Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
165/13.1T2AMD.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: FIANÇA
SUB-ROGAÇÃO
PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Não havendo contestação da ação, com imediata fixação da matéria de facto no alegado pelo autor e julgado confessado, sem necessidade, pois, de ulterior atividade instrutória, e sendo a causa de manifesta simplicidade na sua apreciação, a sentença basta-se com a identificação das partes e o dispositivo, antecedido de fundamentação que pode, quanto aos factos, limitar-se à declaração da prova dos factos articulados pelo autor, sem necessidade da respetiva reprodução.
II. A penhora de bens do fiador, para garantir a satisfação do direito do credor, não constitui cumprimento para efeito da sub-rogação do fiador nos direitos do credor, prevista no art.º 644.º do Código Civil.

III. A sub-rogação não se produz em relação a prestações futuras, ou seja, o terceiro só fica sub-rogado, investido na titularidade do direito do credor, com o efetivo cumprimento da obrigação do devedor.

IV. A mera expetativa de aquisição do direito por via da sub-rogação a operar no futuro não se enquadra na previsão dos artigos 472.º e/ou 610.º do CPC.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 09.02.2013 Alberto intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra Tiago.

O A. alegou, em síntese, que em 10.9.2002 o Banco Mais emprestou ao R. a quantia de € 8 230,16, para a aquisição de um automóvel, tendo o A. assumido perante o mutuante a qualidade de fiador e devedor solidário das obrigações do afiançado, ora R.. O R. deixou de pagar as prestações do contrato, a partir da 9.ª mensalidade, vencendo-se assim todas. Em virtude desse incumprimento o Banco instaurou ação declarativa contra o ora A. e o R., tendo o A. sido condenado no pagamento da dívida. Em sede de execução da sentença foi penhorado o vencimento do ora A., até perfazer € 12 199,74. Até à presente data a penhora acumulou € 8 839,99, que foram retirados do vencimento de jardineiro camarário do A.. O A., ao cumprir a obrigação, ficou sub-rogado nos direitos do credor, pelo que tem direito de regresso contra o R.. O R., interpelado pelo A., não assumiu a dívida.

O A. terminou pedindo que fosse reconhecido o seu direito de regresso e que o R. fosse condenado no pagamento da quantia de € 8 839,99 respeitante aos valores já entregues ao credor bancário por conta da dívida, acrescido de juros vencidos até 08.02.2013, no montante de € 3 081,64 e ao reembolso do remanescente da dívida, na medida em que o A. efetue o respetivo cumprimento ao credor, pelo valor estimado de € 3 359,75, e ainda juros sobre o capital em dívida, contados desde 08.02.2013, até integral pagamento.

Em 06.7.2016 foi proferido o seguinte despacho:
A prova dos factos alegados dos artigos 13º a 16º da p.i. faz-se por documento.
Notifique o autor para, querendo, em 10 dias juntar aos autos documento(s) idóneo(s).
*
A causa de pedir assenta no direito de regresso, o qual pressupõe o cumprimento da obrigação (cf. art. 664º do CC, também invocado pelo autor).
Atento o tempo decorrido desde a propositura da ação e o eventual pagamento o valor total da quantia exequenda alegado no artigo 15º da p.i., convida-se o autor para, querendo, usar do expediente previsto no art. 588º e ss. do CPC.”

Na sequência do aludido despacho, em 01.9.2016 o A. apresentou articulado superveniente, no qual alegou que até ao mês de junho de 2016 inclusive, o A. já liquidara mais € 2 770,70, conforme recibos que juntou.

O A. terminou pedindo que o R. fosse condenado no pagamento do montante de € 2 770,70 respeitante a verbas já penhoradas ao A., bem como no pagamento de todas as quantias que viessem a ser apreendidas ao A. decorrentes da dívida contraída pelo R. ao Banco Mais SA (atualmente Banco Cofidis, SA).

O R., citado, não contestou a petição inicial nem o articulado superveniente, que foi admitido.

Em 29.11.2016 foi proferido despacho julgando confessados os factos articulados pelo A. e determinou-se a notificação das partes para alegações.

Apenas o A. alegou, pugnando pela condenação do R. no pagamento de € 11 610,69, a título de reembolso de quantias penhoradas pelo banco credor, e ainda, ao pagamento de € 3 081,64 a título de juros de mora vencidos até 08.02.2013, aos juros de mora vencidos desde essa data e vincendos até integral pagamento.

Em 23.01.2017 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o R. do pedido.

O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida deve ser anulada por deficiente, obscura e contraditória, preenchendo a previsão das als. b); c) e d), do art. 615.º, do CPC.
2. Nulidade que se afere pela falta de especificação da matéria de facto, por implícita remissão para a p.i. e despacho que omitem quais os factos que servem de base à subsunção do direito que fundamenta a decisão final.
3. Verifica-se que a sentença não especifica todos os factos alegados pelo A., que devem ser considerados provados por falta de contestação do R. e que têm interesse para a boa decisão da causa, designadamente a transferência das quantias penhoradas para a conta cliente do agente de execução e por via desta, para a disponibilidade do credor.
4. A falta de especificação na douta sentença dos factos provados (e não provados) impede a correta subsunção dos mesmos às normas de direito aplicáveis, de modo a obter a solução adequada ao objeto do processo.
5. Na verdade, a exposição de forma meramente sintética, da matéria dada como provada, por referência às alegações do A. configura uma nulidade processual da douta sentença.
6. Assim, a douta sentença é nula por falta de especificação da matéria de facto dada como provada, com violação do preceituado nos art.s 615.º, n.º 1, al. b); e art. 154.º, do CPC;
7. Por outro lado a sentença recorrida apresenta ininteligibilidade por oposição entre a matéria de facto provada: os factos alegados pelo A. dados como provados; e o sentido da decisão proferida: a absolvição do R, do pedido.
8. A douta sentença, enferma de ininteligibilidade devido a oposição entre a matéria de facto dada como provada e a decisão de absolvição do R., ora recorrido do pedido de condenação formulado pelo A.
9. A douta sentença é, ainda, ininteligível por falta de clareza e ambiguidade, dado que, ao mesmo tempo que admite que o recorrente foi penhorado em determinada quantia em dinheiro, por efeito da execução em curso para a cobrança da dívida do seu afiançado, nega-lhe o direito de ser ressarcido por este, relativamente ao valor do capital em dívida, mas também quanto aos juros e despesas inerentes, à execução.
10. A ininteligibilidade é um vício que origina a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.
11. A douta sentença é ainda nula por omissão de pronúncia relativamente aos juros vencidos e vincendos.
12. A douta sentença não se pronunciou sobre os juros de mora peticionados pelo A., como um direito próprio, em virtude da obrigação ter natureza pecuniária e a simples mora do devedor ser considerada um prejuízo indemnizável pela aplicação da taxa de juro legal, nos termos dos arts. 806.º e 559.º, ambos do CC.
13. A omissão de pronúncia configura a nulidade da sentença prevista na al. d) do art. 615.º, do CPC.
14. O suprimento das referidas nulidades implica a substituição da douta sentença por outra, na qual a matéria de facto provada seja deviamente elencada, de forma especificada, com a consequente decisão de direito, no sentido da condenação do R., ora recorrido, nos pedidos formulados pelo A.
15. Pelo exposto, devem ser supridas as nulidades de falta de especificação da matéria de facto dada como provada, de oposição entre a matéria dada como provada e a douta decisão, bem como omissão de pronúncia na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
16. Nos termos do art. 662.º, o Tribunal da Relação tem poderes para alterar a decisão proferida em matéria de facto, porque os factos tidos como assentes, ou a ausência de factos que deveriam ter sido dados como assentes impõem decisão diversa, o que desde já se requer.
17. Por outro lado, tendo havido falha na determinação da matéria de facto, cuja decisão se impugna – designadamente, porque a douta sentença recorrida considera que apesar da penhora de salário do A., não se verifica o pagamento -, o erro na matéria de Direito, ou seja, o enquadramento jurídico da douta decisão encontra-se necessariamente inquinado, por vício de erro na interpretação e aplicação das normas que serviram de fundamento jurídico da decisão proferida.
18. Verifica-se que a decisão recorrida enferma de erro na determinação da norma jurídica aplicável: a douta decisão ignorou o disposto no art. 779.º, n.º 4, do CPC, assim, cometendo um erro de julgamento.
19. Impugnando a decisão sobre a matéria de facto, a douta decisão deu como provada – e bem - a penhora de salário do A., mas não concretizou os montantes.
20. A douta decisão deveria ter especificado que a penhora do salário do A. corresponde a pagamento da dívida e despesas no montante equivalente às quantias apreendidas ao longo dos anos e entregues ao credor, através do agente de execução, condenando o R. ao correspondente reembolso.
21. Por outro lado, a douta decisão não atendeu à prova documental existente nos autos, em especial, a peça processual com a referência eletrónica n.º 7862044; requerimento: 23433689, de 01-09-2016, designadamente págs. 9 a 14, e as cópias dos recibos de ordenado do A., que aqui se consideram integralmente reproduzidos, relativamente ao destino das quantias penhoradas ao salário do A.
22. Resulta da referida documentação que as quantias penhoradas foram transferidas para a conta bancária de depósitos, sedeada no Millennium BCP, com o NIB 003300004524815337705, não tendo sido dado tal facto como assente.
23. A falta de correta especificação dos factos provados na douta sentença levou a uma incorreta aplicação do Direito, com violação do disposto no art. 779.º, n.º 4, do CPC.
24. A douta sentença faz uma interpretação incorreta do regime jurídico aplicável à matéria provada.
25. No caso dos autos não existiu cumprimento voluntário da obrigação junto do credor originário da dívida do afiançado do aqui recorrente.
26. Com o incumprimento revelam-se direitos potestativos do credor, com vista à cobrança da dívida (Cfr. 817.º, CC).
27. Salvo o devido respeito por opinião diversa, uma correta interpretação das normas jurídicas aplicáveis leva a considerar que o pagamento coercivo da obrigação, por efeito da penhora é uma realidade diversa do pagamento voluntário da obrigação.
28. Na verdade, a penhora pressupõe mesmo o inadimplemento da obrigação.
29. A penhora é um instituto próprio da realização coativa da prestação.
30. A penhora de salários, remunerações ou pensões é diversa da penhora de bens que estejam sujeitos a venda judicial.
31. Havendo penhora do salário do fiador o seu direito contra o devedor não resulta do cumprimento voluntário da obrigação.
32. A penhora de remunerações destina-se à adjudicação das verbas apreendidas ao credor originário da obrigação, bem como, ao pagamento precípuo de despesas e honorários do solicitador de execução.
33. Tanto a adjudicação ao credor originário das verbas apreendidas, como a imputação de tais verbas ao pagamento de despesas ou encargos com a execução e honorários do agente de execução, revestem formas legais de pagamento efetuado pelo A., enquanto fiador, ora recorrente, com a correspondente transmissão do crédito original do credor para o A., com o surgimento de direitos próprios deste, dando causa ao direito de exigir ao R. e devedor afiançado, ora recorrido, o reembolso de tais verbas, que já ascendem ao montante de € 14.692,33.
34. O recorrente provou aquilo que tinha que provar no âmbito dos presentes autos, ou seja, que a sua esfera patrimonial está afetada por uma circunstância de sinal negativo resultante da penhora de salário, por conta de uma dívida do R., ora recorrido, cujas verbas são adjudicadas ao credor mutuário da dívida original, com o inerente efeito de lhe assistir o direito de exigir o reembolso de tais verbas ao devedor, aqui R..
35. Deste modo, não se verifica a falta de prova relativamente ao pagamento como facto essencial consubstanciador, da causa de pedir, cuja ausência implicaria a improcedência da ação.
36. Para o recorrente não está em causa apenas o valor do cumprimento da obrigação junto do credor originário,
37. Para o recorrente não lhe basta ficar sub-rogado no direito do credor, como resultaria do cumprimento voluntário da obrigação, enquanto fiador do R.
38. De facto, interessa também ao A. exigir ao R. o reembolso de todas as despesas inerentes à cobrança coerciva da dívida, que teve de suportar e terá que continuar a suportar até à extinção desta.
39. No referido reembolso, além dos juros contatuais englobados nas quantias penhoradas, devem ser acrescentados os juros de mora, correspondentes ao prejuízo financeiro que decorre para o A. da falta de pagamento da dívida pelo R.
40. Ao decidir da forma como decidiu, o douto Tribunal a quo não fez uma correta aplicação da lei, designadamente, porque ignorou o disposto no art. 779.º, do CPC.
41. A correta determinação da matéria de facto provada, deveria levar à subsunção da norma prevista no citado art. 779.º, do CPC, de modo a considerar que a penhora de salário do A. equivale a pagamento ao credor.
42. Nos termos em que foi proferida - com a absolvição do R. do pedido, consolidando-se a douta decisão proferida, em termos de fazer caso julgado, ficará o A. definitivamente impedido de exercer os seus direitos de crédito ao reembolso das referidas quantias, ficando o R. injustamente liberado da sua dívida, o que representa um severo e indesejável prejuízo para o A.
43. Assim, a douta decisão recorrida sanciona um enriquecimento sem causa do R., à custa do património do A., o que não é aceitável.
O apelante terminou pedindo que sentença recorrida fosse anulada e ou revogada e substituída por outra que decidisse condenar o R., ora recorrido, ao reembolso de todas as quantias penhoradas ao A. por efeito da penhora do seu salário, por conta da dívida afiançada, incluindo as apreensões futuras nos termos em que fosse liquidado em sede de execução.

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: nulidades da sentença; mérito da ação.

Primeira questão (nulidades da sentença)

A sentença recorrida tem o seguinte teor:
O autor, Alberto (…)  intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra o réu Tiago (…), sustentando, em síntese: Mediante contrato de mútuo, o Banco Mais concedeu um empréstimo ao réu, a pagar em prestações, assumindo o autor a qualidade de fiador do réu, sendo solidariamente responsável pelas obrigações contratuais deste; tendo o réu deixado de cumprir as prestações a que se obrigou perante o banco, venceu-se toda a dívida; o banco credor instaurou ação contra os ora autor e réu para pagamento de toda a dívida, a qual veio a ser julgada procedente, cuja sentença o banco executou, tendo no âmbito da execução sido ordenada a penhora do vencimento do autor até perfazer a quantia de 12.199,74€; até à data da propositura da ação, já havia sido penhorada a quantia 8.839,99€; o autor tem direito de regresso relativamente às quantias pagas; até à presente data o valor dos juros calculados sobre as quantias pagas pelo autor somam a quantia de 3.081,64€.
Consequentemente, pede que, reconhecendo o direito de regresso do A., se condene o R. ao pagamento:
i)- Da quantia de 8.839,99€ respeitante aos valores já entregues ao credor bancário por conta da dívida;
ii)- Dos juros já vencidos até 08-02-2013, no montante de 3.081,64 €;
iii)- Ao reembolso do remanescente da dívida, na medida em que o A. efetue o respetivo cumprimento ao credor, pelo valor estimado de 3.359,75€;
iv) Dos juros sobre o capital em dívida, contados desde 08-02-2013, até integral pagamento.
*
Regularmente citado, o réu não apresentou contestação no prazo legal, nem constituiu mandatário.
*
Em articulado superveniente o A. ampliou o pedido inicial pretendendo a condenação do R. ao pagamento do montante de 2.770,70€ respeitante a verbas penhoradas ao A., já no decurso da presente ação, bem como, ao pagamento de todas as quantias que venham a ser apreendidas ao A. decorrentes da dívida contraída pelo R. perante o Banco Mais, SA.
Notificado o réu para se opor ao articulado superveniente, nada disse.
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Não tendo o réu contestado, nem constituído mandatário, nos termos do disposto no artigo 567º, nº 1, CPC, foi proferido despacho no qual os factos alegados pelo autor foram considerados confessados.
*
O Tribunal é absolutamente competente.
Não há nulidades que invalidem o processo.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária, e são legítimas.
Não existem outras nulidades, exceções ou questões prévias que cumpra conhecer.
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Revestindo a decisão da causa manifesta simplicidade procede-se, apenas, à fundamentação sumária do julgado, em conformidade com o disposto no art. 567º, nº 3 do CPC.
Os factos alegados mostram-se confessados, conforme decidido no despacho que antecede e dão-se aqui por integralmente reproduzidos.
*
Nos presentes autos o autor invoca o “direito de regresso” contra o réu.
Pede lhe seja pago o valor que se mostra penhorado no processo executivo, que tem por base a sentença que condenou o autor e o réu, por incumprimento de um contrato, em que este figurava como devedor e o autor como fiador e principal pagador.
A fiança tem como características principais a acessoriedade e a subsidiariedade.
A acessoriedade encontra-se plasmada no art. 627º, nº 2 do CC, nos termos do qual, “a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”.
Esta característica significa que a obrigação do fiador se apresenta na dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor principal.
“O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos” – cf. art. 644º, do Código Civil (CC).
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao artigo 644º do Código Civil “O direito do fiador não é, portanto, um direito próprio de regresso, como resulta do artigo 883º do Código de 1867. Não é um direito novo, mas o direito do credor que se transmitiu por sub-rogação, em consequência do cumprimento.”
Assim não é de direito de regresso que se trata, mas de sub-rogação. O fiador que cumpre a obrigação do afiançado fica investido na posição do credor originário e na medida do respetivo cumprimento.
O fulcro da sub-rogação reside no cumprimento.
Os direitos do sub-rogado medem-se em função do cumprimento – “O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”, preceitua o nº. 1 do artigo 593º do CC,
O principal efeito da sub-rogação é, evidentemente, a transmissão, para o sub-rogado, do crédito que pertencia ao credor satisfeito.
Na falta de cumprimento, total ou parcial, da obrigação para com o credor não haverá sub-rogação. De contrário, a sub-rogação será total ou meramente parcial (artigo 593º, nº. 2).
É esta a solução, entre nós firmada pelo assento nº 2/78, de 9 de Novembro de 1977 (hoje com valor de acórdão uniformizador).
Importa trazer aqui à colação este assento, no qual se uniformizou jurisprudência no sentido de, "A sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras." ( in D.R. 1ª Série, de 22-3-78 e BMJ 271º/100).
Como se escreveu no Ac. do STJ de 27-9-2012 (www.dgsi.pt, proc. 663/09.1TVLSB.L1.S1), “na verdade, sendo o pagamento pelo terceiro o facto futuro e eventual, gerador da transmissão da relação creditória em que se consubstancia a sub-rogação, não existiria qualquer direito efectivável em juízo antes de efectivamente verificado esse facto futuro e incerto: não havendo sub-rogação sem satisfação efectiva da prestação; o pagamento, como pressuposto daquela, é a condição e medida dos direitos do sub-rogado”.
Assim, não se verifica sub-rogação em relação a prestações futuras.
Coloca-se ainda a questão de saber se o autor se mostra sub-rogado nas quantias penhoradas no processo executivo referido na p.i..
Conforme decorre do Ac. da Relação de Lisboa de 10-1-2013 (www.dgsi.pt, proc. 1998/11.9TBALM.L1-2), “a penhora não representa o pagamento da quantia exequenda. A penhora é apenas um acto de apreensão de bens (arts. 351/1 do CPC) para, grosso modo, posterior venda e pagamento da quantia exequenda com a quantia apurada com tal venda (a distinção entre a penhora, venda e pagamento decorre claramente do disposto, entre muitos outros, dos arts. 455, 808/10, 820/1, 826/2, 847/5, 872/1, 874/1, 875/1 e 879/1, todos do CPC. (…) Penhorar bens, assegurando o cumprimento, não é cumprimento da obrigação pelo que não produz o efeito da sub-rogação (arts. 644 e 592 do CC)”.
A penhora não representa pagamento. Pode até suceder que numa determinada execução seja penhorado um bem do devedor; mas, entretanto, no âmbito da mesma execução ocorra reclamação de créditos por banda de um credor com crédito privilegiado; e, desse modo, o produto do bem penhorado ser primeiramente afeto ao pagamento do crédito privilegiado e só depois ao crédito exequendo.
Dos factos provados não resulta o pagamento de qualquer quantia, mas apenas a penhora.
Não constituindo a penhora o cumprimento da obrigação, não se verifica a sub-rogação em relação a qualquer quantia que integra a causa de pedir. Logo, o pedido do autor terá de soçobrar.
*
Decidindo:
Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente ação, e, em consequência, absolvo o réu do pedido.
Custas pelo autor - cfr. artigo 527º do CPC.”

O Direito
O apelante imputa à sentença as seguintes nulidades: falta de especificação dos factos dados como provados, em violação do disposto nos artigos 615.º n.º 1 alínea b) e 154.º do CPC; ininteligibilidade, por contraditoriedade entre os factos dados como provados e a absolvição do pedido, o que constitui a nulidade prevista na alínea c) do art.º 615.º do CPC; omissão de pronúncia quanto aos juros, constituindo a nulidade prevista na alínea d) do art.º 615.º

Vejamos.

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Por sua vez nos números 3 e 4 do art.º 607.º estipula-se que na sentença o juiz deve discriminar os factos que considera provados e não provados.

Haverá, porém, que levar também em consideração o disposto no art.º 567.º do CPC, expressamente invocado na sentença recorrida: no caso particular de o réu não contestar, tendo sido ou devendo ser considerado regularmente citado na sua própria pessoa, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor (n.º 1 do art.º 567.º). Seguidamente o processo é facultado às partes para exame e apresentação de alegações por escrito, após o que é proferida sentença, “julgando a causa conforme for de direito” (n.º 2 do art.º 567.º).

Nos termos do n.º 3 do art.º 567.º, “se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e de fundamentação sumária do julgado.

Portanto, não havendo contestação da ação, com imediata fixação da matéria de facto naquilo que foi alegado pelo autor e julgado confessado, sem necessidade, pois, de ulterior atividade instrutória, e sendo a causa de manifesta simplicidade na sua apreciação, a sentença basta-se com a identificação das partes e o dispositivo, antecedido de fundamentação que pode, quanto aos factos, limitar-se à declaração da prova dos factos articulados pelo autor, sem necessidade da respetiva reprodução.

Ora, a sentença recorrida satisfaz todos estes requisitos. Não tendo o réu contestado, proclamou-se a prova, por confissão, da matéria de facto articulada, assim se fixando a matéria de facto a considerar. Seguidamente, fez-se uma análise até bastante aprofundada do litígio do ponto de vista jurídico, considerando-se que os factos alegados e provados não eram suficientes para a procedência da pretensão do A. – o que engloba, necessariamente, os juros de mora peticionados (não se concebem juros de mora de uma obrigação que não é reconhecida).

Assim, a sentença não enferma de falta de fundamentação de facto, nem de ininteligibilidade, nem de omissão de pronúncia.

Nesta parte, pois, a apelação é improcedente.

Segunda questão (mérito da ação)
Julgados que foram provados os factos articulados pelo autor, vejamos então quais são eles:
1. Por contrato de mútuo, celebrado com o Banco Mais, em 10.9.2002, o R. obteve crédito bancário, no montante de € 8 230,16.
2. O referido montante foi destinado à aquisição de um automóvel ligeiro, de acordo com as preferências do R.
3. A referida quantia foi emprestada ao R., pelo banco credor, com uma taxa nominal de 14,2%, ao ano, a título de juros remuneratórios do capital mutuado.
4. À mencionada quantia mutuada, acresciam os juros remuneratórios à taxa referida, bem como o prémio do seguro de vida, que deveriam ser pagos pelo R. em 72 prestações, mensais, sucessivas e com início em 10-10-2002.
5. O valor nominal de cada uma das referidas prestações era de 177,99€.
6. O R. comprometeu-se a liquidar as referidas prestações por débito em conta.
7. Em caso de mora, ficou acordado uma cláusula penal de 18,2%, ao ano, que acresceria à dívida de capital e juros remuneratórios, até integral pagamento.
8. O R. efetuou o uso do referido empréstimo bancário, adquirindo o automóvel ligeiro da marca Peugeot, modelo 106, matrícula 86-56-NF.
9. Com a celebração do referido mútuo, o ora A. assumiu perante o credor a qualidade de fiador, e devedor solidário das obrigações do afiançado, ora R.
10. O R., sendo enteado do A., serviu-se desse vínculo para o forçar a aceitar a referida fiança.
11. O R. deixou de cumprir o pagamento das prestações perante o banco credor, não pagando a 9.ª prestação.
12. A referida situação de incumprimento determinou a instauração de uma ação de condenação pela entidade bancária credora, contra os ora A. e R., que sob o número de processo 345/04.0YXLSB, correu termos na 2.ª Secção, do 9.º Juízo Cível de Lisboa.
13. No âmbito da referida ação o ora A. foi condenado ao pagamento da dívida.
14. Em sede de execução de sentença, no processo 36156/05.2YYLSB, 1.º Juízo, 2.ª Secção, o vencimento do ora A. ficou penhorado, até perfazer € 12.199,74.
15. Até junho de 2016, inclusive, foram efetuados descontos no vencimento do A., por força da aludida penhora, no valor total de € 11 610,69.
16. O A. confrontou o R. com a situação supra referida, na tentativa de obter apoio no pagamento da dívida, mas sem sucesso.

O Direito
Está provado que o R. celebrou um contrato de mútuo com determinado banco, obrigando-se à restituição da quantia mutuada e correspondentes juros (artigos 1142.º e 1145.º do Código Civil). O A. interveio na celebração desse contrato na qualidade de fiador, garantindo assim pessoalmente a satisfação do crédito do banco mutuante, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia, assumindo-se como principal pagador (artigos 627.º, 638.º e 640.º do Código Civil).

Sucede que o R., ora mutuário, incumpriu a sua obrigação e o mutuante reclamou judicialmente o seu cumprimento perante o mutuário e o fiador, obtendo sentença condenatória que deu à execução contra ambos. No decurso da execução foi penhorada parte do vencimento do fiador, ora A..

Pretende o A., e é essa a causa de pedir desta ação, exercer o direito em que terá sido sub-rogado nos termos do art.º 644.º do Código Civil.

Com efeito, o art.º 644.º estipula que “o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.”

A sub-rogação é uma forma de transmissão de créditos, que ocorre quando terceiro cumpre obrigação alheia. Aquando do cumprimento a obrigação não se extingue, antes se transfere para a esfera jurídica do terceiro, que passará a poder exercer o direito contra o devedor. Essa transmissão pode ter origem voluntária, ou seja, provir da vontade do credor, que até ao momento do cumprimento expressamente sub-roga o terceiro nos seus direitos (art.º 589.º), ou do devedor, por vontade expressa deste até ao momento do cumprimento (art.º 590.º); ou resultar da lei (art.º 592.º). O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam (n.º 1 do art.º 593.º).

A sentença recorrida, supra transcrita, julgou a ação improcedente por entender que não estava demonstrado que o A. havia cumprido a obrigação do R.. Em abono da sua posição invocou acórdão desta Relação, datado de 10.01.2013, relatado pelo ora Exm.º 2.º adjunto (processo 1998/11.9TBALM.L1-2). Isto porque, ajuizou-se na sentença e no mencionado acórdão, a penhora não representa o pagamento da quantia exequenda. A penhora é apenas um ato de apreensão de bens, que visa garantir a posterior satisfação do direito do exequente, mas poderá até não o lograr (vide eventual pagamento preferencial de outro(s) credor(es) e ainda das custas da execução). Como se escreveu no citado acórdão desta Relação, “penhorar bens, assegurando o cumprimento, não é cumprimento da obrigação pelo que não produz o efeito da sub-rogação”.

O apelante invoca agora o disposto no art.º 779.º n.º 4 do CPC, que tem a seguinte redação:
Findo o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, caso não sejam identificados outros bens penhoráveis, o agente de execução, depois de assegurado o pagamento das quantias que lhe sejam devidas a título de honorários e despesas:
a)-Entrega ao exequente as quantias já depositadas que não garantam crédito reclamado;
b)-Adjudica as quantias vincendas, notificando a entidade pagadora para as entregar diretamente ao exequente, extinguindo-se a execução.”

Dessa norma resulta que, não tendo sido deduzida oposição ou julgada esta improcedente e não havendo mais bens a penhorar, o agente de execução, depois de assegurado o pagamento das quantias que lhe sejam devidas a título de honorários e despesas, entrega ao exequente as quantias já depositadas que não garantam crédito reclamado e adjudica as quantias vincendas, notificando a entidade pagadora para as entregar diretamente ao exequente, extinguindo-se a execução.

Ora, no caso destes autos não foi alegado na primeira instância nem demonstrado que o agente de execução ou a entidade patronal do R. entregaram ao credor/exequente as ditas quantias penhoradas, assim ocorrendo o facto gerador da sub-rogação, o pagamento ao credor.

É certo que o apelante alegou agora, no recurso, que “as verbas apreendidas estão a ser entregues ao credor originário, para pagamento da dívida, desde há cerca de 10 (dez) longos anos”. Mais alega que “no caso dos autos, os valores penhorados são transferidos por indicação do agente de execução para a conta cliente sedeada no Millenium BCP, com o NIB 003300004524815337705”.

Porém, tal facto não foi aduzido perante a primeira instância, pelo que não pode ser agora tomado em conta por este tribunal de recurso. Com efeito, o tribunal ad quem tem por missão apreciar a decisão alvo do recurso (artigos 627.º, n.º 1, 639.º e 640.º), averiguar da bondade do decidido, à luz do objeto da causa tal como ele ficou definido na primeira instância perante o tribunal a quo. Assim, não cabe ao tribunal ad quem pronunciar-se sobre factos novos, não levados a julgamento perante a primeira instância. Só assim não será relativamente a situações muito particulares, como factos respeitantes a pressupostos processuais ou, v.g., uma transação da ação celebrada entre as partes (neste sentido, Rui Pinto, “Notas ao Código de Processo Civil”, 2014, 1.ª edição, páginas 265, 435 e 437; na jurisprudência, v.g., acórdãos do STJ, de 26.5.2015, processo n.º 2056/12.4TTLSB.L1.S1, e de 05.5.2015, processo n.º 3820/07.1TVI.SB.L2.S1; acórdão da Relação de Lisboa, de 26.3.2015, processo n.º 3820/07.1TVI.SB.L2.S1; acórdão da Relação do Porto, de 23.10.2014, processo n.º 1629/13.2TBLSD.P1; acórdão da Relação de Coimbra, de 15.9.2015, processo n.º 889/10.5TBFIG.C1).

De todo o modo, tais pagamentos e transferências a favor do exequente não estão demonstrados nos autos.

A apelação improcede, pois, quanto à pretendida sub-rogação decorrente de pagamentos alegadamente efetuados.

E também improcede no que concerne a pagamentos futuros. Com efeito, tal como se ponderou na sentença recorrida, com invocação da jurisprudência, de valor reforçado, ditada no acórdão do STJ então publicado como assento nº 2/78, de 9 de Novembro de 1977, a sub-rogação não se produz em relação a prestações futuras, ou seja, o terceiro só fica sub-rogado, investido na titularidade do direito do credor, com o efetivo cumprimento da obrigação do devedor. A mera expetativa de aquisição do direito por via da sub-rogação a operar no futuro não se enquadra na previsão do art.º 472.º do CPC de 1961 (art.º 557.º do atual CPC) nem na do art.º 662.º do mesmo Código (art.º 610.º do atual CPC), como se ponderou no acórdão da Relação, de 10.01.2013, supra referido, reiterando o entendimento do citado acórdão do STJ, de 09.11.1977 e não se negou no acórdão do STJ, de 27.9.2012, nº. 663/09.1TVLSB. L1.S1, citado na sentença recorrida.

Na sua apelação o A. parece agora invocar uma “terceira via”, aduzindo agora que ao A. “não lhe basta ficar sub-rogado no direito do credor, como resultaria do cumprimento voluntário da obrigação, enquanto fiador do R.” (conclusão 37.ª), interessando-lhe também “exigir ao R. o reembolso de todas as despesas inerentes à cobrança coerciva da dívida, que teve de suportar e terá que continuar a suportar até à extinção desta”(conclusão 38.ª),reembolso esse onde, “além dos juros contratuais englobados nas quantias penhoradas, devem ser acrescentados os juros de mora, correspondentes ao prejuízo financeiro que decorre para o A. da falta de pagamento da dívida pelo R.” (conclusão 39.ª). Segundo o apelante, este poderá exercer perante o R. um direito próprio, decorrente daquilo de que foi privado por força da cobrança coerciva sobre si exercida. Em arrimo do ora expendido o apelante invoca um acórdão do STJ, de 12.9.2013 (processo 749/08.0TBTNV.C1.S1), do qual evidencia, sublinhando-os, os seguintes passos do respetivo sumário:
V–Se o terceiro, apesar de não ter interesse no cumprimento, realiza a prestação alheia e o credor a aceita, não há transmissão do crédito para o solvens, verificando-se, antes, a extinção da obrigação. Não significa isso, porém, que o terceiro não interessado que cumpriu a obrigação alheia não adquira qualquer direito face ao devedor liberado.
VI–Não é irrelevante que o cumprimento ocorra voluntariamente, por iniciativa do terceiro ou seja promovido pelo credor através da execução e venda do penhor. É que só na primeira situação o terceiro cumpre a obrigação alheia no seu próprio interesse, designadamente com a finalidade especial de evitar a execução, ou a consumação desta, pela venda (e consequente perda) da coisa empenhada, sendo exactamente esse cumprimento interessado a razão de ser da sub-rogação.”

Ora, o aludido acórdão negou ao autor o exercício de um direito por sub-rogação, por considerar que não tinha ocorrido essa forma de transmissão de créditos. É certo que nesse acórdão o STJ admitiu que o autor, cujo património fora forçadamente utilizado na satisfação do crédito de um credor sobre o réu, poderia ainda ter algum direito de reembolso contra o réu, nomeadamente ao abrigo do enriquecimento sem causa ou de eventuais acordos firmados entre os intervenientes. Só que recusou-se a explorar a resolução do litígio nessa base, na medida em que a ação tinha sido exclusivamente estruturada com base na sub-rogação, que era a causa de pedir, e se ignorava a existência e o teor desses eventuais acordos – pelo que a ação improcedeu.

Igualmente tem a presente ação que improceder, uma vez que falece a única causa de pedir formulada para a sustentar e conhecida na primeira instância, a sub-rogação prevista no art.º 644.º do Código Civil.

A apelação é, pois, improcedente.

DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo do apelante, que nela decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).



Lisboa, 23.11.2017



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins