Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1476/13.1IDLSB-A.L1-3
Relator: FLORBELA SANTOS A. L. S. SILVA
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
PRAZO
VÁRIOS ARGUIDOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - A possibilidade de se poder praticar o acto processual mediante pagamento de multa num dos três primeiros dias úteis a seguir ao termo do prazo, conforme estabelecido no artº 139º do Código de Processo Civil, é aplicável aos prazos processuais no âmbito do processo penal, atento o disposto no artº 107º nº 5 do Código de Processo Penal, nomeadamente no que tange ao prazo para apresentar requerimento para abertura da instrução.
II – Quando o artº 107º-A do Código de Processo Penal remete para o artº 145º do Código de Processo Civil, atenta a alteração operada pela Lei nº 41/2013 de 26-06, que aprovou o novo Código de Processo Civil e que manteve intacto aquele artº 145º do CPC revogado, mas sob o artº 139º, deve entender-se que a remissão operada no artº 107º-A do Código de Processo Penal é para o actual artº 139º do Código de Processo Civil.
III – Havendo vários arguidos e tendo eles sido notificados da acusação em datas diferentes, o prazo para requerer abertura da instrução conta-se a partir da data em que o último dos arguidos foi notificado, e tendo tal notificação sido efectuada por via postal simples com prova de depósito, o prazo tem início no dia a seguir ao 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. No âmbito do processo de instrução que corre termos pelo Juiz 1, do Juízo de Instrução Criminal de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, na sequência de notificação da dedução de acusação por parte do MºPº, veio a Arguida J----- requerer a abertura de instrução relativamente ao qual recaiu o seguinte despacho de 10-05-2019, com a refª 119280501:
“Vem a arguida J----- requerer a abertura da fase de instrução.
Verifica-se que, de entre as cartas expedidas para notificação da acusação, o depósito mais tardio ocorreu a 19/03/2019 (fls. 358v.).
A arguida viria a presentar o requerimento para abertura de instrução a 26/04/2019, invocando a contagem do prazo com dilação resultante do CPC.
Certo é que o requerimento foi apresentado mesmo fora do prazo de 3 dias em que seria permitido a prática do acto sujeito a sanção pecuniária.
A invocada dilação não é aplicável ao processo penal já que o CPP contém regras próprias a tal respeito. Não existindo qualquer lacuna nada há a suprir pela aplicação de normas do processo civil.
Nestes termos, é manifestamente extemporâneo o requerimento para a abertura da fase de instrução.
Pelo exposto, rejeito o requerimento para abertura de instrução apresentado pela arguida J-----.
Notifique.
Sintra, ds”
II.  Inconformada com o referido despacho veio a Arguida J----- interpor recurso em 11-06-2019, através do qual oferece as seguintes conclusões:
1. “A Recorrente foi acusada pelo Ministério Público, a par de outros arguidos, de terem cometido em co-autoria e na forma consumada, um crime de fraude fiscal qualificada, na forma agravada e continuada.
2. De tal facto foram os arguidos notificados por via postal simples com prova de depósito, tendo o depósito mais tardio ocorrido a 18 de março de 2019.
3. Por seu turno, a arguida, aqui Recorrente, viria a apresentar o requerimento para abertura de instrução no dia 26 de abril de 2019, o qual foi indeferido por ser considerado extemporâneo.
4. A aqui Recorrente não acompanha o entendimento do Tribunal a quo.
5. Nos termos do artigo 287 °, n.° 1, alínea a), do CPP pode o arguido requerer a abertura da instrução, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação.
6. O prazo acima indicado é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, nos termos do artigo 138.° do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 104.°, n.° 1 do CPP.
7. Atendendo a que a recepção da última notificação enviada a um dos Arguidos, conforme demonstra depósito lavrado e constante dos autos nas folhas supra indicadas, ocorreu no dia 18 de março de 2019 e considerando que a notificação considera-se efetuada no 5.° dia posterior - conforme estabelece o n.º 3 do artigo 113.° do CPP -, in casu, o último arguido, considera-se notificado no dia 23 de março de 2019 (sábado).
8. O prazo de 20 dias para requerer a abertura da instrução apenas começou a contar no dia 24 de Março de 2019 (domingo), inclusive, terminando no dia 12 de abril de 2019.
9. O artigo 139.°, n.° 5 do CPC, ex vi artigo 107°, n.° 5, CPP, determina que “pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo."
10. Desta forma, o primeiro dia útil com multa para requerer a abertura de instrução foi o dia 23 de abril de 2019; o segundo dia útil com multa foi no dia 24 de abril de 2019; e, sendo o dia 25 de abril feriado nacional, o terceiro dia útil com multa foi o dia 26 de abril de 2019.
11. Destarte, não andou bem o Tribunal o quo ao indeferir o requerimento de abertura de instrução apresentado pela ora Recorrente, por considerá-lo manifestamente extemporâneo, violando deste modo os artigos 104.°, n.° 1, 107.°, n.° 5, 113.°, n.os3, e 13, 287.°, n.° 1, alínea a) do CPP e artigos 138.° e 139.°, n.° 5 do CPC.
12. Razões pela qual deve o despacho do Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado peia aqui Recorrente.”
III. O recurso foi admitido por despacho de 21-06-2019, com a refª 119931932, tendo sido fixado efeito devolutivo.
IV. Respondeu o MºPº nos termos que constam da resposta de 11-09-2019 (refª 15369225) pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do despacho recorrido oferecendo as seguintes conclusões:
1. O prazo para requerer abertura de instrução é de 20 dias.
2. Tendo sido lavrado a última declaração de depósito na data de 19.04.2019, o referido prazo iniciou-se na data de 25.03.2019.
3. Atendendo a que o acto pode ser praticado nos três dias seguintes mediante o pagamento de uma multa, a instrução poderia ter sido requerida até ao dia 26.04.2019.
4. Acontece que, de acordo com o sistema CITIUS o requerimento formulado pela arguida aqui recorrente deu entrada nos presentes autos na data de 29.04.2019, data em que, claramente, estava excedido o prazo para o fazer.
5. Deste modo, nenhuma censura nos ocorre relativamente ao bem fundamenta despacho judicial recorrido.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Excias. doutamente suprirão, não padecendo a decisão proferida de qualquer vício processual, sendo, por isso, conforme ao direito, deve a mesma ser mantida na íntegra, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!
V. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto posto “visto”.
VI. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
VII: Analisando e decidindo.
O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[1]
Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem:
1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no artº 410º nº 2 do mesmo diploma;
3º: as questões relativas à matéria de Direito.
O objecto do presente recurso é saber se o requerimento para abertura da instrução, oferecida pela co-arguida J----- é ou não tempestiva.
Vejamos, olhando os factos processuais e as disposições legais aplicáveis, sendo que, não há questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.        
- Em 27-02-2019, o MºPº deduziu acusação contra -----, Lda., V----- e J----- imputando-lhes a prática em co-autoria e na forma consumada de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma agravada e continuada.
            - a acusação foi notificada aos três arguidos por via postal simples com prova de depósito, tendo as respectivas provas de depósito as seguintes datas:
- -----, Lda.: 18-03-2019;
-  V-----: 15-03-2019;
- J-----: 15-03-2019.
- a Arguida J----- apresentou nos autos, via e-mail, com data de envio de 26-04-2019, à 21:45, requerimento para abertura de instrução.
- porque o envio do requerimento para abertura de instrução ocorreu numa sexta-feira, após o horário da secretaria, o mesmo ficou registado no sistema citius com a data de 29-04-2019, à 9:45 (segunda-feira).
- com a apresentação do requerimento para abertura da instrução a Arguida /Recorrente juntou comprovativo de ter pago 2 UC’s de multa.
- as férias judiciais da Páscoa no ano de 2019 iniciaram-se em 14-04-2019 e terminaram em 22-04-2019.
O prazo para requerer a abertura da instrução é de 20 dias – cfr. artº 287º nº 1 do CPP.
O processo relativamente ao qual os arguidos foram acusados não reveste natureza urgente, pelo que, qualquer prazo judicial suspende-se nas férias judiciais.
Nos termos do disposto no artº 113º nº 3 do CPP, tratando-se de notificação por via postal simples com prova de depósito, a notificação considera-se efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal.
Nos termos do disposto no artº 113º nº 14 do CPP “havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes á notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”
Ora, o arguido notificado em último lugar da acusação do MºPº foi -----, Lda., sendo a data aposta pelos serviços postais a de 18-03-2019.
A esta data – 18-03-2019 – acrescem 5 dias atento o disposto no já citado artº 113º nº 3 CPP.
Assim temos por assente que o prazo para qualquer dos três arguidos requerer a abertura de instrução teve o seu início em 23-03-2019, ou seja, no 5º dia seguinte ao da notificação efectuada em último lugar.
Pelo que o termo do prazo de 20 dias de que dispunha a Arguida/Recorrente para apresentar o seu requerimento para abertura da instrução ocorreu em 12 de Abril de 2019.
Ora, 12-04-2019 foi uma sexta-feira imediatamente antes do início das férias judiciais da Páscoa.
Pelo que o primeiro dia útil a seguir ao termo do prazo legal foi no dia 23-04-2019 (terça-feira), sendo o segundo dia útil após o termo do prazo o dia 24-04-2019 e o terceiro dia útil o dia 26-04-2019, uma vez que o dia 25-04-2019 foi um feriado nacional.
Ora, no despacho recorrido, o Tribunal a quo entendeu que não seria de aplicar as disposições do Código de Processo Civil no tocante ao prazo em apreço e referente à possibilidade do acto poder ser praticado nos três dias úteis subsequentes, mediante pagamento de multa.
Não podemos sufragar esse entendimento uma vez que existe norma expressa no Código de Processo Penal que prevê essa possibilidade.
Vejamos.
Diz o artº 107º nº 5 do CPP que “independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações.”
E diz o artº 107º-A do CPP que: “sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penas aplica-se o disposto nos nºs 5 a 7 do artigo 145º do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
a) Se o acto for praticado no 1º dia útil, a multa é equivalente a 0,5 UC;
b) Se o acto for praticado no 2º dia útil, a multa é equivalente a 1 UC;
c) Se o acto for praticado no 3º dia útil, a multa é equivalente a 2 UC.
É certo que a referência operada no artº 107º-A do CPP é efecutada para o Código de Processo Civil, entretanto revogado pela Lei nº 41/2013 de 26-06.
No entanto, sabemos que a Lei nº 41/2013 de 26-06 manteve incólume o corpo do artº 145º, tendo o transposto para o artº 139º do CPC vigente, ou seja, o actual artº 139º do CPC vigente é a cópia ipsis verbis do artº 145º do CPC entretanto revogado.
Assim, temos por certo que, em relação ao requerimento para abertura da instrução é aplicável o disposto no artº 139º do CPC vigente, em conjugação com o artº 107º-A do CPP, pelo que o acto pode ser praticado até ao terceiro dia útil a seguir ao termo do prazo mediante o pagamento de multa.
No caso em apreço, com a apresentação do requerimento para abertura da instrução se constata a existência de comprovativo do pagamento de 2 UC’s de multa, a multa correspondente à prática do acto no terceiro dia útil.
Sendo que, ao contrário do entendimento perfilhado pelo MºPº na sua resposta ao recurso, o requerimento para abertura da instrução foi enviado – sendo essa data que conta – em 26-04-2019, sendo irrelevante a data em que a secretaria terá procedido ao registo da peça no sistema cítius.
Face ao exposto, fácil é de concluir que o despacho recorrido padece de erro, devendo, assim, ser revogado e substituído por outro que admita liminarmente o requerimento para abertura da instrução apresentado pela Arguida J-----, assim procedendo o presente recurso.
Decisão:
Em face do acima exposto concede-se provimento ao recurso interposto pela Arguida/Recorrente J----- e, em consequência, revogando-se o despacho recorrido de 11-05-2019, com a refª 119280501, determina-se que o mesmo seja substituído por despacho que admita liminarmente a abertura de instrução.
Sem tributação.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2020
Florbela Sebastião e Silva                
Alfredo Costa
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[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.