Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9778/18.4T8LSB.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: CONTRATO DE OPÇÃO
CONTRATO ATÍPICO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
FORMAÇÃO DA VONTADE
VÍCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1-O contrato de opção é um contrato instrumental, pelo qual uma das partes (concedente) emite a favor da outra (optante) uma declaração negocial que se consubstancia numa proposta contratual irrevogável referida a um certo contrato principal, fazendo nascer para o optante, o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a conclusão desse contrato.
2-Embora seja um contrato atípico, se por ele se visar a transmissão de direito de propriedade sobre imóvel, aplicam-se-lhe quanto à sua constituição, as exigências legais de forma estatuídas a propósito dos tipos contratuais de transmissão da propriedade de imóveis, devendo, por isso, ser celebrado por escritura pública ou documento particular autenticado.
3- A exigência de escritura pública ou de documento particular autenticado para a constituição do contrato de opção relativo à venda de imóvel constitui uma exigência de forma ad substantiam e, por isso, não é possível prová-lo por meio de testemunhas nem por confissão judicial provocada (depoimento de parte).
4- Importa não confundir a problemática da inobservância da forma do contrato pretendido com a problemática do erro de facto sobre os motivos do negócio tido em mente pelo declarante.
5-A exclusão/inadmissibilidade de produção daqueles meios de prova (testemunhal, ou confissão) para demonstração de declaração negocial sujeita a forma ad substantiam não abrange a possibilidade de provar, não o contrato, mas os factos que tendem a esclarecer a vontade dos declarantes ou os vícios de vontade que a inquinaram.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-M…. e marido, J…, instauraram acção declarativa, com processo comum, contra Fungere – Fundo de Gestão de Património Imobiliário, representado por GNB – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, pedindo:
a)- Se reconheça aos autores o direito a adquirirem, por compra e pelo preço de 807 000€ a fracção autónoma, letra “J”, correspondente ao 3º esq. do urbano sito na Av….., Lisboa;
b)- Subsidiariamente, anular-se o contrato de compra e venda dessa fracção autónoma, outorgada por escritura de 04/01/2013, determinando-se o cancelamento do respectivo registo a favor do réu.
Alegaram, em síntese, terem celebrado com o réu em 04/01/2013, escritura de compra e venda da referida fracção autónoma pelo preço de 800 000€ e, simultaneamente, contrato de arrendamento dessa fracção autónoma, pelo prazo de 3 anos, renovável por períodos de 1 ano, com uma renda mensal de 2 666€. Estipularam que nos primeiros três anos o senhorio não podia denunciar o contrato e, após esse período apenas poderia opor-se à renovação por meio de carta registada com aviso de recepção enviada com 120 dias de antecedência. Por carta de 23/09/2016, o senhorio comunicou-lhes a oposição à renovação do contrato de arrendamento, que cessaria os seus efeitos a partir de 04/07/2019; após conversações, os autores formalizaram proposta de recompra da fracção por 807 000€, formalizando desse modo o direito de recompra do andar. Em resposta a ré contrapropôs a venda por 1 000 000€. Os autores sempre estiveram convictos que poderia recomprar a fracção pelo preço de venda e só por isso aceitaram vender a fracção e tomá-la de arrendamento; essa sempre foi uma condição indispensável para os autores celebrarem aqueles dois contratos, como o réu não o ignora. O réu aceitou comprar com obrigação de revenda e sabia que os autores não teriam procedido á venda e tomada de arrendamento se o réu não se vinculasse à obrigação de proceder à revenda da fracção. O réu, na pessoa do então seu administrador, reconheceu o direito dos autores à recompra da fracção pelo preço de 870 000€. Assim, os autores actuaram em erro sobre a vinculação do comprador. O réu não podia deixar de esclarecer os autores que não se vinculava à revenda da fracção, actuando por isso dolosamente nos termos do artº 253º nº 1 do CC. Os autores actuaram em erro sobre os motivos.
2- Citado o réu contestou.
Invoca que qualquer cláusula de opção de compra de imóvel só seria válida se celebrada por escritura pública ou documento autenticado, o que leva à nulidade de tal acordo.
Invoca a excepção de caducidade do direito à anulabilidade do contrato de compra e venda, dizendo que os autores tiveram conhecimento da posição do réu em 23/09/2016 quando receberam a carta a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento e a obrigação de restituição da fracção e tinham um ano, nos termos do artº 287º nº 1 do CC, para instaurar a acção de anulação do contrato; porém, apenas instauraram esta acção em 03/05/2018.
Por impugnação, no essencial, nega que tenham acordado o invocado direito de recompra da fracção.
3- Realizada audiência prévia, os autores responderam à matéria de excepção invocadas pelo réu.
Foi suspensa a instância, a pedido das partes com vista a tentarem acordo, mas não foi o mesmo alcançado.
Em saneador/sentença a primeira instância julgou a acção totalmente improcedente.
4- Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A-Conforme artº 595º CPC, na fase de saneamento, só pode decidir-se do mérito da causa, quando o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total... dos pedidos; No entender dos AA, a douta decisão merece censura, por não permitir a produção de prova que, à luz do entendimento dos AA, permitiria um julgamento de procedência;
B-Não é de aceitar o entendimento do Tribunal a quo de que a inexistência de um acordo escrito quanto ao direito de recompra, tornaria inútil o prosseguimento dos autos, na medida em aos AA sempre estaria vedada a possibilidade de fazer prova testemunhal da existência do acordo verbal invocado. Importa distinguir o plano da prova de um acordo de vontades, do plano da validade desse mesmo acordo. É sabido que mesmo formalmente inválido um acto negocial se pode  revelar jurígena. O negócio nulo não é um negócio inexistente. Uma cláusula nula não é uma cláusula não acordada.
C-Os AA alegaram que os dois contratos (compra e venda e arrendamento) foram celebrados num determinado e especial contexto (casa de habitação, necessidade de liquidação de uma dívida bancária, proposta de uma "estratégia" de financiamento, rentabilidade assegurada para o financiador, um acordo de manutenção da casa de habitação de duas pessoas com idade avançada, um acordo de recompra pelo mesmo preço...) para cuja prova, a lei não estatui qualquer restrição, valendo pois, o princípio da livre apreciação ( art° 607.°, n° 5) CPC.
D-A factualidade alegada, se provada, indiciaria a existência do acordo verbal, e este acordo, ainda que formalmente inválido, não pode ser valorado como... juridicamente inexistente. A inadmissibilidade da prova testemunhal, não impede o recurso a este meio de prova para prova do facto material das declarações.
E-A existência do acordo alegado e a demais factualidade invocada, permite, certamente, concluir, que o Réu não actuou conforme os ditames de boafé. Para o DIREITO não pode ser irrelevante saber se os contraentes actuam, ou não, de acordo com a conduta exigível, ou seja, com correção, lealdade, honrando a palavra dada, com respeito pelas expectativas criadas. E ao Tribunal a quo impunha-se que permitisse aos AA fazer prova de que in casu assim sucedeu.
F-Ao contrário do que parece ter sido emntendido pelo Tribunal a quo, a relação material controvertida, tal como configurada pelos AA, não se reconduz à mera e simples questão de saber se é possível reconhecer validade a uma cláusula de recompra que não integra o texto de um contrato de compra e venda. O DIREITO, como já muitos repetiram, é tarefa que se faz, caso a caso, com as especificidades próprias de cada caso, não substância que, aprioristicamente, se descobre.
G-A prova do acordo verbal, no contexto assinalado, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo não é (igualmente), irrelevante para apreciação do mérito da pretensão formulada a título subsidiário. É na existência do referido acordo verbal que se funda para além do mais, a invocação da anulabilidade do contrato de compra evenda.
H-Ainda que o acordo invocado carecesse de forma escrita, aos AA. não está, em bom rigor, vedada a faculdade de procurar fazer prova do mesmo por prova pessoal (testemunhal ou pelo depoimento de parte requerido);
I-O Tribunal a quo errou ao considerar que o documento de fls 34 não constitui princípio de prova por escrito, que o mesmo não torna verosímil terem as partes acordado a faculdade de recompra.
J-Aquele entendimento merece censura: (i) por o Tribunal a quo só ter "olhado" para a diferença de € 7.000,00, esquecendo que as próprias partes consideraram o valor de 807.000,00 como valor da recompra,- (ii) por o Tribunal a quo ter confundido "princípio de prova "com "prova ",
K-É certo que do documento referido não resulta a prova da existência do acordo em causa, mas o mesmo, devidamente contextualizado, considerando a demais documentação junta, não pode deixar de tornar verosímil a existência do acordo.
L-É à luz dos valores da Justiça, da prevalência da verdade material, que a nossa Jurisprudência, afastando-se do legalismo formalista, tem considerado que a proibição da prova testemunhal não é absoluta, devendo ceder "mesmo quando as circunstâncias do caso concreto tornam verosímil a convenção", conforme Ac. STJ de 7-02.2008 (Proc. 0783934.dgsi. Net).
M-Merece, igualmente, censura, a douta sentença impugnada, na parte em que decidiu do mérito do pedido subsidiário, não permitindo aos AA a prova dos factos essenciais alegados.
N-A douta Decisão, como a percebemos, transformou o erro invocado pelos AA, num "erro impróprio" i.e desprovido de eficácia anulatória. Ou seja, por outras palavras, decidiu sobre um "erro" que, em bom rigor, não foi invocado.
O-Os AA, conforme alegado, venderam convictos que o R aceitou vincular-se à obrigação de vender a fração em causa pelo mesmo preço de aquisiçã; verificando-se, agora, que, afinal, o réu não aceitou (não se trata de um err in futurum) vincular-se, não pretendia (afinal) atribuir ta1 faculdade, importará concluir que atuaram em erro vício sobre os motivos em geral, ou subsidiariamente por erro qualificado.
P-A decisão proferida merece a censura deste Tribunal Superior porquanto, sempre se deveria facultar aos AA a faculdade de provar:
Que só celebraram o contrato de compra e venda (assim como o contrato de arrendamento) por ignorarem- sabendo o Réu que assim sucedia - que o Réu não
se pretendia, afinal, vincular ao acordo de revenda verbalizado.
Q-O que os AA pretendem é que este Tribunal Superior lhe permita provar o acordo invocado, bem que só outorgaram o contrato de compra e venda por estarem convictos de que o Réu aceitou a vinculação ao mesmo acordo verbal, e ainda que o Réu bem sabia que assim sucedia.
Pelo exposto e com o douto suprimento que se solicita, deverá dar-se provimento à Apelação, revogando-se a douta Sentença impugnada, substituindo-a por Acórdão que mande prosseguir os autos a sua ulterior tramitação.
5- O réu/apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da sentença.
***
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
-Se há fundamento para revogar a decisão e determinar o prosseguimento dos autos.
Vejamos.
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2- A factualidade alinhada pela primeira instância.
A 1ª instância considerou a seguinte factualidade:
Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados, pelos documentos de fls. 12 a 18 e por acordo das partes, os seguintes factos:
1 - No dia 4 de janeiro de 2013, por escritura pública, os AA. declararam vender ao R., e este declarou aceitar, pelo preço de € 800.000,00, a fração J, correspondente ao 3º esquerdo, do prédio sito na Av…., Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1679.
2 - No dia 4 de janeiro de 2013, por documento escrito, o R. cedeu aos AA. o gozo da fração identificada no ponto 1, para habitação, pelo prazo de 3 anos e meio, automaticamente renovável por períodos de 1 ano, mediante o pagamento da renda mensal de € 2.666,00.
3 - Do documento referido no ponto 2 constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
- “Durante o prazo inicial de vigência do presente contrato, nenhuma das partes poderá denunciar o presente contrato a todo o tempo, estando ambas vinculadas ao período de vigência em curso”;
- “Nada foi convencionado entre as partes directa ou indirectamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do constante das respectivas cláusulas”.
4 - Por carta registada datada de 23 de setembro de 2016, o R. opôs-se à renovação do arrendamento, solicitando a entrega da fração no dia 4 de julho de 2017.
5 - Os AA. aceitaram vender a fração para liquidar as dívidas que tinham para com o BES.
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3- A questão Jurídica: se há fundamento para revogar a decisão e determinar o prosseguimento dos autos.
Segundo os apelantes a decisão da acção logo na fase do saneador não lhes permite provar o acordo verbal de direito de recompra. Ambos os contratos foram celebrados num contexto específico para cuja prova não existe qualquer restrição podendo ser apurada através do princípio da livre apreciação, o que permitiria demonstrar que o réu não actuou conformemente aos princípios da boa fé. Os autores não podem estar impedidos de provar o acordo verbal por via testemunhal ou por depoimento de parte (meios de prova requeridos). O documento de fls 34 constitui princípio de prova da existência de acordo verbal de recompra.
Quanto ao pedido subsidiário, a sentença transformou o erro vício sobre os motivos em erro impróprio, desprovido de eficácia anulatória. Os autores tinham direito a provar que só celebraram o contrato de compra e venda (assim como o contrato de arrendamento) por ignorarem- sabendo o Réu que assim sucedia - que o Réu não se pretendia, afinal, vincular ao acordo de revenda verbalizado.
Será assim?
São duas as questões essenciais que importa apreciar:
- (i) - O problema da possibilidade de prova do invocado direito de recompra da fracção autónoma;
- (ii) – O problema da possibilidade de prova do erro.
Vejamos cada uma delas.
3.1- Assim, quanto à primeira: (i) O problema da possibilidade de prova do invocado direito de recompra da fracção autónoma;
3.1.1- Coloca-se a questão de saber se os autores poderiam (vir a) provar o invocado direito de recompra da fracção autónoma, mediante prova testemunhal ou por confissão (depoimento de parte) ou se se deveria ter em consideração, como princípio de prova, o teor do documento de fls 34 – troca de e-mail entre o filho dos autores e o Manuel Leite Braga – com vista a admitir-se como provado esse invocado acordo de recompra da fracção autónoma.
A 1ª instância considerou, em síntese, que a opção de compra da fracção, teria de observar a forma exigida pelo artº 875º do CC (escritura pública ou documento particular autenticado) ou, pelo menos, a forma estabelecida pelo artº 410º nº 2 do CC (documento assinado pela parte que se vincula). E lançando mão do artº 393º nº 1 do CC, afastou a 1ª instância a possibilidade de a prova do invocado direito de recompra ser demonstrado por prova testemunhal. Invocou ainda o regime do artº 394º do CC para concluir não ser possível a prova do alegado acordo de recompra por meio de prova testemunhal.
Em primeiro lugar importa assentar que o alegado direito de recompra da fracção autónoma não se monstra vertido em qualquer suporte físico/documento, mormente não é mencionado/referido em nenhum dos contratos, quer de compra e venda quer de arrendamento em causa nos autos. Nisso as partes estão de acordo e, de resto, resulta do teor dos mencionados contratos.
Quando se fala em forma do negócio ou da declaração negocial, quer-se significar o modo utilizado para exteriorização das declarações de vontade.
Em certos casos exige-se para a validade de determinados negócios que as declarações negociais que os constituem se exprimam de determinado modo, em termos solenes, mais ou menos exigentes conforme as situações. Digamos que o negócio formal será o que tem de observar uma certa forma especial que não a mera declaração verbal.
Pois bem, para se verificar se determinada declaração negocial está submetida a determinada forma legal, impõe-se que se qualifique essa declaração negocial face ao seu conteúdo e vínculos jurídicos que cria para as partes.
No caso dos autos os autores invocam que foi acordado (verbalmente) entre as partes que após a cessação do contrato de arrendamento teriam direito de recompra da fracção autónoma, pelo preço de venda acrescido de despesas da ré, ou seja, pelo valor de 807 000€.
A primeira instância considerou que esse (alegado) acordo (verbal) consubstanciaria um pacto de opção.
A doutrina (portuguesa) refere-se ao contrato de opção como um instrumento, ou contrato instrumental, pelo qual uma pessoa, querendo, pode provocar o aparecimento de um contrato predeterminado (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. II, parte geral, pág. 299). Antunes Varela refere-se-lhe como “uma das partes emite logo a declaração correspondente ao contrato que pretende celebrar (…) enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar ou declinar o contrato, dentro de certo prazo: aceitando, o contrato aperfeiçoa-se sem necessidade de qualquer nova declaração da contraparte” (Das Obrigações em Geral, vol. I, 5ª edição, pág. 291). Ferreira de Almeida refere-se-lhe como “…contrato que tem por efeito a atribuição de um direito potestativo á formação de um outro contrato (contrato optativo)” (Contratos I, conceitos, fontes e formação, pág. 104). Tiago Soares da Fonseca define-o como uma “convenção mediante a qual uma das partes (concedente) emite a favor da outra (optante) uma declaração negocial que se consubstancia numa proposta contratual irrevogável referida a um certo contrato (principal), fazendo nascer, nesta última, o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a conclusão do mesmo” (Do Contrato de Opção – Esboço de uma Teoria Geral, Lex, pág. 21).
Portanto, destas abordagens resulta que o contrato de opção é uma convenção em que as partes acordam logo o conteúdo essencial de um outro contrato, a cuja celebração futura uma delas fica desde logo sujeita, ficando a contra- parte com o direito potestativo de desencadear a conclusão desse contrato mediante declaração de vontade unilateral (Cf. Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, 2ª reimpressão, pág. 395).
Distingue-se da promessa irrevogável, por esta constituir um acto unilateral, enquanto o pacto/contrato de opção é um contrato (Ana Prata, Contrato-Promessa…, cit., pág. 401). Distingue-se igualmente do contrato-promessa, ainda que unilateral, porque, neste, a sua principal característica é constituir as partes, ou uma deles, na obrigação de emissão de futura declaração negocial, enquanto no contrato de opção o seu efeito é submeter uma das partes a um estado de sujeição enquanto a outra tem um correspondente direito potestativo de aceitar a celebração do contrato previsto (Ana Prata, Contrato-Promessa…, cit., pág. 402).
Ora, face ao que os autores alegam, entendemos que pretendem invocar um contrato de opção visto que dizem ter acordado com a ré a (re)compra da fracção autónoma, logo que findasse o contrato de arrendamento, pelo preço de 870 000€. Quer dizer, pretendem que o réu se sujeitou a ficar adstrito ao direito potestativo dos autores aceitarem a (re)compra da fracção autónoma.
3.1.2- Ora, tratando de contrato de opção, a segunda questão que se coloca é a de saber se esse contrato de opção está sujeito a exigências de forma.
Pois bem, como é sabido, a regra geral do direito civil português é a liberdade de forma: a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir (artº 219º do CC). Ou seja, regra geral, os contratos formam-se por efeito de mero consenso das partes, mas a lei pode exigir, para a respectiva validade, determinado formalismo.
A regra da consensualidade ou a imposição de formalismo, vale, em princípio, para os contratos típicos, ou seja, aqueles contratos expressamente previstos na lei. No entanto, quanto aos chamados contratos atípicos não se encontra na lei civil qualquer norma específica que regule a forma que devem observar.
Ora, o contrato de opção é um contrato atípico e, por isso, importa determinar se deve ou não observar uma forma especial, melhor dizendo, se pode concluir-se que, não obstante a sua atipicidade, ainda assim existem exigências de forma que deva observar.
Pois bem, sobre a questão, recorrendo á lição de Pedro Pais de Vasconcelos: “Para além das exigências legais de forma estatuídas a propósito de tipos contratuais, existem também na lei exigências de forma estatuídas a propósito do conteúdo e efeitos dos contratos e que se aplicam para além dos tipos contratuais. É o caso, por exemplo, do nº 1 do artº 80º do Código do Notariado, que determina a obrigatoriedade de escritura pública para todos e quaisquer contratos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou de servidão sobre coisas imóveis. (…) As exigências legais de forma, como estas, são aplicáveis a todos os contratos, sejam eles de que tipo forem e sejam eles típicos ou atípicos. Assim, devem ser celebrados por escritura pública todos os contratos atípicos com eficácia real que tenham por objecto imóveis.” (Cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Típicos, 2ª edição, 2009, pág. 463, sublinhado nosso).
Portanto, o contrato de opção relativo a compra de bem imóvel deve revestir a forma exigida para o contrato cuja formação se trate. (Tiago Soares da Fonseca, Do Contrato de Opção…, cit., pág. 59).
Assim, no caso dos autos, temos de concluir que o contrato de opção alegado teria que ser celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado conforme decorre do artº 875º do CC e do artº 80º do Código do Notariado.
3.1.3- Pois bem, não tendo o contrato de opção invocado sido celebrado – isto independentemente de saber se foi efectivamente celebrado - por meio de escritura ou documento particular autenticado, a questão que se coloca é a de saber se pode ser provado por testemunhas ou por confissão judicial provocada (depoimento de parte).
O artº 364º do CC, sobre epígrafe “Exigência legal de documento escrito” determina:
“1- Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2- Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.”
Como é sabido, este preceito distingue entre forma ad substantiam (nº 1) e forma ad probationem (nº2). A forma ad substantiam é exigida pelo direito para a própria consubstanciação do negócio em si; na sua falta esse negócio seria nulo. A forma ad probationem requer-se para demonstrar a existência do negócio (cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo I, 2ª edição, pág. 376).
A regra é a de que o documento escrito, autêntico, autenticado ou particular, é exigido como forma ad substantiam, pelo que apenas quando se refira, clara e expressamente, à prova do negócio, é que o documento se considera exigido como formalidade ad probationem (Cf. Luís Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2013, pág. 199).
No caso de a exigência de forma ad substância, a prova da declaração negocial não pode ser feita por outro meio que não um documento com força probatória superior. É, assim, inadmissível que a prova do contrato sujeito a forma ad substantiam se faça por meio de prova testemunhal ou por confissão judicial provocada (depoimento de parte) – Cf. Lebre de Freitas, A confissão no Direito Probatório, pág. 150; e do mesmo autor, CC anotado, vol. I, coord. Ana Prata, AAVV, pág. 440; Luís Pires de Sousa, Prova Testemunhal, cit., pág. 200.
Ora, a exigência de escritura pública ou de documento particular autenticado para o contrato de opção relativo à venda de imóvel constitui uma exigência de forma ad substantiam e, por isso não é possível prová-lo por meio de testemunhas nem por confissão judicial provocada (confissão).
É vedado ao juiz admitir a prova de declarações negociais a que a lei impõe sejam declaradas por documento enquanto elemento constitutivo do próprio negócio, que não por meio de documento com força probatória superior.
Esta conclusão, de resto, é corroborada pelo artº 393º nº 1 do CC: se por disposição da lei a declaração negocial tiver de ser reduzida a escrito, não é admissível a prova testemunhal, bem como pelo artº 354ºal. a), do CC: a confissão não é admissível quando a lei a declara insuficiente.
Por conseguinte e concluindo esta questão: não há fundamento para revogar a decisão do tribunal a quo quando decidiu não ser possível a prova do alegado contrato de opção de (re)venda do imóvel.
3.2- Passemos à segunda questão: O problema da possibilidade de prova do erro.
Defendem os autores, a sentença transformou o erro vício sobre os motivos em erro impróprio, desprovido de eficácia anulatória. Segundo eles, tinham direito a provar que só celebraram o contrato de compra e venda (assim como o contrato de arrendamento) por ignorarem - sabendo o réu que assim sucedia - que o réu não pretendia vincular-se ao acordo de revenda verbalizado.
A primeira instância, sobre esta questão, argumentou que:
Os AA. invocaram o erro sobre os motivos, alegando que não sabiam que o R. não ficava vinculado a proceder à revenda.
O R. não ficou vinculado porque a opção de compra não consta do contrato de compra e venda nem do contrato de arrendamento.
A existir erro dos AA., o erro é quanto ao âmbito da forma legal e, nos termos do art. 6º do C.C., “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.
Os AA. invocaram o dolo, afirmando que se impunha que o R. esclarecesse os AA.
Nos termos do art. 253º do C.C., “entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”, sendo que “não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as conceções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas conceções.”
Nenhum dever do R. de elucidar os AA. resulta da lei, de estipulação negocial ou das conceções dominantes no comércio jurídico.
Pois bem, coloca-se a questão de saber se os autores teriam direito à oportunidade de provarem o erro que invocam.
A problemática do erro na formação da vontade, ou erro vício só releva se atingir a pessoa do declaratário ou o objecto do negócio (artº 251º do CC). O primeiro, erro quanto à pessoa do declaratário reporta-se à identidade dele ou às suas qualidades. O segundo, relativo ao objecto do negócio, refere-se à identidade do objecto do negócio, às suas qualidades físicas e jurídicas e ao seu valor.
Já o erro sobre os motivos, a que se refere o artº 252º nº 1 do CC, é relativo ao erro de facto sobre a causa/motivo da celebração do negócio. Porém, só releva para efeitos de anulação, se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo (artº 252º nº 1, parte final).
Ora bem, importa não confundir a problemática do erro de facto sobre os motivos do negócio com a inobservância da forma do contrato pretendido ou tido em mente pelo declarante como causa da sua decisão de contratar.
A exclusão/inadmissibilidade de produção de meios de prova para demonstração de declaração negocial sujeita a forma ad substantiam não abrange a possibilidade de provar (não o contrato) mas os factos que tendem a esclarecer a vontade dos declarantes ou os vícios de vontade que a inquinaram. (Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ 112, pág. 236 e seg.; Luís Pires de Sousa, Prova Testemunhal, cit., pág. 203).
 Por conseguinte, somos a entender que aos autores deve ser concedido, rectius reconhecido o direito de produzirem prova sobre os factos relativos ao erro que invocaram. Se demonstram ou não a integralidade dos factos que permitem a procedência da excepção de erro é questão que nesta fase processual não cuida averiguar.
Por conseguinte, neste aspecto, há que revogar o saneador sentença, determinando o prosseguimento do processo para, apenas, apreciação do pedido subsidiário. Claro está, sem prejuízo do conhecimento da excepção de caducidade do direito à anulabilidade do contrato de compra e venda com base no erro sobre os motivos, invocado pelo réu.
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III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogam parcialmente o saneador/sentença recorrida apenas na parte relativa ao pedido subsidiário, ordenando que os autos prossigam os seus ulteriores termos.
Custas no recurso pelo réu/apelado por ter decaído.

Lisboa, 19/12/2019
Adeodato Brotas
Teresa Soares
Octávia Viegas