Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3031/16.5YLPRT-A.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
OPOSIÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
O art. 15-F.4 da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da proporcionalidade, como permitindo conservar nos autos a oposição dos réus com apoio judiciário tardiamente requerido, desde que esse apoio judiciário venha a ser concedido antes da decisão final da ação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Decisão em texto integral
Relatório

Por despacho de 2016.12.14, o Tribunal de Instância Local (Loures), Secção Cível, J4, da Comarca de Lisboa Norte, teve por não deduzida a oposição à ação de despejo que A…… (autor, recorrido) move contra D ……. e Filomena ……. (réus, recorrentes).

Os réus recorreram, pedindo se considere nula e sem qualquer efeito a decisão e se admita a oposição ao pedido de despejo.

O recorrido pediu que se mantenha o decidido.

Pela simplicidade da questão, passo a proferir decisão sumária, sem necessidade de intervenção do coletivo, nos termos do art. 656 do CPC.

Cumpre decidir se era ou não de considerar não deduzida a oposição dos réus ao pedido.

Fundamentos

Análise jurídica

Considerações do Tribunal recorrido

O Tribunal a quo fundamentou-se nas seguintes considerações:


Conclusões do recorrente

A isto, opõem os recorrentes as seguintes conclusões:



Conclusões dos recorridos

Mas os recorridos concluem o seguinte:







Delimitação do objeto do recurso

Salvo alguma questão de conhecimento oficioso, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 608.2, 635.4 e 639 do CPC. São somente essas as questões que serão aqui apreciadas.

Importa assim apreciar se deve ou não ter-se por intempestiva a comprovação do requerimento do apoio judiciário dos réus, com a consequente invalidade da prática de atos anteriores por eles praticados no processo; e daí resultando, neste caso, ter-se por não deduzida a oposição à ação de despejo.

Não está aqui em causa a questão do pagamento das rendas em atraso, questão que não foi objeto da decisão recorrida.

Síntese dos factos pertinentes

Compulsados os autos, verifica-se o seguinte:

Os réus foram notificados, por carta datada de 2016.10.13, da propositura de um procedimento especial de despejo no Balcão de Arrendamento, relativo ao imóvel arrendado. – fls. 43 e 47.

Por requerimento de 2016.10.28, deduziram oposição ao pedido. – fls. 51.59.

Assim, o Procedimento Especial de Despejo foi remetido para distribuição ao Tribunal – fls. 62.

Notificados da distribuição, os réus informaram que iriam requerer apoio judiciário. – fls. 65.

Notificados apresentaram em 12 de dezembro de 2016 comprovativo do pagamento da multa devida e comprovativos do pedido de apoio judiciário do réu marido. E acrescentaram não haver rendas em atraso nem elas terem sido pedidas. – fls. 74. O requerimento de protecção jurídica tem data ilegível, apenas se percebendo “28”.

Também em 12 de dezembro de 2016, a ré mulher apresentou comprovativo do seu pedido de apoio judiciário, datado também de 12 de dezembro de 2016.

Em 14 de dezembro de 2016, foi proferido o despacho recorrido, acima transcrito.

O recurso é procedente, à luz da Constituição

O pagamento da taxa de justiça devida pela oposição ao pedido deve ser comprovado com a oposição ao pedido – art. 15-F.3 das Lei 6/2006, de 27 de fevereiro.

Era devida taxa de justiça, sendo dispensada se a parte tivesse pedido apoio judiciário.

Sendo exigido o pagamento de taxa de justiça, com o acto devia ser apresentado o comprovativo desse pagamento – art. 145.1 do CPC..

Entendeu o Tribunal recorrido que, pedindo apoio judiciário depois de apresentar a oposição ao pedido de despejo, sempre deviam os réus ter pago a taxa de justiça, não podendo ela ser dispensada com apresentação posterior do pedido de apoio judiciário.

Deduziram oposição ao pedido mas não tinham requerido apoio judiciário.

O nosso processo civil está cheio de armadilhas deste tipo, que injustamente negam o acesso à justiça por erros crassos destes, impondo desproporcionadas consequências em casos de lapsos de tramitação das partes ou dos seus advogados pouco experientes. Curiosamente, estas consequências inelutáveis, sem remédio para garantir o direito de defesa, só são previstas em prejuízo das partes. Nunca em prejuízo dos Juízes ou do Ministério Público.

E porquê a consequência de dar por não deduzida a oposição à ação (art. 15-F.4 da Lei 6/2006)? Esta consequência é totalmente desproporcionada. Bastaria uma multa processual, por elevada que fosse. Mas era assim a lógica processual do Estado Novo, e ninguém foi ainda capaz de superá-la. Era assim que pensava o Mestre Alberto dos Reis, e a sua memória ainda pesa como uma maldição sobre o espírito dos vivos.

Esta conjugação das normas referidas, entendida daquele modo, violaria, pois, flagrantemente o direito de acesso ao direito e aos tribunais, protegido pelo art. 20.1 da Constituição. Violaria também o princípio constitucional da proporcionalidade, decorrente do princípio do Estado de Direito democrático ínsito no art. 2º da mesma Constituição.

E violaria o direito ao processo justo ou equitativo, decorrente do art. 6.1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, conforme exposto pelo TEDH por exemplo nos casos Airey 1979, Allan Jacobsson 1998, Borgers 1991, Dombo 1993.

Assim as normas em causa e nomeadamente o art. 15-F.4 da Lei 6/2006 devem ser interpretadas em conformidade com a Constituição, como permitindo que os interessados que se atrasaram a requerer apoio judiciário, mas que vieram a final a obtê-lo, venham a ser retroativamente dispensados do pagamento da taxa de justiça.

Tudo sob a condição, sublinhemos, de virem a final a obter apoio judiciário. Se não obtiverem apoio judiciário, aquela cominação aplica-se, claro está.

Em consequência, revogo a decisão referida, devendo o art. 15-F.4 da Lei 6/2006 ser interpretado de acordo com o aqui exposto.

Em suma:

O art. 15-F.4 da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da proporcionalidade, como permitindo conservar nos autos a oposição dos réus com apoio judiciário tardiamente requerido, desde que esse apoio judiciário venha a ser concedido antes da decisão final da ação.

Decisão

Assim, e pelo exposto, embora por fundamento diverso do invocado, julgo procedente o recurso e revogo a decisão recorrida, devendo o Tribunal decidir a questão depois de conhecido a decisão relativa aos pedidos de apoio judiciário dos réus, nos termos acima expostos.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 2017.06.29

João Ramos de Sousa