Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3735/17.5T8LRS-B.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
EFICÁCIA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- No que respeita à eficácia da declaração negocial, a nossa lei civil (artº 224º do CC) optou pela teoria da recepção: a declaração é eficaz quando chega à esfera de acção do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais este podia conhecê-la em conformidade com os usos (ser enviada para um apartado, para um domicílio, para um local de trabalho) a ponto de, uma ausência transitória da casa ou do estabelecimento, são riscos do destinatário.
2- Não fazendo o diploma legal que estabelece o regime do PERSI (DL 227/2012) qualquer exigência quanto ao modo de comunicação das declarações de inclusão no PERSI e da extinção do PERSI e quanto à respectiva eficácia, há que lançar mão das regras gerais sobre a matéria da eficácia da declaração negocial referidas no artº 224º do CC.
3- As normas procedimentais relativas ao PERSI tem natureza de normas imperativas. E o artº 18º do DL 227/2015, estabelece mesmo que enquanto não ocorrer a comunicação de extinção do PERSI a instituição de crédito está impedida de: (i) resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (ii) intentar acções judiciais com vista à satisfação do crédito. Quer dizer, a inobservância dessas normas impede a instituição de crédito de solicitar judicialmente a satisfação do seu crédito.
4- A esta luz, cabe à instituição de crédito alegar e provar que enviou, rectius, remeteu efetivamente para o domicílio do cliente devedor, as cartas a comunicar a inclusão e, posteriormente a extinção do PERSI.
5- Se não provar esse envio, fica sujeita à procedência da excepção dilatória inominada e insanável, por a sua falta não poder ser preenchida na pendência da acção, o que leva à procedência da oposição à execução.
Decisão Texto Parcial:Acordam neste Colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.

1-Por apenso à execução para pagamento de quantia certa em que é exequente PMD Company (cessionário do crédito exequendo por cessão de créditos pela CGD), veio a executada, CMJG, deduzir oposição à execução, mediante embargos, visando a extinção da execução.
Alegou, em síntese, a ineptidão do requerimento executivo; falta de interpelação e inexequibilidade do contrato; incompreensibilidade dos juros peticionados.

2- A exequente/embargada contestou.
Pugna pela improcedência dos embargos e invoca que a CGD interpelou a executada para pagar e que nos termos do art.º 781º do CC se venceram imediatamente todas as prestações em 22/12/2011.
Foi junta aos autos cópia da carta da CGD dirigida à executada, com data de 18/11/2016, com o título “Incumprimento – Abertura de PERSI”.
Foi junta aos autos cópia da carta dirigida à executada, com data de 16/03/2017, comunicando a extinção do PERSI a 16/03/2017, por a cliente não ter capacidade financeira para regularizar o incumprimento.

3- Notificadas para o efeito as partes vieram declarar não de opor à dispensa de realização da audiência prévia.

4- Foi proferido despacho saneador julgando improcedente a excepção de ineptidão do requerimento executivo.
Oficiosamente, foi suscitada a excepção de falta de integração obrigatória da cliente bancária no PERSI, concedendo-se às partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem e, querendo, juntarem meios complementares de prova.
Foi fixado o objecto do litígio.

5- Realizada a audiência final, com data de 27/06/2022 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“III. Dispositivo
Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, julgo procedentes os presentes embargos e, consequentemente:
a) Determino a extinção da execução
*
Custas pela embargada.

6- Inconformada, a exequente/embargada interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A. O presente recurso de Apelação tem por objeto a Sentença que julgou procedentes os Embargos de Executado apresentados por CMJG, no passado dia 27/06/2022.
B. O Tribunal a quo entendeu que a Embargada, ora Apelante, não cumpriu com o previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 verificando-se, assim, a exceção dilatória inominada de não integração da Embargante no PERSI.
C. Não pode, porém, a Apelante conformar-se com a decisão do Tribunal a quo conquanto a questão sub judice não foi devidamente apreciada, como adiante melhor se compreenderá.
D. A 22 de julho de 2010 a Cedente, CGD, celebrou com CMJG, na qualidade de mutuária, um contrato de mútuo com hipoteca e fiança no montante de €138.750,00 (cento e trinta e oito mil, setecentos e cinquenta euros), melhor identificado no ponto A. dos factos dados como provados na Sentença.
E. Por sua vez, o incumprimento contratual remonta a 22/12/2011.
F. Em momento prévio à propositura ação executiva, foram várias as tentativas de regularização extrajudicial da situação de incumprimento.
G. Porém, nenhuma das diligências encetadas pela Exequente foi profícua.
H. No hiato de tempo decorrido entre o início do incumprimento e a apresentação da ação, entrou em vigor o DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o qual, no artigo 39.º, determinou que deveriam ser integrados no PERSI os clientes bancários que à data de entrada em vigor do diploma (1 de janeiro de 2013) se encontrassem em situação de incumprimento há mais que 30 dias.
I. Assim, a 16/11/2016, a Credora, que à data era a Cessionária CGD, diligenciou pela integração no PERSI da Apelada CMJG, conforme cartas juntas aos autos através do Requerimento datado de 13/01/2021, com a referência citius n.º 10463877.
J. Em conformidade, cumpre ressalvar que as cartas foram remetidas para a morada que a Apelada indicou aquando da celebração do contrato, a saber: Rua …Odivelas.
K. Morada esta que é a que se mostra associada à Embargante, ora Apelada, na plataforma citius.
L. Sendo certo que nenhuma das cartas foi devolvida.
M. No entanto, a Executada não colaborou com a CGD, pelo que o PERSI foi extinto a 16/03/2017, e foi intentada a presente ação executiva.
N. Ora, entendeu o tribunal a quo que a Embargada, ora Apelante, não demonstrou que as comunicações tenham sido enviadas pela Apelante ou rececionadas pela Apelada.
O. Porém, nos termos dos artigos 39.º, n.º 2, 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, apenas é exigido que a integração e extinção do PERSI seja feita através de comunicação em suporte duradouro.
P. Por sua vez, nos termos do artigo 3.º, alínea h) do referido Decreto-Lei, entende-se por suporte duradouro: “(…) qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.”.
Q. No mais, no acima mencionado Decreto-Lei não existe qualquer indicação quanto à necessidade ou exigência de as comunicações serem remetidas através de carta registada com aviso de receção.
R. De igual forma, não consta da Instrução do Banco de Portugal n.º 16/2021 ou do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021 qualquer indicação nesse sentido.
S. Por consequência, não exigindo o legislador ou o Banco de Portugal tal requisito não poderá, salvo o devido respeito, o julgador exigir tal formalidade.
T. Logo, as comunicações por carta postal, ainda que sem registo, correspondem a um meio idóneo de atender ao exigido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro no que concerne à obrigatoriedade de as comunicações no âmbito do PERSI serem efetuadas através de suporte duradouro.
U. Atendendo ao supra exposto, é imperativo reconhecer que a Embargante, ora Apelada, foi integrada no PERSI, não se verificando a alegada exceção dilatória inominada.
V. Portanto, entende a Apelante que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não aplicou devidamente as normas dos artigos 14.º, n.º 4, 17.º, n.º 3 e 39.º, n.º 2 do DL n.º
227/2012, de 25 de Outubro.
W. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os Embargos de Executado, mais ordenando a prossecução dos ulteriores termos da execução.

7- A embargante/executada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A. Veio a Embargada/Recorrente, apresentar Recurso de Apelação por não se conformar com a decisão do Tribunal a quo, no sentido de julgar procedente os Embargos de Executado apresentados pela Embargante/Recorrida, pugnando pela revogação e substituição da sentença recorrida por outra que julgue improcedentes os Embargos de Executado e ordene a prossecução dos ulteriores termos da execução;
B. A sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, pelo que, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo;
C. Na pendência do contrato de crédito objeto do presente recurso, a Embargante/Recorrida entrou em situação de mora;
D. Até à data da propositura da ação executiva a Embargada/Recorrente manteve sempre o contrato válido e a produzir os seus efeitos;
E. Não resultou provado que a Embargada/Recorrente tenha feito operar qualquer resolução contratual, ainda que com o cumprimento das formalidades legais;
F. Em 01.01.2013, data em que entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, a Embargante/Recorrida era cliente bancária da Embargada/Recorrente, conforme aliás, bem decidiu o Tribunal a quo;
G. Assim, em face da validade e subsistência do contrato de crédito era a entidade bancária obrigada a promover a integração da Recorrida no PERSI, cumprindo, para o efeito, todas as formalidades legais previstas no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro;
H. Nos termos daquele decreto-lei, perante uma situação de mora no cumprimento de obrigações, as instituições passaram a estar obrigadas a desenvolver as diligências necessárias à implementação e integração dos clientes bancários no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI);
I. As diligências a levar a cabo, com vista à integração ou extinção, devem ser comunicadas ao devedor que se encontra em mora;
J. Mas esta comunicação, e ao contrário do entendimento da Embargada/Recorrente, não se coaduna com a mera demostração do envio das comunicações mediante carta por via postal simples;
K. Tratando-se aquelas de declarações negociais reptícias, à entidade bancária, in casu, à Embargada/Recorrente, cabia provar que enviou e fez chegar ao efetivo conhecimento da Embargante/Recorrida as comunicações quanto à integração e extinção do PERSI, o que não logrou fazer;
L. Em face da total ausência de prova quanto ao envio das comunicações à Embargante/Recorrida por parte da Embargada/Recorrente bem andou o Tribunal a quo ao considerar verificada a exceção dilatória inominada que conduz à absolvição da instância, nos termos do artigo 576.º, n.º 2 CPC;
M. Por outro lado, e caso assim não se entenda, também andou bem o Tribunal a quo no sentido de julgar provado e procedente a falta de verificação de interpelação prévia da Embargada/Embargante, aqui Embargante/Recorrida.
N. Tendo ficado igualmente por demonstrar o envio de alguma comunicação escrita com referência à resolução do contrato.
O. Porquanto, e ao contrário daquilo que foi sustentado pela Embargada/Recorrente, não resultou das cláusulas contratuais que a existência de mora, fazia operar automaticamente o vencimento antecipado das prestações.
P. Pelo que, em todo o caso, a resolução do contrato de crédito teria de ser precedida de interpelação à Embargante/Recorrida.
Q. O que não se verificou!
R. Em face de tudo quanto foi exposto, cabe concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do presente recurso, ao qual deve, assim, ser negado provimento e, em consequência, ser confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo ora recorrida.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser confirmada e mantida a sentença proferido pelo Tribunal a quo.
***
II-FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (art.ºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Se há fundamento para revogar a sentença, considerando-se provada a inclusão da executada no PERSI e a posterior comunicação da extinção do PERSI.
***
2- Matéria de facto decidida pela 1ª instância.
A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto:
Factos Provados:
A. A 22/07/2010 a exequente celebrou com MJG, na qualidade de mutuária, um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, ao qual a exequente atribuiu o n.º PT 0035…, no montante de €138.750,00 (cento e trinta e oito mil setecentos e cinquenta euros).
B. Em garantia do capital mutuado, juros e despesas, foi constituída hipoteca a favor da exequente sobre a fração… do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas com o registo nº….
C. Consta da cláusula 2ª do Anexo Um do Contrato referido em A, que o empréstimo destinou-se a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis.
D. Os fiadores, JVG e GVG foram declarados insolventes, por sentença proferida em 21/11/2012 no processo n.º ….
E. A partir de 22/12/2011 deixaram de ser pagas as prestações mensais.
F. Consta da cláusula 4ª do Anexo Um do Contrato referido em A, que, em caso de mora, os respetivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa credora para operações ativas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal.
G. Consta das cláusulas 6ª e 7ª do Anexo Um do Contrato referido em A, que o prazo de amortização do empréstimo é de 31 anos, em prestações mensais constantes, de capital e juros.
H. Consta da cláusula 13ª do Anexo Um do Contrato referido em A, que a Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento, designadamente no caso de: a) incumprimento (…) de qualquer obrigação decorrente deste contrato.
I. A exequente não comunicou à embargante a resolução do contrato.
*
Factos não provados:
1. O montante financiado de €138.750,00 foi solicitado pela embargante para ser entregue aos fiadores, que, por terem uma idade já avançada, não poderiam pedir o financiamento.
2. O valor mutuado foi utilizado pelos fiadores na persecução da atividade comercial da sociedade por eles detida, através do pagamento de despesas, salários, prestações de contratos de Leasing, entre outros encargos.
3. As prestações do Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança foram sempre pagas pelos fiadores.
4. Por carta emitida em 18/11/2016, que a embargante recebeu, a CGD comunicou à embargante o incumprimento nas operações identificadas e a integração da mesma no PERSI.
5. Por carta emitida em 16/03/2017, que a embargante recebeu, a CGD comunicou à embargante a extinção do PERSI por motivo de o cliente não possuir capacidade financeira para regularizar incumprimento.
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3- A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar a sentença, considerando-se provada a inclusão da executada no PERSI e a posterior comunicação da extinção do PERSI.

A apelante fundamenta o seu recurso, discordando da sentença recorrida que considerou que a embargada “…não demonstrou que as comunicações tenham sido enviadas pela Apelante ou rececionadas pela Apelada” (ponto N das Conclusões). Defende que nada na lei exige que a comunicação da inclusão no PERSI e a comunicação de extinção do PERSI tenham de ser efectuadas mediante carta registada com aviso de recepção, constituindo meio idóneo para o efeito a comunicação por carta postal ainda que sem registo.
Vejamos então.
Antes de mais, CUMPRE FAZER UM PRIMEIRO REALCE: a apelante não impugnou a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto!
E, assim sendo, é à luz dos factos considerados provados e não provados que temos de apreciar a pretensão da recorrente de revogação da sentença.
Ora, a 1ª instância considerou não provado que:
4. Por carta emitida em 18/11/2016, que a embargante recebeu, a CGD comunicou à embargante o incumprimento nas operações identificadas e a integração da mesma no PERSI.
5. Por carta emitida em 16/03/2017, que a embargante recebeu, a CGD comunicou à embargante a extinção do PERSI por motivo de o cliente não possuir capacidade financeira para regularizar incumprimento.
Daqui resulta que não se podem ter, sequer, por enviadas as cartas.
No entanto, acha-se oportuno mencionar que, segundo entendemos, o diploma legal que institui o PERSI não exige que as comunicações de inclusão no PERSI e da extinção do PERSI tenham lugar mediante carta registada com aviso de recepção ou sequer por meio de carta registada.
Na verdade estabelece o art.º 20º desse DL 227/2012, com epígrafe “Processos individuais”:
1 - As instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos.
2 - As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI.”
Por sua vez, o art.º 3º al. h) do mesmo diploma legal define como:
Suporte duradouro: qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilitem a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.” (sublinhado nosso).
Portanto, o “suporte duradouro” a que a norma se refere constitui um documento, quer físico quer electrónico.
Efectivamente, de acordo com o art.º 362º do CC, “(…) diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. (sublinhado nosso). Saliente-se que o documento electrónico “…é aquele que se encontra gravado em forma digital num suporte magnético ou magneto-óptico; em sentido amplo, o documento electrónico é aquele que é elaborado na sua forma definitiva em suporte de papel ou equivalente, por um computador.” (Teixeira de Sousa, O Valor Probatório dos Documentos Electrónicos”, Direito da Sociedade de informação, 2º vol. 1999, pág. 172).

A questão coloca-se em termos da eficácia da comunicação.
Em termos simples, como é sabido, são várias as teorias acerca da eficácia da comunicação/declaração: (i) teoria da expedição (a declaração recipienda é eficaz logo que enviada para o destinatário); (ii) teoria da recepção (a declaração é eficaz quando chega ao poder do destinatário); (iii) teoria do conhecimento (a declaração é eficaz quando for efectivamente apreendida pelo destinatário).
Ora, o artº 224º do CC, relativo à eficácia da declaração negocial, determina que a declaração recipienda é eficaz:
(i) Quando chegue ao poder do destinatário (teoria da recepção) – art.º 224º nº 1, 1ª parte;
(ii) Ou dele seja conhecida (teoria do conhecimento) – art.º 224º nº 1, 1ª parte;
(iii) Ou quando remetida e só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (teoria da expedição) – art.º 224º nº 2 (Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pág. 345).
Ou seja, a declaração negocial que tenha um destinatário torna-se eficaz logo que chegue ao seu poder ou é dele conhecida.
A nossa lei civil optou pela teoria da recepção: a declaração é eficaz quando chega à esfera de acção do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais este podia conhecê-la em conformidade com os usos (ser enviada para um apartado, para um domicílio, para um local de trabalho) a ponto de, uma ausência transitória da casa ou do estabelecimento são riscos do destinatário (cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, 2ª reimpressão, 2012).
Assim, a eficácia da declaração ocorre no momento em que entra na esfera própria do destinatário, ou seja, desde que, de harmonia com o que é habitual e comum, só dependa do próprio destinatário ou do modo como este organiza a sua casa ou os seus negócios, conhecer ou não a declaração que lhe foi dirigida (Cf. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume I, 1987, pág. 293; veja-se ainda, entre outros, Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 9ª reimpressão da edição de 1992, pág. 448 e seg.; Ana Prata, Código Civil Anotado, vol. I, AAVV, coord. Ana Prata, 2017, pág. 276 e seg.).

Pois bem, não fazendo o diploma legal que estabelece o regime do PERSI (DL 227/2012), qualquer exigência quanto ao modo de comunicação das declarações e quanto à respectiva eficácia, há que lançar mão das regras gerais sobre a matéria da eficácia da declaração negocial e acima relembradas. E, como vimos, de acordo com essas regras, a declaração é eficaz quando dirigida, rectius, enviada, à esfera de poder do destinatário.
Só que, no caso dos autos, como começámos por salientar, a apelante não impugnou a decisão da matéria de facto que considerou não provados, sequer, o envio das cartas.
Significa isto que não se pode ter como provada a comunicação de inclusão no PERSI e a posterior comunicação de extinção do PERSI.
Como é sabido, as normas procedimentais relativas ao PERSI tem natureza de normas imperativas. E o art.º 18º do DL 227/2015, estabelece mesmo que enquanto não ocorrer a comunicação de extinção do PERSI a instituição de crédito está impedida de: (i) resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (ii) intentar acções judiciais com vista à satisfação do crédito.
Quer dizer, a inobservância dessas normas impede a instituição de crédito de solicitar judicialmente a satisfação do seu crédito. Isto porque a preterição de comunicação de inclusão e de posterior extinção do PERSI constitui a inobservância de uma condição de admissibilidade da execução – falta de pressuposto processual – ou seja, de uma condição necessária para que no processo executivo a obrigação exequenda possa ser realizada coactivamente.
Na verdade, como é sabido, as condições de admissibilidade da acção ou pressupostos processuais definem as condições em que uma situação subjectiva pode ser exercida em juízo. Esses pressupostos determinam a possibilidade e a necessidade de as partes defenderem os seus interesses em juízo e a constituição do objecto da acção (Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lex, 1993, pág. 72).
Essa inobservância daquelas normas procedimentais constitui, assim, uma excepção dilatória, inominada e insanável, por a sua falta não poder ser preenchida na pendência da acção.
Além disso, entendemos, na linha da doutrina maioritária, que por se tratar de excepção dilatória (inominada e insanável) é de conhecimento oficioso (Cf. Alberto dos Reis, CPC III, pág. 84; Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, 2001, pág. 44; Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, pág. 571 e seg.).

A esta luz resta concluir que o recurso não pode proceder.

***
III-DECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantém a sentença impugnada.

Custas no recurso: pela apelante, na vertente de custas de parte (as custas na vertente de taxas de justiça mostram-se previamente satisfeitas e não houve lugar a actos que impliquem a tributação de encargos)

Lisboa, 12/01/2023
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Jorge Almeida Esteves
Decisão Texto Integral: