Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
394/15.3YHLSB.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
ELEMENTOS FIGURATIVOS
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Tratando-se de cotejar as semelhanças e diferenças entre desenhos (elementos figurativos), é essencial a prova pericial, potestativa ou oficiosa, sendo o respectivo relatório de apreciação livre, nos termos do artigo 389.º do Código Civil.
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


1. F... requereu procedimento cautelar contra “W..., SA”.

Pediu que a requerida fosse condenada na imediata suspensão da utilização/reprodução de qualquer referência à sua obra e ainda o encerramento temporário do Museu Interactivo e Parque Temático designado por World of Discoveries para que seja retirado todo o material plagiado; e, finalmente, a condenação da demandada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia em que os seus direitos forem violados.

Alegou, no essencial, que é titular dos direitos de autor sobre várias obras de desenho que registou e tinha apresentado à requerida para determinado projecto; que a requerida atribuiu o projecto a outra entidade; que, não obstante, continuou a utilizar as suas ilustrações, através de cópia em três dimensões, de forma habitual e reiterada, sem a sua autorização.

A requerida veio opor-se, dizendo que os desenhos foram executados com base noutros desenhos que a requerente lhe cedeu; que as obras foram executadas por uma sociedade estrangeira que contratou para o efeito; quem as plagiou foi o requerente pelo que o seu registo é ilegítimo.

O procedimento veio a ser julgado improcedente e a requerida absolvida dos pedidos.

Inconformada, recorre o requerente formulando, no que importa, as seguintes conclusões:
-A maior parte das cópias são uma reprodução integral da obra.
-O tribunal julgou incorrectamente não comparando devidamente os trabalhos.
-Confundiu os conceitos de ideia e de expressão da mesma.
-Considerou, erradamente o formato da obra para afastar o plágio contrariando o n.º 3 do artigo 196.º do CDADC.
-Os direitos de autor não protegem o autor contra a criatividade independente mas contra a cópia da sua criatividade.

Foram produzidas contra-alegações em defesa do julgado.

2. A decisão recorrida deu por provados os seguintes factos:
“-A Requerida é uma sociedade comercial anónima detida pela empresa M... -SGPS, S.A. e administrada por M..., tendo a mesma sido criada com o objectivo de gerir o Museu Interactivo e Parque Temático designado por "World of Discoveries"
-No ano de 2012, o Requerente encetou negociações com M..., tendo apresentado um projecto para o desenvolvimento e construção de um museu lúdico dedicado à temática dos descobrimentos.
-A Requerida pretendia, entre o mais, com tal projecto, obter fundos por via do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) para a viabilização e concretização do Museu Interativo e Parque Temático designado por "World of Discoveries".
-No desenvolvimento das negociações, entre os meses de Outubro de 2012 e Fevereiro de 2013, o Requerente criou e apresentou diversas ilustrações que fariam parte do referido projecto.
-O Requerente registou a obra "CENTRO DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES" nos termos em que constam de fls. 99 a 130 dos autos, junto da Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), tendo o seu pedido sido diferido a 13/02/2013 e atribuído o número de Registo 596/2013.
-A requerida comunicou ao requerente em determinada data, que o projecto havia sido atribuído a outra entidade.
-No dia 24 de Abril de 2014, o museu "World of Discoveries" - Museu Interativo e Parque Temático, no Porto, abriu as portas ao público.
-Nesse museu constam as obras abaixo apresentadas, encimadas pelas ilustrações registadas pelo requerente e executadas pelos artistas C...E... e M...A..., por encomenda daquele (seguem-se as reproduções de vários ilustrações e fotografias).
“-A requerida no seu website www.worldofdiscoveries.com, apresenta as imagens que constam de fls. 199 dos autos.
-A requerida apresentou queixa-crime contra o requerente e a sociedade "M..." SA., por crime de contrafacção e violação de direito moral, p.p. nos artigos 196.° e 198.° do CDADC, que deu entrada a 26 de Março de 2014.
-A W..." é uma sociedade anónima constituída a 20/11/2012, com o objecto social, entre o mais, de "actividades de parques de diversão, temáticos e similares, exploração dos mesmos, incluindo a sua manutenção".
-A idealização do projecto surgiu num Administrador da requerida em meados de 2010.
- A requerida, solicitou a uma empresa de designers especializada -P... - a passagem para papel do referido projecto nos termos que foi efectuado e se encontra a fls. 302 a 367 dos autos.
- A requerida procedeu ao registo dos direitos de autor, junto da Inspecção Geral das Actividades Culturais (IGAC), sobre o (projecto) WORLD OF DISCOVERIES - DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES, relativa à criação de um Centro Lúdico e Cultural subordinado à temática dos Descobrimentos Portugueses, com data de 1 de Fevereiro de 2013 (registo número 1240/3013), nos termos em que constam de fls. 240 a 245 dos autos.
-Vários nomes foram idealizados para este projecto - inicialmente, Centro Lúdico e Cultural representativo da Epopeia dos Descobrimentos, CLED, Centro dos Descobrimentos Portugueses, entre outros, até que finalmente se acordou que o nome definitivo para apresentação ao público e para efeitos de registo de marca e de atribuição de firma para a sociedade que viria, a partir de Novembro de 2012, a explorar esta actividade, seria World of Discoveries (museu  interactivo e parque temático).
-A requerida apresentou ao requerente como preliminar do projecto, o documento cuja cópia consta de fls. 419 a 477 dos autos, para que, com base nos desenhos/gravuras entregues nas instruções transmitidas, adaptasse os mesmos ao tamanho e dimensão do espaço disponível para a instalação do projecto.
-O requerente enviou à requerida o email cuja cópia consta de fls. 248/249 dos autos.
-A requerida entregou determinado trabalho a uma sociedade "M...", Lda., tendo pago ao requerente, que subcontratou um modelista de nome F... para tal serviço, 75% do valor do serviço e, não tendo este pago ao modelista, a requerente teve que pagar a este a quantia total devida pelo trabalho”.

Após a aposição dos vistos, cumpre-nos julgar.

3. Trata-se de procedimento cautelar regido pelo artigo 210.º-G (aditado pela Lei n.º 16/2008, de 1 de Abril ao Código de Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, com as alterações das Leis n.ºs 45/85, de17 de Setembro; 114/91, de 3 de Setembro; 85/2012, de 20 de Dezembro; 82/2013, de 6 de Dezembro; 32/2015, de 24 de Abril e pelos Decretos-Lei n.ºs 332/97, de 27 de Novembro; 334/97 de 27 de Novembro).
O primeiro diploma, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46980, de 27 de Abril de 1966, viu a sua vigência ressalvada pelo artigo 1303.º do Código Civil.
Em sede Constitucional iremos apelar para o artigo 42.º (n.ºs 1 e 2 da Constituição da República) a garantir a liberdade de “criação intelectual, artística e cientifica” tal abrangendo “o direito à invenção, produção e divulgação da obra literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor” (cf., o artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos e a Convenção de 1911 (Berna, 1886), revista pelos Actos de Roma (1928) de Bruxelas (1951) de Estocolmo 1967, a que Portugal aderiu, sendo que ratificou a Convenção Universal sobre o Direito de Autor, aprovada em Genebra em 6 de Setembro de 1952).

Deste conjunto normativo resulta considerarem-se protegidas as criações intelectuais do domínio literário científico e artístico “independentemente do modo de exteriorização”, compreendendo, designadamente (por só essas aqui relevarem)” “obras de desenho”, “ projectos, esboços e obras plásticas” (artigos 1.º e 2.º, n.º 1, g) e e) do CDADC).
O autor é, como regra, o criador intelectual da obra, sendo o seu direito reconhecido, independentemente de registo depósito ou qualquer formalidade (artigo 12.º do diploma citado).
Nos termos do respectivo artigo 68.º, n.º 2 o autor tem, entre outros, o direito exclusivo de “fazer ou autorizar por si ou pelos seus representantes, a representação da obra, no todo ou em parte, a sua utilização em obra diferente.
A lei criminaliza (usurpação e contrafacção) a violação dolosa dos direitos de autor, sendo que tal violação faz recair o prevaricador em responsabilidade civil, “independentemente do procedimento criminal a que esta dê origem”, “ex vi” do artigo 203.º do CDADC.

3.1. Chegados a este ponto, temos a “pulcra quaestia” de saber se existe usurpação ou contrafacção da obra, ou fundado receio de que a requerida, com a conduta que lhe é imputada, cause lesão grave, irreparável, ou de difícil reparação ao requerente.

Antes, porém – e essa é questão a situar em matéria de facto – cumpre apurar se ocorreu ou ocorre usurpação, (na conceptualização do artigo 195.º) ou contrafacção (tal como define o artigo 196.º) ou, enfim, violação dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, g) e l) do CDADC.
Tratando-se de desenhos (elementos figurativos) a matéria de facto consiste em cotejar as semelhanças e diferenças entre uns e outros.
E aqui surgem várias dificuldades.
Por um lado, vale a sensibilidade estética do julgador e a sua formação nas várias artes figurativas, o que dificulta o princípio da livre apreciação da prova consagrado no n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
De outra banda, o ecumenismo da decisão (“inter partes” e na comunidade jurídica) impõe a clara forma escrita em vernáculo (com aceitação excepcional de algarismos - artigos 131.º ss do CPC) não se compadecendo com a inserção de figuras e desenhos destinados a um cotejo com finalidade conclusiva.
Daí que, nesta área, se afigure essencial a prova pericial, potestativa ou oficiosa (artigos 467.º ss do CPC), sendo, então, o respectivo relatório, de apreciação livre, nos termos do artigo 389.º do Código Civil.

A questão da semelhança/imitação de símbolos figurativos vem sendo tratada mais detalhadamente em sede de propriedade industrial, “maxime” marcas e patentes.
Mas aqui a apreciação é, em regra, mais simples, por mais linear.
Ressalvadas as denominações, onde se atenta nos riscos de confusão e de associação, buscam-se os sinais e os produtos (cf., Prof. Coutinho de Abreu, “Marcas”, BFDC, LXXIII, 1997, 145) e a respectiva memorização pelo consumidor médio (cf., vg, os Acórdãos do STJ de 25 de Março de 2004 – proc. nº 3971/03; de 22 de Abril de 2004 – proc. nº 541/04 – e de 30 de Outubro de 203 – proc. nº 2331/03 e de 3 de Maio de 2001 – proc. nº 1009/01).
O tipo de apresentação (aspecto gráfico) e o nível fonético são perceptíveis e comparáveis pelo julgador, sem necessidade de perícia especializada.
Mas tratando-se de trabalhos com componente artística e elaborados com técnicas distintas, a procura de semelhanças afigura-se eivada dos escolhos acima insinuados.

Ora, no caso em apreço, e em sede meramente cautelar, com a inerente prova informatória, não tendo sido requerida ou ordenada perícia, temos de nos limitar a uma “comparação” entre os trabalhos do requerente e os utilizados pela requerida.
E, nessa perspectiva, não vislumbramos – nem o “homem médio” o faria - qualquer imitação ou contrafacção.
Ambos, e embora com técnicas e “design” diferentes, mais nos fazem recuar ao segundo semestre de 1940 e às ideias acolhidas na “Exposição do Mundo Português”, com idêntica temática e a brilhante coordenação arquitectónica de Cottineli Telmo e dos arquitectos Pardal Monteiro, Carlos Ramos, Veloso Reis, Raul Lino, Rodrigues Lima, entre tantos outros.
Improcede, pelo exposto, o núcleo central da argumentação do recorrente.

Decisão.

4. Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo apelante, com taxa de justiça mínima, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia e do disposto no art.539º nº 2 do CPC.


Lisboa, 15 de Setembro de 2016.


Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Fátima Galante
Gilberto Jorge
Decisão Texto Integral: