Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
105/19.4YHLSB.L1-PICRS
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCA
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
REPRODUÇÃO DA MARCA
MARCA PRIORITÁRIA
REGISTO DE MARCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O mecanismo do sentido secundário funciona através da permuta da semântica originária por uma outra de segundo grau, id est, pela expressão de «associação do consumidor» que tenha conferido à marca um significado e presença autónomos;
II. Não se justifica recorrer à doutrina do sentido secundário ou encoberto («secondary or covert meaning») quando a marca possua, ao nível da semântica primária e originária dos vocábulos nela compreendidos, carácter distintivo (ou quando não se preencha, à luz desse sentido, outra das previsões do n.º 1 do  art. 209.º do Código da Propriedade Industrial).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO                 
J (...) e P (...), com os sinais identificativos constantes dos autos,  interpuseram recurso «nos termos dos artigos 39.º, n.º 2, 40.º e 42.º do Código da Propriedade Industrial, do despacho do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (...), de 17 de janeiro de 2019, publicado no Boletim da Propriedade Industrial de 23 de janeiro de 2019 (...), que indeferiu o pedido de modificação da decisão que concedeu a marca nacional n.º 472866» solicitando que se ordenasse a «recusa do registo da marca nacional n.º 472866, "PÊRA MANCA''».
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
J (...) e P (...), com residência e sede, respectivamente, na (...), veio interpor recurso judicial do despacho da Presidente do Conselho Directivo do INPI, datado de 17.1.2019, de indeferimento do pedido de modificação da decisão que concedeu o registo da marca nacional nº 472866 “Pêra- Manca”, a favor da F (...), para assinalar os produtos “bebidas alcoólicas (à excepção das cervejas) incluindo vinhos” na classe 33ª da classificação internacional de Nice, peticionando a revogação do despacho recorrido e a recusa do pedido do registo da enunciada marca.
Alega, em síntese, ser a expressão “Pêra-Manca” insusceptível de ser registada como marca para assinalar vinhos, porquanto o elemento nominativo empregue designa uma região geográfica vitivinícola sita em Évora, pelo que carece de qualquer eficácia distintiva. E nessa medida, subsume-se na proibição estatuída no art 223 nº 1 al c9 do CPI, constituindo fundamento de recusa do registo demarca. Na verdade, ao contrário do aduzido pelo INPI no despacho recorrido, a expressão “Pêramanca” não é um neologismo inventado pela Recorrente, mas uma região geográfica localizada no distrito de Évora, célebre pela qualidade dos seus vinhos durante vários séculos, onde se localiza a Quinta de São José de Peramanca, pertença do 1º Recorrente. Não obstante, se admitir a marca mista na qualidade de uma marca fantasiosa, já essa mesma argumentação não se apresenta válida no caso da marca em crise meramente nominativa, atenta a anotada falta de aptidão distintiva.
Cumprido o art 43 do CPI, o INPI remeteu cópia do processo administrativo.
Citada, a Recorrida ofereceu resposta, aderindo à argumentação expendida pelo INPI, concluindo pela improcedência do recurso e consequente manutenção da concessão do registo da marca em análise.
Sufraga serem as marcas “Pêra Manca” notoriamente conhecidas para assinalarem um dos mais afamados vinhos portugueses, sendo no âmbito de especialidade de vinhos, imediatamente associada à empresa da Recorrida e não a qual zona geográfica.
Foi proferida sentença que decretou:
Por tudo o explanado e nos termos sobreditos, nego provimento ao presente recurso, mantendo o despacho recorrido do INPI, datado de 17.1.2019, de concessão do registo da marca nacional nº 472866 “PERA-Manca” para assinalar os produtos na classe 33ª da classificação internacional de Nice.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por J(...) e P (...), que alegaram e apresentaram as seguintes conclusões:
I. A questão colocada ao Tribunal a quo pelos aqui Recorrentes aquando da interposição do recurso do despacho do INPI de concessão da marca nominativa Pêra-Manca foi a de “analisar o eventual perfil descrito da expressão Peramanca para assinalar “bebidas alcoólicas (à exceção das cervejas)” e, neste contexto, a sua subsunção ao artigo 223º, n.º 1, alínea c), do CPI” (no CPI em vigor, artigo 209º, n.º 1, alínea c)).
II. Resulta dos factos dados como provados na sentença recorrida - cfr. facto provado n.º 26 - que “PeraManca é uma zona vitivinícola alentejana de vinhos afamados desde o século XV”, o que significa que o Tribunal a quo entendeu que a marca nominativa Pêra-Manca é constituída por uma expressão que designa uma proveniência geográfica/região – tal como prevista na norma legal invocada (artigo 209º, n.º 1, alínea c)).
III. Porém, entendeu o Tribunal a quo que a referida expressão nominativa Pêra-Manca adquiriu eficácia distintiva por associação às marcas figurativas que contêm a mesma expressão e que ganharam “notoriedade” (cfr. fls. 13 da sentença recorrida), concluindo, assim, pela subsunção da expressão verbal Pêra-Manca à exceção prevista no n.º 2, da mesma norma, i.e., artigo 209º do CPI.
IV. Para o efeito, o Tribunal a quo refere que foi suscitada questão “inovadora” face às contendas discutidas em Tribunal envolvendo a marca “PêraManca” figurativa.
V. O Tribunal a quo na sua decisão não pode ignorar que, em primeiro lugar, em todas as instâncias, os tribunais portugueses consideraram que “PêraManca” ou “Peramanca” designam uma região do Alentejo onde foram produzidos vinhos – o que o Tribunal a quo deu como provado (cfr. facto n.º 26 da sentença recorrida).
VI. Em segundo lugar, resulta igualmente manifesto que a ora Recorrida sempre pretendeu apropriar-se de uma expressão de uma antiga região vitivinícola para assim iniciar uma comercialização de vinho sob a capa de uma reputação que não tinha – o que o Tribunal a quo desconsiderou, uma vez que entendeu que “o sinal verbal da marca registanda desprende-se claramente do perfil geográfico”.
VII. A este propósito note-se que, desde o lançamento do seu vinho, a ora Recorrida utilizou as marcas registadas figurativas Pêra-Manca, recorrendo a uma pintura de Roque Gameiro utilizada por vinhos anteriormente produzidos naquela região e, no rótulo das suas garrafas, sempre indicou a história dos vinhos de Pêra-Manca como “mui afamados”.
VIII. E, por outro lado, a Recorrida, para defender o direito à concessão da expressão “Pêra-Manca” como marca registada para assinalar bebidas alcoólicas alegou que esta expressão é de fantasia e é associada pelo consumidor apenas ao seu vinho, depois de dez anos de um uso sistemático “colado” à fama da região na produção de vinho.
IX. Em terceiro e último lugar, resulta de todos os processos mencionados que as marcas Pêra-Manca não são notórias - o que o Tribunal a quo desconsiderou totalmente, uma vez que se refere à notoriedade conquistada pelas marcas figurativas da Recorrida.
X. O Tribunal da Propriedade Intelectual, em sentença datada de 30 de setembro de 2016 (cfr. doc. 1, fls. 593 a 660, do recurso apresentado em 1ª instância) considerou que a expressão "PÊRA-MANCA" não adquiriu eficácia distintiva, uma vez que "Peramanca”, ''pera-manca” e “Pêra-manca" correspondem a forma de identificar uma zona com o mesmo nome (veja-se, a este propósito, o 1º parágrafo da página 55 da decisão em análise - fls. 647, do doc. 1) e considerou que as marcas PÊRA-MANCA não são notórias (veja-se, a este propósito, o 2º parágrafo da página 45 da decisão em análise - fls. 637, do doc. 1).
XI. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 25 de maio de 2017 (fls. 661 a 701 do doc. 1) confirmou a sentença do Tribunal da Propriedade Industrial, através de entendimento idêntico quanto às mesmas duas questões.
XII. O Supremo Tribunal de Justiça (doc. 1, fls. 28 a 35, do recurso apresentado em 1ª instância) entendeu que a expressão PERAMANCA ou PÊRAMANCA não poderá ser apropriada pela Recorrida, desde logo porque, tal expressão só poderá constituir objeto de registo como marca se for acompanhado de – e/ou combinada com - outros elementos gráficos ou figurativos, e em conjunto com eles, formar um sinal misto ou composto, o que foi totalmente desconsiderado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
XIII. Assim, não pode o Tribunal a quo desconsiderar por completo estas decisões e decidir premiar a Recorrida pelo uso de uma história que não era a sua para obter uma chancela de qualidade ad initium, que nunca teria se não invocasse a referida história.
XIV. “Peramanca” continua a ser o nome de uma região localizada no distrito de Évora e célebre pela qualidade dos vinhos que lá se produzem desde o século VX, tal como dado como provado na sentença recorrida (cfr. facto assente n.º 26),
XV. E as marcas nacionais n.os 283 684 e 308 864 da Recorrida resultam de uma adaptação do rótulo que um conhecido produtor de vinhos da região de Peramanca utilizava, em finais do século XIX,
XVI. E a Recorrida faz, no contra-rótulo dos vinhos assinalados com as referidas marcas nacionais, referências expressas à história dos vinhos de Peramanca, isto é, não dos vinhos que produz e comercializa, mas dos vinhos que historicamente foram produzidos na região de Peramanca.
XVII. O Tribunal a quo ao considerar que a marca registanda se subsume na previsão do n.º 2 do artigo 209º, por referência à alínea c) do numero 1 do mesmo artigo, auxilia a Recorrida a apropriar-se de um nome geográfico em proveito próprio e a obter, de forma enviesada, o que o Supremo Tribunal de Justiça não lhe permitiu obter. 76 de 1315 29/33
XVIII. Do exposto resulta que o Tribunal a quo julgou erradamente a factualidade analisada, pois da referida análise só se poderá concluir que a expressão Pêra-Manca - simplesmente - não tem qualquer eficácia distintiva, pois limita-se a indicar uma proveniência geográfica e, por isso, não é suscetível de ser registada como marca e a alegada qualidade dos vinhos da Recorrida - que atente-se, nada tem que ver com um conceito jurídico - não obsta a tal conclusão,
XIX. Pois é a própria Recorrida que insiste em se “prender” à história dos vinhos da região de Pêra-Manca e qualquer consumidor de vinhos deste segmento de mercado superior associa os referidos vinhos à história que a própria Recorrida conta, mas que não é a sua.
XX. Tal resulta da análise cuidada de todos os documentos mencionados nos factos 5 a 25 dos factos assentes e do conteúdo das decisões jurídicas acima referidas.
XXI. Por último, e sem conceder, sempre se dirá que a maioria dos prémios mencionados nos factos assentes 5 a 25 foram atribuídos em período coincidente com a contenda judicial acima descrita, pelo que é manifestamente abusivo um entendimento segundo o qual o uso que a Recorrida fez das suas marcas figurativas, nos moldes que as decisões judicias acima ajuizaram, possa ser fundamento bastante para a aplicação da exceção legal pugnada na sentença recorrida.
XXII. A doutrina do secondary meaning, com consagração no n.º 2 do art.º 209 do CPI, não tem aplicação ao caso dos autos, por não se verificarem os requisitos da sua aplicação e, por isso, a sentença recorrida deve ser revogada.
XXIII. Segundo a teoria do secondary meaning - de origem anglo saxónica e consagrada na referida disposição legal-, um sinal que não seria associado pelos círculos interessados a uma determinada empresa ou produtor, sendo antes entendido no seu sentido originário – o primary meaning - de denominação genérica ou de indicação descritiva, adquire aquele outro sentido – o secondary meaning - em consequência do uso que desse sinal é feito por essa empresa ou produtor.
XXIV. De facto, o artigo 231.º, n.º 2 permite que uma marca composta pelos elementos do artigo 209.º, n.º 1, a), c) e d), seja protegida, no caso de o requerente demonstrar que o sinal adquiriu, devido ao seu uso, capacidade distintiva que justifique essa proteção.
XXV. Portanto, se pelo respetivo uso um sinal comum – neste caso, uma região de Évora – se tornar distintivo o suficiente, permitindo, por isso, ao consumidor associar-lhe produtos ou serviços, nesse caso é possível que esse sinal comum seja registado enquanto marca, por se ter tornado uma referência forte o suficiente (apesar de comum).
XXVI. O sinal verbal “Pêra-Manca”, de per se, é exclusivamente constituído por uma proveniência geográfica, proveniência geográfica essa que corresponde a uma zona vitivinícola alentejana de vinhos afamados desde o século XV (facto 78 de 1315 31/33 provado n.º 26 da sentença recorrida), e até aos dias de hoje. Não é, assim, um sinal comum!
XXVII. E, não foi por acaso que a Recorrida utilizou a expressão Pêra-Manca nas suas marcas figurativas. Foi com o propósito de se conectar com uma região vitivinícola em especial.
XXVIII. Esta expressão – “Pêra-Manca - não passou de um sinal comum a possuir um secondary meaning, sempre significou exatamente a mesma região e teve um preliminar meaning: ou seja, esta expressão não foi usada pela Recorrida como expressão de fantasia, mas como expressão que permitia uma associação, por esta pretendida e enfatizada até à exaustão na descrição da história que conta – e que não é sua – sempre associada à referida “zona vitivinícola alentejana de vinhos afamados desde o século XV”.
XXIX. Só isto explica o alegado “fenómeno” dos vinhos da Recorrida, nos termos descritos nos documentos mencionados nos factos 2 a 25 da sentença recorrida, com menções a Pedro Alvares Cabral e aos descobrimentos portugueses, nada mais! Uma história bem contada é meio caminho andado para vender um vinho e o Pêra-Manca tem uma boa história por trás” (cfr. publicação “Fugas” referida no facto assente n.º 6 da sentença recorrida),
XXX. Contudo, a “história bem contada” é uma história alheia que, inclusivamente, não indica verdadeiramente a origem dos produtos que pretende assinalar, forjando o princípio da verdade, visto que o vinho da Recorrida não é produzido na Região de Peramanca.
XXXI. “Pêra-Manca” não é uma expressão vulgar que ganhou, com a alegada “notoriedade” dos vinhos da Recorrida, carácter distintivo,
XXXII. Mas uma expressão que representa uma zona vitivinícola alentejana de vinhos afamados desde o século XV – repita-se - e que desde o início foi utilizada pela Recorrida com o propósito principal – e não secundário – de associação à referida região.
XXXIII. A expressão “Pêra-Manca” nominativa não só viola o artigo 209.º/1/c) do CPI (ao ser unicamente constituído por uma denominação geográfica), mas também o princípio da verdade, sendo a função primeira da marca a de distinguir produtos e serviços.
XXXIV. Assim, aceitar que “Pêra-Manca” adquiriu capacidade distintiva colide com o referido princípio da verdade.
XXXV. Aceitar a doutrina do secondary meaning no caso concreto, o que não se concede em caso algum, é aceitar que a Recorrida se aproprie de um antigo património cultural da região de Pêra-Manca.
XXXVI. A expressão “Pêra-Manca”, de per se, não é suscetível de ser registado como marca de vinhos, já que se limita a designar uma região localizada em Évora que foi, durante muitos séculos, e é na atualidade, conhecida como região produtos de vinhos, subsumindo-se, portanto, à proibição da alínea c) do n.º 1 do artigo 209.º do CPI, sem que se verifique qualquer exceção que obste à aplicação da referida norma, devendo, por isso, ser revogada a sentença recorrida.
Terminaram pedindo que fosse «dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, ordenando-se a recusa do registo da marca nacional n.º 472866, "PÊRA MANCA''».
A F (...) respondeu às alegações de recurso e, invocando o disposto no n.º 2 do  art. 636.º do Código de Processo Civil, declarou impugnar «o ponto 26 da decisão sobre matéria de facto». Apresentou, nesse contexto, as seguintes alegações:
1. Impugna-se a decisão sobre matéria de facto, no que respeita ao facto provado 26, com o teor seguinte: «Peramanca é uma zona vitivinícola alentejana de vinhos afamados desde o século XV».
2. Não existe nenhum elemento de prova ou evidência nos autos que permita dar tal facto como provado, designadamente os documentos juntos a fls 97 a 112, que se invocam, genericamente, na motivação da decisão sobre matéria de facto.
3. Bem pelo contrário, está documentado nos autos e no apenso (através de várias decisões judiciais) que existiu a “zona vitivinícola” de Peramanca, mas a partir do sec. XVII e até finais do séc. XIX, foi progressivamente deixando de ser utilizada, e que, depois de um hiato temporal (o ressurgimento, em finais do sec. XIX da marca “Vinhos de Pera-Manca” para designar os vinhos que J. Soares vinificou na adega situada no palácio dos Condes de Vimioso), permaneceu em desuso.
4. O Acórdão do STJ de 03.12.2009, que as Recorrentes invocam a favor da sua tese (!), assentou, entre outros, nos factos provados nesse processo, pelas instâncias, 17 a 22, com o teor seguinte: «17) – “Peramanca”, “pera-manca” e “Pêra-manca” são formas de identificar uma zona do mesmo nome, onde se encontra a Quinta do autor (o Recorrente) e onde eram produzidos vinhos com o mesmo nome (3º da Base Instrutória). 18) - Os vinhos produzidos nessa zona eram, pelo menos desde o século XV até meados do século XVIII, dos mais afamados do Alentejo (4º, 5º e 6º da Base Instrutória). 19) - A designação “vinhos de Peramanca” a partir do sec. XVII e até finais do séc. XIX, foi progressivamente deixando de ser utilizada (8º da Base Instrutória). 20) - Depois do ressurgimento, em finais do sec. XIX da marca “Vinhos de Pera-Manca” para designar os vinhos que J. Soares vinificou na adega situada no palácio dos Condes de Vimioso, permaneceu em desuso (9º da Base Instrutória). 21) - Na actualidade, a expressão “Pêra manca” é usada para distinguir os vinhos da ré (a Recorrida) (10º da Base Instrutória). 22) - E não para designar a proveniência geográfica desse produto (11º da Base Instrutória).» (...).
5. E sobre as marcas mistas “PÊRA-MANCA”, da Recorrida, no mesmo acórdão concluiu-se o seguinte: «Deste modo, articulando e conjugando entre si todos os factos apurados, pode concluir-se seguramente que: a) - A expressão Peramanca ou Pêra-manca está usada nas duas marcas sub judicio de forma fantasiosa (e não para designar a proveniência geográfica dos vinhos da ré); b) - Trata-se de um nome geográfico usado com um significado não geográfico, resultando claramente da análise objectiva dos elementos nominativos e figurativos das duas marcas (que são mistas e complexas) não existir uma conexão relevante entre esse nome e a origem do produto  a que a marca se reporta; c) - O que os artºs 79º, § 1º, do CPI de 1940 e 166º, nº 1, b) do CPI de 1995, na parte que aqui releva, não autorizam, é que uma marca seja composta exclusivamente de sinais que possam servir no comércio para designar a proveniência geográfica do produto; no caso presente, todavia, ainda que se admita que o referido nome geográfico comporta um significado dessa ordem (geográfico), a natureza complexa e mista das marcas asseguralhes capacidade distintiva; d) - Assegura-lhes capacidade distintiva, concretamente, o conjunto dos elementos figurativos e nominativos que as compõem, e não, em exclusivo, a expressão “Pera Manca”, que, de resto, consoante ficou provado, é usada na actualidade para distinguir os produtos da ré e não para designar a proveniência geográfica do produto em causa (factos 21 e 22); e) - Na perspectiva do consumidor médio de vinho, único que importa ter em conta neste domínio (1), o ponto saliente da capacidade distintiva das marcas sub judicio reside, isto é, está concentrado, justamente, nas expressões “Vinho Pera Manca” e “Vinho Pera Manca Tinto”, e não nos dizeres (inscrições) mencionados nos factos 11) e 12), que são secundários, desprovidos de capacidade distintiva, e insusceptíveis, por si, de induzir em erro o consumidor interessado; f) - Objectivamente analisadas no contexto de todos os elementos que compõem as duas marcas em questão, tais inscrições não evidenciam a pretensão de indicar a proveniência dos vinhos da ré (no sentido de região, local ou zona em que são cultivadas as uvas com que são produzidos), nem se mostram aptas para tal, tanto mais que, além de se ter provado que a recorrida utiliza na feitura dos seus vinhos uvas provenientes da Herdade dos Pinheiros (que não se situa na zona de Pera Manca), demonstrado está de igual modo que das marcas consta a indicação “Produzido e Engarrafado Por F (...) na Adega da Cartuxa Évora – Portugal” (factos 9 e 13); g) - A conclusão de que as marcas ajuizadas são exclusivamente compostas por uma indicação de proveniência geográfica e de que esta é falsa não pode, salvo o devido respeito, ser acolhida, também porque não se provou o facto constante do quesito 7º da base instrutória (onde se perguntava se quem compra os vinhos da ré os identifica com os provenientes da região de Peramanca),  e ainda porque decorre da resposta limitativa ao quesito 3º - facto nº 17 - não ter ficado demonstrado que os termos “Peramanca”, “Pera Manca” e “Pêra-Manca” sejam formas de identificar um tipo de vinhos chamados “vinhos de Peramanca” por serem produzidos na região do mesmo nome; (…) i) - Torna-se claro, por fim, face a tudo quanto se referiu, que o registo das marcas sub judicio não configura um acto de concorrência desleal por parte da recorrida (a Contestante), desde logo porque nem uma nem outra contém indicações de proveniência, de localidade ou de região susceptíveis de serem consideradas contrarias às normas e usos honestos do ramo de actividade em causa (produção de vinhos)».
6. No citado acórdão, considerou-se – e bem –, por um lado, que na actualidade, a expressão “Peramanca” não corresponde à designação de uma “zona vitivinícola alentejana” ou que seja uma indicação de “origem geográfica de produtos”, e, por outro, que no âmbito de especialidade dos vinhos a expressão “Pêra-Manca” não é indicativa de qualquer “origem geográfica de produtos”, mas uma designação de fantasia dos vinhos com esse nome da F (...).
7. No referido acórdão também ficou claramente assente que (contrariamente ao facto provado 26) não existe nenhuma «região vitivinícola» designada “Peramanca”), sendo uma expressão de fantasia que distingue os vinhos da Recorrida – vd. conclusão II. do citado acórdão.
8. Por estes motivos, e ao abrigo do n.º 2 do art.º 636.º do CPC, em face da ausência de qualquer elemento de prova da existência actual de uma “zona vitivinícola alentejana” denominada “Peramanca”, impugna-se o ponto 26 da decisão sobre matéria de facto, que deverá ser dado por não provado, e, em consequência, revogado.
9. É desprovida de sentido a alegação das Recorrentes de que a expressão “Pêra-Manca” é insusceptível de ser registada como marca para assinalar vinhos, porquanto o elemento nominativo empregue designa uma região geográfica vitivinícola sita em Évora, pelo que carece de qualquer eficácia distintiva, nos termos do disposto no art.º 223.º, nº 1, al. c) do Código da Propriedade Industrial (CPI).
10. A marca em causa nos autos é nominativa, sendo constituída, exclusivamente, pela expressão “Pêra-Manca” e destina-se assinalar “bebidas alcoólicas (à excepção das cervejas), incluindo vinhos”, na Classe 33.ª.
11. A Recorrida já é titular de uma marca nominativa, constituída, exclusivamente, pela expressão “Pêra-Manca”.
12. Veja-se a marca da União Europeia n.º 015978976, “PêraManca”, que foi pedida em 27.10.2016 e concedida em 21.04.2017, para assinalar «Bebidas alcoólicas (exceto cervejas), incluindo vinhos» (classe 33.ª) – vd. Facto provado 3 e certificado de registo junto à resposta ao recurso, como Doc. 1.
13. Não se compreenderia que fosse recusada à Recorrida o registo de uma marca “Pêra-Manca” em Portugal, quando já tem devidamente registada a marca “Pêra-Manca” para todo o território da União Europeia – onde se inclui Portugal.
14. Por outro lado, as marcas “Pêra-Manca” a que se referem os factos 1 a 3 (esta última uma marca nominativa) da decisão sobre matéria de facto, são inquestionavelmente notoriamente conhecidas, por assinalarem um dos mais afamados e premiados vinhos portugueses, como demonstram os factos provados 5 a 25.
15. No âmbito de especialidade dos vinhos, quem ouve “Pêra-Manca” associa imediatamente essa expressão aos famosos vinhos da F (...).
16. Sem conceder, mesmo que se entendesse que “Peramanca” era a designação de uma “zona vitivinícola alentejana” (isto é, uma “zona” completamente desconhecida do público consumidor de bebidas alcoólicas e vinhos, e, cuja delimitação territorial nem sequer é ensaiada pelas Recorrentes e que também não é especificada no ponto 26 da decisão sobre matéria de facto…), ainda assim,
17. a marca “Pêra-Manca” seria registável, por ser público e notório o seu reconhecimento imediato pelos consumidores, tendo como tal adquirido eficácia distintiva no curso do comércio, nos termos previstos no art.º 209.º, n.º 2, in fine do CPI.
18. Razões por que bem andou o Tribunal a quo ao recusar provimento ao recurso e manter a concessão do registo da marca nacional n.º 472.866, “Pêra-Manca”.
Terminou sustentando dever «a apelação ser rejeitada e mantida a concessão do registo da marca nacional n.º 472.866, “PÊRA-MANCA”».
J (...) e P (...), vieram «responder à matéria da ampliação» sustentando a manutenção do «facto provado n.º 26».
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Pelas razões indicadas pela Recorrida na sua resposta às alegações, deve ser dado como não provado o circunstancialismo inscrito no n.º 26 da fundamentação de facto da sentença impugnada?
2. O Tribunal a quo julgou erradamente a factualidade analisada pois, da referida análise, só se poderá concluir que a expressão «Pêra-Manca» não tem qualquer eficácia distintiva, já que se limita a indicar uma proveniência geográfica e, por isso, não é suscetível de ser registada como marca?
3. A doutrina do «secondary meaning», com consagração no n.º 2 do art. 209.º do Código da Propriedade Industrial, não tem aplicação ao caso dos autos por não se verificarem os requisitos da sua aplicação?
4. A expressão “Pêra-Manca” viola o art. 209.º n.º 1, al. c) do Código da Propriedade Industrial (ao ser unicamente constituído por uma denominação geográfica), bem como o princípio da verdade?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
1. Pelas razões indicadas pela Recorrida na sua resposta às alegações, deve ser dado como não provado o circunstancialismo inscrito no n.º 26 da fundamentação de facto da sentença impugnada?
O Tribunal «a quo» deu como provado, sob o n.º 26, que:
26. Peramanca é uma zona vitivinícola alentejana de vinhos afamados desde o século XV.
O referido Tribunal fundou a cristalização fáctica de forma manifestamente insuficiente, não atendendo ao disposto no n.º 4 do art. 607.º do Código de Processo Civil que lhe impunha que analisasse criticamente as provas e indicasse, de forma discriminada, os elementos decisivos para a sua decisão.
Esta circunstância que limita o processo, não tendo sido objecto de pedido de declaração de nulidade, condiciona, no entanto, neste momento, a ponderação das motivações do julgador de primeira instância já que nada se retira da sua referência genérica «A matéria dada como provada baseia-se na prova documental inserta no processo administrativo remetido aos autos pelo INPI e pela documentação junta pela Recorrente e Recorrida a fls 97 a 112».
Não foi, seguramente, para este tipo de formulação que nada diz que se erigiu a apontada norma.
Não há, pois, que atender a quaisquer elementos provenientes do Tribunal.
Na análise assim conformada, a realizar, há que tomar em consideração a baliza adjectiva que emerge do art. 5.º do Código de Processo Civil que consagra um princípio do dispositivo mitigado e que submete o Tribunal, no processo civil, à obrigação de apenas atender aos factos alegados pelas partes (com a excepção que emerge do n.º 2 desse artigo, não se devendo confundir com factos instrumentais os que são realmente fundamentais nem com factos complementares ou concretizadores os que não se inserem no alegado). Não estamos, ainda, in casu, perante facto notório.
Feita esta advertência, havia que buscar quais foram, então, efectivamente, as circunstâncias a converter em factos fixados mediante instrução, alegadas pela Recorrente neste domínio.
E tais circunstâncias foram (sendo os números referidos a final os dos artigos do requerimento inicial):
1. «(...) a expressão PÊRA-MANCA não é suscetível de ser registada como marca para assinalar vinhos, pois tal expressão se limita a designar uma região localizada em Évora –  n.º 2;
2. «“Pêra-Manca” ou “peramanca” designam uma região do Alentejo onde foram produzidos vinhos» – n.º 22;
3. «(...) antiga região vitivinícola» – art. 24;
3. «(...) a ora Recorrida utilizou as marcas registadas figurativas vinho de Pêra-Manca, recorrendo a uma pintura de Roque Gameiro utilizada por vinho anteriormente produzidos naquela região» – n.º 25;
4. «O mencionado processo prendeu-se, principalmente, com o facto de o 1.º Recorrente entender que a Recorrida se pretendia apropriar de parte do nome por que é conhecida a sua propriedade, da história da mesma bem como da região geográfica onde esta está situada e do renome que a mesma adquiriu ao longo dos últimos séculos como região vinícola» – art. 58;
5. «(…) por muito que o INPI não concorde, “Peramanca” continua a ser o nome de uma região localizada no distrito de Évora e célebre pela qualidade dos vinhos que lá se produziram durante séculos» – art. 66;
6. «(...) vinhos que historicamente foram produzidos na região de Peramanca» – art. 70.
Bem se vê, destes excertos, que nunca foi alegado e, logo, nunca poderia ter sido ser dado como demonstrado, que o conjunto de palavras sob exegese corresponda a uma zona vitivinícola activa, conforme afirmado no n.º 26.
Daqui resulta, desde já, ser seguro não se poder, pelo menos, manter a redacção do n.º 26 que o Tribunal «a quo», sem explicação autonomizada e sem apelar ao esforço de convencimento e à argumentação, cristalizou sem mais.
Acresce que, sem referente temporal, não alegado, não é possível encontrar coincidência entre o início da actividade produtiva da Recorrida e a existência da referida zona o que, só por si, retira a possibilidade de proceder argumento no sentido de esta poder usurpar denominação de origem alheia. Tal arrasta a noção da irrelevância do pretenso facto quando apontado a uma mera referência histórica apenas contendo difusa menção a um termo inicial do surgimento do início de uma zona que nunca se alegou, por se saber não corresponder à realidade, como correspondendo a realidade presente ou coeva com o início da actividade da Recorrida.
Finalmente, ainda que o resíduo circunstancial sobrevivente à apontada fragilidade tivesse algum relevo, a verdade é que não se divisam nos autos elementos instrutórios que inculquem a noção segura, insofismável e rigorosa do que permanece. Não produzem a prova pretendida quaisquer outras decisões judiciais sujeitas a distintos quadros instrutórias e finalidades demonstrativas sendo que não nos encontramos perante depoimentos e perícias invocados noutro processo para os efeitos do disposto no n.º 1 do  art. 421.º do Código de Processo Civil. Neste âmbito, disse-se, com flagrante acerto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.11.2018, Processo n.º 478/08.4TBASL.E1.S1, Relator: Juiz Conselheiro Tomé Gomes (in http://www.dgsi.pt), com o qual se concorda face a esse acerto, que: «De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação».
Também excertos de páginas de Internet e artigos desgarrados, de rigor científico não demonstrado, não produzem a firme certeza que se exige de um órgão jurisdicional quando declara um determinado facto como existente. Aliás, quanto à Internet, o que se pode vivenciar por contacto imediato e directo mediante uso de qualquer bom motor de busca é que a expressão em apreço aponta, antes, de forma largamente maioritária, para a Recorrida e seus vinhos e não para qualquer exegese histórica de fonte mais ou menos desconhecido.
Emerge do exposto que o Tribunal «a quo» não podia cristalizar a circunstância vertida no n.º 26 da fundamentação de facto, em primeiro lugar porque tal não foi alegado e, em segunda linha, porque o restante, difuso, temporalmente indefinido, deslocado do presente e do passado relevante não possui interesse directo para a decisão e não foi feita demonstração clara e segura da referência que poderia subsistir.
Pelo exposto, determinamos a supressão do n.º 26 do rol de factos provados.

Está provado que:
1. A Recorrente é titular da marca nacional nº 283684 “Pêra Manca”, com o sinal

concedida em 7.6.1994, para assinalar “vinhos brancos ou tintos” na classe 33 da classificação internacional de Nice.
2. A Recorrente é titular da marca nacional nº 308864 “Pêra Manca” com o sinal misto

concedida em 1.4.1996, para assinalar “vinho branco” na classe 33 da classificação internacional de Nice

3. A Recorrente é titular da marca EU nº 015978976 “Pêra Manca”, concedida em 21.4.2017, para assinalar “bebidas alcoólicas (excepto cervejas), incluindo vinhos” na classe 33 da classificação internacional de Nice.
4. Em 17.1.2019, o Director do Departamento de Marcas, Desenhos e Modelos do INPI, no uso de competências delegadas pelo Conselho Directivo, proferiu despacho pelo qual concedeu o registo da marca nacional nº 472866 “Pêra-Manca” (sinal nominativo/verbal), para assinalar os produtos “bebidas alcoólicas (á excepção das cervejas)” na classe 33ª da classificação internacional de Nice, relativo ao pedido apresentado pela Recorrida em 7.10.2010.
5. Na publicação Superbrands Portugal, Tributo a Marcas de Excelência em Portugal de 2011, refere-se ao vinho da marca “Pera-Manca” como um vinho de referência no mercado português, nos moldes descritos a fls 97 a 98 dos autos e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
6. Em 2.12.2017, a publicação “Fugas” refere-se ao vinho da marca “Pera-Manca” como um dos mais famosos do país e lenda no Brasil, nos moldes descritos a fls 100 dos autos e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
7. Na Revista de Vinhos de Novembro de 2011, o vinho da marca “Pera-Manca” é considerada uma das marcas mais conhecidas e famosas do Alentejo, cuja fama ultrapassou fronteiras, nos moldes descritos a fls 101 dos autos e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
8. A revista Wine de Dezembro de 2011, alude ao vinho branco da marca “Pera-Manca” como a escolha do mês altamente recomendado, nos moldes descritos a fls 101v dos autos e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
9. No site “O Turismo.Pt” , o vinho tinto da marca “PeraManca” é reputado como um dos 30 melhores vinhos do mundo, nos moldes descritos a fls 103v dos autos e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
10. No ano de 2000, o vinho branco seco 1997 da Adega da Cartuxa Pera Manca foi premiado com a medalha de ouro pela Challenge International du Vin, conforme atestado a fls 104 dos autos e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
11. Os vinhos da marca “Pera-Manca” foram premiados cm a medalha de prata pela Vino Ljubljana.
12. No ano de 1998, o vinho Evora IPR 1994 “Pera Manca” foi premiado com a medalha de ouro pela Challenge International du Vin, conforme atestado a fls 105v dos autos e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
13. Em 29.10.2011, o vinho “Pera-Manca” 2009 foi premido com a Escolha de Imprensa na categoria de vinhos brancos, conforme atestado a fls 106 dos autos e aqui dados por reproduzidos na íntegra.
14.Em 11.2.2011, a Revista de Vinhos distinguiu o vinho tinto “Pera-Manca” 2007 entre os melhores de Portugal da Região Alentejo, nos moldes descritos no diploma constante a fls 106v aqui dados por reproduzidos na íntegra.
15. Em 16.2.2007, a Revista de Vinhos distinguiu o vinho tinto “Pera-Manca” 2003 com o prémio excelência, nos moldes descritos no diploma constante a fls 107 aqui dados por reproduzidos na íntegra.
16.A Revista Nectar atribuiu ao vinho tinto “Pera-Manca” 2003 o diploma, classificando-o como dos melhores do ano de 2007, nos moldes descritos no diploma constante a fls 107v aqui dados por reproduzidos na íntegra.
17. A Revista Nectar atribuiu ao vinho branco “Pera-Manca” 2005 o diploma, classificando-o como dos melhores do ano de 2007, nos moldes descritos no diploma constante a fls 108 aqui dados por reproduzidos na íntegra.
18. A Revista Nectar atribuiu ao vinho branco “Pera-Manca” 2004 o diploma, classificando-o como dos melhores do ano de 2006, nos moldes descritos no diploma constante a fls 108v aqui dados por reproduzidos na íntegra.
19. A Revista Nectar atribuiu ao vinho tinto “Pera-Manca” 1998 o diploma, classificando-o como dos melhores do ano de 2004, nos moldes descritos no diploma constante a fls 109 aqui dados por reproduzidos na íntegra.
20. A Revista Nectar atribuiu ao vinho branco “PeraManca” 2002 o diploma, classificando-o como dos melhores do ano de 2004, nos moldes descritos no diploma constante a fls 109v aqui dados por reproduzidos na íntegra.
21. Em 6.2.2004, a Revista de Vinhos distinguiu o vinho tinto “Pera-Manca” 1998 com o prémio excelência, nos moldes descritos no diploma constante a fls 110 aqui dados por reproduzidos na íntegra.
22.Em 18.2.2000, a Revista de Vinhos distinguiu o vinho tinto “Pera-Manca” 1995 com o prémio excelência, nos moldes descritos no diploma constante a fls 110v aqui dados por reproduzidos na íntegra.
23.Em 19.2.1999, a Revista de Vinhos distinguiu o vinho tinto “Pera-Manca” 1994 entre os melhores da Região do Alentejo, nos moldes descritos no diploma constante a fls 111 aqui dados por reproduzidos na íntegra.
24. Em 23.2.2001, a Revista de Vinhos distinguiu o vinho branco “Pera-Manca” 1998 entre os melhores da região do Alentejo, nos moldes descritos no diploma constante a fls 101v aqui dados por reproduzidos na íntegra.
25.Em 27.2.1998, a Revista de Vinhos distinguiu o vinho tinto “Pera-Manca” 1991 entre os melhores da Região do Alentejo, nos moldes descritos no diploma constante a fls 112 aqui dados por reproduzidos na íntegra.
Fundamentação de Direito
2. O Tribunal a quo julgou erradamente a factualidade analisada pois, da referida análise, só se poderá concluir que a expressão «Pêra-Manca» não tem qualquer eficácia distintiva, já que se limita a indicar uma proveniência geográfica e, por isso, não é suscetível de ser registada como marca?
Os factos efectivamente provados e que resultam da análise supra realizada não dão sustentação à tese que gerou a pergunta que se pondera.
Não se patenteou que a marca da Recorrida se limite a indicar uma proveniência geográfica.
É manifestamente negativa a resposta que se impõe dar a tal pergunta.
Improcede flagrantemente esta vertente do recurso.
3. A doutrina do «secondary meaning», com consagração no n.º 2 do art. 209.º do Código da Propriedade Industrial, não tem aplicação ao caso dos autos por não se verificarem os requisitos da sua aplicação?
As Recorrentes peticionaram ao Tribunal de 1.ª Instância a «recusa do registo da marca nacional n.º 472866, "PÊRA MANCA''». Estearam-se, para o efeito, na alegada convicção de que a expressão «Pêra-manca» não era suscetível de ser registada como marca de vinhos por se limitar a designar uma região localizada em Évora que foi durante muitos séculos conhecida como região produtora de vinhos. Por tal facto, aplicar-se-ia à situação em apreço a proibição emergente da alínea e) do n.º 1 do art. 223.º do Código da Propriedade Industrial (pretendendo, certamente, referir-se as al.s a) ou c) desse artigo ou, de forma mais acertada, as al.s a) ou c) do n.º 1 do  art. 209.º do Código da Propriedade Industrial de 2018 por serem as eventualmente aplicáveis face ao disposto na al. c) do  art. 15.º  do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10.12.
Em síntese, está em causa o não preenchimento de todos os mecanismos de emergência de marca válida exigidos pela conjugação do disposto nos  arts. 208.º e 209.º do aludido Código da Propriedade Industrial. Precisando ainda, segundo as Recorrentes, a marca de registo admitido em 2019 estaria irremediavelmente «ferida de morte» por se mostrar desprovida de qualquer carácter distintivo ou por se enquadrar na previsão da al. c) do n.º 1 do  art. 209.º.
Para este efeito, propuseram-se provar que existiria uma zona vitivinícola de  nome correspondente. Nesse esforço, teriam que alegar e tornar patente que, no momento da admissão a registo, existia tal região ou que tendo a mesma existido no passado, mantinha no presente tal peso e reminiscência no subconsciente colectivo que quem visse a marca imediatamente se recordaria da região.
O Tribunal, vivendo o equivoco que resultou na inclusão do art. 26.º entre os factos demonstrados, assumiu que a região vitivinícola invocada existia no presente, ou seja, no tempo relevante para o cotejo de exclusão e foi forçado a ponderar a existência de um sentido secundário ou de substituição contido na expressão relevante.
Apelou, assim, à doutrina do «sentido secundário ou encoberto», mais conhecida pela sua denominação de língua inglesa «secondary or covert meaning» transversal ao Direito de marcas e ao da concorrência e plasmada no  n.º 2 do  art. 209.º do Código da Propriedade Industrial. Na tese do Tribunal, a marca teria adquirido carácter distintivo em virtude da prática comercial. A expressão já não referenciaria a região mas o signo global enraizado e fortalecido pela própria actividade, seus contornos e presença.
Através do sentido secundário, ficaria resolvido o problema da sobreposição com  o nome de região vitivinícola já que a figura de «common law» consagrada no Direito luso permitiria a substituição do sentido primário, directamente coincidente com o de nome de região, e sua associação à produção de vinhos da Recorrida. Afastar-se-ia, assim, a proscrição legalmente consagrada (por o sistema jurídico não poder conviver  com a atribuição do direito de propriedade e de exclusividade – cf. o n.º 1 do  art. 210.º do Código da Propriedade Industrial – sobre marcas, em termos suceptíveis de precludir o seu uso por outros agentes económicos eventualmente interessados em usar as mesmas expressões para descrever os seus próprios produtos).
O mecanismo funcionaria, pois, através da permuta da semântica originária pela de segundo grau, id est, pela expressão de «associação do consumidor» (tradução da feliz referência doutrinal «buyer association» utilizada por WILLAJEANNE F. Mclean em The Birth, Death, And Renaissance Of The Doctrine Of Secondary Meaning In The Making, 1993, pág. 748). A ligação relevante geraria, assim, um neologismo, um significado novo e autónomo que já não se poderia referenciar como destituído de carácter diferenciador. Em súmula, a figura surgida em 1925 (v.d. o referido autor, ibidem, pág. 753, apontando o caso genésico, dessa data, que correu na Justiça americana, Edward G. Budd Manufacturing Co. v. C.R. Wilson Body Co) salvaria, afinal, a marca da Recorrida.
Porém, como se viu, não havia qualquer razão para cristalizar o dito «facto» n.º 26 e, assim sendo, nada permitia ao Tribunal concluir que a marca registada em 2019 e afrontada na acção fosse destituída de eficácia diferenciadora para os efeitos do estabelecido na al. a) do n.º 1 do  art. 209.º do encadeado normativo sempre sob referência.
E a ser assim, como efectivamente é, menos sentido tinha recorrer à doutrina do sentido secundário ou encoberto à qual só há que apelar quando a marca não possua, ao nível da semântica primária e originária dos vocábulos nela compreendidos, carácter distintivo (ou se preencha, à luz desse sentido, outra das previsões do n.º 1 do  art. 209.º do Código da Propriedade Industrial) e tenha adquirido nova existência aos olhos do consumidor.
Neste quadro, a questão proposta merece resposta afirmativa, mas não com o sentido e consequências visadas pelas Recorrentes já que a não aplicabilidade da doutrina brandida não conduz à procedência do recurso pelas razões que facilmente se extraem do dito.
4. A expressão “Pêra-Manca” viola o art. 209.º n.º 1, al. c) do Código da Propriedade Industrial (ao ser unicamente constituído por uma denominação geográfica), bem como o princípio da verdade?
Muito do caminho explicativo está feito. Esta questão está já parcialmente respondida.
Se não se provou a existência contemporânea da região vitivinícola, se não se tornou conhecido que os consumidores-tipo do tempo do registo, ao lerem as palavras que constituem a marca registada se lembrariam, de imediato, da zona alegadamente perdida nas brumas do tempo – e que não se apurou quando começou e desapareceu, qual Atlântida das regiões –  se não se colheu que a conjunção de vocábulos ou palavra de crase tenham ficado na memória colectiva e nos referentes comuns, até indiciados pelo reflexo toponímico, antes necessitando de apoio científico na disciplina de história, temos que concluir que nunca se poderia julgar preenchida a fattispecie da al. c).
Quanto ao dito reflexo toponímico, ou seja, à eventual operação mental de ligação da marca a um local geográfico, a uma localidade, a um ponto no mapa, apenas colhemos dos autos que os Recorrentes indicam como sua morada a «Quinta de São José de Peramanca» e nada mais do que isso.
A rarefacção probatória relativamente a algo que extravase este elemento é total.
Não se demonstrou a potencialidade de associação da marca questionada a uma qualquer localidade.
Impõe-se, pois, resposta negativa a esta questão, o que ora se declara.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada, ainda que com distintos fundamentos.
Custas pelos Apelantes.
*
Lisboa, 29.09.2020
Carlos M. G. de Melo Marinho  
Ana Isabel de Matos Mascarenhas Pessoa  
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira