu apelante, em suma dizendo que:
– A recorrida alegara que o recorrente na qualidade de fiel depositário dos seus bens é responsável pela perda e extravio dos seus bens que avalia em 7 mil euros.
– Era à Autora que incumbia a alegação e prova do valor comercial dos bens e dos respectivos danos patrimoniais sofridos, valor que não logrou provar, no Ac STJ de 22/5/2014 no processo 4135/07.0tbvfr.p1.s1 proferidos e relatado por Maria Pizarro Beleza disponível em www.dgsi.pt entendeu-se que àquele que invoca um danos cabe o ónus de demonstrar esse dano incluindo naturalmente a sua quantificação, não recaindo sobre o Banco Réu a alegação do valor não comercial dos bens.
– Na lista junta aos autos que contem os bens arrolados todos eles têm a indicação de “sem valor comercial”, não tendo, por isso, reconhecidamente os bens qualquer valor comercial, o n.º 3, do art.º 566, do CCiv, permite o recurso à equidade desde que estejam demonstrados os danos mas não seja possível a fixação do seu valor exacto, designadamente, por serem imprecisos alguns dos elementos que influem no cálculo, o que não é o caso dos autos porque o que ocorre é que a Autora não logrou demonstrar a existência de danos, não sendo legítimo retirar da referência da lista a distinção de bens que se distingue do lixo e dos depoimentos de testemunha a ilação de que existem danos.
– A utilidade dos bens referida pelo Tribunal a quo refere-se a um conceito distinto do dano que não releva para a aferição da indemnização em dinheiro nos termos do n.º 2 do art.º 566 do CCiv e o n.º 3 do art.º 566 pressupõe que o lesado tenha previamente alegado e provado os factos que revelem a existência de danos e estes não foram revelados.
III.6.3.Comprovado está que o Banco Réu se constituiu fiel depositário do recheio da fracção penhorada em que a Autora e o seu agregado familiar habitavam e que por não ter sido possível à Autora retirar da fracção os mencionados bens foi elaborada uma relação dos bens da autora que, não estando abrangidos pela penhora, ficavam dentro da fracção, lista essa assinada pelo ex-cônjuge da Autora e pela agente de execução bens que o Banco réu enviou para o lixo existindo os bens mencionados em 20 (cfr 1 a 7 e 12). A lista está junta, por cópia,  a fls.6 a 7v.º, dela constam 14 verbas em relação a todas elas a indicação de “sem valor comercial e manuscrito na parte final a expressão “ todas as existências no imóvel além das arroladas foram consideradas pelo executado como sendo lixo”. A listagem em questão não foi assinada pela Autora pelo que não é possível concluir-se que a Autora tenha reconhecido que essas verbas não têm valor comercial tal como manuscrito na listagem. Mas mesmo que se concluísse não terem valor comercial (de compra e venda) não significa que fossem destituídos de valor.
III.6.4. No nosso país, o direito de propriedade privada é um dos princípios estruturantes da Constituição da República Portuguesa e está consagrado no art. 62º, prevendo que “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou morte, nos termos da constituição”. A propriedade privada tem uma relevante função social, tendo em conta que é um meio com aptidão para a realização de objectivos colectivos. O direito de propriedade privada é o direito real máximo mas vem perdendo a sua plenitude, tendo vindo a surgir muitas limitações a este direito, como a expropriação por utilidade pública. Esta é admitida quando a lei o preveja e mediante o pagamento de uma justa indemnização. Nos termos do art. 1308º do CC, ninguém pode ser privado do seu direito de propriedade excepto nos casos fixados na lei, como é o caso das expropriações. No caso concreto não se vislumbra nenhuma norma ou disposição legal que “justifique” a lesão patrimonial que que o BANIF impôs à Autora, posto que não se demonstrou o alegado abandono dos bens. Não se encontra, minimamente, evidenciada a perda da posse pelo abandono nos termos dos art.ºs 1267/1/a, subsequente aquisição desses bens pelo Banco Réu por ocupação 1316, 1317/d, 1318, 1299 in fine (seis anos para a prescrição aquisitiva, sem título e independentemente da boa fé) do CCiv. Não se vislumbrando norma que “justifique” a lesão patrimonial, fica o lesante obrigado a indemnizar o lesado em razão do dano.  A obrigação de indemnizar importa a reparação de todos os danos sofridos e a reconstituição, na medida do possível, da situação que existiria se o evento que os provocou não tivesse tido lugar e que não sendo possível a reconstituição in natura ou, sendo-o, seja excessivamente onerosa para o devedor, será fixada em dinheiro tendo “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que existiria nessa data se não existissem danos.” (vd. art.s 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC)”. Já se sabe que quando o Banco Réu enviou para o lixo aqueles bens arrolados existiam lá a uma cadeira de baloiço em mogno e cerejeira com assento e costa em palhinha, uma mesa quadrada extensível em mogno, 6 cadeiras de mogno com assento forrado a napa um móvel de sala de jantar com 5 portas em vidro na parte superior e 4 portas em madeira e bloco de gavetas na parte inferior, um colchão de solteiro e respectivo estrado e um espelho rectangular com 1,50 m de comprimento e 0,50 metros. Desconhece-se em que estado se encontravam esses bens, e a circunstância de o Banco Réu e o executado que não a ora Autora- que não era parte na execução- terem declarado que não tinham valor comercial, não significa que nenhum valor tivesse. A avaliação desses bens tornou-se impossível por culpa do próprio Banco Réu que os deitou para o lixo, não se podendo valer, para não pagar o respectivo valor, da falta de avaliação dos bens por parte da Autora a quem incumbia o ónus da prova do seu valor, na medida em que foi a sua própria actuação que inviabilizou essa mesma avaliação. O art.º 566/3, do CCiv, funda-se na presunção de que a eventual impossibilidade de fixação do valor exacto dos danos a indemnizar não deve funcionar como causa de exclusão da indemnização, atribuindo, assim, ao tribunal o dever de proceder à fixação equitativa, em face das circunstâncias do caso (Vaz Serra, RLJ, 108º-223/4 e 113º-327; Ac. do STJ, de 6.3.80, BMJ, 295º-369), que foi o que o Tribunal recorrido fez, e do nosso ponto de vista moderadamente tendo em atenção ao mobiliário que vem descrito.

IV–DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes na 2.ª secção desta Relação em julgar improcedente a apelação e conformar a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade do Banco Réu, sem prejuízo do apoio judiciário que se mostrar tenha sido concedido e que foi pedido conforme fls. 149 v.º/151 v.º (art.º_ 527/1 e 2)


Lxa.,


João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins



[1]Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu) e 8 da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente às acções declarativas pendentes, não estando a situação ressalvada no art.º 7, atendendo a que a acção foi autuada e distribuída inicialmente ao J23, instância local cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em 31/8/2016 (e a data da decisão recorrida que é de 20/6/2018; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.