Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5488/19.3T8LSB.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
DEVERES DE RESPEITO E URBANIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1. O conceito de justa causa de despedimento corresponde a um comportamento culposo do trabalhador, violador dos seus deveres contratuais, gerador de uma crise contratual de tal modo grave e insuperável que provoca uma ruptura irreversível entre as partes contratantes de modo a não ser exigível a um empregador normal e razoável a continuação da relação laboral.

2. Integra justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador, Restaurant Manager, que se dirige a trabalhadoras suas subordinadas com comentários de índole sexual, que as convida para irem com ele para um motel, insiste em lhes dar boleia, faz comentários sobre o corpo das trabalhadoras sem que aquelas lhe tenham dado confiança para tal, sentindo-se aquelas incomodadas com tal actuação.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório


AAA, Director de Restaurante, residente na Rua (…), intentou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando o formulário a que aludem os artigos 98º-C e 98º-D do CPT, opondo-se ao despedimento que lhe foi movido por BBB, pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo com as consequências legais.

Teve lugar a audiência de partes não se obtendo a sua conciliação.

A Ré contestou reafirmando os factos constantes da nota de culpa no sentido de que o Autor praticou condutas irregulares que consubstanciam a prática de assédio moral e sexual de forma continuada contra trabalhadoras da Ré, que se perpetuaram no tempo desde 2015, que tais comportamentos são ilícitos, tendo com eles o Autor violado os deveres de respeitar e tratar os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa com urbanidade e probidade (alínea a) do n.º 1, do artigo 128.º do Código do Trabalho), de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho (alínea e) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho), de promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa (alínea h) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho) e de cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho (alínea i) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho) e posto em causa a relação de fidúcia com a Ré, tendo, pela sua gravidade e consequências, quebrado definitivamente a confiança que a mesma em si depositava, comprometendo de forma irremediável e imediata a manutenção da relação de trabalho, justificando, assim, a aplicação da sanção de despedimento com justa causa.

A Ré ainda declarou opor-se à reintegração do Autor e pediu, a final, que a acção seja julgada improcedente e, em consequência, julgado lícito o despedimento do Autor por existência de justa causa ou, alternativamente, e caso não proceda o pedido anterior, seja deferido o pedido de exclusão da reintegração do Autor.

O Autor contestou por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou: a caducidade do direito ao procedimento disciplinar, por entender que o empregador teve conhecimento, muito antes do 30º dia anterior ao da data de instauração do inquérito, dos factos que imputou ao trabalhador, o que acarreta a ilicitude do despedimento; a prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos alegados factos ilícitos praticados antes de 2 de Outubro de 2017 dado que não é aplicável o prazo prescricional de 5 anos, antes sim, o de 1 ano, uma vez que não existem indícios da prática por parte do trabalhador dos crimes de perseguição e de importunação sexual, nem existe crime continuado; e a invalidade do processo disciplinar em virtude da não descrição circunstanciada dos supostos factos ilícitos imputados ao trabalhador.

Por impugnação, reiterou a resposta dada à nota de culpa, alegando não ter a ideia de ter praticado alguns dos factos que lhe são imputados e serem falsos outros desses factos, que nunca se dirigiu a qualquer trabalhadora nos moldes referenciados na nota de culpa, nem nunca utilizou as expressões aí indicadas, que inexistiu qualquer assédio moral e sexual, que o trabalhador foi vítima de campanha de perseguição, que a súbita passagem do trabalhador de “bestial a besta” é o resultado duma teia urdida por (…) que lhe moveu uma campanha reiterada de perseguição, assédio moral como forma de desestabilização pessoal, campanha apoiada pelo Director Geral, Sr. (…), que o processo disciplinar que lhe foi instaurado e o despedimento que lhe foi aplicado mais não são do que uma punição, ilegal, arbitrária e infundada da evidente coragem com que o trabalhador enfrentava todas as tentativas de o perturbar e humilhar desencadeadas culposamente pelo empregador e que mesmo que tivesse praticado os factos que lhe são imputados, o que não concede, não se verificam os pressupostos para o despedimento com justa causa, sendo o despedimento uma sanção exageradamente pesada e que a oposição à reintegração do trabalhador foi culposamente criada pelo empregador, não havendo razão justificativa para a oposição à reintegração do trabalhador, que foi, em 2016, considerado o “Empregado do Ano” e em 2011 e 2012, o “Empregado do Mês”.

Finalizou pedindo que não seja considerada a licitude do despedimento, devendo ser consideradas as alegadas excepções e, mesmo que assim não se entenda, que o despedimento seja considerado ilícito por inexistência de justa causa, devendo o trabalhador ser reintegrado no posto de trabalho, sem prejuízo de optar pela indemnização por antiguidade e devendo ser-lhe pagas as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da presente acção e até ao trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.

Na contestação o Autor ainda requereu a notificação da Ré para juntar aos autos (a) as avaliações de desempenho realizadas ao trabalhador desde a sua admissão; (b) o resultado das auditorias financeiras realizadas ao departamento em que estava inserido o trabalhador; (c) o contrato de trabalho de 2016 da trabalhadora (…); e (d) o cadastro disciplinar do trabalhador.

A Ré respondeu à contestação pugnando pela inexistência das invocadas excepções e para que seja declarado lícito o despedimento por existência de justa causa.

Foi dispensada a audiência preliminar.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da prescrição do procedimento disciplinar e relegou para final o conhecimento da excepção da caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar, bem como da alegada falta de concretização de alguns factos imputados ao Autor.

Ainda foi dispensada a fixação da base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, tendo o Autor optado pela indemnização por antiguidade, em vez da reintegração.

Foi proferida a sentença que finalizou assim:

Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente e em consequência declaro lícito o despedimento de que o A. foi alvo.
Custas a cargo do A. (art. 527º do Código do Processo Civil).
Registe e notifique.
Fixo o valor da ação em €30.001.”

Inconformado com a sentença e com o despacho saneador, o Autor deles recorreu e arguiu a nulidade deste último, formulando as seguintes conclusões:

(…)

Assim farão V. Exas a costuma Justiça.”

A Ré contra-alegou invocando a inadmissibilidade do recurso do despacho saneador e inexistência do invocado vício da nulidade, tendo ainda apresentado as seguintes conclusões:

(…)

(…)

Nestes termos e nos demais de Direito, deve (i) ser declarado o trânsito em julgado do despacho saneador, (ii) ser rejeitado o recurso, por inobservância dos requisitos formais e procedimentais aplicáveis ou, se assim não se entender, (iii) improceder o recurso do Recorrente, confirmando-se, na íntegra, o teor da sentença e do despacho saneador proferidos pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”

O recurso foi admitido com efeito meramente devolutivo tendo, ainda, o Tribunal a quo se pronunciado sobre a arguida nulidade do despacho saneador nos seguintes termos:

“Quanto à pretensa nulidade invocada do despacho saneador por não terem sido admitidos meios de prova sempre se dirá o seguinte: a fls. 185v o A. solicitou de facto a notificação da R. para juntar determinados elementos. E sobre tal não existiu pronuncia no despacho saneador, pois, o tribunal não reparou em tal pretensão. Mas nunca o A. voltou a reiterar tal pretensão, e dispunha de vários momentos processuais para o fazer antes da sentença.

Ora, se tal poderia constituir nulidade na medida em que poderia influir na decisão da causa, cfr. art. 195º do CPC, a verdade porém é que o prazo para a arguir já há muito decorreu, cfr. art. 199º do CPC, pois quando a il. Mandatária do A. tomou conhecimento do despacho saneador e na sua primeira intervenção processual deveria tê-lo feito. O que não sucedendo fez precludir o direito a arguir a mesma.

Cremos pois que com tal fundamento improcede a nulidade invocada.”

Subidos os autos a este Tribunal, por despacho da relatora foi determinada a notificação do Autor nos termos do artigo 655.º do CPC para, querendo, se pronunciar sobre a possibilidade de não ser admissível o recurso que interpôs do despacho saneador, por extemporaneidade.

O Recorrente respondeu concluindo nos seguintes termos:

“I Não se verifica qualquer extemporaneidade resultante da aplicação do n.º 1 do artigo 368.º do CPC, porquanto a invocada nulidade não se sustenta, como erradamente alegado no recurso e que é agora corrigido, no disposto na al.d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC.

II Tem V.Exa poderes e legitimidade para proceder à convolação do recurso onde, com base naquelas normas processuais, foi pedida a nulidade do saneador integrando-o no presente recurso ordinário.

III E isto porque, pela conjugação do n.º 1 do artigo 195.º com a parte final do n.º 2 do art.630 do CPC, sempre se deverá, de acordo com os princípios da boa justiça, da equidade e da igualdade entre as partes processuais, reconhecer da existência duma nulidade, apenas passível de ser sindicada em sede do presente recurso de apelação da sentença e não em recurso autónomo contra o saneador.

IV Por isso deve esse Venerando Tribunal apreciar da nulidade de não terem sido admitidos meios de prova – os requeridos pelo Recorrente na parte final da sua contestação à motivação e na qual o “Tribunal a quo”- que podiam e deviam ter influído “ no exame ou na decisão da causa.”

Pois, a considerar-se de outro modo, a desconsideração desta omissão de meios de prova consubstanciaria uma evidente denegação de justiça e desigualdade no tratamento processual das partes em juízo, com consequente violação do art.º 20 da CRP.

É esta, portanto, a nossa pronúncia que V.Exa não deixará de considerar. “

A Recorrida respondeu concluindo que o requerimento apresentado pelo Recorrente encontra-se ferido de nulidade, visando a substituição de parte da alegação de recurso apresentada, podendo a sua admissão influir no exame ou na decisão da causa, nos termos e para efeitos do artigo 195.ºn.º 1 do CPC e que, em consequência, o referido requerimento deve ser desentranhado dos autos, tendo-se por não escrito, por inadmissível.

O Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a sentença deverá ser confirmada, negando-se provimento ao recurso.

Notificadas as partes do teor do mencionado parecer, respondeu o Recorrente remetendo para as alegações de recurso e correcção apresentada quanto à matéria da nulidade.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

Como é sabido, o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC).

Assim, no presente recurso importa apreciar as seguintes questões:

Questão prévia:

Se o Recorrente impugnou a matéria de facto e, em caso afirmativo, se cumpriu os ónus a que alude o artigo 640.º do CPC e se deve proceder essa pretensão.

1 Se é admissível o recurso do despacho saneador e, em caso afirmativo, se este enferma de nulidade por omissão de pronúncia.

2 Se deve ser conhecida a excepção da prescrição do procedimento disciplinar, apreciada pelo Tribunal a quo no despacho saneador.

3 Se se verificou a caducidade do direito da Ré instaurar o procedimento disciplinar.

4 Se há falta de descrição circunstanciada no tempo, lugar e modo dos factos imputados ao Autor.

5 Se a sentença é nula por omissão de pronúncia.

6 Se inexiste justa causa de despedimento.

Fundamentação de facto

A sentença considerou provada a seguinte factualidade:

1. A R. instaurou contra o A., no dia 2 de Outubro de 2018, um processo de inquérito prévio;
2. Entre 15.10.2018 e 29.11.2018 a Ré promoveu a inquirição das testemunhas que considerou relevantes para o apuramento dos factos;
3. A Ré suspendeu preventivamente o Autor no dia 23.11.2018;
4. A Ré instaurou um processo disciplinar contra o Autor, com intenção de despedimento, tendo-lhe enviado a nota de culpa no dia 18.12.2018, a qual foi pelo mesmo recebida no dia 19.12.2018;
5. No dia 24.01.2019, a Ré entregou à Comissão de Trabalhadores cópia integral do processo disciplinar movido contra o Autor;
6. A decisão de despedimento foi enviada para o Autor em 22.02.2019, por correio registado com aviso de recepção, tendo sido por este recebida em 25.02.2019;
7. O Autor trabalhava para a Ré desde 07.03.2011, desempenhando, à data do seu despedimento com justa causa, as funções de “Restaurant Manager” no (…), como chefe do restaurante (…);
8. No âmbito das suas funções, o Autor tinha a responsabilidade de, designadamente, chefiar equipas, gerir a secção da área de Food & Beverage, e representar os respectivos pontos de venda para as necessidades operacionais diárias;
9. Em data concretamente não apurada, mas que se situa no ano de 2015, e durante o período de um ano, durante o qual (…) trabalhou como estagiária de empregada de mesa sob a direção e ordens do A. esta sentiu-se desconfortável com as palavras que este lhe dirigia;
10. O A. solicitou amizade no facebook a (…), a qual aceitou;
11. O A. enviava a (…) mensagens de cariz pessoal pelo facebook e perguntava-lhe constantemente onde estava;
12. (…) respondia inicialmente ao A. de forma evasiva, e por cordialidade, deixando depois de lhe dar respostas e no final do estágio de lhe falar;
13. Durante esse período o A. perguntou por mais de uma vez a (…), que tinha 19 anos, se queria ir para um motel com ele e se queria ter alguma coisa de cariz amoroso com ele;
14. (…) sempre respondeu de forma clara ao A. que não tinha qualquer interesse em estar com ele;
15. Nessa altura (…) iniciou um relacionamento amoroso com um trabalhador temporário do hotel;
16. Quando o A. tomou conhecimento de tal insistiu para que (…) terminasse o relacionamento e referia que o dito namorado era de más famílias e não era pessoa para ela;
17. Em face de tais insistências (...) deixou de falar com o A.;
18. Em face de tal recusa o A. passou a dar a (...) mais trabalho e tarefas que esta antes não desempenhava, como por exemplo ter de ir às mesas perguntar aos clientes se estava tudo bem;
19. (...) despediu-se em virtude dos factos supra descritos;
20. O A. escolheu (...) para ser “host”, para receber os clientes no restaurante;
21. (...) trabalhou como empregada de mesa, sob as ordens e direção do A., como subordinada deste, de Março de 2015 a 2018;
22. Durante esse período o A. por diversas vezes disse à A. comentários como “Quando é que vamos a um motel?”, “Quando é que vamos sair?”, “Quando é que larga o seu namorado?”, “Eu sou mais velho, podia ensinar-lhe coisas novas”;
23. Aludindo ao facto de o Autor ser pai de gémeos e de a trabalhadora (...) ter um irmão gémeo, aquele disse-lhe igualmente “Eu faço bem gémeos. Se quiser fazer gémeos, já sabe!”;
24. A trabalhadora não respondia aos comentários do Autor, optando por fingir que nem os percebia, outras vezes levando os mesmos para a brincadeira, mas deixando claro que não queria nada com o A.;
25. (...) ficava incomodada e constrangida com estes comentários do A.;
26. Durante o período acima referido, o Autor (i) ofereceu à trabalhadora, por diversas vezes, boleia para casa, o que aquela sempre recusou e (ii) insistiu para que a trabalhadora aceitasse o seu pedido de amizade no Facebook, o que esta nunca fez;
27. Entre Janeiro e Março de 2018 a trabalhadora, que até aí trabalhou usualmente no período da noite, foi transferida pelo Autor para o turno da manhã, contra a vontade daquela, por ser a altura do dia em que este se encontrava com mais regularidade no Hotel;
28. O contrato de trabalho de (...) estabelecia que a mesma tanto podia trabalhar de manhã como à noite;
29. Na sequência das sucessivas recusas de (...) o A. começou a repreende-la por tudo quanto fazia, quando as colegas tinham a mesma conduta e não eram repreendidas;
30. (...) queixou-se verbalmente nos recursos humanos em Março de 2018, e foi transferida de seção deixando de trabalhar com o A.;
31. Pertencia ao A. no âmbito das suas funções a possibilidade de mudar as trabalhadoras de turno, gerindo os recursos de trabalhadores;
32. (...) não tinha um cordial relacionamento com os trabalhadores do turno da manhã;
33. A trabalhadora (...) esteve 3 anos no Hotel como trabalhadora temporária (“extra”), sob as ordens e direção do A., seu superior hierárquico, tendo cessado o seu contrato de trabalho em 30.11.2016;
34. Em Abril de 2015, o Autor comunicou que ia “acabar com os extras” e que estes deviam “passar a assinar contratos de estágio”, o que correspondeu a uma política e decisão tomada pela empresa e não do A.;
35. A referida trabalhadora transmitiu ao Autor que não estava de acordo com tal solução, uma vez que iria passar a receber menos dinheiro no final do mês;
36. Deixou assim de ser chamada como “extra” para trabalhar porque não quis aceitar o estágio;
37. Voltou passados dois meses aceitando o estágio remunerado a €200 por trabalhar metade do tempo, pois a bolsa de estágio orçava em €400 mensais;
38. Durante o ano de 2016 o Autor dirigiu comentários de cariz sexual à trabalhadora (...), de quem era superior hierárquico, os quais a faziam sentir desconfortável e incomodada, tais como “Sabes que eu já traí a minha mulher”;
39. Disse-lhe ainda “A tua mãe [que também é trabalhadora do Hotel] tem um bom corpo”;
40. A trabalhadora (...) nunca deu confiança ao Autor para tal tipo de conversas, optando por não dar qualquer resposta às mesmas;
41. No início do ano de 2017, o Autor estava na copa do Hotel com o seu colega (…), quando a trabalhadora (...) passou por eles;
42. O Autor dirigiu-se ao colega (…), em tom de gozo, e disse-lhe: “Ela não sabe aproveitar o corpo que tem”, referindo-se à trabalhadora (...).
43. A Trabalhadora (...) ouviu o comentário e saiu zangada, tendo os outros dois trabalhadores [Autor e (…)] ficado na copa, a rir;
44. Em Outubro de 2016, por altura da celebração do Oktoberfest no Hotel, o Autor insistiu muito em levar a então trabalhadora (...) a casa, no final do dia, convite que a referida trabalhadora recusou;
45. O Autor voltou a insistir, perguntando: “Mas a que horas começas a faculdade amanhã?”;
46. A trabalhadora respondeu, e o Autor retorquiu: “Então temos tempo”, usando um tom que incomodou a trabalhadora;
47. Em Novembro de 2016, o Autor comunicou à trabalhadora (...), numa sala isolada, que o seu contrato de estágio não ia ser renovado e que tal decisão se deveu ao facto de a trabalhadora “não sorrir muito”, apesar de reconhecer que a mesma era uma excelente profissional;
48. Inconformada com tal decisão, e percebendo que o Autor apenas tinha tomado tal decisão pelo facto de a trabalhadora não corresponder às suas solicitações, a mesma perguntou: “Mas o que a empresa quer são loiras, com grandes mamas e grandes rabos”?;
49. Tendo o Autor respondido: “Sim. É exactamente isso que o (…) procura”;
50. Em Maio de 2017, após regressar ao Hotel na sequência de um acidente de trabalho ocorrido em Novembro de 2016, do qual o Autor tinha conhecimento, a trabalhadora (...) foi chamada por aquele ao seu gabinete, tendo-lhe o mesmo dito que as funções que ela desempenhava já não estavam disponíveis e que, em consequência, iria passar a trabalhar no horário da noite.
51. A trabalhadora (...) tentou explicar ao Autor que tal não era possível, uma vez que era divorciada e que tinha dois filhos menores, na altura com 11 e 13 anos, com quem vivia sozinha.
52. O Autor não fez caso da argumentação da trabalhadora, mantendo-a no turno da noite durante cerca de 4 meses;
53. Mais do que uma vez, depois de a trabalhadora regressar da situação de baixa prolongada, o Autor a obrigou a trabalhar 9 dias seguidos, trocando os dias de folga da mesma, previamente definidos, sem qualquer justificação à trabalhadora que não o de não haver lugar na equipa da manhã;
54. A organização e reestruturação dos horários e turnos cabia inteiramente ao A. que o faz de acordo com o volume de trabalho e as necessidades operacionais;
55. (...) tinha um horário acordado no contrato que podia ser de manhã ou de noite;
56. Não deixou a dita trabalhadora de gozar as suas folgas;
57. No dia 26.06.2018, o Autor chamou ao seu gabinete a trabalhadora temporária (...) e fez-lhe uma série de perguntas pessoais como se era casada, se tinha filhos, dizendo que ela era muito linda e acompanhado de um modo de olhar para a mesma que a deixaram incomodada, e que a levaram a responder que era uma mãe de família;
58. Em Novembro de 2018, numa noite em que estava a decorrer o evento de inauguração de vinhos quentes e o trabalhador (…) estava a chefiar os banquetes, pediram à trabalhadora (…) que fosse ter com o Autor para ir buscar copos para colocar no Executive Lounge.
59. Quando chegou ao pé do Autor, este estava ao telefone e a trabalhadora transmitiu-lhe que tinha recebido instruções para vir buscar copos, tendo aquele respondido, em tom agressivo: “Não quero saber! Sai já!”, tendo a mesma regressado ao Executive Lounge sem os copos, por ter sido impedida pelo Autor.
60. O A. não tem qualquer registo disciplinar no seu cadastro pessoal;
61. O Autor foi empregado do mês em Novembro de 2011 e Setembro de 2012;
62. O Autor foi empregado do Ano em 2015;
63. O trabalhador possui a categoria de Restaurant Manager e, como tal, auferiu como último vencimento mensal, vide doc. 5, as seguintes importâncias, com um total ilíquido de 2.279,32€, descriminado nas seguintes parcelas:
- 1.743€, como vencimento base;
- 10,61€, como diuturnidade;
- 438,40€, de isenção de horário de trabalho;
- 41,14€, de prémio de línguas; e
- 27,75€, como abono para falhas.
*

A sentença considerou não provados os seguintes factos: 

a)- O superior hierárquico com competência disciplinar da R., teve conhecimento da infracção antes de 2/10/2018;
b)- A. deu tarefas a (...) para as quais não foi contratada;
c)- Em virtude do sucedido (...) sofreu uma depressão e era vista constantemente a chorar no trabalho;
d)- (...) relatou o sucedido a (…) que ciente do que se passava transferiu a trabalhadora para outra seção;
e)- O A. trabalhava de manhã acabando às 15h e (...) entrava sempre às 15h ou às 15:30h pelo que o contacto entre ambos era escasso;
f)- O A. mudou a trabalhadora (...) de turno devido a necessidades operacionais de gestão do departamento;
g)- O A. deixou de chamar (...) durante dois meses como represália para a mesma;
h)- No dia 22 de Novembro de 2018, quando teve conhecimento de que a trabalhadora ia ser ouvida no âmbito do inquérito prévio promovido pela Ré, o Autor dirigiu-se àquela, em tom de ameaça, dizendo: “Cuidado com o que vais dizer”;
i)- Quando a trabalhadora respondeu que era casada, o Autor comentou: “É casada, mas não está morta…”;
j)- A testemunha sentiu-se de tal forma incomodada com o tom da conversa do Autor, e tal facto foi de tal forma visível, que acabou por ser dispensada do trabalho nesse dia pelo seu chefe (...), tendo saído às 12:00, quando o seu horário apenas terminava às 15:30, e tendo ficado uns dias sem conseguir ir trabalhar;
k)- No dia 26.10.2018, a trabalhadora precisava de falar com o F&B Manager, (...), e dirigiu-se ao restaurante (…), para o efeito.
l)- O Autor, que sabia que a trabalhadora tinha sido ouvida em sede de inquérito prévio do processo disciplinar em curso, foi ter com ela à porta do restaurante, pôs as mãos na cintura, e, em tom agressivo, disse: “O (…) não está cá!”, impedindo-lhe a passagem para o restaurante, onde a trabalhadora efectivamente não conseguiu entrar, apesar da insistência;
m)- Para além do que consta dos factos assentes, o trabalhador (...), F&B Manager, confirma que já assistiu por diversas vezes a comportamentos impróprios do Autor para com outras trabalhadoras do sexo feminino.
n)- (...) moveu uma campanha de perseguição, assédio moral e destabilização contra o A., a qual foi apoiada pelo diretor geral do hotel.

Fundamentação de direito

Comecemos por apreciar a questão prévia se o Recorrente impugnou a matéria de facto e, em caso afirmativo, se cumpriu os ónus a que alude o artigo 640.º do CPC e se deve proceder essa pretensão.

No requerimento de interposição do recurso veio o Recorrente invocar que recorre, além do mais, “por existirem desconformidades insanáveis entre a matéria dada por provada e não provada e a prova produzida e gravada em audiência e a decisão consubstanciada na sentença que determinou a consideração da licitude da aplicação mais gravosa traduzida no despedimento, o que se faz nos termos e com os fundamentos que que se passam a expor.”

E nas conclusões 2 e 5 o Recorrente alude respectivamente ao depoimento da trabalhadora (...) que terá sido desconsiderado na sentença recorrida invocando, ainda, que não terá sido produzida a prova que cabia à Recorrida realizar, bem como invoca que não se verificam, como resulta da prova gravada e da confrontação com os factos dados por provados e sua valoração na sentença recorrida, a verificação dos requisitos previstos no artigo 351º e consequentemente inexiste justa causa de despedimento.

Face ao exposto, cremos que o Recorrente pretendeu impugnar a matéria de facto.

Mas será que cumpriu os ónus a que estava obrigado por força do disposto no artigo 640.º do CPC?

(…)

Em conclusão, por não terem sido observados os ónus referidos no artigo 640.º do CPC, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.
*

Apreciemos, agora, se é admissível o recurso do despacho saneador e, em caso afirmativo, se este enferma de nulidade por omissão de pronúncia.

No requerimento de interposição do recurso, o Recorrente afirma, além do mais, que interpõe recurso do despacho saneador e que argui a sua nulidade, especificando, depois, nas alegações e nas conclusões que a invocada nulidade decorre da omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo em virtude de não ter apreciado o requerimento formulado pelo Recorrente na contestação e no qual requereu, além do mais: “ a notificação da empresa para juntar aos autos, por serem essenciais à defesa do trabalhador, (a) as avaliações de desempenho realizadas ao trabalhador desde a sua admissão; (b) o resultado das auditorias financeiras realizadas ao departamento em que estava inserido o trabalhador;(c) o contrato de trabalho de 2016 da trabalhadora (...); (d) o cadastro disciplinar do trabalhador.”

Ainda invoca o Recorrente nas alegações que argui a nulidade do despacho saneador e recorre do mesmo ao abrigo do disposto no artigo 644º, n.º 2 alínea d) parte final do CPC, no tocante ao facto do Tribunal a quo nada ter referenciado relativamente à prova solicitada, o que, em seu entender, corresponde efectivamente a uma concreta rejeição do meio de prova solicitado, o qual se tornava essencial para a descoberta da verdade material, nomeadamente pelo necessário e exaustivo conhecimento do seu conteúdo e para assim se poder descortinar da veracidade e da autenticidade dos factos alegados para o seu despedimento, nomeadamente no tocante aos seus comportamento e desempenho profissionais.

Acrescenta ainda que existe, assim, uma evidente nulidade do despacho saneador por omitir totalmente pronúncia sobre o pedido expressamente formulado pelo Recorrente, omissão essa que não pode considerar-se integrada no poder livre e discricionário do magistrado, sem prévia e adequada pronúncia sobre o que lhe fora expressamente requerido e que determina uma evidente nulidade daquele despacho saneador e que se repercute necessariamente sobre a sentença proferida, nos termos do n.º1 alínea d) do artigo 615.º do CPC, porquanto a omissão total de pronúncia sobre a requerida prova documental afectou, necessariamente, o direito de defesa do Recorrente, não só por falta de pronúncia sobre a sua admissão, como pelas consequências daí advenientes, consubstanciadas pela total ausência de conhecimento dessa questão, por parte do Tribunal a quo, e de que este não podia nem devia deixar de tomar posição e pronunciar-se por a mesma ter inquestionável relevância para a descoberta da verdade material, porque sobre os aludidos documentos não pôde ser produzida eventual prova em audiência.

Conclui que está o despacho saneador e por consequência a sentença recorrida feridos desta nulidade insanável de que cabe conhecer, visto que no presente processo estão em causa princípios fundamentais consagrados no texto constitucional e no Código do Trabalho.

Posteriormente, confrontado com a possibilidade da não admissibilidade do despacho saneador por extemporaneidade, veio o Recorrente invocar que reconhece ter errado ao invocar a nulidade do despacho saneador ao abrigo do disposto na al.d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, pois a invocada nulidade não se subsume à referida alínea, mas que tal omissão de pronúncia constitui uma nulidade nos termos do artigo 195.º do CPC e que só agora no recurso de apelação da sentença é que essa nulidade pode ser sindicada e não em recurso autónomo contra o despacho saneador, daí que pretenda, agora, que se aprecie a nulidade praticada pelo Tribunal a quo por não ter apreciado os requeridos meios de prova.

Salvo o devido respeito, no recurso, é patente que o Recorrente labora em grande confusão quando faz equiparar a não pronúncia do Tribunal a quo sobre o requerimento de meios de prova que apresentou e a rejeição de meios de prova.

Ora no primeiro caso, não existe pura e simplesmente qualquer despacho do Tribunal a admitir ou a rejeitar os meios de prova, como sucedeu no caso dos autos.

No segundo caso, existe um despacho do Tribunal que rejeita o meio de prova.

E só neste último caso é que o despacho é atacável nos termos do artigo 79.º-A n.º 2 al.i) do CPT que remete para as alíneas c), d), e), h), i), j) e h) do n.º 2 do artigo 691º do CPC (actual artigo 644.º, n.º 2 al.d), ou seja, mediante recurso de apelação, a interpor no prazo de 10 dias, por força do disposto no n.º 2 do artigo 80.º do CPT, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo (arts.83º-A nº 1 e 83.º, n.º 1 do CPT).

Por outro lado, tendo o despacho saneador sido proferido em 16.5.2019, as notificações enviadas às partes em 17.5.2019, (as partes foram notificadas do despacho saneador no dia 20.5.2019) e tendo o recurso sido interposto em 22 de Julho de 2019, logo ressalta que, há muito, havia decorrido o prazo de 10 dias para a interposição do recurso.

Donde, com base no referido fundamento, é inadmissível o recurso do despacho saneador por extemporâneo.

Por outro lado, o Recorrente ao arguir a nulidade do despacho saneador observou o disposto no artigo 77.º do CPT, ou seja, fê-lo expressa e separadamente, o que inculca a ideia de que a nulidade que invoca terá respaldo na al.d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, vício que aponta à sentença, pelo facto de entender que do mesmo vício enferma o saneador.

Ora, por força do n.º 3 do artigo 613º do CPC, o disposto no artigo 615.º é aplicável aos despachos.

E o artigo 615.º n.º 1 al.d) dispõe que é nula a sentença (no caso o despacho saneador), quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Tal vício decorre do incumprimento da norma do artigo 608.º n.º2 do CPC que determina que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”

Assim e como escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, 3ª edição, Almedina, pag.737,”Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir, ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado.”

Ora, não nos parece que a omissão do Tribunal a quo relativamente aos meios de prova indicados pelo Recorrente se possa subsumir na referida alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, tanto mais, que da análise do artigo 595.º do CPC, não resulta que o juiz tenha de se pronunciar, obrigatoriamente, no despacho saneador sobre os meios de prova.

Neste sentido também apontam os artigos 423.º e 425.º do CPC que regulam o momento da apresentação dos documentos e dos quais se pode extrair que o juiz não tem, necessariamente, de admitir ou de rejeitar os documentos no despacho saneador.

Consequentemente, caso o Recorrente tenha assacado ao despacho saneador esta nulidade, é de concluir que esta não se verifica e sem prejuízo de há muito ter decorrido o prazo para interpor recurso do despacho saneador. 
 
Sucede, porém, que, bem analisada a pretensão do Recorrente, sempre teríamos de concluir que, no caso, não se trata de apreciar um despacho que admitiu ou rejeitou um meio de prova porque pura e simplesmente este não existiu, mas, trata-se sim, de atacar a omissão do Tribunal a quo consubstanciada na não apreciação do requerimento a solicitar meios de prova.

E o Tribunal a quo, no momento em que se pronunciou sobre a invocada nulidade do despacho saneador, admite que não existiu pronúncia no despacho saneador, sobre o requerido pelo Autor, pois o Tribunal não reparou em tal pretensão.

Ou seja, a omissão do Tribunal a quo poderia inscrever-se nas denominadas nulidades processuais, no caso, secundárias, realidades distintas das nulidades enunciadas no artigo 615.º do CPC.

Com efeito, dispõe o artigo 195º n.º 1 do CPC, que “ Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”

As nulidades em causa não são de conhecimento oficioso e só podem ser invocadas pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto (art.197.º do CPC).

Quanto ao prazo de arguição das nulidades secundárias, rege o artigo 199.º do CPC, nos termos do qual “se a parte estiver presente, por si, ou por mandatário, no momento em que foram cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer agindo com a devida diligência.

E o prazo geral para arguir a nulidade é, de acordo com o artigo 149.º do CPC, de 10 dias, sendo que a reclamação deverá ser dirigida ao Tribunal que a cometeu.

Ora, analisados os autos, constata-se que o Recorrente foi notificado do despacho saneador em 20.5.2019, que esteve presente na audiência de julgamento (sessões de 24.5.2019, de 27.5.2019 e de 07.06.2019) e que nunca arguiu a nulidade por falta de pronúncia do Tribunal a quo relativamente aos documentos cuja junção requereu na contestação.

Assim, por ter decorrido o prazo para arguir a mencionada nulidade, sem que o Recorrente o tivesse feito, impõe-se considerar que esta, a existir, sempre estaria sanada.
*

Apreciemos, agora, se deve ser conhecida a excepção da prescrição do procedimento disciplinar, apreciada pelo Tribunal a quo no despacho saneador.

Na conclusão 2 invoca o Recorrente que não existe qualquer facto continuado nas condutas imputadas ao Recorrente nem estas integram a previsão normativa dos crimes de perseguição e de importunação sexual previstos e punidos nos artigos 154-A e 170 do CP de modo a poder ser afastado o período-regra de prescrição, postulado no n.º 1 do art.º 329 do CT, que este n.º 1 do art.º 329º do CT e consequentemente a prescrição do procedimento disciplinar apenas não se aplica aos casos de mudança de turno de (...), que nunca poderá ser considerado como correspondendo a um ilícito disciplinar já que consubstancia o exercício de poderes conferidos ao Recorrente pelo Recorrido e respaldado no contrato de trabalho então em vigor com aquela trabalhadora e os comportamentos tidos pelo Recorrente para com (…) que também não podem ser considerados como correspondendo a ilícitos disciplinares, já que o depoimento desta trabalhadora foi desconsiderado na sentença recorrida não se tendo, portanto, produzido a prova que cabia à Recorrida realizar, pelo que deve ser anulada a decisão proferida no despacho saneador sobre a prescrição invocada, com repercussões na sentença, e da qual só agora é possível recorrer.

No despacho saneador proferido em 16.5.2019 e notificado às partes em 20.5.2019, o Tribunal a quo conheceu da excepção da prescrição do procedimento disciplinar nos seguintes termos:

“Já quanto ao prazo prescricional de um ano desde a prática da infração sempre se dirá duas coisas. A primeira no sentido de nos factos continuados apenas se contar tal prazo desde a data do ultimo acto praticado. A segunda no sentido de sendo os factos que constam do articulado motivador factos que sejam suscetíveis de procedimento criminal apenas releva o prazo de prescrição do ilícito criminal.

Ora, os factos em apreço podem efetivamente constituir um ilícito criminal independentemente deste processo criminal existir ou não. São factos que são enquadráveis em ilícitos de natureza sexual, e concordamos com a entidade empregadora quando refere que os mesmos, a se provarem, poderia enquadrar-se na importunação sexual ou na perseguição. E nessa medida o prazo prescricional de cinco anos do ilícito penal aproveita a estes autos.

Isto significa que tal chegaria para improceder a exceção invocada.

Mas mais se dirá. É que a atitude do trabalhador, tal qual se encontra descrita pela entidade empregadora é de facto uma atitude de factos continuados. E se temos factos praticados em dias vagos não concretizados como “todo o ano de 2016” (art. 55º do articulado motivador), outros surgem praticados em Maio de 2017 (com (...)), e temos outros praticados há menos de um ano, em 26/6/2018 (com (...)).

Em suma. Na versão da entidade empregadora os factos são continuados. E nessa medida, tendo como data do ultimo acto Junho de 2018, outros surgem após este, como em Outubro e Novembro (art. 78º e 82º). E desde então não decorreu mais de um ano.

Improcede pois a exceção de caducidade invocada.” (obviamente por lapso o Tribunal a quo refere “caducidade” quando deveria ter referido prescrição, pois foi esta que apreciou).

Só em 22 de Julho de 2019 e com o recurso da sentença vem o Autor recorrer do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção da prescrição.

Ora, nos termos do artigo 79.º- A, n.º 2 al.i) do CPT, cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: Nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei.”

Nos termos da al.h) do n.º 2 do artigo 691º do CPC na anterior redacção, cabia ainda recurso de apelação do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decidisse do mérito da causa.

A anterior alínea h) encontra respaldo no actual n.º 2 do artigo 644.º do CPC.

Em anotação a esta norma escreve o Exm.º Sr. Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pags. 152 e 153:Assim, pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre o mérito da causa quando nele se julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados, outrossim, quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se apreciem excepções preremptórias como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade. Em qualquer dos casos, ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeita a recurso imediato.”

Ou seja, do despacho saneador que julgou improcedente a excepção da prescrição do procedimento disciplinar cabia recurso de apelação, a interpor no prazo de 10 dias (art.80.º n.º 2 do CPT), com subida em separado (art.83.º-A n.º 2 do CPT) e com efeito meramente devolutivo (art.83.º n.º 1 do CPT).

O Recorrente só em 22.7.2019 recorreu de tal despacho quando dele foi notificado a 20.5.2019, pelo que o despacho saneador transitou em julgado.

Consequentemente, por extemporâneo não se admite o recurso do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção da prescrição do procedimento disciplinar, do que resulta não poder ser apreciada tal questão.
*

Analisemos, agora, se se verificou a caducidade do direito da Ré instaurar o procedimento disciplinar.

Sobre a caducidade do direito da Ré instaurar o procedimento disciplinar pronunciou-se a sentença recorrida nos seguintes termos.

“Nos termos do art. 329º nº 4 do CT o poder disciplinar pode ser exercido pelo empregador (a quem compete esse exercício) ou a quem este delegar sendo um superior hierárquico do trabalhador.

E no caso em apreço demonstrou-se que a R. delegou o exercício do poder disciplinar no diretor geral.

O art. 329º do CT consagra no seu nº 1 um prazo prescricional de um ano desde a prática da infracção até ser exercido o poder disciplinar (ou ainda no prazo prescricional do ilícito penal se este for igualmente um ilícito dessa natureza).

O nº 2 do mesmo preceito consagra um prazo de caducidade para o exercício do poder disciplinar o qual deve ser exercido nos 60 dias subsequentes ao superior hierárquico com competência disciplinar tomar conhecimento da infracção.

A notificação da nota de culpa interrompe este prazo de 60 dias, cfr. art. 353º do CT, assim como a existência de inquérito prévio, cfr. art. 352º do mesmo diploma, dentro de determinados limites.

Sobre o trabalhador recai o ónus de alegar e provar os factos que permitam concluir que decorreram mais de 60 dias entre a data do conhecimento da infracção e aquela em que se iniciou o procedimento disciplinar, uma vez que se trata de um facto constitutivo da pretensão de declaração de ilicitude do despedimento (art.º 342.º/1 do CC), cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 27/5/2015, in www.dgsi.pt.

E de facto esta alegação o A. não efetua, cabendo-lhe provar que a entidade empregadora (na pessoa do diretor geral pois era este que tinha o poder disciplinar delegado) tomou conhecimento da prática dos factos em determinada data, para se concluir pela preclusão dos 60 dias. Porém, mais do que essa falta de prova, a R. demonstra o cumprimento dos prazos pois a prova foi feita no sentido de que o conhecimento chegou ao diretor geral (e não a qualquer órgão da R. mas apenas a quem tem o poder disciplinar) apenas após Outubro/novembro de 2018, não se tendo apurado a data exata. E foi em Outubro de foi instaurado o processo de inquérito prévio, o qual interrompe a contagem dos prazos em curso desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita dos factos, e a nota de culpa seja notificada nos 30 dias após a conclusão do mesmo, cfr. art. 352º do CT. Ora, a nota de culpa foi notificada em 19/12/2018. Assim facilmente se vê que a exceção de caducidade improcede.”

Opõe-se o Recorrente ao entendimento do Tribunal a quo sustentando, em resumo, que, contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida, deve aplicar-se ao caso em apreço o disposto no n.º 2 do art.º 329º do CT, uma vez que foi feita sobeja prova (facto provado n.º 30) de ter sido apresentada, por (...), queixa disciplinar no departamento de recursos humanos da Recorrida muito antes (Março de 2018) dos 60 dias contados da data de instauração de inquérito (2 de Outubro de 2018), pelo que se verificou a caducidade do direito a instaurar procedimento disciplinar. Acrescenta que não deve proceder a errada interpretação do Direito, plasmada na sentença, assente na indevida conjugação do n.º 4 do art.º 329º do CT (mera norma habilitante de delegação de competências) e do n.º 2 desse mesmo artigo, que conduziria à exigência, para que esta última norma se aplicasse, de prova de ter sido entregue ao Director Geral da Recorrida a atrás mencionada queixa apresentada no departamento de recursos humanos.

Conclui que conhecida a caducidade do direito de instaurar a acção, deve ser anulada a sentença e declarado ilícito o despedimento do Recorrente.

Vejamos:

Dispõe o artigo 98º do Código do Trabalho que “O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho.”

Por seu turno, determina o nº 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho que “ O processo disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico, com competências disciplinares, teve conhecimento da infracção.”

Desta norma extrai-se que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que:
- o empregador, ou
- o superior hierárquico com competências disciplinares, teve conhecimento da infracção.

Por seu turno, dispõe o n.º 4 do artigo 329.º do CT que “ O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.”

E desta norma resulta que o poder disciplinar pode ser exercido pelo próprio empregador ou por superior hierárquico do trabalhador, quando assim o entenda o empregador e nos termos que este estabeleça, não bastando àquele ser superior hierárquico do trabalhador.

E conforme escreve Pedro Romano Martinez na obra “ Direito do Trabalho, 5ª Edição, pag. 677,o poder disciplinar, para ser exercido, pressupõe um determinado procedimento (art.329º do CT/2009, conduzido directamente pelo empregador ou pelos superiores hierárquicos do trabalhador, art.329º nº 4 do CT/2009). Nada impede que o procedimento seja conduzido por pessoa estranha à empresa-instrutor nomeado (art.356º nº 1 do CT/2009)-, por exemplo um advogado mandatado pela empresa, desde que as decisões, maxime a sanção disciplinar, sejam tomadas pelo empregador ou por superior hierárquico.”.

E na pag. 684 da mesma obra ainda lemos: “ O poder disciplinar, como estabeleceu o nº 2 do mesmo preceito, pode ser exercido por trabalhadores, desde que superiores hierárquicos daqueles que praticaram a infracção disciplinar. Esta regra relaciona-se, por um lado, com o facto de o poder disciplinar ser consequência do poder de direcção e, por outro, na medida em que, de certo modo, o poder disciplinar tem uma especial justificação numa organização empresarial.”

Ainda sobre a matéria do exercício do poder disciplinar, escreve Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Direito do Trabalho, Parte II-Situações Laborais Individuais, pag.710:” Sobre esta matéria dispõe o artigo 329º nº 4 do CT, determinando que o poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador titular, mas também pode ser exercido pelos superiores hierárquicos do trabalhador, por delegação de poderes e nos parâmetros em que tal delegação seja estabelecida.

Também esta norma teria justificado alguma actualização, na medida em que, na prática, o exercício do poder disciplinar pode ser confiado a trabalhadores com competência específica para o efeito, mas que podem não ser formalmente superiores hierárquicos do trabalhador, ou mesmo a instrutores disciplinares que sejam terceiros em relação à empresa.”
 
Em suma, face ao disposto nos nºs 2 e 4 do artigo 329º do CT, podemos concluir que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico do trabalhador com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção e pode ser exercido, ou conduzido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador que detenha poderes para exercer a acção disciplinar em representação do empregador, ou mesmo por trabalhadores que não sejam formalmente superiores hierárquicos do trabalhador e a quem tenham sido confiadas competências específicas por parte do empregador para tal efeito.

E quanto à natureza do prazo a que alude o referido nº 2 do artigo 329º, temos vindo a entender que estamos perante um prazo de caducidade do exercício da acção disciplinar.

Assim, por se revelar pertinente, permitimo-nos transcrever o que sobre esta norma vem afirmado no Acórdão deste Tribunal e Secção, proferido no Proc. nº 233/11.4TTCSC.L1, de 21 de Novembro de 2012 e no qual a ora relatora interveio como 2ª adjunta: “Esta norma não trouxe qualquer inovação em relação às correspondentes normas que lhe antecederam, mais precisamente, na Lei da Cessação do Contrato de Trabalho (DL 64-A/89 de 27 de Fevereiro) e no Código do Trabalho, na versão anterior, aprovada pela Lei n.º 99/2003.

Com efeito, na vigência da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho, por remissão do n.º11, do seu art.º 10.º, para o disposto no art.º 31.º n.º1 da Lei do Contrato de Trabalho (DL n.º 49 408, de 24 Novembro de 1969), resultava que a “(..) entidade patronal, ou o superior hierárquico com competência disciplinar (..)” após ter tido conhecimento da infracção disciplinar, dispunha do prazo de sessenta dias para iniciar o processo disciplinar.

E, no Código do Trabalho na versão anterior (03), dispunha o n.º1 do art.º 372.º: “O procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.

O legislador nunca tomou posição expressa quanto à natureza do prazo de 60 dias para início do procedimento disciplinar, tornando inevitável que sucessivamente se tenha colocado a questão de saber se é um prazo de caducidade ou de prescrição.

(…) Quer a doutrina quer a jurisprudência vêm afirmando que ao aludido prazo é aplicável o disposto no art.º 298.º n.º 2 do Código Civil, sendo um prazo de caducidade [Cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 21-05-2003, proc.º n.º 02S452, Azambuja da Fonseca, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].

No caso em apreço está em causa saber se caducou o direito de acção disciplinar da entidade empregadora, no âmbito de um procedimento disciplinar com intenção de despedimento.

Em regra, o procedimento disciplinar com intenção de despedimento inicia-se com a comunicação pelo empregador ao trabalhador da intenção de proceder ao seu despedimento.

Essa comunicação deverá, de acordo com o disposto no art.º 353.º n.º1, do CT, ser efectuada por escrito, devendo o empregador juntar-lhe igualmente a nota de culpa com descrição circunstanciada dos factos que imputa ao trabalhador e, que na perspectiva daquele, consubstanciam uma ou mais infrações disciplinares.

A notificação da nota de culpa, com observância do disposto no n.º1, interrompe o prazo de caducidade de 60 dias, previsto no n.º 2 do art.º 329.º do CT.

Embora essa hipótese não esteja aqui configurada, deve assinalar-se que a interrupção do prazo poderá ocorrer, ainda, com a instauração de inquérito prévio, a que pode haver lugar quando o mesmo seja necessário para fundamentar a nota de culpa (art.º 352.º do CT).

Como elucida António Monteiro Fernandes, o prazo de caducidade de sessenta dias «(..) assenta na ideia de que a maior ou menor lentidão no desenvolvimento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo empregador à conduta (eventualmente) infractora; o facto de este processo não se iniciar dentro dos sessenta dias subsequentes ao conhecimento da referida conduta constitui presunção iures et jure de irrelevância disciplinar. Assim, o direito de “agir” contra o trabalhador, iniciando o procedimento disciplinar, extingue-se» [António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 282.

Para efeitos do início da contagem do prazo, o que releva é o conhecimento pelo empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar.

A interpretação da norma é inequívoca, isto é, não basta que haja conhecimento da infracção disciplinar e do seu autor por um qualquer superior hierárquico. É necessário, cumulativamente, que este, para além dessa posição na estrutura hierárquica da organização, detenha ainda poderes para exercer o direito da acção disciplinar em representação do empregador.
(…).”

Regressando ao caso verifica-se que para fundamentar a sua posição o Recorrente apela ao facto provado 30, que, no seu entender, legitima a conclusão de que caducou o direito da Ré exercer o poder disciplinar.

O facto provado em 30 tem a seguinte redacção: “(...) queixou-se verbalmente nos recursos humanos em Março de 2018, e foi transferida de seção deixando de trabalhar com o A.”

Contudo, ignora-se porque não ficou provado, se os recursos humanos podiam agir disciplinarmente contra o Autor, o que legitimaria a afirmação de que teria caducado o procedimento disciplinar relativamente aos factos imputados ao Autor e relacionados com aquela trabalhadora.

Mas, contrariamente ao que refere a sentença recorrida, também não resulta dos factos provados que era o Director geral da Ré que detinha o poder disciplinar por delegação.

Contudo, como refere a sentença recorrida, era ao Autor que cabia alegar e provar os factos que levariam à conclusão de que decorreram mais de 60 dias entre a data do conhecimento da infracção pela empregadora ou pelo superior hierárquico com competências disciplinares e aquela em que se iniciou o procedimento disciplinar.

O facto provado em 30 não é suficiente para se chegar a essa conclusão.

Acresce que o Autor não impugnou a matéria de facto não provada na al.a) dos factos não provados onde ficou consignado que “O superior hierárquico com competência disciplinar da R., teve conhecimento da infracção antes de 2/10/2018.”

Consequentemente, não merece reparo a decisão do Tribunal a quo quando conclui pela improcedência da excepção da caducidade do direito do Autor instaurar o procedimento disciplinar.
*

Analisemos, agora, se há falta de descrição circunstanciada no tempo, lugar e modo dos factos imputados ao Autor.

Sobre esta questão escreveu-se no despacho saneador:

“ Invoca ainda o trabalhador uma excepção pertinente. A de falta de concretização de alguns factos e o carácter vago dos mesmos.

E cremos que aqui e ali é capaz de lhe assistir razão. Mas essa não é uma questão de excepção mas uma questão de mérito. Apenas se podem demonstrar factos concretos, praticados em dias concretos por forma a permitirem uma cabal defesa. E apenas esses se podem dar por assentes. E isso mesmo se decidirá em sede de decisão final, analisando a argumentação empregue pelo trabalhador e decidindo de mérito em função do alegado e da prova produzida.”

E a sentença recorrida pronunciou-se sobre tal questão do seguinte modo:

“E quanto às imputações genéricas cremos que o A. tem razão quando afirma que as mesmas existem ao longo do processo. Mas não acompanhamos a conclusão que de tal retira.

É que veja-se. Quando a imputação é genérica e conclusiva (como sucede quando é afirmado que o A. faz perguntas de natureza pessoal que pela sua natureza deixam desconfortável e incomodada, por ex. art. 72º da motivação de despedimento) o tribunal não responde a tal.

Apenas a factos concretos, não conclusivos e bem precisos se pode responder. Donde tal em nada prejudica o direito de defesa do A., tendo sido deixada de fora tudo quanto tenha esse cariz genérico e conclusivo. Mas isso não se traduz numa invalidade de todo o processo disciplinar mas apenas dessa mesma concreta alegação, pois só essa é genérica. Deu-se assim por não escrito o que era conclusivo e respondeu-se na matéria de facto apenas á factualidade concreta e objetiva.

E nessa medida improcede a exceção invocada, mas com os reparos que deixamos quanto a tal.”

Entende o Recorrente que o seu direito à defesa foi coarctado já que este se viu confrontado com a imputação de factos sem precisão factual, o que o obrigou a apenas poder negá-los para sua defesa e explicitando o modo como organizava o seu trabalho, o que determina a nulidade do processo disciplinar e a ilicitude do seu despedimento.

Ainda invoca que os factos dados como provados na sentença recorrida e que identifica, imputados ao Autor relativamente às trabalhadoras (...), (...) e (...) não estão devidamente circunstanciados, nos moldes exigíveis para poder garantir integralmente o direito de defesa do trabalhador e logo quando está em causa a aplicação da sanção disciplinar mais grave.

Embora o Recorrente não o diga expressamente, parece-nos que invoca a falta de descrição circunstanciada dos factos em dois momentos: na nota de culpa, pois conclui que tal falta determina a nulidade do procedimento disciplinar; e na sentença recorrida, quando identifica os pontos da matéria de facto que, no seu entender padecem de tal vício.

Ora, o vício apontado à sentença, como é fácil de ver, não gera a invalidade do procedimento disciplinar. Quanto a ele, deveria o Recorrente ter impugnado a matéria de facto quanto a tais pontos, o que eventualmente poderia acarretar a alteração da decisão quanto ao despedimento.

Mais, se dos factos provados constam conclusões e expressões vagas ou genéricas, cumpre a este Tribunal, mesmo oficiosamente, considerá-las não escritas, não podendo, assim, ser valoradas para efeitos da apreciação da justa causa de despedimento.

Porém, o que nos parece que, agora, subjaz à questão suscitada no recurso é saber se há falta de descrição circunstanciada dos factos constantes da nota de culpa que, de acordo com o Recorrente, impossibilitaram a sua defesa.

Ora, sobre a nota de culpa dispõe o nº 1 do artigo 353º do CT/2009: “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.”

Por seu turno, determina o artigo 382.º do CT:

“1 O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329º, ou se o respectivo procedimento for inválido.
2 O procedimento é inválido se:
a)- Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador.
(…).”

Como se escreve no Acórdão de 02.07.2014, deste Tribunal e Secção, proferido no processo nº 48/13.5TTTVD.L1, em que a relatora destes autos interveio como 2ª adjunta, “A exigência legal da “descrição circunstanciada dos factos” que são imputados ao trabalhador visa permitir-lhe o conhecimento em concreto desses factos, de modo a que este possa defender-se adequadamente, isto é, de modo a que possa exercer na sua plenitude o direito do contraditório. Justamente por isso, a falta de observância dessa imposição legal importa consequências severas, mais precisamente, o despedimento é ilícito, sendo a ilicitude fundada na invalidade do processo disciplinar.

Assim decorre do art.º 382.º do CT, onde se dispõe o seguinte:
«[1]  O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do artigo 329º, ou se o respectivo procedimento for inválido.
[2] O procedimento é inválido se:
[a] Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador.
(…)».
(…).

Por outro lado, a exigência legal da “descrição circunstanciada dos factos” significa também, que a decisão que aplica a sanção disciplinar condiciona a factualidade a invocar pela entidade empregadora em sede de acção de impugnação de despedimento.

Consequentemente daí decorre que igualmente não podem ser considerados na apreciação judicial factos que não constassem da nota de culpa ou da decisão final, ainda que não alegados por qualquer das partes, mas que tenham sido apurados em julgamento, a não ser que também se limitem a concretizar ou a esclarecer o que já constava da nota de culpa ou da decisão final [Cfr. Acórdãos do STJ de 7-07-2010, Proc.º n.º 123/07.5TTBGC.P1, VASQUES DINIS; e, de 22-09-2010, Proc.º n.º: 236/07.3TTBGC.P1.S1, SOUSA PEIXOTO; ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].”
(…)

É certo, como também invoca a Recorrente, que tal não significa imediatamente a invalidade do procedimento disciplinar, desde que o trabalhador tenha entendido suficientemente aquilo que lhe é imputado e não tiver sido prejudicado nos seus direitos de defesa. Por outras palavras, como é entendimento jurisprudencial pacífico, se o trabalhador tiver respondido à nota de culpa sem manifestar qualquer desconhecimento ou incompreensão quanto à imputação que lhe é feita, não se verifica a falta de fundamentação da nota de culpa, já que não lhe foi impedido o exercício do contraditório.

Ilustra esse entendimento, entre outros, os acórdãos do STJ de 27-02-2008, onde se lê:
I- Os comportamentos imputados ao trabalhador, susceptíveis de integrar infracção disciplinar, devem ser descritos na nota de culpa com a narração, tão concreta quanto possível, do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que ocorreram, de forma a permitir ao arguido o perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa – artigo 441.º do Código do Trabalho. II – Se a resposta à nota de culpa revelar que o arguido compreendeu a acusação e exercitou o seu direito de defesa, mostrando pleno conhecimento do circunstancialismo da infracção disciplinar e opondo argumentos idóneos a contrariar a inculpação, a finalidade da referida exigência legal apresenta-se cumprida e a nota de culpa não enferma do vício de insuficiência que, a existir, determinaria a invalidade do processo disciplinar [Processo n.º 07S3523, VASQUES DINIS, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].

No mesmo sentido, Pedro Furtado Martins, citando jurisprudência a propósito, escreve que “A razão que fundamenta as exigências quanto ao conteúdo da nota de culpa justifica igualmente que as deficiências da nota de culpa se tenham por sanadas sempre que o trabalhador demonstre ter compreendido a acusação. Assim, pode suceder que, apesar de a nota de culpa não indicar claramente qual a ordem que o trabalhador é acusado de ter desrespeitado, este demonstre na sua defesa ter perfeita consciência do ato de desobediência que lhe é imputado» [Op. cit., pp. 212]. “

Ora, analisada a Nota de Culpa verifica-se que, tal como considerou o Tribunal a quo, aquela contempla algumas imputações genéricas e conclusivas.

Mas lida a Resposta à Nota de Culpa e embora o Recorrente aí invoque que, na Nota de Culpa não há qualquer descrição circunstanciada dos factos (artigo 12 da Resposta), o certo é que salta à vista que não lhe foi vedado o seu direito à defesa. Com efeito, da Resposta à Nota de Culpa decorre, em primeiro lugar, que o trabalhador não refere que não entendeu os factos que lhe são imputados e, em segundo lugar, resulta à evidência que os compreendeu suficientemente pois acabou por contestá-los, respondendo a cada uma das imputações constantes dos pontos 6 a 72 da Nota de Culpa, sem manifestar qualquer desconhecimento ou incompreensão quanto aos mesmos, referindo, em alguns casos, que não tinha a ideia de ter feito certas afirmações, rejeitando determinados factos por entender que são falsos, indicando testemunhas relativamente a determinados factos, acrescentando novos factos em relação a algumas das imputações, apresentando a sua versão quanto a outros factos e esclarecendo ainda outros tantos.

Ou seja, o Recorrente compreendeu perfeitamente o conteúdo da Nota de Culpa e as consequências resultantes dos factos que lhe eram imputados e que contestou na Resposta que apresentou.

E sendo assim, como entendemos ser, impõe-se concluir que não se verifica a alegada falta de descrição circunstanciada da Nota de Culpa, comprometedora do direito de defesa do trabalhador, não merecendo, pois, reparo a decisão do Tribunal a quo quanto a esta questão.

Por fim, também não se descortinam razões para se considerar não escritos os factos constantes da sentença recorrida e que, no entender do Recorrente, padecem do mesmo vício, posto que aqueles mostram-se concretizados.
*

Vejamos, agora, se a sentença é nula por omissão de pronúncia.

Na conclusão 1 o Recorrente invoca que a sentença é nula por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615º n.º 1 al.d) do CPC, por nada ter referido sobre o requerimento de meios de prova apresentado na contestação, o que, em seu entender, consubstancia uma violação grosseira dos preceitos constitucionais e legais invocados, nomeadamente dos artigos 20º e 53º da CRP e dos artigos n.º 1 do artigo 351 e alínea b) do n.º 1 do artigo 368º e do n.º 1 do artigo 374º do Código do Trabalho.

Sobre a falta de pronúncia por parte do Tribunal a quo relativamente ao requerimento formulado pelo Autor na contestação ao articulado motivador já nos debruçámos supra. E aí concluímos que a mencionada omissão do Tribunal a quo, na medida em que poderia integrar uma nulidade processual, deveria ter sido atacada mediante reclamação e no momento próprio, que o Recorrente deixou escapar e que, por isso, levou a que a invocada nulidade (processual) se tivesse sanado.

Transpõe-se, pois, para a questão agora suscitada, as considerações que aí fizemos, restando concluir do mesmo modo e pela improcedência desta pretensão do Recorrente.
*

Por fim, apreciemos se inexiste justa causa de despedimento.

Após abordar os conceitos de despedimento e de justa causa de despedimento, concluiu o Tribunal a quo que a conduta do Recorrente integra justa causa de despedimento o que fundamentou nos termos seguintes:

“Vejamos pois o que se logrou provar e se estão reunidos os requisitos para que seja considerado (i)lícito o despedimento.

Provou-se que a A. com quatro funcionárias distintas, suas subordinadas diretas, teve ao longo do tempo comportamentos expressos por meio de frases, afirmações, convites, atitudes que as deixaram constrangidas tudo nos moldes dados por provados supra.

(...) tinha 19 anos e ficou tão constransgida na altura em que o A. efetua convites expressos para irem para um motel fazer gémeos que teve de deixar de falar com o A. e no final não aguentando saiu do hotel procurando trabalho noutro local. E isto pese embora ter deixado claro a este que nada queria com o mesmo.

É certo que com o afastamento do mesmo (por ter mudado de lugar de trabalho) a sua mágoa passou e até o chega a recomendar para um emprego. Mas não deixaram os factos de serem graves para si mesma no momento em que ocorreram. E a gravidade aumenta quando se pensa na idade tão jovem da mesma.

Os convites feitos a (...) eram tão diretos que a mesma não aguentou mais e pede mudança de local de trabalho dentro do hotel.

(...), igualmente jovem, ouviu comentários sobre o seu corpo e o da sua mãe.

(…), casada e mãe de filhos, mas igualmente jovem, ouviu também comentários sobre como era linda, e o modo como o A. os fazia deixava-a incomodada.

Estas quatro trabalhadoras, que trabalhavam diretamente tendo o A. como chefe, não tiveram outra alternativa senão irem aguentando os comentários e olhares de cariz sexual do seu chefe para manterem o emprego, até ao momento em que conseguiram mudar. E o A., pese embora a idade jovem das mesmas, o lugar de subalterna destas, a manifesta e claro incomodo delas manifestadas na forma de recusa ao A., ou no extremo de lhe deixar de falar, não foram ao ponto deste de coibir de continuar a assim agir. Porquê?! Porque o fazia impunemente.

Nenhuma consequência existiu destes comentários e atitudes do A. porque ninguém, senão as próprias empregadas de mesa, suas subalternas (ou algum colega amigo do A.), assistiam a tal. E estas não se queixavam. Aguentavam e mudavam de emprego.

E a questão que se coloca, pelo menos na ótica do A., é a de saber se tais comportamentos têm a gravidade suficiente para fundar um despedimento ou podem ser encarados como meros piropos quase inocentes como pugna o A..

Mas não conseguimos acompanhar o A. neste tocante e cremos ser difícil sustentar que comportamentos desta natureza não passem de meros piropos. São comportamentos que melindraram as visadas, suas subordinadas, jovens, e a precisar de trabalho. E comportamentos que eram repetidos no seu dia a dia de trabalho. Que as levaram a deixar de lhe falar (e não é fácil, supõe-se, deixar de falar a um colega de trabalho que se vê diariamente, e muito menos será fácil deixar de falar a um chefe), e mesmo a mudar de emprego para não continuar com tais atitudes.

Ler-se nos factos provados a mera descrição do que o A. dizia a cada uma das visadas pode conduzir à precipitação de achar que existe pouca gravidade para fundar um despedimento, pois esta é a sanção disciplinar mais forte.

Mas não se pode olvidar que a R. é um hotel de renome. Lida com clientes e apenas por sorte (ou cuidado do A.) é que tal não foi ouvido por ninguém. Por outro lado, nenhuma entidade patronal pode manter a confiança num trabalhador que ao longo dos anos teve sempre esta conduta para com as suas subordinadas a ponto de as deixar constrangidas e mudar de trabalho. Que confiança existe a ponto de se poder assegurar que tal não volta a suceder?! E como fica a imagem da entidade patronal quando se prova que teve um chefe de mesa (restaurant manager) que agiu assim e continua a trabalhar no mesmo local?

Em causa não está apenas o conteúdo do que é dito mas o modo como tal sucede. E é esse modo que deixa as subordinadas do A. incomodadas. É a percepção que as mesmas têm dos olhares, acompanhados das ditas frases, que torna insustentável o seu dia a dia de trabalho.

Ora, como pode uma entidade patronal confiar num chefe seu que tem estas atitudes e que torna o ambiente insustentável para as trabalhadoras suas subordinadas que sejam jovens e do seu agrado? Como pode o público em geral entender essa atitude, sabendo que a situação dos autos se passou entender que se mantenha a trabalhar um chefe manager dum hotel como o da R., e que o dito funcionário continue a trabalhar e possa vir a repetir tais condutas sem que novamente ninguém se aperceba senão as próprias visadas?!

Escuda-se o A. no facto de existir um código de conduta que não foi seguido, código esse que permite denunciar situações como as em apreço, donde se as trabalhadoras em causa não o fizeram foi porque não o quiseram, ou acharam que não tinha a gravidade para isso.

Discordamos com tal.

Desde logo este foi apenas um argumento empregue em sede de audiência de julgamento.

Nunca em articulados processuais e não ocorreu a junção do dito código. Mas mesmo que assim fosse, mesmo que tal tivesse sucedido, sempre se dirá que nenhum trabalhador pode ser penalizado por não se ter queixado pelas vias institucionais, nem se pode presumir que o facto não tenha ocorrido por tal não ter sucedido. Em rigor não é fácil fazer queixa de algo desta natureza pelo que com facilidade se compreende que nunca o tenham feito.

Outro argumento que foi usado em sede de alegações foi o facto de esta ser a maneira de ser do A. e de este o fazer como modo de brincadeira e como parte da sua maneira de ser.

Mas note-se. Se algumas trabalhadoras até respondiam com cordialidade de início, como (...), depois a situação vai-se tornando insustentável e vai deixando de o fazer e até de lhe falar. E nessa medida uma “maneira de ser” que põe em causa os demais, que os melindra, incomoda, e martiriza a ponto de terem de mudar de emprego, claramente é uma maneira de ser que tem de ser mudada pois prejudica a todos no ambiente de trabalho.

Mais uma palavra para referir que além dos comportamentos com comentários de índole sexual mais factos são apontados ao A.. Desde o mudar de horários de trabalho de duas trabalhadoras, a gritar com outra. Mas aqui cumpre ponderar com cautela e atentar em alguns aspetos.

Por um lado cabia ao A. mudar os horários de trabalho das trabalhadoras, gerindo os recursos do modo como entendia adequados e funcionais para o bom andamento do serviço.

E era livre de o fazer até porque os horários de cada uma tinha expressamente consagrada essa possibilidade. É pois irrelevante que a trabalhadora (...) tivesse filhos menores a seu cargo pois não sabemos da situação dos demais trabalhadores e não sabemos se a mesma requereu o horário flexivel e se o mesmo foi, ou não, deferido.

São pois tudo situações que saem fora do âmbito deste processo não havendo elementos para poder referir que o A. andou mal ao alterar horários, pois ele tinha poderes para tal, e as contratos de cada uma das trabalhadoras previam expressamente essa alteração possível dos turnos. Assim sendo, nenhuma censura pode merecer essa conduta, nem nada se provou que conduzisse a que se pudesse considerar que a alteração do turno que o A. fez foi violadora da lei.

Por outro lado, o facto de o A. ter gritado por uma vez com a trabalhadora quando foi buscar os copos não mereceu grande relevo. Este estava ao telefone, e pode ter tido um momento de exaltação para ficar sozinho a ter a conversa que estava em curso. Ou pode simplesmente ter gritado. Não é isso que faz com que haja uma violação dos seus deveres laborais grave e muito menos a ponto de sustentar um despedimento. Ocasionalmente todos podem elevar a voz com os colegas, e se for um acto isolado e sem teor ofensivo não cremos que tal assuma grande relevo.

Colocadas estas considerações voltamos ao que supra expusemos quanto aos fundamentos para a ilicitude do despedimento. A gravidade da conduta do trabalhador e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.

Cremos que a conduta do A. foi de facto grave pelo impacto que tem nas visadas e no ambiente de trabalho em geral. O A. falta ao respeito da sua entidade patronal ao agir como chefe das visadas do modo como o faz. Põe em causa todo o hotel. E note-se: O dever de respeito e urbanidade que impende sobre o trabalhador, nos termos do art. 128º nº 1 a) do CT não é apenas sobre o empregador mas igualmente sobre os “companheiros de trabalho e pessoas que se relacionem com a empresa”.

E ao agir nos termos dados por provados claramente que o A. violou esse dever de respeito e urbanidade.

Cremos ser forçada a violação dos demais deveres elencados pela entidade empregadora que vê nestas condutas uma violação do dever de obediencia, da saude no trabalho e de produtividade.

Não é por violar mais deveres contratuais que sobre os trabalhadores impendem que a conduta é mais grave. O dever de respeito para com os colegas e a entidade patronal foi incumprido e quanto a nós de forma grave, tão grave que tais condutas, a se provarem em sede própria, podem constituir ilicito criminal.

E aqui chegamos ao segundo requisito essencial para que seja decretado um despedimento: a impossibilidade de subsistência da relação laboral.

A questão que se coloca reside em saber se para um empregador mediano colocado na posição da R. seria exigível manter ao seu serviço um trabalhador, chefe de restaurante, que ao longo dos anos tem condutas desta natureza para com as empregadas de mesa ou se a confiança foi de tal modo abalada que não seja exigível manter o mesmo como seu trabalhador.

Considerando as circunstâncias concretas, consideramos que nenhuma entidade empregadora pode confiar num chefe de mesa que assim agiu. Que diriam as demais empregadas de mesa da sua entidade patronal, ora R., se tomando conhecimento do sucedido, da sentença, vissem o seu chefe de mesa retomar essa posição? Que não tem gravidade um chefe perguntar de modo constante às suas subordinadas se querem ir para um motel fazer gémeos?! Que não abala a confiança de ninguém (um tribunal e a entidade patronal) que num ambiente de trabalho o chefe olhe e faça comentários de índole sexual a subordinadas jovens e do seu agrado pois isso não tem qualquer gravidade (apesar de incomodar as próprias e tornar intolerável a manutenção para estas da sua relação de trabalho a ponto de mudarem de trabalho)? Que pensariam as próprias visadas dos comentários se soubessem que o A. fez o que fez, que se provou que o fez, mas que ainda assim foi considerado que tais actos não têm a gravidade suficiente para fundar um despedimento? Que a justiça protege a injustiça?

Explicando o que se tentou deixar expresso. Creio caber ao Tribunal colocar-se na posição de uma entidade empregadora média para avaliar se o acto praticado pelo trabalhador, sendo grave, ainda assim permite a continuação e o restabelecimento da relação laboral. E uma entidade patronal tem de equacionar os demais trabalhadores (as), tem de ter preocupações de concertação social dentro do ambiente de trabalho que tem de proporcionar aos seus empregados. É no local de trabalho que todos passamos grande parte do dia. É uma parte importante da nossa vida. Ora, a manutenção do A. ao serviço da R. seria ofensivo para com as trabalhadoras que foram visadas pelos actos praticados, e ofensivo para as demais subordinadas que não se tendo queixado e a quem nada sucedeu, saberiam que a suceder (se no futuro o A. decidisse assim agir para com elas), nunca um tribunal e a sua entidade patronal achariam que seria grave (o suficiente para o despedir), e o A. poderia continuar a fazer o que fez, precisamente porque a gravidade dos seus actos não colocariam em causa a confiança que a R. nele tem de depositar.

Numa palavra, cremos ser incontornável o despedimento do A. pela gravidade dos factos praticados pelo impacto causado nas visadas e no ambiente de trabalho das demais, tornar impossivel que a R. mantenha alguém com esse perfil ao seu serviço.

E nessa medida julgo licito o despedimento promovido pela R. e nenhuma outra sanção existia que fosse adequada e proporcional ao comportamento do A. que não o despedimento.”

Vejamos:

Atenta a data dos factos, ao caso é aplicável o Código do Trabalho de 2009 na redacção dada pela Lei nº 23/2012 de 25 de Junho.

Ora, como é sabido, para além do dever principal de prestação da actividade de trabalho que impende sobre o trabalhador, sobre ele ainda incidem outros deveres previstos na enumeração exemplificativa do artigo 128º do Código do Trabalho.

E de entre os deveres laborais prevê a al.a) do n.º 1 do artigo 128.º do CT o dever de “ respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade.”

E a violação dos deveres laborais constitui infracção disciplinar e quando culposa e grave poderá configurar uma situação de justa causa de despedimento de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 351º do CT.

Entendeu a sentença que a actuação do Recorrente que descreve violou o mencionado dever de respeito e de urbanidade para com o empregador e para com as trabalhadoras, suas subordinadas.

Sustenta o Recorrente por sua banda, em resumo, que a sentença recorrida carece totalmente de fundamentação no tocante à comprovação dos requisitos exigidos para poder ocorrer um despedimento com justa causa, que o Recorrente foi acusado de perseguir (...) e (...) ao mudar-lhes o turno do seu horário de trabalho, mas, como reconhece a sentença recorrida no facto provado 54, ao Recorrente cabia inteiramente a organização e reestruturação dos horários e turnos “de acordo com o volume de trabalho e as necessidades operacionais”, o Recorrente melindrou (…) quando a deixou de a chamar para realizar “extras” (factos provados n.º 34 a 36) e lhe deu um estágio mal remunerado (em comparação com o pagamento daqueles “extras”), mas essa era a política da Recorrida que o Recorrente estava obrigado a cumprir e se o Recorrente a não tivera seguido, então sim, estaria a violar “algum dos deveres da relação laboral” e assim colocar-se em posição de falta de cumprimento de ordens superiormente recebidas, o Recorrente é acusado de dar mais trabalho a (...) (facto provado n.º 18) nomeadamente o de “ter de ir às mesas perguntar aos clientes se estava tudo bem”. Mas, em qualquer restaurante, essa é uma medida que deve ser incentivada! E, portanto, o Recorrente, ao assim agir, não violou nenhum dever da sua relação laboral, pelo contrário cumpriu com as elementares regras que devem obedecer a postura dos trabalhadores que servem clientes num restaurante de um hotel, o Recorrente é acusado de incentivar (…) para que esta sorrisse mais, mas em qualquer restaurante, um Chefe de Mesa deve incentivar um ambiente acolhedor e simpático por parte dos empregados de mesa que servem clientes, (...) acusa o Recorrente de a estar a corrigir no modo como exercia as suas tarefas, mas é exactamente isso o que se exige de um Chefe de Mesa, quando se comprovou que esta trabalhadora era emocionalmente instável e tinha uma má relação de trabalho com os demais colegas, não podendo, por isso, tal facto ser considerado um ilícito, (...) acusa o Recorrente de, quando o interrompeu num telefonema, a ter mandado sair (facto provado n.º 59). Mas é expectável que quem estando a falar ao telefone, não queira ser interrompido, como a própria sentença recorrida o reconhece, pelo que não se entende a aplicação do Direito a estes factos realizada pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, pois o Recorrente está a ser acusado e punido não por violar culposamente os seus deveres mas por, ao invés, escrupulosamente os cumprir.

Ora, relativamente aos factos que o Recorrente agora invoca, basta uma mera leitura da sentença para se perceber que não foram esses factos que fundamentaram a conclusão do Tribunal a quo de que a actuação do Recorrente violou o dever de respeito e de urbanidade para com a empregadora e para com as trabalhadoras suas subordinadas e que essa violação assumiu contornos de tal gravidade que tornou impossível a subsistência da relação laboral.

Os factos que fundamentaram tal juízo estão na sentença e não são aqueles que o Recorrente agora enumera; além dos comportamentos com comentários de índole sexual, outros comportamentos do Recorrente não pesaram para a conclusão de que existe justa causa de despedimento.

Por outro lado, como refere o próprio Recorrente, na sentença, foi considerado provado que este era um trabalhador premiado (factos provados 61 e 62), dos quais resulta claro que era um trabalhador que desempenhava a sua profissão com mérito. Mas a sentença não pôs essa evidência em causa.

Por outro lado, também não foi a circunstância do Recorrente ter pedido amizade no Facebook a (...) e a (...) (factos provados em 10 e 26) que determinou o veredicto do Tribunal a quo. Aliás, aceita tal pedido quem quiser e quem o aceitar, obviamente que deve acarretar com as respectivas consequências, sendo certo que nem ficou provado nem se deduz dos factos provados que as mencionadas trabalhadoras se sentiram forçadas a aceitar o pedido de amizade.

Também não foi o facto de o Recorrente ter oferecido boleias a (...) e a (...) que determinou a conclusão da licitude de despedimento.

Mas já não podemos afirmar que a circunstância do Autor insistir com as trabalhadoras no sentido de lhes dar boleia após a recusa daquelas em aceitá-la, não pese na valoração global do comportamento do Autor perante estas trabalhadoras.

Também não foi determinante da conclusão do Tribunal a quo de que existe justa causa de despedimento a circunstância do Recorrente comentar os namoros de (...) (facto provado n.º 16) e de (...) (facto provado n.º 22), embora tal comportamento não seja digno de um profissional superior hierárquico das referidas trabalhadoras, a não ser que, para além da relação profissional existisse uma relação de amizade entre eles, o que não se provou.

Por outro lado, não é verdade que só ficou provado que o Recorrente é acusado de questionar o estado civil de (...) e se esta tinha filhos, na primeira reunião de trabalho que teve com esta sua subordinada (facto provado n.º 57). O que consta do facto provado 57 é que “ No dia 26.06.2018, o Autor chamou ao seu gabinete a trabalhadora temporária (...) e fez-lhe uma série de perguntas pessoais como se era casada, se tinha filhos, dizendo que ela era muito linda e acompanhado de um modo de olhar para a mesma que a deixaram incomodada e que a levaram a responder que era uma mãe de família.” Ou seja, o facto provado 57 evidencia, sem dúvidas, a violação do dever de respeito por parte do Recorrente para com a sua subordinada ao ponto desta avocar a circunstância de ser uma mãe de família e, dessa maneira, fazê-lo perceber que não estava interessada nele.

Por outro lado, contrariamente ao que refere o Recorrente, este não se limitou a enaltecer o aspecto físico de (...) e de sua mãe (factos provados n.º 39 e 42) e de (...).

Com efeito, do facto provado 39 consta que “ Disse-lhe ainda “ A tua mãe (que também é trabalhadora do Hotel) tem um bom corpo”.

Acresce que também ficou provado que a trabalhadora (...) nunca deu confiança ao Autor para tal tipo de conversas optando por não dar qualquer resposta às mesmas (facto provado 40).

E do facto provado 42 consta que “ O Autor dirigiu-se ao colega (…), em tom de gozo e disse-lhe: “ Ela não sabe aproveitar o corpo que tem”, referindo-se à trabalhadora (...).”

Mas mais, ficou provado no ponto 43 que “a trabalhadora (...) ouviu o comentário e saiu zangada, tendo os outros dois trabalhadores (Autor e (…) ficado na copa, a rir.”

Ou seja, contrariamente ao entendimento do Recorrente estas condutas, aferidas com base em critérios de objectividade e razoabilidade, patenteiam um claro desrespeito para com a trabalhadora (...) e para com a sua mãe, tanto mais que esta nunca dera ao Autor confiança para este tipo de conversas.

Por último, não é verdade que o Recorrente apenas tenha sido acusado de ter convidado (...) e (...) para ir a um motel (factos provados em 13 e 22). Com efeito, no facto provado 13 consta que “Durante esse período, o A. perguntou por mais de uma vez a (...) que tinha 19 anos se queria ir para um motel com ele e se queria ter alguma coisa de cariz amoroso com ele” e no facto provado 22 consta (relativamente a (...)) que “durante esse período o A. por diversas vezes disse à A. comentários como “Quando é que vamos a um motel?” “Quando é que vamos sair”?, “Quando é que larga o seu namorado?”, “Eu sou mais velho, podia ensinar-lhe coisas novas”.

E no facto provado 23 consta que “Aludindo ao facto de o Autor ser pai de gémeos e de a trabalhadora (...) ter um irmão gémeo, aquele disse-lhe igualmente “Eu faço bem gémeos”. “Se quiser fazer gémeos já sabe.”

E a verdade é que lida e relida a matéria de facto provada não se extrai qualquer elemento que nos permita afirmar que este tipo de comentários e modo de actuação do Recorrente era aceite pelas trabalhadoras subordinadas e que sempre foram vistos e aceites como meros piropos ou gracejos de cariz sexual; pelo contrário, resultou provado que as trabalhadoras em causa ficaram constrangidas e incomodadas com o comportamento do Autor (cfr.factos provados em 15 a 18 e 24 e 25).

E porque não eram aceites, nem consentidos pelas trabalhadoras, obviamente que tais comportamentos violam o dever de respeito que lhes é devido.

Acresce que, contrariamente ao que refere o Recorrente não se provou que este era uma pessoa “brincalhona”, trespassando da matéria de facto provada que as suas atitudes incomodavam e constrangiam as suas subordinadas ao ponto de algumas delas terem ido embora.

Rebela-se ainda o Recorrente contra a sentença recorrida quando refere que “esta “maneira de ser”, plenamente provada, “põe em causa os demais, que os melindra, incomoda, martiriza a ponto de terem de mudar de emprego”, porque entende que se comprovou que (...) finda a sua relação laboral com a Recorrida por ter terminado o seu estágio e, passado algum tempo, recomenda o Recorrente para ocupar um posto de trabalho no hotel em que então trabalhava, (...) finda a sua relação laboral porque terminou o seu estágio e está sim melindrada com o Recorrente por este ter terminado os seus “extras”, seguindo a política da Recorrida e apenas no cumprimento estrito de instruções organizacionais determinadas superiormente, (...), ignorando-se porque saiu da Recorrida, está sim melindrada com as suas antigas colegas de turno da manhã, que entende privilegiadas indevidamente pelo Recorrente, sendo essa a prova realizada.

Ora, do facto provado em 19 consta que (...) despediu-se em virtude dos factos supra referidos e relacionados com a actuação do Autor, facto que não foi impugnado pelo Recorrente; não se provou que saiu porque findou o estágio.

Quanto a (...) ficou provado que: esteve três anos como trabalhadora temporária (extra) sob as ordens e direcção do A., seu superior hierárquico, tendo cessado o seu contrato de trabalho em 30.11.2016 (facto 33); que em Abril de 2015, o Autor comunicou que ia “acabar com os extras” e que estes deviam “passar a assinar contratos de estágio”, o que correspondeu a uma política e decisão tomada pela empresa e não do A. (facto 34) e que a referida trabalhadora transmitiu ao Autor que não estava de acordo com tal solução, uma vez que iria passar a receber menos dinheiro no final do mês (facto 35), que deixou assim de ser chamada como “extra” para trabalhar porque não quis aceitar o estágio (facto 36), que voltou passados dois meses aceitando o estágio remunerado a €200 por trabalhar menos tempo, pois a bolsa de estágio orçava em €400 mensais (facto 37). 

Quanto a (...) ficou provado que foi transferida de secção e que deixou de trabalhar com o Autor (facto provado 30) e que não tinha um cordial relacionamento com os trabalhadores do turno da manhã.

Em suma, entendemos que os factos provados nos pontos 11, 13, 16, 18, 22, 23, 29, 38, 39, 42, 43 parte final, 44, 45, 47 a 49, 57 dos factos provados evidenciam um comportamento do Autor violador dos seus deveres de respeito e de urbanidade para com a empregadora e para com as trabalhadoras em causa.

E tal violação é grave, ilícita e culposa na medida em que ao Autor era exigível um comportamento conforme às regras de convívio social e profissional e de que que era capaz, pois nada se provou que nos leve a concluir que era incapaz de se determinar pelo mesmo.

Mas como é sabido nem todas as infracções disciplinares constituem justa causa de despedimento, pelo que resta, então, apurar se o comportamento do Autor é grave ao ponto de se integrar no conceito de justa causa de despedimento, como entendeu o Tribunal a quo. 

De acordo com o nº 1 do artigo 351º do CT/2009, “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a relação de trabalho”.

O nº 2 do mesmo artigo enuncia, a título exemplificativo, os casos que constituem justa causa de despedimento estatuindo o n.º 3 que “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.

Como esclarece Maria do Rosário Palma Ramalho, a pags. 899 e 900 da obra citada, o conceito de justa causa exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: “um comportamento ilícito, grave, em si mesmo, ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjectivo da justa causa); a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objectivo da justa causa); a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem de decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador”.

Assim, como afirma o Acórdão do STJ de 12.09.2012, in www.dgsi.pt, já na linha de anterior jurisprudência, que temos seguido de perto, “os factos integrativos do conceito de justa causa hão-de materializar um incumprimento culposo dos deveres contratuais por parte do trabalhador, numa dimensão susceptível de ser considerada como grave, quer a gravidade se concretize nos factos em si mesmos quer ocorra nas suas consequências.

Para além disso, exige-se que essa dimensão global de gravidade torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, a que a Doutrina vem chamando elemento objectivo da justa causa.

A subsistência do contrato é aferida no contexto de juízo de prognose em que se projecta o reflexo da infracção e do complexo de interesses por ela afectados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma.
(…)”

E quanto à impossibilidade de subsistência da relação de trabalho escreve António Monteiro Fernandes, na obra “Direito do Trabalho”, 16ª edição, pág. 480 “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, gerada por factos ou circunstâncias que impeçam definitiva e irremediavelmente a prestação de trabalho e o pagamento da retribuição - como a morte do trabalhador ou do empregador ou a destruição do estabelecimento. Trata-se, essencialmente, de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da premência da desvinculação e o da manutenção do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.

Ainda segundo António Monteiro Fernandes, pag.482 da mesma obra, “o que significa a referência legal à «impossibilidade prática» da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador”.

Assim, verifica-se “impossibilidade prática de subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre trabalhador e empregador, que seja susceptível de criar no espírito deste a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele, estando portanto o conceito de justa causa ligado à ideia de inviabilidade do vínculo contratual, correspondendo a uma crise extrema e irreversível do contrato - Acórdão do STJ de 21 de Março de 2012, proferido na revista 196/09.6TTMAI.P1-S1- 4.ª

E de acordo com o ensinamento plasmado no Acórdão do STJ de 8.05.2012, in www.dgsi.pt, cujo entendimento também se perfilha, “no âmbito da apreciação da justa causa de despedimento, na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto, sendo que, o apuramento da “justa causa” se corporiza, essencialmente, na impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho”.

Por fim, dispõe o nº 1 do artigo 330º do CT que “ A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção”, o que impede, naturalmente, que a sanção imposta ultrapasse a gravidade da infracção e a culpabilidade do infractor.

Em suma, podemos afirmar que o conceito de justa causa de despedimento corresponde a um comportamento culposo do trabalhador, violador dos seus deveres contratuais, gerador de uma crise contratual de tal modo grave e insuperável que provoca uma ruptura irreversível entre as partes contratantes de modo a não ser exigível a um empregador normal e razoável a continuação da relação laboral.

Regressando ao caso, face aos factos provados adiantamos, desde já, que não merece reparo a decisão do Tribunal a quo no sentido de que existe justa causa de despedimento.

Com efeito, considerando, por um lado, a posição que ocupava o Autor na organização da Ré (Restaurant Manager) e, por outro, que as visadas com os seus comentários e actuação eram suas subordinadas, não podemos deixar de considerar que estamos perante um comportamento intolerável e injustificável do trabalhador, que não se enquadra nas regras de convívio profissional e social e que mina, em absoluto, a relação de confiança imprescindível numa relação laboral.

E por isso, entendemos não ser exigível à Ré, nem a qualquer empregador minimamente razoável colocado na posição daquela, que mantenha ao seu serviço um trabalhador que actuou com total falta de respeito pelas trabalhadoras subordinadas e pela própria empregadora (veja-se o facto provado em 49), sendo legítimo que questione a idoneidade daquele trabalhador para no futuro desempenhar as suas funções.

Acresce que face à gravidade dos factos, a circunstância do trabalhador não ter antecedentes disciplinares e ter sido considerado o empregado do mês em Novembro de 2011 e em Setembro de 2012 e empregado do ano em 2015, não assume peso suficiente para afastar a gravidade do seu comportamento. Pelo contrário, sendo um profissional competente, maior se revela a sua responsabilidade face às trabalhadoras suas subordinadas.

Por fim, importa referir que, apesar da sanção de despedimento só dever ser aplicada quando as demais sanções disciplinares se revelarem insuficientes, a verdade é que a tolerar-se este tipo de comportamento, anular-se-ia o poder de autoridade da empregadora, bem como obstar-se-ia à concretização da obrigação que impende sobre aquela de proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral (art.127.º n.º 1 al c) do CT, pelo que entendemos que, face à natureza dos factos praticados, não se mostra adequada a aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral.

Nestes termos, improcede o recurso, devendo, pois, ser confirmada a sentença recorrida.

Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade do Recorrente.

Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e notifique.



Lisboa, 18 de Dezembro de 2019



Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
José António Santos Feteira


Decisão Texto Integral: